1 Breve Panorama Histórico
A primeira constituição do Brasil que teve sua vigência ainda no período imperial, foi a Constituição de 1824 que não fez qualquer menção ao contraditório ou à ampla defesa. Somente a partir da Constituição de 1891, o legislador constituinte fez alusão ao tema “defesa”, para proteção dos presos, conforme se depreende do § 16 do artigo 72 in verbis: “aos acusados se assegurará a lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas”.[1]
Por sua vez, a Constituição de 1934 destacou a expressão “ampla defesa” no artigo 113, § 24, ainda que voltada para a legislação criminal, também dispunha o artigo 122, §11 da citada Carta.
Passamos à Constituição de 1946 que mencionava a palavra “plena defesa”, conforme disposto no art. 141, § 25.
Já, na Constituição de 1967, expressava o art. 150, em seu parágrafo 15, “A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção”.[2]
Finalmente, foi a Constituição de 1988 quem ampliou o alcance da expressão “ampla defesa” bem como, trouxe ao âmbito Constitucional o contraditório, que até então era peculiar ao Direito Processual, conforme expressa disposição do art. 5º, LV.[3]
O jurista precisa ter consciência de que, na verdade, não existe um “mundo jurídico”, isolado da realidade. O Direito não pode ser visto apenas como uma ciência interpretativa e normativa, mas como uma ciência que precisa, como todas as outras, retratar a realidade e o mundo dos fatos. Este mundo, o real, é eminentemente político (afinal, o homem é um animal político). Além disso, não se pode esquecer que o Direito Processual é ramo do Direito Público e, nessa qualidade, examina atividades estatais, as quais são regidas por finalidades políticas. Assim, então, define contraditório como sendo a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a consequente possibilidade de manifestação sobre os mesmos.[4]
Dessa forma, o corolário do princípio é a igualdade das partes nos atos processuais. O processo civil se desenvolve em atos de ataques e defesas, mas também de ataques e contra-ataques, donde resultará imperioso o tratamento paritário das partes, a fim de que elas possam, em igualdade de condições, exercer seus direitos e cumprir seus deveres processuais. O princípio da igualdade das partes se acha expresso na lei, ao preceituar que compete ao juiz, que dirige o processo, “[...] assegurar às partes igualdade de tratamento”.[5]
2 Definição, Natureza e Objeto
O contraditório é um princípio, e não uma regra, o que vale dizer que ele é uma norma fundamental, basilar, tanto que foi elevado a status constitucional, o que não significa afirmar que ele tenha caráter absoluto, já que está relacionado com outros princípios do sistema.[6]
No entanto, o princípio do contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça: absolutamente inseparável da distribuição da justiça organizada, o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano audiatur et altera pars. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente mesmo à própria noção de processo.[7]
Na verdade, o contraditório é uma garantia constitucional e não um simples direito subjetivo.
A garantia do contraditório, imposta pela Constituição com relação a todo e qualquer processo, significa, em primeiro lugar, que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo e o juiz deve franquear-lhe esses meios. Mas significa, também, que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deve resolver-se, portanto, num direito das partes e deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz.[8]
O citado princípio, o contraditório, vem expresso no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal de 1988: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.[9]
Assim, a garantia do contraditório[10] compreende a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para tanto, é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes para que possam fazer valer em juízo seus direitos.
Conceitua-se o contraditório como “A ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los. Dessa forma, pode-se extrair dois elementos substanciais, quais sejam, a obrigatoriedade da informação e a possibilidade de reação”.[11]
Atualmente, chega-se à conclusão de que se trata, na verdade, de informação-reação-participação.
Necessário registrar para melhor compreensão do trinômio antes referido, a perfeita proposta elaborada por Comoglio, Ferri e Taruffo, que denominam como sendo o conteúdo mínimo necessário para se obter o contraditório, a saber: a) igualdade das partes, não apenas em sentido formal, mas também substancial; b) possibilidade de defesa técnica, mediante assistência de defensor profissionalmente de alegação e produção de provas capaz de influenciar a formação do convencimento do juiz; c) direito à adequada informação dos atos processuais; d) direito à motivação das decisões etc.
A observância pelo juiz do terceiro componente do contraditório, ou seja, o diálogo, é a garantia de efetiva participação do autor e do réu no processo.[12]
De fato, o contraditório é constituído por esses três aspectos perfeitamente distintos. A informação é sempre obrigatória para que o adversário possa comparecer em juízo e ser ouvido. A reação é sempre possível, embora não obrigatória. E a participação, no sentido de poder influenciar na formação do convencimento do juiz, completa o trinômio a que se refere.[13]
Esses três aspectos atuam, de forma diferente, segundo a natureza do processo ou as peculiaridades de cada procedimento, mas, em qualquer hipótese, eles deverão estar presentes para que o contraditório se aperfeiçoe.[14]
Os princípios são, por natureza, normas abertas, quer dizer, consubstanciam-se em conceitos vagos ou indeterminados, cuja aplicação prática exige a intervenção do intérprete, a quem incumbe lhes dar vida, definindo o seu conteúdo e alcance.[15]
Nesse passo, interpretar um conceito vago é pressuposto lógico da aplicação de uma norma posta (ou de um princípio jurídico) que contenha um conceito dessa natureza em sua formação.[16]
Canotilho, ao dissertar acerca das peculiaridades dos princípios jurídicos e sobre a distinção entre os princípios e regras, destaca o que denomina “grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto”, característica segundo a qual os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (por parte do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta.[17]
Destaca, ainda, que os princípios jurídicos têm caráter axiomático, ou seja, albergam um valor eleito pela sociedade para orientar a solução das questões jurídicas.
Desse modo, é correto afirmar que a maneira de interpretá-los evolui de acordo com o tempo, valores atuais eleitos pela nação definirão o que precisamente se tornou importante, isto é, quais são os resultados escolhidos e que devem preponderar”. [18]
O núcleo essencial do princípio do contraditório compõe-se, de acordo com a doutrina tradicional, de um binômio: “ciência e resistência” ou “informação e reação”. O princípio desses elementos é sempre indispensável; o segundo, eventual ou possível.
Justamente em função dessa nova compreensão dos elementos “ciência” ou “informação” é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a idéia de participação, com a possibilidade de participação na decisão do Estado, viabilizando-se, assim, mesmo que no processo, a realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito.[19]
O direito processual, como fenômeno cultural, produto exclusivo do homem e, por consequência, empolgado pela liberdade, não encontrável em rerum natura, tem o seu tecido interno formado pela confluência das ideias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço. Impossível, portanto, assimilá-lo apesar do seu caráter formal, a mero ordenamento de atividades, dotado de cunho exclusivamente técnico, composto por regras externas, estabelecidas pelo legislador de modo totalmente arbitrário. A estrutura mesma do processo civil não é moldada pela simples adaptação técnica do instrumento processual, a um objetivo determinado, mas especialmente por escolhas de natureza política, em busca dos meios mais adequados e eficientes para a realização dos valores que dominam o meio social, estes, sim, estruturando a vida jurídica de cada povo, de cada estado.
O mesmo se passa com os princípios, que haurem seu significado, alcance, extensão e aplicação nos valores imperantes no meio social, em consonância com o specificum de cada tempo e espaço social. “O princípio do contraditório não foge à regra geral e também tem sua história, não se mostrando indiferente às circunstâncias e valores da época em que exercido”.[20]
Logo os princípios jurídicos têm uma natureza axiológica ou, por outras palavras, são reflexos de valores sociais e políticos, e essa natureza também caracteriza o princípio do contraditório e exige-se adequações à realidade atual.
Dessa forma, essa concepção outrora reinante segundo a qual o princípio do contraditório exigia apenas a ciência das partes e a possibilidade de atacarem os atos processuais, resumida no binômio informação-reação, devendo o juiz apenas cuidar para que as ocorrências processuais fossem comunicadas às partes, incumbindo a estas impugnar as que lhes fossem desfavoráveis, perdeu terreno para uma nova concepção, cujo contorno conforma-se à opção valorativa do Estado Democrático de Direito.[21]
Esclarece-se, ainda, que “claro está que essa concepção encontrou terreno fértil no chamado processo liberal, dominante no século XIX, em que a filosofia do laissez-faire destinava ao órgão judicial um papel puramente passivo, quase de mero árbitro do litígio, cuja principal função era apenas a de verificar e assegurar o atendimento às determinações formais do processo. No transcurso do século XX, outros valores passaram a influenciar a conformação da garantia, especialmente a necessidade de um maior ativismo judicial, a ânsia da efetividade a exigir mais do que a simples proclamação das garantias processuais, e a revitalização do caráter problemático do direito. [...] Tal modo de ver reflete-se, indiscutivelmente, no alcance do princípio do contraditório, pois determina, assim, uma mudança de sentido, que de modo nenhum pode ser ignorada, instando a que o princípio deixe de ser meramente formal, no intuito de atender aos standards necessários para o estabelecimento de um processo justo, para além de simples requisito técnico de caráter não essencial.[22]
Não é fácil, porém, nos casos concretos, resolver o conflito entre o contraditório e a efetividade da jurisdição.
A dificuldade está na própria conceituação de efetividade. A ideia geralmente aceita é, porém, de que o processo deve garantir, a quem tem um direito, o mesmo resultado ou aquele equivalente ao que ele obteria se não fosse necessário ingressar em juízo, ou seja, se a obrigação fosse cumprida voluntariamente pelo adversário.
Assim, o juiz deve fazer atuar o contraditório, mas sem rigor formalista que poderá comprometer a efetividade do processo. Para encontrar a situação de equilíbrio entre esses dois princípios, o juiz precisará valer-se do princípio da proporcionalidade.[23]
A fonte valorativa em questão, isto é, o princípio do contraditório pode ter vários significados, mas, na atualidade, deve ser desenhado com base na ideia da igualdade substancial, já que não pode se desligar das diferenças sociais e econômicas que impedem a todos de participarem, efetivamente, no processo.[24]
Na concepção ditada pela literatura contemporânea, o contraditório ultrapassa o binômio informação-reação, devendo permear todos os momentos relevantes do procedimento, quer dizer, é um “postulado destinado a proporcionar ampla participação dos sujeitos da relação processual nos atos preparatórios do provimento final. Sua observância constitui fator de legitimidade do ato estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo têm de influir em seu resultado”.[25]
Sustenta-se que deve ser assegurada aos protagonistas do processo participação conjunta e recíproca, durante as sucessivas fases do procedimento.
Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.[26]
O contraditório deve ser observado em consonância com as peculiaridades do processo sobre o qual esteja sendo aplicado, alcançando diferente incidência.
A participação ampla que deve ser assegurada aos litigantes, possibilitando-lhes influir no provimento final a ser outorgado pelo julgamento, isto é, no resultado do processo, advém da ideia ínsita ao Estado Democrático de Direito de que os atos de poder só têm legitimidade quando emergentes de procedimento idôneo segundo a Constituição e a lei e precedidos da participação dos sujeitos envolvidos.[27]
Interpretando a doutrina reitera-se que o processo é o meio estatal destinado a outorgar tutela jurisdicional a quem dela necessitar, ou seja, é o instrumento pelo qual a jurisprudência atua. Assim é o corolário de que os atos do juiz em processo judicial são manifestação do poder jurisdicional do Estado, quer dizer, são atos de poder e, como tais, tem sua legitimidade e, mais do que isso, sua legalidade, vinculadas à prévia audiência das partes interessadas, à medida que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal encampa o princípio do contraditório.[28]
Nesse diapasão, a Constituição Federal, ao consignar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, fez uma opção valorativa pela qual condicionou a legitimidade dos atos de poder à participação (real e efetiva) dos cidadãos. No processo jurisdicional, o princípio político da participação atua mediante o contraditório, que se manifesta por meio do procedimento preestabelecido para outorgar às partes e ao juiz a possibilidade de influir na elaboração da solução da lide.[29]
Capelletti diz que “[...] significa direito ao conhecimento e à participação, participar conhecendo, participar agindo: ele é, em suma, a garantia que assegura a possibilidade de participação dos interessados”.[30]
3 O CONTRADITÓRIO COMO FONTE VALORATIVA NO PROCESSO CIVIL CONSTITUCIONAL: A EFETIVAPARTICIPAÇÃO DOS ENTES PROCESSUAIS
Nesse sentido, a participação (diálogo) é o terceiro elemento da trilogia que informa o contraditório. O diálogo deve ser estabelecido entre todos os integrantes da relação jurídica processual, ou seja, entre as partes (autor e réu) e o juiz, uma vez que a perfeita comunicação se concretiza por meio da interação aberta e franca entre seus integrantes.[31]
Nesse passo, “significa esse princípio, que se deve dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e de outro a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis, percebe-se ainda, a íntima correlação existente entre o princípio do contraditório e o da isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF/88. Art. 125, I do CPC) estando ainda relacionado ao princípio do amplo e irrestrito acesso ao judiciário. [32]
Observa-se que o que diferencia o processo do procedimento é justamente a existência e constância no contraditório do modulo processual, isto é, a participação das partes na formação do ato final, cuja estrutura está alicerçada a) na participação dos destinatários dos efeitos do ato final na fase preparatória do ato; b) na simetria da sua posição no curso do procedimento; c) na mútua implicação da sua atividade (desenvolvida respectivamente para promover e impedir a emanação do provimento; d) na relevância das atividades das partes para o autor do provimento, de maneira que as escolhas, reações e controles pelas partes sejam consideradas no controle e nas reações dos outros, e que o autor do ato deva ter presente os resultados dessas condutas.[33]
Tal assertiva não é simples reflexão ou pensamento, mas proposição defendida pela doutrina processual, como nos demonstra Dinamarco que uma vez “Instaurado o processo, cresce hoje a tendência a reforçar os poderes do juiz e seus deveres de participação – mas ainda assim todo sistema processual é constituído de modo a oferecer a cada uma das partes, ao longo de todo o procedimento, oportunidades para participar pedindo, participar alegando e participar provando. Oferecer-lhes his day in court é abrir-lhes portas para essa tríplice participação.[…]Para cumprir a exigência constitucional do contraditório, todo modelo profissional descrito em lei contém e todos os procedimentos que concretamente se instauram devem conter momentos para que cada uma das partes peça, alegue e prove. O autor alega e pede na demanda inicial; instituído o processo mediante o ajuizamento desta, o réu é admitido a pedir logo de início, podendo alegar fundamentos de defesa e postular a improcedência da demanda ou a extinção do processo; o autor pode pedir a antecipação da tutela, o que obterá se concorrerem os requisitos postos em lei (CPC, art. 273); ambas as partes são admitidas a produzir provas dos fatos alegados.[34]
A oportunidade efetiva, real, de participação das partes durante todos os momentos relevantes do itinerário procedimental depende sempre do prévio conhecimento acerca do ato a ser praticado ou impugnado. Para atender a essa exigência, o sistema processual civil brasileiro contempla uma atividade, desempenhada pelo juiz e seus auxiliares, que consiste na comunicação processual.
Os princípios recortam parcelas da realidade e colocam-nas sob seu âmbito de proteção. Consequentemente, a partir do momento em que se projetam sobre a realidade, eles servem de fundamento para normas específicas que orientam concretamente a ação e já no âmbito da relação entre a Constituição e a lei, isso significa que os princípios de um lado impõe aos legisladores deveres de produção de normas jurídicas e de outro, imunizam determinadas posições jurídicas, as parcelas da realidade recolhidas em seu âmbito protegido, do alcance da atuação da lei. [35]
O sistema de comunicação processual é um dos mecanismos procedimentais pelo qual o contraditório atua, razão pela qual, para a efetivação do contraditório, é imprescindível que as partes sejam comunicadas sobre os atos processuais.
Nesse modo de participar e abrir canais para a efetiva participação, ele não estará ultrajando a garantia constitucional do contraditório, mas dando-lhe uma dimensão de oportunidades iguais entre as partes. Garantirá a luta em paridade de armas. [36]
Com base nessas premissas, “o princípio do contraditório, encampado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal Brasileira, tem essas características, ou seja, sua formulação abriga um conceito vago (indeterminado) e tem caráter axiomático, de sorte que a fixação de seu conteúdo depende da atividade interpretativa, que, por sua vez, submete-se ao influxo dos valores e métodos interpretativos predominantes em cada momento histórico. Acreditamos que essas características são extremamente úteis na medida em que tornam a norma versátil, dando-lhe a plasticidade necessária para que amolde as novas realidades sociais e técnicas. Todavia, essa maleabilidade dos conceitos vagos permitirá também que o seu conteúdo seja preenchido de acordo com os interesses dos detentores do poder, o que, do ponto de vista histórico, não seria novidade. O método para frear, ou quiçá impedir, pelo menos em certa medida, a má utilização das normas que incorporam conceitos vagos, é a fixação de uma técnica de interpretação capaz de conduzir à resposta correta para cada caso jurídico ao qual a norma que é objeto de interpretação deva ser aplicada.
O contraditório real e efetivo implica que haja comunicação adequada das partes acerca dos atos processuais, para que possam adotar as providências cabíveis. A formação legítima dos provimentos judiciais depende da prévia e efetiva participação das partes, o que somente poderá ocorrer se elas forem devidamente comunicadas sobre os atos processuais.
Pode-se dizer que o julgador tem o dever de proporcionar o diálogoentre as partes durante todo o procedimento, ou seja, de ouvi-las antes de se pronunciar, pois somente assim lhes será assegurada efetiva possibilidade de influir no resultado do julgamento. Mesmo diante de questões de ordem pública que, segundo o regime jurídico respectivo, são de conhecimento oficioso em qualquer fase e grau de jurisdição, defende-se que o julgador, antes de se pronunciar, deverá provocar a manifestação das partes, a fim de legitimar sua decisão.
Segundo uma perspectiva albergada por algumas modernas codificações, a decisão acerca das questões cognocíveis de ofício depende da prévia audiência das partes, quer dizer, tais questões podem e devem ser enfrentadas independentemente de provocação das partes, mas, antes de decidi-las, o juiz deve chamar as partes para que se pronunciem. Nesse sentido, é o artigo 3º do Código de Processo Civil português. “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de fato, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.[37]
Desta forma, o processo é um instrumento que vislumbra a composição de conflitos, pacificação social, que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de um princípio que pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência, comunicação, ciência) e possibilidade de influencia na decisão[38].
O exame de ofício das questões de ordem pública, especialmente de natureza processual, deve ser precedido de plena participação das partes. Embora possa o juiz conhecer de tais questões independentemente de provocação, deve antes de proferir decisão a respeito, submetê-las à manifestação das partes.[39]
O contraditório se reveste ainda, do mais elevado significado como princípio basilar do próprio Estado de Direito, porque a Democracia do nosso tempo é essencialmente participativa, ou seja, é o regime de relações entre o Estado e os cidadãos nos quais a todos os indivíduos, nos limites de seus interesses, é assegurado o direito de participação na formação da vontade estatal.[40]
Tem-se, nesse passo, que o contraditório constitui manifestação direta do devido processo legal, de maneira que é da essência do processo a existência do contraditório. [41]
Éconsagração concreta, em juízo, das opções políticas dos legisladores brasileirosacerca do modelo de Estado adotado pela Carta da República Brasileira. Contraditório é a maneira pela qual consagram-se os princípios democráticos da República brasileira, que proporcionam ampla participação no exercício das funções estatais.
4 CONCLUSÕES
Por fim, conforme o modelo processual influenciado pela Constituição Federal de 1988, especialmente no que diz respeito ao princípio do contraditório, pode-se dizer que a legitimidade dos atos processuais e do próprio processo exige a observância do contraditório pleno, isto é, que, ao longo do íter procedimental, a formação dos provimentos jurisdicionais, interlocutórios e final, mesmo no que concerne às questões de conhecimento oficioso, seja precedida da manifestação (participação) das partes ou, por outras palavras, do diálogo entre as partes e entre estas e o órgão jurisdicional.
Observa-se, então que conforme previsto no art. 5º, LV, CF/88, o referido princípio é tão importante no direito processual a ponto de renomados doutrinadores como Elio Fazzalari e Candido Rangel Dinamarco afirmarem que “sem contraditório, não há processo.[42]
O princípio do contraditório ao ser projetado no processo civil, ou no processo em acepção genérica, deve proporcionar a participação efetiva das partes, uma vez consagrado como uma das garantias processoconstitucionais mais caras e mais valiosas ao direito, como forma de legitimação democrática.
É uma regra que se impõe por refletir o entendimento Constitucional, de modo que sua não aplicação no processo constitucional, deve-se a raras, raríssimas exceções.
Portanto, o princípio do contraditório é uma garantia que reflete entendimento da carta da República de 1988, logo, é a projeção, é a continuidade do exercício da cidadania sobre o processo, processo este sob a égide de um Estado Democrático de Direito.
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