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A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica

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Agenda 01/10/2020 às 14:20

1. Introdução

Verifica-se atualmente que o pensamento que permeia com maior ênfase o estudo do direito é justamente o dogmático, e que parte de um método dedutivo e fechado, baseado em premissas anteriores que devem ser tidas como inquestionáveis, sempre retirando-se da generalidade e da abstratividade um conceito concreto para o objeto da pesquisa que se pretende aferir.

O positivismo Kelseniano, por sua vez, é dotado de caráter estritamente dogmático, porém, indutivo, pois, partindo-se da premissa de que toda a sociedade necessita de uma ordem social lastreada em conjunto de normas jurídicas, deriva a ideia de existir uma norma fundamental do direito que justifica a criação, por exemplo, de uma Constituição Federal, entendida como a norma máxima de uma sociedade à qual todas as outras subsequentes devem o devido respeito, observando-se, portanto, uma espécie de hierarquia entre as normas derivadas da Constituição Federal com as normas que estariam abaixo desta.

Ocorre que o positivismo jurídico em sua pura essência foi colocado à prova na Segunda Guerra Mundial, com decorrências e resultados que afrontam a racionalidade humana, ao permitir uma diversidade de penas cruéis contra as pessoas pelo mero fundamento de que essas estariam legitimadas na Constituição Federal local, e que as medidas estavam justificadas nas leis que eram válidas sob a ótica jurídica vigente.

Com isso, o pensamento extremamente dogmático-positivista foi repensado, e houve o surgimento de vetores basilares, fundamentados na razão humana e no respeito às liberdades individuais, bem como na dignidade da pessoa humana, denominados como princípios. A partir de então, as Constituições Federais de diversos países passaram a prever os ditos princípios, e toda a norma jurídica que não estivesse em consonância com estes, que possuem o intuito de proteger as liberdades individuais e a dignidade da pessoa humana, deveria ser afastada do ordenamento jurídico.

Ora, e para que esses princípios deontológicos fossem pensados, houve a necessidade de uma postura ativa e zetética por parte dos juristas, com o intuito de questionar justamente essas premissas dogmáticas que já estavam bem estabelecidas e fundamentadas. Com a introdução desses princípios como permeadores da criação e da aplicação da norma jurídica, criou-se uma espécie de pensamento pós-positivista, que eleva os princípios a um patamar superior à própria norma positivada, o que vai de encontro às premissas positivistas anteriormente estabelecidas.

Todo este imbróglio inicial é necessário para chamar atenção ao fato de que, até os dias de hoje, mesmo com a ocorrência de uma revolução na interpretação do direito ocorrida no pós-guerra, as pesquisas jurídicas ainda possuem um caráter fortemente dogmático em suas premissas iniciais, ou seja, verifica-se, nos mais variados trabalhos acadêmicos, um apego muito grande às literaturas já consolidadas de outros autores renomados no meio jurídico, bem como ao apego incondicional à legislação codificada e à jurisprudência consolidada dos tribunais. Com isso, verifica-se, atualmente, que os trabalhos acadêmicos são meras reproduções bem redigidas e organizadas de uma coletânea de bibliografias, legislações e jurisprudências, que não incluem, na maioria dos casos, a opinião pessoal, tampouco o desenvolvimento de um raciocínio lógico por parte do autor da referida obra, o que deveria ser esperado de todo e qualquer trabalho dessa natureza, até porque, espera-se que as universidades discutam as soluções dos problemas que permeiam a sociedade em geral, ou que criem mecanismos que aumentem a qualidade de vida das pessoas.

Aurélio Wander Bastos exemplifica, em sua obra, a atual situação da pesquisa jurídica no Brasil:

Neste sentido, a pesquisa nas faculdades de Direito está condicionada a reproduzir a “sabedoria” codificada e a conviver “respeitosamente” com as instituições que aplicam (e interpretam) o Direito positivo. O professor fala de códigos e o aluno aprende (quando aprende) em códigos. Este fato, somado ao desinteresse didático dos docentes (o conhecimento jurídico tradicional é um conhecimento dogmático e as suas referências de verdade são ideológicas e não metodológicas), explica por que a pesquisa jurídica nas faculdades de Direito, na graduação (o que se poderia, inclusive, justificar, pelo nível preliminar do aprendizado) e na pós-graduação é exclusivamente dissertativa e bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista tem sido a jurisprudência dos nossos próprios tribunais.[1]

Sendo notória a existência de uma crise de qualidade no ensino jurídico nacional, talvez a postura do docente em incentivar os seus alunos a adotarem uma postura um pouco mais zetética seja uma possível solução para permitir com que estes se aprofundem, por eles próprios, no estudo de alguma matéria relevante, com o intuito de levantar argumentações que até hoje não foram evidenciadas, o que pode contribuir não só para uma melhora da qualidade do ensino jurídico, mas também na própria qualidade do futuro deste profissional, bem como das pesquisas jurídicas como um todo, mediante a descoberta de novos paradigmas mais benéficos à sociedade em geral.

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E é justamente pelo caminho da análise acerca do tipo de método de pesquisa que seria possível alçar as pesquisas jurídicas a um patamar mais questionador sobre premissas que supostamente sejam irrefutáveis ou inquestionáveis dentro de uma ótica estritamente dogmática, até porque, na maioria dos casos, estas decorrem de um esforço indutivo, ou seja, que detém uma razoável margem de erro, sobre o objeto de estudo em que o pesquisador destinou os seus esforços.


2. O método indutivo de Bacon

Francis Bacon (1561-1626) era um filosofo e político oriundo da Inglaterra, e é considerado por muitos o fundador da atual ciência moderna, tendo em vista a inovação no método empirista ao incluir uma espécie de fase experimental para a análise dos resultados.

Para Bacon, todo o conhecimento científico válido deve ser testado para se garantir a legitimidade do resultado, ou seja, para este pensador, todo o conhecimento sobre a natureza deve, necessariamente, advir de uma experiência empírica, ou prática, sobre estes fenômenos.

Por ser empirista, Bacon sempre buscava estabelecer um método que afastava a inclusão da razão humana para a interpretação dos dados, ou seja, para este pensador, ciência é todo o experimento capaz de ser reproduzível.

Ao estabelecer graus de certeza, conforme veremos, o método baconiano pretendeu rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente. Fundamentado nos sentidos humanos, o pensador buscou determinar o seu exato alcance para promover uma nova e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias percepções sensíveis. Isso, em virtude de que o espírito dos homens é usualmente repleto de fantasias.[2]

O método indutivo baconiano pode ser dividido, de forma sumária, em quatro etapas:

1) Coleta de dados, informações, ocorrências dentre outros elementos do objeto de estudo a partir de uma observação rigorosa da natureza;

2) Organização sistemática e racional desses dados e informações;

3) Formulação de hipóteses com o intuito de explicar o porquê desses fenômenos;

4) Tentativa de comprovar as hipóteses, alçando-as ao nível de axiomas, mediante a experimentação, o que possibilitam novos experimentos a partir deste.

Ou seja, basicamente o método baconiano consiste na tentativa de se comprovar uma hipótese pré-estabelecida mediante a análise dos dados pelo autor, mediante experimentos científicos.

O problema central do método indutivo baconiano nas pesquisas relacionadas ao direito decorre da falibilidade de elevar generalizações de dados e informações concretas a níveis de axiomas que podem ser livremente reproduzíveis. Ora, o direito é uma ciência que visa estudar as normas de conduta que regem uma sociedade, logo, trata-se de uma ciência social em que dificilmente seria possível realizar experimentos científicos para se traduzir uma verdade absoluta, e, pior: reproduzível em larga escala.

Contudo, mesmo que o método indutivo seja falível e aparentemente inaplicável às pesquisas jurídicas, é necessário observar que nada impediria que o pesquisador colhesse dados por intermédio de entrevistas pessoais com um grupo de pessoas para, deste grupo, criar conclusões com base em estatísticas, tendo em vista que, em se tratando de uma evidência real de quantas vezes o fenômeno restou verificado dentro deste grupo de estudo, seria possível reproduzir novamente este experimento com outros grupos, com o intuito de se extrair algum dado semelhante para que se tome uma conclusão não generalista sobre determinado assunto, e que mesmo assim seria valiosa para abrir novos horizontes para a interpretação e o estudo do direito. Ou seja, mesmo com dados e informações que incluam uma margem de falibilidade, seria possível tomar conclusões não generalistas no ramo das pesquisas jurídicas.


3. O método dedutivo de Descartes

René Descartes (1596-1650) era um filósofo, físico e matemático francês que possuía uma visão racionalista da ciência, inferindo-se que, diferentemente do empirismo, a ciência, ou a verdade, devem ser descobertas por intermédio da própria razão humana, e não por intermédio dos elementos e dos dados físicos perceptíveis, ou seja, quando o pesquisador observa um problema, deve conjecturar possíveis soluções até que se forme uma explicação racional sobre o fato.

De forma contrária ao empirismo, Descartes valorizava mais a razão humana para explicar determinado fenômeno do que as evidências empíricas em si, partindo-se sempre de uma premissa geral ou abstrata para uma conclusão individual, também de forma contrária ao empirismo verificado acima (que parte de uma premissa individual para uma conclusão geral).

Descartes criou o método do pensamento analítico, que, basicamente, consiste em dividir os fenômenos complexos e incompreensíveis em pequenas porções, com o intuito de se compreender o comportamento daqueles, por intermédio de quatro etapas. Ao observar um fenômeno complexo, o pesquisador deve, primeiramente, não assumi-lo como verdade absoluta e entender as pequenas variantes ao seu derredor, com o intuito de se verificar as correlações existentes entre as porções menores com a maior, para que seja possível compreender, mediante a dedução, o complexo funcionamento do todo que se questiona.

O método cartesiano pode ser dividido basicamente em quadro etapas: evidência, análise, síntese e enumeração.

1) Evidência: nunca se deve tomar o objeto de estudo como verdade absoluta quando não se tem o conhecimento real do assunto, ou seja, não seria possível presumir determinado fato ou conclusão como verdadeiros à primeira vista;

2) Análise: consiste em dividir cada uma das dificuldades existentes dentro do problema em análise, com o intuito de interpretá-las para entender o problema com maior complexidade;

3) Síntese: consiste em organizar as conclusões acerca das análises dos pequenos problemas, com o intuito de aglutiná-los em conhecimentos mais compostos, pressupondo uma ordem ou correlação entre estes;

4) Enumeração: trata-se da conclusão do esforço intelectual, consistente em enumerar todas as revisões de forma tão ampla a ponto de que o autor tenha certeza de não ter omitido nada dentro de seu ponto de vista.

Por exemplo, ao se deparar com o problema da superlotação carcerária, que é complexo, o pesquisador deveria, inicialmente, assumir que não existe, ao menos em uma perspectiva inicial, a dita superlotação, e iniciar as suas indagações mediante alguns pontos de partida: Como funcionam as políticas criminais? Quais são as classes sociais que se encontram reclusas? A maioria dos reclusos foram condenados por quais crimes?

Mediante essas conclusões, o autor poderia aglutiná-las em entendimentos mais complexos para concluir se há ou não a referida superlotação, bem como quais são os seus possíveis motivos, enumerando as suas conclusões de forma geral, tentando não omitir qualquer ponto sequer de sua análise.

Ou seja, partindo-se do pensamento cartesiano, seria possível analisar um leque de situações que orbitam junto ao problema da superlotação carcerária para que seja possível deduzir uma conclusão sobre os motivos que ensejaram a existência deste problema.

Este método, assim como o de Bacon, também não é livre de críticas.

As principais críticas ao pensamento cartesiano residem também em quatro pilares. O primeiro deles é justamente o da fragmentação do conhecimento em partículas menores, pois o conhecimento sobre a realidade deve ser uno, completo e coeso. O segundo consiste justamente na impossibilidade, segundo Descartes, separar a identidade física com o pensamento humano, surgindo, deste ponto, a célebre frase: penso, logo existo. O terceiro consiste no fato de que o método proposto por Descartes não se aplica às ciências naturais, que, naturalmente, seguem uma lógica rígida e matemática. Por fim, o último pilar consiste na assunção de Descartes de que a razão humana é a única forma válida para se atingir o conhecimento, descartando completamente os sentidos humanos para a percepção acerca do funcionamento da natureza ao seu derredor.

Mesmo diante das fundamentadas críticas, verifica-se que o método cartesiano poderia ser perfeitamente aplicável às pesquisas jurídicas, e, de certa forma, a tentativa seria interessante, dado que funcionaria como uma forma de questionamento aos dogmas que foram estabelecidos anteriormente e que, atualmente, são alçados como praticamente inquestionáveis.

Sobre o autor
Rodrigo Nunes Sindona

Advogado, mestre em direito pela FADISP, especialista em direito tributário, previdenciário e empresarial pela EPD, direito penal e constitucional pela Faculdade LEGALE, Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINDONA, Rodrigo Nunes. A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6301, 1 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85664. Acesso em: 22 nov. 2024.

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