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Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).

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Agenda 02/07/2006 às 00:00

A legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos das incertezas econômicas, pois sinaliza aos agentes a forma como serão resolvidos os conflitos quando a empresa entra em situação de insolvência.

Resumo: As empresas e seus gestores tomam decisões de investimentos e produção em função de suas expectativas de lucros futuros. Estas estratégias são traçadas em ambiente de incertezas, não havendo possibilidade de serem protegidos todos os riscos, pois os contratos são incompletos e há assimetria de informações. Neste cenário, a legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos desta incerteza, sinalizando aos agentes econômicos as formas de solução dos conflitos quando a empresa estiver insolvente. O mecanismo que a lei gera é fundamental para definir o comportamento dos agentes e o funcionamento de toda a economia, pois afeta os resultados esperados em caso de insucesso. Sendo os contratos que regem as relações entre devedor e credor incompletos, cabe ao sistema legal de insolvências criar condições que permitam a recuperação efetiva da empresa viável e, por outro lado, estabeleçam as bases para a liquidação eficiente da empresa falida, maximizando o valor dos ativos e possibilitando aos credores recuperarem, ao menos, parte de seu crédito. É de se ressaltar que esse balanceamento deve atender a requisitos de eficiência pois as soluções devem, no longo prazo, gerar o maior retorno possível para o devedor e os credores, mas, igualmente, coibir comportamentos imprudentes por parte dos administradores que possam a vir a comprometer as perspectivas de desenvolvimento da empresa. É impossível citar, nos limites desta monografia, toda a gama de razões que justifique a Nova Lei de Recuperação de Empresas, mas todas são inspiradas no ideal de eficiência. O sistema jurídico pátrio regulador das relações emergentes da insolvência empresarial estava em franca dissonância com o moderno perfil da empresa e as características da economia globalizada. Era latente a necessidade de preservação da instituição empresarial. A empresa exerce papel fundamental na sociedade moderna: geração de empregos, criação de divisas, entre outros itens de suma importância. O fio condutor da nova Lei é construtivo: cifra-se na primazia da recuperação empresarial sobre a inexorabilidade da falência, visando recuperar empreendimentos produtivos e, simultaneamente, eliminar do mercado empresa inviáveis e evitar utilização abusiva. É condescendente com a prevenção da falência, mas implacável quando esta se materializa. A Lei 11.101/2005 não é um corretivo para todos os males, porque acabou incorporando um pouco do que já existia na antiga Lei de Falências e Concordatas. Qualquer leitura da LRE deixa à calva a significativa redução do papel do Estado na solução das crises econômico-financeiras empresariais. Muitos fatores devem ser levados em conta, antes de se arriscar quaisquer respostas às indagações sobre a nova lei concursal: a globalização em andamento, o fato de que o Brasil não poder perseverar isolado das atuais legislações concursais, uma reengenharia das regras de direito creditício, o emagrecimento do aparato administrativo do Estado, a reforma judiciária, as mudanças no direito trabalhista, a redefinição das prioridades tributárias, a necessidade de equalização entre o preço do crédito e os resultados de sua aplicação, e sobretudo, uma crescente tendência à superação da dicotomia capital-trabalho, processo em que a mediação estatal pode contribuir muito se partir do princípio que deve interferir não mais que o necessário. Não se pode esperar que a nova Lei, por si só, possa disciplinar todos os conflitos advindos da pulsante dinâmica social, mas que seja forte alicerce para dirimir os conflitos e possibilitar desenvolvimento seguro das relações estabelecidas.

Palavras-chave: Função Social da Empresa; Mecanismos de Recuperação de Empresas; Redução da intervenção do Estado na atividade econômica.


INTRODUÇÃO

A existência de uma legislação falimentar eficiente é fundamental para o ambiente econômico, e vem sendo bastante discutida pelos estudiosos de Direito e Economia. Essa importância surge a partir da constatação teórica de que um sistema de resolução de insolvências que cria um mecanismo ordenado de resolução de conflitos e coordenação de interesses para empresas com problemas financeiros ou até mesmo falidas gera resultados eficientes do ponto de vista econômico. O papel desempenhado pela legislação falimentar é sinalizador aos agentes econômicos sobre os possíveis resultados a serem obtidos em suas estratégias empresariais.

As empresas e seus gestores tomam decisões de investimentos e produção em função de suas expectativas de lucros futuros. Como as estratégias são traçadas em ambiente de incertezas, não há a possibilidade de se proteger de todo o risco, pois os contratos são incompletos e há assimetria de informações. Neste cenário, a legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos desta incerteza, pois sinaliza aos agentes econômicos a forma como serão resolvidos os conflitos quando a empresa entra em situação de insolvência.

Dependendo da natureza da legislação falimentar, as empresas seguirão estratégias com maior ou menor risco. Se o arcabouço legal estimular a manutenção de empresas inviáveis a todo o custo e permitir que administradores preservem seu patrimônio depois da falência, esses gestores implantarão projetos e realizarão investimentos sem maiores cuidados para se precaverem contra a possibilidade de fracasso. Essa situação gera um resultado ineficiente do ponto de vista econômico, pois implica em perda de valor, perda de bem-estar, além de piorar as condições de crédito para toda a economia, pois o maior risco dos negócios diminui a perspectiva de recuperação do crédito. Se a legislação falimentar tender em demasia para o lado dos credores, a aversão ao risco dos empreendedores será maior, o que prejudicará a realização de investimentos rentáveis, inviabilizando o aproveitamento de oportunidades e comprometendo a geração de emprego e renda.

Mudanças na legislação de falência devem, portanto, ser realizadas levando em consideração seus impactos não apenas nas empresas que venham a tornar-se insolventes. O mecanismo de incentivos que a lei gera é fundamental para definir o comportamento dos agentes e funcionamento de toda a economia, pois afeta os resultados esperados em caso de insucesso.

Do ponto de vista econômico, a legislação falimentar tem como objetivo criar condições para que situações de insolvência tenham soluções previsíveis, céleres e transparentes, de modo que os ativos, tangíveis e intangíveis, sejam preservados e continuem cumprindo sua função social, gerando produto, emprego e renda. Com isso, busca-se também minimizar os impactos das insolvências individuais sobre a economia como um todo e, dessa forma, limitar os prejuízos gerais e particulares. Cabe, portanto, ao sistema de insolvências, papel fundamental na busca de resultados econômicos eficientes. 1

No curso normal, uma empresa financia a sua produção sob a premissa de que a renda auferida com venda de seus produtos ou serviços será suficiente para pagar seus credores e também remunerar adequadamente o capital e trabalho próprios invertidos. Os credores, por sua vez, só se prestam a financiar a empresa se existir expectativa de que o devedor conseguirá quitar suas obrigações ao final do ciclo. Se este fosse o resultado em qualquer situação, a legislação falimentar seria desnecessária, pois o devedor sempre conseguiria cumprir com suas obrigações, não havendo espaço para incertezas. Mas não é isto que se observa na prática, tampouco o que a teoria econômica prevê, pois as empresas, como os demais agentes, estão sujeitas à crises de natureza diversa e mesmo à problemas de gestão, que impactam negativamente sua capacidade de honrar compromissos. Estas crises são fonte de incertezas que tem efeito direto na disponibilidade do crédito a atividade produtiva, tanto em termos de quantidade como, principalmente, de custo.

O impacto da incerteza sobre o curso normal dos negócios de uma empresa se dá a partir da incapacidade de se elaborar contratos que contemplem todas as ações em todas as contingências possíveis. Ou seja, os contratos que regem as relações entre devedor e credor são incompletos, cabendo ao sistema legal de insolvências criar condições para que essas imperfeições possam ser reduzidas.

Assim, a função da legislação falimentar é a de prover o sistema econômico com um conjunto de regras de coordenação, alinhando incentivos de forma a maximizar o resultado global. Além disso, na medida que a legislação sinaliza com normas claras que preservem o direito de propriedade, regulem o cumprimento dos contratos e, em caso de insolvência efetiva, minimizem as perdas, as incertezas são mitigadas, proporcionando maior segurança para a atividade econômica, para as relações comerciais e para o mercado de crédito em particular. O desenho de um sistema eficaz de insolvências engloba uma serie de aspectos que podem, em última instancia, determinar resultados mais ou menos eficientes. Dentro deste contexto, o marco legal falimentar deve oferecer as empresas e seus credores (fornecedores, trabalhadores e instituições financeiras) condições para buscar uma solução que gere o melhor resultado possível para todas as partes envolvidas, quais sejam:

É papel do sistema de insolvências criar condições que permitam recuperação efetiva da empresa viável ou, por outro lado, estabeleçam as bases para a liquidação eficiente da empresa falida, maximizando o valor dos ativos e possibilitando que os credores recuperem, ao menos, parte de seu crédito.

A lei falimentar deve, então, criar um ambiente formal de negociação e cooperação, estimulando credores e devedor no sentido da solução mais eficiente, seja ela a tentativa de recuperação ou, se isto não for possível, a falência da empresa.

Para que a recuperação da empresa seja possível é fundamental o estabelecimento de incentivos corretos, a partir de balanceamento adequado de direitos entre devedor e credores e de justa divisão do risco. 2

Um arcabouço legal que privilegia em demasia a falência e aborta tentativas de reestruturação de empresas viáveis, gera perda econômica em termos de renda e emprego em favor do ganho individual dos credores.

Um sistema legal de orientação excessivamente favorável aos credores tem impacto sobre as ações dos devedores. Prejudicam a qualidade da seleção dos projetos financiados, além de piorarem a divisão do risco ao incentivar os devedores a transferir renda dos estados de falência (onde não recebem nada) para os estados pré-falimentares aceitando, por exemplo, taxas de juros mais elevadas ou se voltando para projetos de alto risco.

Há, portanto, que se ressaltar que esse balanceamento deve atender à requisitos de eficiência pois as soluções devem, no longo prazo, gerar o maior retorno possível para o devedor e os credores, mas devem, igualmente, coibir comportamentos imprudentes por parte dos administradores que possam a vir a comprometer as perspectivas de desenvolvimento da empresa.

O regime anterior de falências e concordatas brasileiro, regulado pelo Decreto-Lei 7.661/45, apesar de ter sido um marco para a sua época, estando em plena consonância com os princípios econômicos e empresariais então em vigor, na ausência de adequações, já não era mais compatível com a dinâmica econômica atual, tampouco atendia os anseios inerentes a uma legislação falimentar moderna. Talvez seja mais do que coincidência o fato do Decreto-Lei 7.661/45 ser contemporâneo à Conferencia de Bretton Woods, de julho de 1945, marco da instauração da ordem mundial capitalista no pós-guerra, que vigeu, práticamente inalterada até o início dos anos 70. O pós-guerra, do ponto de vista econômico, pode ser caracterizado, em uma abordagem concisa, como um período de previsibilidade e de forte regulação.

A lei deve guardar consonância com a realidade social e econômica da época em que é elaborada, prevendo estímulos à comportamentos desejáveis no futuro. Sobre a tentativa de moldar a sociedade aos desenhos da lei deve prevalecer o movimento no sentido oposto: o conhecimento desenvolvido pelas ciências sociais deve ser integrado a lei, servindo-lhe de base. A lei deve espelhar o conhecimento do mundo, ao mesmo tempo que deve infundir, na dinâmica social, os valores sociais prevalecentes. O conhecimento do mundo progride, amplia-se e não estará nunca limitado ao circulo do conhecimento jurídico momentâneo. E mais, quando consideramos as ciências sociais, o próprio objeto do conhecimento está em constante mutação. Dessa forma, devemos abandonar velhas crenças e antigos modelos de salvaguarda jurídica e resolução de conflitos, que podem ter-se tornado obsoleto, a despeito de terem funcionado bem em época anterior. Se estivermos prontos a aceitar o dialogo com as demais áreas de conhecimento e tivermos a humildade de confrontar nossas certezas doutrinárias com as evidencias que nos cercam, estaremos aptos a atingir o objetivo mais elevado do legislador-jurista: fazer da lei um instrumento da sociedade para atingir, com menor esforço e maior justiça, o bem estar social condizente com a etapa de desenvolvimento em que nos encontramos. 3

Certamente, é impossível citar, nos limites desta monografia, toda a gama de razões que justifique a Nova Lei de Recuperação de Empresas, mas algumas delas são de menção obrigatória. Sem exceção, todas são inspiradas no ideal de eficiência.

Eficiência, sob o ponto de vista dos processos de insolvência, não é noção simples. Não pode estar restrita a simples celeridade processual; não se confina nos domínios da satisfação creditícia; não se exaure, singelamente, no atendimento das prioridades e privilégios legais; não se cifra na especial atenção dedicada ao pessoal da empresa insolvente e não pode ser, apenas, expediente sancionatório da má administração empresarial. Precisam ser a síntese de todas estas facetas. Um processo de recuperação eficaz é o capaz de atender a todas estas metas.

Cumpre considerar que o acesso aos remédios jurisdicionais para debelação da insolvência deve ser eficiente, barato e rápido, seja para atender as expectativas da empresa em crise econômico-financeira, seja para atender a coletividade de credores. A eleição de esquemas operacionais flexíveis e até mesmo fungíveis é a atitude mais adequada para oportunizar a escolha de soluções mais produtivas. Da eficiência instrumental deriva a eficácia substancial.

É intuitivo que, ao se falar de celeridade e eficiência, não se pode olvidar da necessidade, em contrapartida, de fixar salvaguardas para a proteção dos procedimentos da insolvência contra sua utilização abusiva. Nem o credor deve utilizá-lo como veículo de cobrança, nem o devedor deve se valer deles para a procrastinação de soluções sobre seu estado deficitário.

Não foi raro ocorrer, na vigência do sistema de concordatas, que o empresário lançasse mão do processo de insolvência sem que, efetivamente, se encontrasse nessa conjuntura, tão-somente para beneficiar-se da suspensão dos vencimentos de seu passivo quirografário e da dilação dos pagamentos.

Também foi freqüente o uso do pedido de falência por credores que, antevendo a possibilidade da concordata, se apressaram em competir pela percepção de seus créditos, acelerando as dificuldades do empresário devedor ou desfalcando-lhe o patrimônio mediante a imposição de transações leoninas.

A questão é tão sensível quanto complexa, até porque põe em evidencia a função assecuratória do Direito, cujas soluções não podem quedar-se presas da singela relação bilateral credor-devedor, sem atentar para a repercussão do estado de insolvência do setor das relações trabalhistas e na projeção sócio-econômica da empresa, cuja debilidade financeira e eventual saída do mercado podem disponibilizar outras quebras.

Proteger o crédito público não implica, necessariamente, na eliminação da empresa em crise. Por outro lado, de nada adiante garantir a sobrevivência de empresas inviáveis. Combinar, de forma eficiente, as infinitas possibilidades que se intercalam entre estas duas verdades, é, justamente o papel maior a ser desempenhado pelas alternativas contidas nas regras na nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas.

A eficiência não deve ser medida a partir do famigerado "pagar todos os credores". Urge resolver a situação de insolvência com o mínimo possível de efeitos residuais para o mercado e para os interesses sociais paralelos.

O instituto da recuperação da empresa tem sentido, assim, no capitalismo para corrigir disfunções do sistema econômico, e não para substituir a iniciativa privada.

A recuperação judicial não pode significar, portanto, a substituição da iniciativa privada pelo juízo na busca de soluções para a crise da empresa.

A recente vigência desta Nova Lei e, portanto, de ainda restrito espaço de ocupação doutrinário e jurisprudencial, provocam desafios ao estudioso do tema e é esta a razão principal de sua escolha, sem qualquer pretensão de esgotar o tema.

Pretende-se no desenvolvimento desta monografia, abordar alguns dos temas mais importantes tendo em vista a Nova Lei de Recuperação de Empresas.

O tema será abordado em capítulos assim distribuídos. No Capítulo I será feita a comparação do novel instituto de recuperação de empresas no direito brasileiro com os institutos equivalentes no direito estrangeiro, bem como uma breve análise de sua introdução em nossa legislação pátria, seus principais princípios e disposições, a evolução da concordata para a recuperação judicial e extra-judicial e vigência de suas normas. No Capítulo II discorrer-se-á sobre os institutos mais significativos da nova Lei 11.101/2005, ou seja, o Administrador Judicial, a Assembléia de Credores o Comitê de Credores e o papel do Ministério Público. No Capítulo III serão vistos os conceitos e procedimentos materiais indispensáveis para a recuperação de empresas, os meios de recuperação, o papel do gestor judicial, outra das novidades e as restrições impostas ao recuperando. Será dedicado o Capítulo IV especialmente à recuperação judicial das micro e pequenas empresas, de tão grande relevância no cenário sócio-ecônomico cuja importância, de certa forma, foi ignorada pelo legislador.

Pretende-se ao longo desta monografia demonstrar que o novel instituto de recuperação traz uma importante inovação ao direito concursal brasileiro, bem como a criação do Administrador Judicial, a mudança de perfil da Assembléia de Credores, a figura do Gestor Judicial buscam dar maior isenção e participação do devedor no compromisso de soerguer seu negócio. A revitalização da participação dos credores nos destinos da empresa em recuperação, ou falida, visa criar possibilidades de manutenção de atividades efetivamente produtivas.


1. RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

1.1. A recuperação de empresas no Direito Comparado

Serão abordados, neste capitulo, sucintamente, algumas das principais legislações falimentares na França, Portugal, Estados Unidos e Alemanha.

1.1.1 Direito falimentar na França

Com as evidentes diferenças procedimentais, introduzidas por diversos povos em épocas diferentes, os traços romanos permaneceram marcantes até a Ordenança de Colbert, de 1673. Essa legislação unificou os procedimentos falimentares na França, que variaram bastante durante a Idade Medida por toda a Europa - embora sempre focados sobre os bens do falido e da execução forçada de seus bens - e disciplinou as nulidades por fraudes durante o período suspeito, isto é, preparatório à bancarrota, as condições para a declaração judicial da falência, as penalidades impostas ao comerciante. Introduzia um instituto novo, o da "lettre de repit", no qual muitos vislumbram as origens da concordata. Por ela, o comerciante de boa-fé poderia obter um prazo adicional de até seis meses, para reorganizar seu negócio, desde que comprovasse que a cessação dos pagamentos aos credores não havia sido ocasionada por culpa sua e, sim por problemas externos, como depressão econômica, força maior, etc.

Nesse período de tempo, o comerciante deveria procurar compor-se com os credores e, obtido um acordo com todos, seria homologado pelo juízo.

O Código de Comércio francês, de 1807, continha normas rigorosas em relação ao falido, provavelmente inspiradas por Napoleão, que se mostrara bastante indignado face aos movimentos especulativos realizados por comerciantes que contratavam com a Administração, particularmente os fornecedores de bens e equipamentos as forças armadas. Conta-se que o Imperador teria intervido pessoalmente nas discussões travadas no seio do Conselho de Estado para exigir imposição de penalidades severas, a fim de moralizar as falências que ocorriam, sem controle por parte do Estado.

O comerciante podia ser condenado por "banqueroute simple" ou "banquerote frauduleuse". No último caso, o Code previa pena de até 20 anos de trabalhos forçados se ficasse demonstrado o excesso de despesas pessoais ou com a moradia. A reabilitação era prevista, mas a lei impunha severas condições para sua concessão, dentre elas o pagamento integral das dívidas. 4

Uma lei de 1889 introduz a liquidação judicial, mais amena, no qual o procedimento do comerciante é minuciosamente analisado pelo tribunal, considerada como benefício concedido aos empresários infelizes e de boa-fé, que poderão continuar seus negócios. Apenas em caso de insucesso da concordata, será decretada a falência, mas fica definitivamente excluída a morte civil do ordenamento jurídico francês.

Outra lei, de 30.12.1903, levando em consideração o elevado número de encerramento de atividades de pequenas empresas, reduz as exigências legais para a reabilitação do devedor que fechou as portas, não declarados fraudulentamente falidos.

Hoje, na França, como na maioria dos paises industrializados, a legislação inspira posicionamento diferente do Poder Público, os quais por intermédio dos Comitês de Reestruturação, promovem a adequação das empresas em dificuldades, utilizando métodos modernos de Administração de Empresas, com o concurso de executivos qualificados, que tudo fazem para manter a empresa "viva". Além disso, regulamentam-se as demissões, quando inevitáveis, para minimizar o desemprego, mediante retreinamento de funcionários, planos de compensação e outros mecanismos de alcance social, que transcendem não apenas os limites físicos e patrimoniais das empresas, mas alcançam pessoas e empresas envolvidas, diretas ou indiretamente.

Criou-se o Assurance pour la Garanties des Salaries. Trata-se de um seguro, mantido pela contribuição do empregador, contra o risco de não-pagamento dos créditos trabalhistas... Não se fala em massa falida porque visa preservar a empresa. Fala-se na própria empresa preservada continuando no mercado competitivo. 5

1.1.2 Direito falimentar em Portugal

A legislação portuguesa procura atingir os seguintes objetivos essenciais:

1.1.3 Direito falimentar nos Estados Unidos

O Direito Falimentar americano pauta-se pelas seguintes regras:

Nos Estados Unidos da América, em virtude do sistema político federativo, existem leis estaduais que asseguram aos credores garantias de recebimento de seus créditos, por meio de injunctions, que são ordens judiciais dando início a intervenção estatal sobre os bens e direitos das empresas.

A lei federal em vigor atualmente e o Bankruptcy Reform Act, de 1978, que modificou o United States Codes, e que também foi objeto de emendas em 1984 e 1986.

O Code prevê dois mecanismos de intervenção para assegurar os pagamentos aos credores: a liquidação e a reorganização. A liquidação apresenta aspectos e conseqüências jurídicas diversas conforme seja realizada sob a égide do Capitulo 7, Capitulo 13 ou Capitulo 11 (o mais freqüentemente citado).

Segundo o Capitulo 7, todo ativo do devedor que pode ser objeto de repartição entre credores é supervisionado por uma espécie de síndico, denominado trustee, que promove a venda desses bens e direitos. O resultado da alienação é dividido entre os credores, agrupados em ordem de preferência em sete níveis diversos, procedimento que, em regra, libera o devedor de qualquer obstáculo ou entrave posterior ao desenvolvimento de suas atividades. O trustee restitui os bens isentos ao devedor e vende o saldo. O produto da alienação de bens, sobre os quais terceiros tem direitos reais, é distribuído entre eles conforme a qualidade de seus títulos, segundo sejam resultado de direitos obtidos por outras vias que não o próprio processo falimentar. As dívidas das partes cujos créditos estão garantidos são pagas mediante a execução da própria garantia. Os quinhões dos condôminos são distribuídos após a venda completa dos bens comuns. Após a distribuição, um devedor, enquanto pessoa física, fica liberado de suas obrigações em relação a qualquer crédito não pago antes do depósito do balanço em juízo.

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Um efeito interessante da liberação é a criação de uma barreira legal erga omnes, erigida contra o ajuizamento de qualquer ação judicial nova, ou o prosseguimento de um processo já existente relacionado ao passivo do devedor, desde que represente uma obrigação pessoal.

Os Capítulos 9, 11 e 13 do Code permitem que o devedor possa conservar seus ativos, total ou parcialmente. Contudo, após a reorganização financeira da empresa em dificuldades, cada credor poderá valer-se de uma nova ação contra o ativo preexistente e, de forma delimitada pela norma jurídica, deduzir em juízo pretensões acerca do ativo futuro do devedor.

O Capitulo 13 é uma via colocada à disposição dos devedores capazes de demonstrar que tem boas possibilidades de receber receitas futuras, podendo optar por forma diversa de liberação e recuperação, pela qual são autorizados a conservar seus bens não isentos, pagando os credores a medida que essas receitas esperadas se materializem.

Difere, portanto, do Capitulo 7, mecanismo no qual as liquidações ocorrem com prejuízo aos credores, em razão da probabilidade mínima de recuperação da empresa, exatamente o inverso do Capitulo 13, em que a demonstração da elevada probabilidade de recuperação da empresa constitui requisito essencial para que possa ser autorizada.

A peça essencial para que o devedor possa ser amparado pelos benefícios do Capitulo 13 é a aprovação judicial de um programa de pagamentos (plano de recuperação), proposto pelo próprio devedor, que incluam pagamentos a todos os credores que se habilitarem e cujos créditos sejam reconhecidos como legítimos. O mecanismo do Capitulo 13 é facultativo ao devedor, mas a autorização para que possa utilizá-lo depende do atendimento a determinados requisitos.

O assédio dos credores é automaticamente suspenso enquanto durar o plano,que é estabelecido, em regra, pelo prazo de três anos a contar da data da submissão deste ao juízo. O Devedor conserva a posse de seus bens, alienando apenas os estritamente necessários para a execução do plano, supervisionado pelo trustee, que distribuirá o valor arrecadado entre os credores.

A liberação do devedor sómente é concedida pelo juízo quando todos os pagamentos previstos no plano tiverem sido efetivamente realizados.

As normas do Capitulo 11 são consideradas mais amplas é flexíveis entre todas as soluções oferecidas pelo sistema norte-americano é são freqüentemente, invocadas pelas empresas em épocas de crise econômica, o que as torna mais conhecidas do grande público.

O procedimento previsto no Capitulo 11 consiste, fundamentalmente, num instrumento concebido para a reorganização e/ou reestruturação da empresa, com o objetivo de assegurar sua continuidade. Prevê que a administração da empresa permaneça em mãos do devedor. Esta regra tem dois fundamentos principais: a) necessidade de dar continuidade aos negócios já em curso; b) economia de custos do processo falimentar. O juízo pode, se assim desejar, designar um inspector (fiscal), cuja função consiste em avaliar e elaborar relatórios sobre a conduta e administração do devedor em posse dos ativos.

A lei americana estabelece, ainda, um mecanismo adicional de supervisão dos atos do devedor, facultando ao magistrado a constituição de um ou mais comitê de credores. Este(s) comitê(s) tem poderes não apenas para examinar detalhadamente todos os aspectos e documentos da empresa, mas também para assessorar o devedor a elaborar seu plano de recuperação. Em regra, são nomeados para integrar o comitê principal os sete maiores credores da empresa. Podem, também, serem constituídos comitês auxiliares, caso o juízo vislumbre a necessidade de garantir representação apropriada aos demais credores, especialmente se forem numerosos.

Dando continuidade a sua empresa, o devedor devera elaborar, no prazo máximo legal de 120 dias, a contar do depósito do balanço em juízo, um plano de reorganização dos negócios. Esse prazo, conforme o caso, poderá ser dilatado. Ultrapassado este prazo, é aberta aos credores a possibilidade de submeter seus próprios planos. Além disto, em caráter excepcional, poderá o juízo admitir que sejam submetidos à apreciação planos de concorrentes e rivais. Os planos que forem aprovados pelo interessados serão ratificados pelo juízo após ouvir as partes. O efeito jurídico do plano ratificado é a liberação do devedor de todas as obrigações contraídas antes do depósito do balanço, e de substituí-las pelas previstas no plano de recuperação.

Em regra, cada credor com obrigação garantida por determinado privilégio pertencerá a uma categoria distinta, não se excluindo a possibilidade de que o plano preveja um sistema pelo qual os credores que detenham créditos residuais recebam participação nos benefícios futuros, na forma de ações de sociedade, quando comercial.

A ratificação do plano exige um mínimo de 51% dos membros de cada categoria e os titulares de, pelo menos, 2/3 do montante das dívidas de cada categoria devem ratificar o plano por meio de um voto.

As negociações geralmente se encerram quando os credores detentores de créditos privilegiados se dão por satisfeitos com a sistemática do plano 7.

1.1.4 Direito falimentar na Alemanha

Os alemães, em virtude de suas características culturais, adotaram outro procedimento. Segundo Jose Cretella Junior 8:

Após o termino da 2a. Guerra Mundial, o Reich alemão foi divido em dois Estados: a Oeste, a República Federal da Alemanha, ocupada por tropas da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos; a Leste, a República Democrática Alemã ocupada pelas tropas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS. A República Federal da Alemanha fez de Bom a capital provisória e a República Democrática Alemã manteve Berlim como capital, que, por sua vez, também foi dividida em duas partes (Berlim Ocidental e Berlim Oriental), cada qual ocupada de modo análogo ao restante do território, pelas potências vencedoras.

A República Federal da Alemanha, de orientação pelo livre mercado —temperado pela social-democracia— e a República Democrática Alemã, onde foi implantado o regime comunista, desenvolveram, como previsto, dois sistemas legais diversos, já que a criação jurídico-normativa constitui sempre matéria que depende de opção política do legislador.

A partir de 1999, institui-se um único regime falimentar, substituindo o duplo regime que vigorava: nos estados do Leste aplicava-se a Ordenança sobre a Execução Geral, de 09.06.1990 e nos estados do Oeste aplicava-se a Lei de Falências de 10.02.1877, bem como a Regulamentação Judiciária de 26.02.1935, cujos textos originais foram por diversas vezes alterados.

O regime anterior da República Federal da Alemanha, como o antigo direito falimentar francês, era relativamente severo e culminava, na maioria dos casos, com o desaparecimento da empresa atingida pela falência. O objetivo principal era a proteção dos interesses dos credores, garantidos aos estrangeiros direitos idênticos aos conferidos aos alemães.

O Direito falimentar alemão repousava sobre uma hierarquia de créditos, divididos em três categorias principais: a) créditos assegurados por garantias; b) custas e dívidas contraídas no período posterior a abertura do processo falimentar: e c) créditos ordinários.

Atribui-se a esta hierarquia a principal causa do funcionamento pouco eficaz do sistema falimentar alemão. Na prática, quando se decretava a falência de uma empresa, o que se conseguia apurar do ativo mal cobria as dívidas com os credores que detinham algum privilégio, nada restando aos credores simples e dificultando a eventual continuação das atividades da empresa. 9

A nova legislação falimentar alemã, definitivamente aprovada em 05.10.1994, caracteriza-se pelo fato de que, em aproximadamente 75% dos casos, não se dá início ao processo de falência por falta de patrimônio suficiente do devedor para cobrir as custas processuais e administrativas.

Seus principais objetivos são:

Os direitos dos credores aptos a recuperar seus bens não foram substancialmente modificados: estes não fazem parte da massa. O mesmo ocorre nos casos de insolvência do devedor civil, quanto aos bens gravados com reserva de propriedade.

Os demais credores da massa, especialmente o fisco e os empregados assalariados, passam a integrar a mesma classe dos demais credores quirografários, o que implica em aumentar a cota-parte que será, ao final do procedimento, atribuída a cada credor, ou seja, não se esgota o pagamento de todos os créditos de uma das inúmeras classes de credores para, só após efetuados todos os pagamentos, passar a classe seguinte.

Outra inovação consiste em responsabilizar os credores atualmente dotados de privilégios, em vez de lhes autorizar a obter a satisfação separada e integral de seus créditos de modo sistemático e prévio à liquidação da empresa em processo falimentar. Não se justifica, efetivamente, privilegiar esses credores, uma vez que estão autorizados a fiscalizar de perto as atividades desenvolvidas pela empresa, ficando comprometidos com seu bom desempenho econômico-financeiro.

A declaração de créditos deve ser depositada num prazo a ser fixado entre duas semanas e três meses. Em contrapartida, o depósito não será feito perante o Juízo de primeira instancia, mas junto ao Administrador.

O outro procedimento previsto na legislação é o de insolvência.

Pode ser instaurado em relação a qualquer pessoa física ou jurídica. Dentre estas últimas, especialmente, os seguintes tipos societários, inclusive alguns que não possuem personalidade jurídica, a saber:

O pedido de abertura do procedimento será acolhido quando fundado em duas situações de fato: a) cessação de pagamento ou b) excesso de endividamento (insolvência). No caso de insolvência, é preciso assinalar que a definição de cessação de pagamentos é mais ampla do que no processo de falência, a fim de que seja possível antecipar, ao máximo, a data de instauração do procedimento.

O pedido por ser de iniciativa do próprio devedor, ao considerar que existe o risco real de cessação de pagamentos. Nesse caso, as empresas em vias de se encontrar em dificuldades poderão beneficiar-se de proteção legal preventiva, evitando ações intempestivas de certos credores, antes que o volume de ativos seja reduzido de tal forma que impossibilite a reorganização da empresa. Acolhido o pedido, o juízo adotará as medidas necessárias para evitar o decréscimo do ativo disponível, tais como suspender eventuais processos de execução já em curso, promovidos por credores, com fundamento em título judicial ou extrajudicial, exceto se a execução recair sobre bens imóveis. Poderá, ainda, nomear um administrador provisório, bem como retirar do devedor o direito de dispor do patrimônio. Se estas duas últimas medidas forem tomadas simultaneamente, o juízo removerá os poderes de administração e disposição dos bens da empresa das mãos do devedor, transferindo-os ao administrador provisório.

O procedimento pode incluir uma espécie de período de observação.

Condição indispensável para a instauração do procedimento de insolvência é a existência de ativos da empresa cujo valor seja suficiente para cobrir os gastos com o procedimento. Se não o forem, o pedido será rejeitado por este fundamento. Note-se que não se exige que o valor dos ativos seja suficiente para satisfazer as dívidas da massa, já que, nada impede que, continuando a funcionar a empresa, estas dívidas sejam saldadas ao longo de determinado período de tempo, pro rata, à medida que a empresa for recebendo pagamentos.

A instauração do procedimento será decretada pelo juízo, que nomeará, no mesmo ato, o administrador da insolvência. Excepcionalmente, o próprio devedor poderá administrar o procedimento de insolvência, sob a supervisão de um curador.

Com relação aos contratos em curso, anteriormente firmados pela empresa, poderá o administrador decidir mantê-los, renegociá-los ou rescindí-los, segundo as regras gerais que disciplinam os contratos.

Com o intuito de aumentar o valor dos ativos, pode-se, em certos casos, contestar atos praticados no período de três meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência, o denominado período suspeito, tais como as garantias constituídas em favor de terceiros.

Dentro de prazo não superior a três meses, o administrador levantará a real situação do ativo e do passivo da empresa, para que possa analisar se um plano de reorganização, denominado pela lei de "plano de insolvabilidade" é viável. Se entender que o plano pode ser executado, deverá submetê-lo ao juízo o qual, se concordar, irá apresentá-lo aos credores cujos créditos foram admitidos. O plano permitirá alterar os direitos de credores que possuem uma garantia.

Os credores serão divididos em, pelo menos, três grupos:

O plano deverá nortear-se pelo princípio da igualdade de tratamento no seio de cada grupo, devendo ser aprovado pela maioria simples dos presentes em cada grupo de credores, representando pelos menos metade do total dos créditos dos participantes da votação. Nenhum grupo poderá opor-se ao plano se não sofrer prejuízo em virtude dele. Finalmente, o plano devera ser aprovado pelo devedor, após o que, será finalmente homologado pelo juízo, sempre resguardado os direitos dos minoritários.

O plano de insolvabilidade poderá ser proposto por iniciativa do próprio devedor. Para tal, deverá obter aprovação do administrador e, novamente, dos credores e dos empregados assalariados, antes de ser definitivamente homologado pelo juízo. Essa possibilidade é mais utilizada e, freqüentemente, melhor aceita pelos interessados, quando o sócio-gerente solicita a abertura de um processo de insolvência em casos em que a cessação de pagamentos é iminente, ou seja, o risco de que ocorra é efetivo e o prazo para que aconteça é curto.

O plano de reorganização indicará as modalidades de reorganização consideradas, e especificara, por cada classe de interessados, as conseqüências de seus direitos.

É necessário assinalar que o plano, se aprovado, tem o condão de derrogar todas as normas existentes sobre o procedimento de insolvência, para permitir maior flexibilidade na reorganização da empresa. Isso implica em que poderá adotar medidas restritivas sobre direitos de credores privilegiados e medidas assecuratórias de direitos dos quirografários, bem como imputar responsabilidade ao devedor após o termino do procedimento, a fim de realizar o ativo. Poderá, ainda, consistir em um projeto de cessão da empresa a um credor ou a terceiros ou, finalmente, ser um plano de remissão de dívidas.

No moderno Direito Falimentar alemão, relevam-se os seguintes pontos:

A observação da experiência internacional sugere uma diversidade de ordenamentos legais, cada um deles cada um deles com estruturas que definem diferentes balanceamentos entre direitos de credores e devedor e que geram, portanto, diferentes resultados, sempre contingentes às particularidades de cada país. Verifica-se, entretanto, uma convergência no sentido de maior proteção dos direitos dos credores, preservação da empresa como ente produtivo e preservação do empreendedor como fator social de geração de empregos, sendo fruto de esforço recente, como pode-se observar linhas atrás, de reforma dos sistemas legais de insolvência em vários países.

1.2. O instituto falimentar no direito brasileiro

O Direto Falimentar Brasileiro desenvolveu-se dentro de uma trajetória de cinco etapas: a primeira inicia-se à época do descobrimento do Brasil em que as Ordenações Afonsinas regulavam, com forte conteúdo jurídico romano, as relações de insolvência; no particular, a falência era parte do Direito Criminal.

O Brasil, como colônia de Portugal, naturalmente, teve a aplicação do Direito consubstanciado nas Ordenações do Reino. A primeira ordenação foi a Afonsina, mais tarde revista por D. Manoel, passando a ser chamada de Ordenações Manuelinas, em que predominavam os princípios do Direito Romano, reproduzindo, através da falência, o Direito estatutário italiano, que submetia o devedor a rigor excessivo. As Ordenações Manuelinas previam que, ocorrendo à falência, o devedor seria preso até pagar o que devia aos credores. Por outro lado, levando em consideração a influencia do Direito italiano, poderia o devedor ceder seus bens aos credores, evitando, assim, sua prisão. Caso o devedor se tornasse insolvente, não poderia fazer nenhuma diligência, execução ou penhora, no prazo de 1 (um) mês, e, além disto, era encaminhado à prisão. Se fosse condenado por sentença transitada em julgado era determinado que se executassem seus bens e, caso não os possuísse em quantidade suficiente para saldar seus débitos, era mantido na prisão até que quitasse a quantia devida.

Nas Ordenações Filipinas, vigentes a partir de 1603, os bens de devedor condenado por sentença eram, automaticamente, penhorados e executados. Caso não se achasse bens, ele seria recolhido à cárcere privado até que pagasse, cabendo ao devedor optar por fazer a cessão de seus bens, sendo, assim, libertado.

E os que caírem em pobreza sem culpa sua, por receberem grandes perdas, no mar ou na terra, em seus tratos e comércios lícitos, não constando de algum dolo, ou malicia, não incorrerão em crime algum, E, neste caso, serão os autos remetidos ao Prior Cônsul do Consulado, que os procurarão concertar e compor com seus credores, conforme o seu regimento. 10

Na vigência das Ordenações Filipinas, inúmeros alvarás foram expedidos, sobressaindo-se o editado pelo Marques do Pombal, em 13.11.1756, quando tivemos o originalíssimo e autêntico processo de falência, em face do comércio mercantil, considerando-se o ponto de partida do instituto falimentar no direito pátrio, pois não só regulava a punição penal do crime falimentar, como também a falência culposa e a inocente.

Importante aduzir que tinha como procedimento que todos os falidos deveriam apresentar-se à Junta Comercial e jurarem a verdadeira causa da falência, devendo entregar as chaves de seu comércio, juntamente como o Livro Diário dos lançamentos de todos os assentos de mercadorias, discriminação das despesas e, também, fazer a declaração de todos os seus bens. Com este procedimento ficou mais fácil fazer a distinção entre os mercadores que davam causa a falência daqueles que empobreciam sem sua culpa. Assim sendo, os primeiros eram equiparados à ladrões públicos, inabilitados ao exercício do comércio, sendo sujeitos a sanções variadas, que poderia levá-los a morte. Feito o inventário do devedor, esse era levado à publicação por edital, para a convocação dos credores. Apurado o produto da arrecadação dos bens, eram destinados 10% para a subsistência do falido e de sua família e o restante dividido entre os credores. Verificado que a quebra havia sido fraudulenta ou dolosa, os devedores eram remetidos ao Juízo Conservador do Comércio que os mandava prender, seguindo processamento penal. Se fosse constatada a boa-fé do falido, era estabelecida a oportunidade de escolha entre penhorar, hipotecar ou ceder seus bens.

A Lei de Falências recebida de Portugal só passou a vigorar no Brasil após a Proclamação da Independência, conforme imposto pela Lei de 30.10.1823, a qual mandava aplicar a Lei das Nações Civilizadas, como também o Código Napoleônico de 1807.

Em 1850, foi promulgado o Código Comercial, que dedicou a sua terceira parte as "quebras" inaugurando, assim, a primeira fase histórica desse instituto em nosso Direito e que se estenderia até o advento do regime republicano.

Nesse período, o que caracterizava a falência era a cessação de pagamentos (art. 797). Alegava-se, contra o sistema do Código, ser ele lento, complicado, dispendioso, prejudicando, a um só tempo, credores e devedor; além disso, dava maior importância à apuração da responsabilidade comercial da falência, pois só com a ultimação do processo da quebra e qualificação da falência é que iniciava a liquidação da massa. Por outro lado, a aceitação da concordata, dependendo da maioria dos credores em número e que representassem pelos menos dois terços dos créditos sujeitos aos efeitos da concordata (art. 847, 3a. Al.) constituía obstáculos à obtenção deste favor. 11

Em 06.05.1882, com o advento do decreto legislativo 3.065, foi introduzida a concordata preventiva em nosso sistema falimentar.

Em 24.10.1890, com a edição do decreto no 917, iniciou-se outra fase, mudando a conceituação de falência da cessação de pagamentos para a impontualidade. Instituía, como meio preventivo da decretação de falência, a moratória, a cessão de bens e o acordo preventivo. Mesmo fazendo algumas mudanças importantes no sistema, este decreto não foi isento de críticas, sendo reformulado pela Lei 859 de 16.08.1902, regulamentada pelo decreto 4.855 de 02.06.1903. Sua principal novidade foi a nomeação do síndico dentro os nomes constantes de lista elaboradas pelas Juntas Comerciais, que visava acabar com as fraudes e vedar abusos ocorridos (principalmente no que dizia respeito às moratórias), não propiciando, porém, o alcance esperado para a solução dos conflitos entre as partes no processo falimentar.

A reforma foi um fracasso. O Congresso decidiu substituí-la, criando uma nova lei que evitasse as fraudes e as procrastinações processuais. Promulgou-se, então, em 17.12.1908, a Lei 2.024, de autoria de Carvalho de Mendonça, sendo considerada de grande importância para o Direito Falimentar brasileiro. Constituiu-se esta lei em notável aperfeiçoamento, tanto na parte substantiva como na processual, sendo seus pontos principais:

Esta Lei vigiu até 21.06.1946, quando foi promulgada a Lei 7.661, que apresentou as seguintes inovações;

Uma das novidades desta Lei foi a extinção do liquidatário e, também, o fato de que a concessão da concordata preventiva não ficava mais a mercê dos credores. Instaurou-se, também, a marcha paralela do processo falimentar com o processo criminal.

Em 1993, iniciou-se a marcha do Projeto de Lei 4.376-A/93, que apresentou inúmeras novidades, destacando-se o instituto da recuperação da empresa, visando reorganizá-la, em vez de destruí-la, para a manutenção dos empregos e a preservação da produção e circulação da riqueza, tendo em vista o desenvolvimento e o bem estar sociais. O instituto da recuperação da empresa preenche o vácuo deixado pelo desaparecimento da concordata suspensiva. Na recuperação da empresa exige-se que o requerente apresente um plano de recuperação econômica e financeira da empresa, a demonstração da viabilidade de sua execução e um plano de solução do passivo, ao passo que na concordata suspensiva o devedor procura, tão somente, uma melhor forma de pagamento dos seus débitos quirografários, sem nenhuma obrigação de apresentar um plano de recuperação de seu negócio: "Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para seus credores". 12

O próprio relator da Comissão Especial destinada a emitir parecer ao Projeto, deputado Osvaldo Biolchi, admite:

A recuperação judicial pretende corrigir os erros de gestão dos administradores da empresa. Ainda que, na maioria das vezes, a crise da empresa não seja causada pela prática de ilícitos, o certo é que ela, muitas vezes, é o reflexo de equívocos na definição de estratégias ou no estabelecimento de prioridades, que se refletem sobre todos os agentes econômicos envolvidos, gerando passivos ilíquidos. 13

Com efeito, paralelamente à concretização dos objetivos e aspirações de seus proprietários, a empresa moderna reflete um interesse social maior pois ela é agente do desenvolvimento e da estabilidade econômica. Por isso é que convém ao Estado sua sobrevivência e prosperidade, se não por interesse imediato, no mínimo por sua responsabilidade quanto à proteção do interesse coletivo, representado pelas oportunidades de trabalho, distribuição de riquezas, estabilidade econômica e garantia do adequado fluxo econômico-financeiro, consubstanciado nas inter-relações entre produtores, intermediários, financiadores e consumidores. 14

Portanto, pode-se concluir que, se as estruturas do livre mercado estão, em termos gerais, funcionando de modo adequado, as empresas em crise tendem a recuperar-se por iniciativa de empreendedores ou investidores, que identificam nelas, apesar do estado crítico, uma alternativa de investimento atraente.

Não é bem assim, contudo. Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (empregados, consumidores, Fisco, etc.)

1.3. Princípios da nova Lei de Recuperação de Empresas

A Lei 11.101/2002 trouxe, em seu arcabouço, alguns princípios básicos e algumas alterações fundamentais, como veremos a seguir:

1.3.1. Preservação da empresa

Em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País. Além disto, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representando pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros;

1.3.2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário

A empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases diferentes;

1.3.3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis

Sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial;

1.3.4. Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis

Caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover, de forma rápida e eficiente, sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades em dificuldades insanáveis na condução do negócio;

1.3.5. Proteção aos trabalhadores

Os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados;

1.3.6. Redução do custo do crédito no Brasil

É necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação dos recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico;

1.3.7. Celeridade e eficiência dos processos judiciais

É preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso;

1.3.8. Segurança jurídica

Deve-se conferir às normas relativas à falência, a recuperação judicial e a recuperação extra-judicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes;

1.3.9. Participação ativa dos credores

É desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida;

1.3.10. Maximização do valor do ativo do falido

A lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores das sociedades e empresários insolventes, que tem por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral;

1.3.11. Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte

Arecuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas a recuperação;

1.3.12. Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial

É preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o juízo a erro.

Naturalmente, nem sempre é possível a perfeita satisfação de cada um destes enunciados, principalmente quando há conflito entre dois ou mais deles. Nesses casos, é necessário sopesar as possíveis conseqüências sociais e econômicas e buscar o ponto de conciliação, a configuração mais justa e que represente o máximo benefício possível à sociedade. 15

1.4. Principais dispositivos da nova Lei de Recuperação de Empresas 16

A medida judicial de preservação do devedor relativamente a falência deixa de ser a concordata (preventiva ou suspensiva) e passa a ser a recuperação judicial. As principais diferenças entre elas são:

O pedido de falência perdeu, em parte, a característica de medida coercitiva utilizável na cobrança de dívida. Diversas alterações, na nova Lei, o indicam, entre elas:

Ainda sobre a venda dos bens do falido, prevê a nova lei uma ordem de preferência: alienação da empresa com a venda de seu estabelecimento em bloco ou isoladamente; alienação em bloco dos bens que integram o estabelecimento; alienação parcelada ou individual dos bens. Cria-se, também, nova modalidade de venda, além das já existentes (leilão ou propostas), que é o pregão. A escolha da melhor forma e da modalidade de venda cabe ao juízo e não mais ao administrador judicial.

A nova lei expressamente prescreve que o adquirente dos bens do falido ou do requerente da recuperação judicial (neste último caso, se previsto no Plano aprovado em juízo) não é sucessor deles quando a alienação ocorre em hasta judicial.

Muda substancialmente a participação do Ministério Público na falência. Agora, ele não precisa intervir em todos os processos em que seja parte, ou interessada, a massa falida. Também não participa do pedido de falência. Salvo algumas intervenções específicas (impugnação a venda, rescisão de crédito admitido, etc.), o Ministério Público só deve participar do processo de falência quando houver fatos como indício de crime, desobediência à lei ou ameaça de lesão ao interesse público.

O síndico passa a chamar-se administrador judicial. Alteram-se os critérios de sua remuneração e define-se que ela é extraconcursal (será paga antes dos credores). A autonomia do administrador judicial é menor do que à do síndico. A definição da forma pela qual será feita a realização do ativo (que, na lei anterior, cabia ao síndico), passa a ser atribuição do juízo. Cria-se novo órgão na falência (Comitê) e amplia-se a função da Assembléia dos Credores.

O pedido de restituição de mercadorias entregues nos últimos 15 dias anteriores ao requerimento da falência não poderá ser atendido se elas já tiverem sido alienadas pelo próprio devedor (antes da falência). Antes, apenas a alienação da mercadoria da massa falida (na liquidação ou em venda antecipada) obstava a restituição.

1.5. A recuperação judicial face à concordata

A primeira concordata a ser introduzida no Direito brasileiro foi a concordata suspensiva, assim denominada àquela concedida no decorrer do processo falimentar, quando era restituída ao falido a livre administração de seus bens. A concessão da concordata ficava sujeita a concordância dos credores, não se admitindo a sua concessão ao devedor que fosse "julgado com culpa ou fraudulento" na dicção do art. 847 do Código Comercial Brasileiro de 1850.

Paralelamente a concordata suspensiva, nosso Código Comercial previa a concessão de moratória ao comerciante que provasse a "impossibilidade de satisfazer de pronto as obrigações contraídas" decorridas de "acidentes extraordinários imprevistos ou força maior". Assim, facultada a moratória, contava o devedor com até três anos para saldar seus débitos. Em 24.10.1890, pelo Decreto no 917 era introduzida a concordata preventiva, que era aquela requerida preventivamente, como modo de evitar a declaração de falência. Abrigava, este diploma legal, duas espécies de concordata; a extrajudicial, firmada entre o devedor e seus credores, exigindo-se sua homologação pelo juízo, e a judicial que era, desde logo, levada ao juízo: "O decreto-lei 7.661 de 21.06.1945 pôs fim à exigência de aprovação prévia dos credores, ‘assumindo a concordata feição de favor judicial concedido pelo juiz’". 17

Assim, independentemente da vontade dos credores, desde que atendidas às exigências legais, poderia o devedor comerciante obter sua concordata e, com o seu integral cumprimento, restabelecer seus negócios, recuperando o indispensável equilíbrio econômico-financeiro para a continuidade da atividade negocial.

Logo a concordata revelou-se como ineficiente para apresentar-se como solução viável para possibilitar ao empresário a recuperação de sua atividade econômica pela via judicial, pois a Lei não lhe dava nenhuma solução quanto aos débitos com garantias reais e trabalhistas, que são geralmente os grandes causadores da derrocada das empresas. Além do mais, as únicas alternativas que a lei disponibilizava para recuperação das empresas em dificuldades era o desconto e a dilação nos prazos de vencimento, limitando a criatividade do devedor e seus credores no sentido de encontrarem soluções alternativas para salvar o empreendimento. Se o devedor resolvesse vender um estabelecimento para recuperar-se, mas não saldasse suas dívidas trabalhistas e tributárias, o adquirente do referido estabelecimento, por mais que estivesse de boa-fé, responderia pelos débitos trabalhistas e tributários do alienante.

A concordata, portanto, malgrado constituir-se no instrumento jurídico indispensável à recuperação econômico-financeiro dos empresários, com o correr do tempo foi-se mostrando inadequada, entre outras coisas, por não assegurar ao devedor os recursos financeiros fundamentais para a manutenção dos estoques e continuação da atividade empresarial. De outro lado, sem garantia efetiva de receber seus créditos, as instituições financeiras recusavam-se, sistemáticamente, a financiar a atividade negocial dos concordatários, tornando impraticável o fiel cumprimento das obrigações destes, o que, na prática, culminava na convolação da concordata em falência, com prejuízos insanáveis para o devedor, fornecedores e empregados.

Não se olvide, igualmente, da utilização, não raras vezes, do instituto da concordata como meio de fraudar credores.

Na concordata, os credores quirografários tinham a incômoda posição de, compulsoriamente, ter que aceitar as condições impostas de recebimento de seus créditos, em geral, 40% após um ano e 60% após dois anos, com correção fixada, também pelo juízo da concordata, com taxas abaixo das praticadas no mercado. Os acordos com credores quirografários eram efetuados à margem da Lei, com o artifício das cessões de crédito, subterfúgio largamente utilizado e do conhecimento de todos, mas em desacordo com o princípio da Lei. A lei das concordatas determinava que acordos isolados eram caracterizados por privilégios a credores, sendo a empresa, por este ato, passível de ter sua falência decretada. Por outro lado, o credor que se submetesse à este acordo poderia ser enquadrado como cúmplice: "A realidade é que estes acordos ‘em paralelo’ era a única forma de dar sobrevida à maioria das empresas". 18

Principalmente quando eram altos os índices de inflação e os Tribunais apegavam-se a esdrúxulas fundamentações para negar a correção monetária dos débitos do impetrante da concordata, muitos devedores enriqueceram usando fraudulentamente o instituto. A "industria da concordata" existia e prosperava porque ao juízo não era dado, pela lei, a alternativa de denegar o benefício sem decretar a falência.

Os Tribunais pátrios, em alguns casos, não fecharam os olhos à obsolescência da Lei de 1945, o que permitiu a produção de decisões de extrema qualidade, e que serviram como fonte para os debates que culminaram na mudança da legislação falimentar.

No caso das exigências para as concordatas preventivas, algumas construções jurisprudenciais como o afastamento dos protestos como fator impeditivo à concordata, a criação da figura da desistência do favor legal, a aceitação de modernas regras contábeis oriundas da informatização, a desnecessidade de apresentação de certidões negativas fiscais, mesmo porque o Fisco não fazia parte do procedimento, e, talvez a mais importante, a concessão de prazo para que o devedor pudesse instruir o pedido de concordata feito emergencialmente, como quase sempre ocorria.

(...) a questão assume contornos ainda mais graves se consideradas as estatísticas: cerca de 87% (oitenta e sete por cento) dos pedidos de concordata preventiva não são cumpridos e as empresas acabam caminhando para um irreversível processo falimentar, situação esta que provoca a demissão de milhares de funcionários, gerando desemprego em massa e graves problemas sociais. 19

Tais aspectos, entre outros, foram as responsáveis pela alteração da legislação falimentar, com a adoção da denominada recuperação judicial, substituta da antiga concordata preventiva, sendo de todo extinta a concordata suspensiva. A alteração de nome dado ao instituto da concordata rompeu com tradição secular, assemelhando-se a vocábulo alienígena, pois não se coadunava com a exata natureza jurídica do instituto.

A Nova Lei de Recuperação de Empresas contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de recuperação extra-judicial. Os objetivos delas são iguais: saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores. Diz-se que, recuperada, a empresa poderá cumprir sua função social. 20

O conceito põe em relevo a preocupação de preservar a empresa, vista esta como verdadeira instituição social para a qual se conjugam interesses diversos: o lucro do titular da empresa (empresário ou sociedade empresária); os salários (de manifesta natureza alimentar); os créditos dos fornecedores e os tributos do Poder Público.

A atual Lei de Recuperação de empresas, tal como a lei anterior, vincula o indeferimento da recuperação judicial à decretação da falência. Aparentemente, o argumento em prol da vinculação é lógico e inquestionável. O devedor não se arriscaria a pedir a recuperação judicial caso não estivesse realmente necessitado do benefício, tendo em vista o risco de decretação da falência.

Nosso modelo de recuperação judicial é vulnerável porque, ao manter a vinculação entre o indeferimento do benefício e decretação da falência, cria o ambiente propicio ao nascimento da "industria da recuperação" à semelhança da anterior "industria da concordata": O credor, na Assembléia Geral em que estiver em votação o Plano de Recuperação Judicial, tenderá a aprovar qualquer rabisco malfeito, porque, se não o fizer, o juiz tenderá a decretar a falência do devedor. 21

Por outro lado, percebe-se que a adesão dos credores às medidas preventivas de recuperação das empresas é de salutar importância, passando estes a ter papel relevante no procedimento de recuperação da empresa, na medida em que darão assentimento expresso em assembléia de credores, sobre as condições propostas no plano de pagamentos apresentado pelo devedor. O credor passa da condição passiva que lhe era imposta na Lei anterior, a ter voz ativa, participando do processo, concordando ou desaprovando as condições entabuladas no plano de recuperação apresentado pelo devedor. O acordo obedece aos princípios gerais dos contratos do direito comum, e, em caso de inexecução, ensejara até eventual quebra (parágrafo 1º do artigo 61).

1.6. A recuperação extrajudicial

Tradicionalmente, os credores brasileiros costumavam demonstrar certa resistência a qualquer forma de composição em grupo, preferindo negociar o pagamento de seus créditos diretamente com o devedor. Os reflexos das recentes crises da economia norte-americana e dos setores brasileiros de energia e telecomunicações promoveram evolução na forma de condução das negociações, por meio do rompimento do padrão de comportamento em processos coletivos de renegociação de dívidas. Credores e devedores passaram a trabalhar em conjunto para encontrar soluções no sentido de permitir o pagamento dos débitos de forma menos gravosa aos envolvidos: para os credores, no menor prazo possível e, para os devedores, de forma a garantir a continuação do negócio.

A introdução do instituto da recuperação extrajudicial no direito falimentar brasileiro tem a finalidade de dotar nosso sistema legal de mecanismos que tendem a viabilizar a negociação de acordos com grupos de credores escolhidos pelo devedor.

O Decreto-Lei 7661/45 (antiga Lei de Falências) não amparava esta forma de composição e ainda classificava a convocação dos credores pelo devedor, para apresentação de propostas de dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, como "atos de falência", impedindo soluções de mercado.

Esta convocação de credores era feita de forma bastante comum pelos empresários em situação de crise: era a chamada "concordata branca", por meio do qual se tentava acordo com os credores, para os mais diversos tipos de acerto. Se houvesse êxito, a empresa em crise teria condições de se recuperar e retornar ao andamento normal de seus trabalhos; no entanto, se não houvesse acordo, sempre haveria o risco de ser requerida a falência por qualquer dos credores procurados para acordo, sob a alegação, fortemente correta, de que o devedor praticou o ato de falência previsto no inciso III do art. 2º da lei anterior.

A possibilidade que se oferece ao devedor para tentar o acordo extrajudicial, por meio da "recuperação extrajudicial" é aspecto benéfico da Lei. No entanto, não justificaria, por si só, a alteração legal. Como ocorre normalmente em direito comercial, ao contrário do que acontece em direito civil, o costume impõe-se no dia a dia, e só após, quando já consolidado o procedimento do empresário, vem a Lei trazer regras positivas. Exemplos disto são a franquia e o leasing, dentre outros.

Para simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída negociada para a crise, o empresário ou sociedade empresária não precisa atender a nenhum dos requisitos da lei para a recuperação judicial. Estando todos os envolvidos de acordo, assinam os instrumentos de novação ou renegociação, assumindo, por livre manifestação de vontade, obrigações cujo cumprimento proporcione o reerguimento do devedor.

Se a recuperação extrajudicial é uma alternativa prévia à recuperação judicial ou à própria falência, a melhor hipótese é supor que a empresa com perfil para utilizar este instrumento estaria em situação condizente com a realização da negociação parcial, ou seja, com credores selecionados que sejam relevantes o suficiente para que sua aceitação de novas condições de pagamento permita a solução extrajudicial e simplificada das dificuldades por que passa a empresa solicitante. Essa situação permitiria um modelo de renegociação parcial que tornaria desnecessária a participação de todos os credores e, por isso, desnecessária também a imposição da vontade da maioria sobre a minoria dissidente fora do âmbito do processo judicial. (...) Se é com certa facilidade que se pode constatar a impropriedade de trazer critérios de maioria e de participação involuntária na recuperação extrajudicial, um pouco mais complexa é a defesa da utilidade da recuperação extrajudicial em bases voluntárias com apenas uma parcela dos credores. Uma primeira indagação seria sobre a eficácia de um mecanismo em que apenas parte dos credores participem, arcando com perda econômica, sem que esse peso seja distribuído entre os demais. Qual seria o incentivo para que essa minoria ativa abrisse mão de parte de seus direitos? A resposta é que o valor econômico de um crédito depende não apenas de seu valor presente, mas também da probabilidade de não-pagamento. Todo haver financeiro carrega certa probabilidade de risco. Quanto maior a probabilidade de risco, menor o valor econômico do crédito. Se, em função do peso específico de um determinado credor ou de um determinado grupo de credores, estes possam, por si só, criar condições de recuperação de uma empresa em dificuldades, longe da prática altruísta, essa providência ajusta-se à mais estrita racionalidade econômica. A perda relativa em termos de valor nominal de um título pode ser mais que compensada pela diminuição do risco de recebimento.(...) Propomos, portanto, um novo modelo de recuperação extrajudicial, em que o devedor pode selecionar e convocar seus credores para a apresentação de plano, que terá efeitos sómente sobre aqueles que a ele expressamente aderirem. Prevê-se, ainda, a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, a fim de conferir-lhe maior segurança jurídica. (...) Assim, reduz-se a possibilidade de que a maior liberdade concedida na recuperação extrajudicial abra margem a fraudes por parte do devedor e dos credores que selecionar. O plano de recuperação extrajudicial não poderá, por exemplo, implicar no reforço das garantias dos credores que participarem da renegociação, por tratar-se de ato falimentar, nos termos do art. 94, III, e, do Substitutivo. 22

Para ter direito à homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, não basta o atendimento aos requisitos subjetivos, isto é, relacionados a pessoa do devedor. Também exige a lei o preenchimento de requisitos objetivos, que dizem respeito ao conteúdo do plano acordado entre o devedor e os credores envolvidos (ou parte significativa deles). São cinco os requisitos:

O credor que aderiu ao plano de recuperação extrajudicial não pode dele desistir após a distribuição do pedido de homologação judicial, a menos que os demais signatários concordem.

A anuência do devedor e de todos os credores é condição para a existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano de recuperação extrajudicial deve ser sempre considerado em sua integralidade. Se faltar qualquer de seus elementos, é possível que o objetivo de recuperação da empresa não seja alcançado. Atenta a isto, a lei exige a concordância tanto do devedor como dos outros credores aderentes para que um destes últimos possa se liberar do previsto no plano. Na verdade, a lei está acrescentando uma condição a mais para a existência, validade e eficácia da desistência, após a distribuição do pedido de homologação judicial do plano. O credor aderente assume com o devedor as obrigações que decorrerem do encontro de vontades, nos termos do acordado entre eles. De acordo com estas obrigações, o credor aderente não pode desvincular-se do plano sem a anuência do devedor em crise.

A recuperação extrajudicial não altera, nem mínimamente, os direitos de algumas categorias de credores. São sujeitos que não podem negociar os créditos que detém perante empresário ou sociedade empresária por meio do expediente da recuperação extrajudicial. A renegociação se faz exclusivamente por regras próprias da disciplina legal do crédito em questão ou, quando inexistentes, pelas do direito das obrigações.

Os créditos preservados na recuperação extrajudicial são;

Quando todos os credores cujos créditos sejam alcançados pelo plano, alterando seu valor, vencimento, condições de pagamento, garantias, etc., estejam de acordo a homologação judicial não é obrigatória para sua implantação, pois a assinatura de todos os credores por ele atingidos já os obriga. O ato judicial não é necessário para que o crédito seja alterado.

Dois são os motivos que podem justificar a homologação judicial. O primeiro é revestir o ato de maior solenidade, para chamar a atenção das partes para a sua importância. O segundo é possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladamente, quando prevista a medida. 23

Ao requerer a homologação facultativa, o devedor deve instruir o pedido com a justificativa do pleito e o instrumento de recuperação extrajudicial (plano, acordo, termo etc.), assinado por todos os credores aderentes. A instrução é, nesse caso, mais simples porque os efeitos da homologação têm menor alcance.

Ao lado da homologação facultativa (art. 162), prevê a Nova Lei a homologação obrigatória, que ocorre quando o devedor conseguir obter adesão de parte significativa dos credores ao plano de recuperação, mas uma pequena minoria destes resistir a suportar suas conseqüências. É injusto que a oportunidade de reerguimento da empresa do devedor se perca em razão da recusa de adesão ao plano por parte de parcela minoritária dos credores. Com a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, estendem-se os efeitos do plano aos minoritários nele referidos, suprindo-se, desta forma, a necessidade de sua adesão voluntária.

Para que haja esta homologação, o plano de recuperação judicial deve conter a assinatura de, pelo menos, 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.

São as seguintes as espécies de crédito:

No calculo do percentual de adesões mínimas, duas regras devem ser observadas. Em primeiro lugar, os créditos em moeda estrangeira devem ser convertidos para a moeda nacional, segundo a taxa de câmbio da véspera da assinatura do plano pelos credores aderentes. Em segundo, não se computam os créditos de pessoas ligadas ao devedor, listadas no art. 43, ou seja:

A instrução do pedido de homologação obrigatória é mais complexa. Além da justificativa e do plano, com a assinatura da maioria aderente, deve o devedor apresentar em juízo (art. 163):

Após receber a petição inicial devidamente instruída, o juízo determina a publicação do edital convocando os credores a apresentarem eventuais impugnações, no prazo dos 30 dias seguintes à publicação do edital. Neste mesmo prazo, 30 dias, o devedor requerente deve provar que comunicou, por carta, todos os credores sujeitos ao plano domiciliados ou sediados no Brasil, informando-lhes da distribuição do pedido de homologação extrajudicial, as condições do plano apresentado e o prazo para impugnação.

A impugnação deve ser instruída com prova do crédito do impugnante (condição que pode ser relevada pelo magistrado se não houver dúvida acerca da titularidade e extensão do título) e só pode versar sobre um dos fundamentos admitidos pela lei, que são (art. 94, III):

Apresentada a homologação, o devedor será intimado para se manifestar em cinco dias. Após este prazo, os autos são conclusos ao juízo para deferir a petição inicial e homologar o plano ou acolher a impugnação e indeferir a homologação. Desta sentença cabe, em qualquer caso, apelação, sem efeito suspensivo (parágrafo 7º do art. 164).

Em caso de indeferimento da homologação, nada obsta a reapresentação do pedido, desde que, obviamente, afastado o motivo da decisão denegatória.

Rejeitada a homologação por qualquer motivo, o credor que havia concordado com a mudança de valor ou da forma de pagamento readquire os direitos anteriores à adesão, nas condições originais.

Caso seja previsto no plano de recuperação extrajudicial homologado a venda judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, esta se fará por hasta, através de leilão, propostas fechadas ou pregão (art. 142).

Cabe salientar que na recuperação extrajudicial, não é possível a venda total da empresa, pois objetiva, prioritariamente, recuperá-la.

Esta nova modalidade de acordo privado introduzida pela Nova Lei não impede que o devedor e seu credores celebrem outras modalidades de acordo privado. Os operadores do direito continuarão a utilizar os mesmos instrumentos de repactuação de dívidas utilizados até a aprovação da Lei 11.101/2005.

A principal vantagem da homologação do acordo extrajudicial foi retirada do texto do projeto da Nova Lei por emenda apresentada no plenário do Senado e consistia na proteção que seria dada ao acordo homologado, em juízo, contra eventuais ações revocatórias ou declarações de ineficácia de atos contemplados no plano homologado em juízo, salvo nas hipóteses de fraude. Por meio desta proteção esperava-se dar maior segurança aos negócios jurídicos celebrados com devedores em dificuldades financeiras, estimulando a celebração de acordos que evitassem demorados e custosos processos de recuperação judicial ou falência. Isso porque é comum, em casos de renegociação de dívidas que o credor só aceite conceder novos prazos e condições de pagamento mediante garantias adicionais. Por outro lado, não é raro um devedor oferecer bens em pagamento aos seus credores, sobretudo quando encontra dificuldade para transformar seu patrimônio imobilizado em dinheiro. Ocorre que, em muitos casos nos quais estas possibilidades são aventadas, os acordos não são celebrados por falta de disposição dos credores em aceitar o risco de futuras ações revocatórias. Uma vez retirada do texto da nova Lei a proteção contra estas ações, o único benefício dessa modalidade de recuperação em relação aos acordos privados, reside no fato de que a sentença homologatória é título executivo judicial.

Não há previsão legal na nova Lei que autorize o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente a requerer a recuperação extrajudicial. É possível, entretanto, entender-se que, dada a natureza contratual do instituto, não haverá óbice para que seja reconhecida a legitimidade dessas pessoas para requerer a recuperação extrajudicial, aplicando, de forma analógica o parágrafo unido do art. 48.

Os credores, por mais que vislumbrem a necessidade do devedor se submeter a um processo de recuperação, permanecerão à mercê de eventual iniciativa do próprio devedor. Em contrapartida, se houver prova de que o devedor, por atos inequívocos, realiza ou tenta retardar pagamento ou alienar parte ou totalidade de seu estabelecimento com a finalidade de frustrar credores, estes poderão requerer a falência do devedor com a finalidade de submetê-lo ao processo concursal, preservando seu patrimônio e garantindo a aplicação do princípio da paridade de tratamento.

A Nova Lei de Falências eliminou um importante requisito negativo, ou impedimento, para o ajuizamento do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, qual seja a inexistência de protestos lavrados contra o devedor. O preenchimento desse requisito negativo era condição para que o devedor utilizasse o benefício legal da concordata preventiva. Muitos eram os casos em que o devedor tinha que contar com o beneplácito judicial para que a sua falência não fosse decretada. Por outro lado, o apontamento de algum título à protesto precipitava o ajuizamento de concordatas que poderiam ser evitadas.

Além desses requisitos negativos, que são comuns à recuperação judicial, o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, "se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois anos" (art. 161, parágrafo 3º. da Lei 11.101 de 09.02.2005). A redação deste dispositivo é de evidente má técnica, pois não há definição legal para o termo "pendente".

Por meio desta definição temporal, pretendeu o legislador evitar o ajuizamento de recuperação extrajudicial no interregno entre a propositura de recuperação judicial e sua concessão, visto que o procedimento de recuperação judicial é mais amplo e pode abranger todos os credores porventura sujeitos a recuperação extrajudicial. O legislador também pretendeu evitar o ajuizamento de sucessivos planos de recuperação extrajudicial, ainda que abrangendo credores distintos.

A limitação temporal para ajuizamento de novo pedido de recuperação extrajudicial contraria, de certa forma, o próprio princípio de manutenção da unidade produtiva. Não parece remota a possibilidade de um devedor, que tenha renegociado seus débitos baseado em fluxo de caixa elaborado em determinada realidade econômica, tenha que propor novo acordo a seus credores caso algum fato externo venha a comprometer sua geração de caixa. A crise na geração de energia elétrica (a chamada crise do apagão em 2001), que acarretou imediata redução do consumo de energia e provocou abrupta diminuição da receita das empresas geradoras e distribuidoras de energia, constitui bom exemplo de fato imprevisto que pode comprometer o fluxo de caixa de uma empresa e, portanto, influir na sua capacidade de honrar compromissos e obrigações. 24

Se a nova Lei tem como preceito fundamental a preservação da atividade produtiva, não parece razoável impedir o ajuizamento de nova recuperação extrajudicial, caso o devedor venha a sofrer novo abalo em prazo inferior a dois anos. A concordância prévia de todos, ou de, pelo menos, 3/5 dos credores, é condição para a propositura de recuperação extrajudicial. Logo, não havia razão para o legislador impedir nova recuperação extrajudicial mediante a concordância da maioria dos credores. Em termos práticos, o devedor que enfrentar esta situação terá, em princípio, que se valer de outras formas de composição amigável, enfrentando as mesmas dificuldades encontradas antes da nova Lei, a exemplo da inexistência de proteção contra credores oportunistas.

A existência de pedido de falência em curso contra o devedor não impede o ajuizamento de pedido de recuperação extrajudicial, bem como a distribuição do pedido de recuperação extrajudicial não elide a falência, nem impede que os credores que não tenham subscrito o plano, ou que não estejam à ele sujeitos, ajuízem pedido de falência. O ajuizamento da recuperação extrajudicial não tem o condão de elidir a falência, por falta de previsão legal. Entretanto, pedido de falência ajuizado por credor que tenha subscrito o plano de recuperação extrajudicial deverá ser extinto. Caso, todavia, o pedido de falência seja feito por credor que não tenha subscrito o plano, mas à ele sujeito por imposição, o ajuizamento da recuperação extrajudicial não suspenderá seu curso, que será processado em separado a recuperação. A sentença que homologar a recuperação extrajudicial, e impuser o plano aos credores, provocará a perda do objeto dos pedidos de falência formulados por credores sujeitos ao plano, independentemente do fato de terem sido ajuizados antes ou depois da distribuição da recuperação extrajudicial.

Os devedores que estavam proibidos de impetrar concordata preventiva na data de entrada em vigor da nova Lei, não puderam requerer recuperação extrajudicial. Trata-se de uma regra de transição. A título exemplificativo, o devedor que tiver impetrado concordata preventiva a menos de cinco anos, não poderá requerer recuperação extrajudicial, ou judicial, tendo que aguardar o decurso do prazo remanescente para completar o período de cinco anos para utilizar o novo instituto (art. 198).

1.7. Vigência das normas de recuperação de empresas

Em se tratando de tema jurídico que envolve o direito intertemporal, sempre possível e objeto de amplas discussões teóricas a respeito, entendemos importante tecer algumas considerações que auxiliem a enfrentar os dispositivos das Disposições Transitórias da Lei 11.101 de 09.02.2005.

Assim, sendo, pode-se afirmar, como o faz Caio Mario da Silva Pereira 25:

O problema do direito intertemporal consiste na indagação, se a lei tem efeito retroativo, não podendo ser aplicada em caso afirmativo. Nesta indagação, cumpre apurar, em face de uma lei nova que substitui com o seu domínio a lei anterior, como encontrou ela as situações jurídicas surgidas no império da lei caduca, e três hipóteses há: a primeira compreende os fatos que já produziram os seus efeitos sob a lei anterior; a segunda aparece, quando os efeitos dos fatos ocorridos na vigência da lei velha se estendem pelo período subseqüente a sua revogação; a terceira entende-se como a continuidade de fatos interligados, que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeitos.

Não se pode olvidar o conhecido e sempre citado art. 6º. da Lei de Introdução ao Código Civil, já com a redação da Lei 3238/57 "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", sempre invocado em situações de direito intertemporal, ganhando relevância no tema ora abordado pois, embora caduco, o decreto-lei 7661/45 ainda será aplicável nesta fase de transição, e da mesma forma a nova Lei, que também se aplicará a determinadas hipóteses em processos iniciados sob a vigência da lei anterior. Assim há que se evitar os conflitos, visando a celeridade processual, como recomenda o parágrafo único do art. 75 e o art. 79 da nova Lei.

Por isto, o mesmo jurista Caio Mario discorre 26:

(...) os direitos adquiridos, oriundos de fatos que se realizam por inteiro em consonância com a lei velha ao tempo de sua vigência, e se incorporaram definitivamente no patrimônio do sujeito não são alcançados pela lei nova, e, portanto, continuam a reger-se pela lei antiga, que, desta sorte, estende o plano de sua eficácia por um tempo ulterior ao momento em que é revogada. As expectativas de direito, isto é, aquelas situações ou relações aderentes ao individuo, provenientes de fato aquisitivo incompleto, e, por isso mesmo, não integradas em definitivo ao seu patrimônio, são atingidas sem retroatividade pela lei nova, que passa a discipliná-las desde o momento em que começa a vigorar. Igualmente são reguladas pela lei moderna as faculdades legais, que haviam sido instituídas pela lei morta, mas de que não havia o individuo feito uso, embora estivesse à seu alcance.

Assim sendo, apesar do caput do art. 192 da nova Lei, determinar, categóricamente, que "esta lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei 7.661, de 21/6/1945", os seus parágrafos subseqüentes abriram as exceções, típicas das disposições transitórias, criando as controvérsias que deverão ser solucionadas pelas normas e princípios do direito intertemporal.

O parágrafo 1º, primeira parte, do art. 192 da novel Lei estipula que: "fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso", isto é, que até o início de sua vigência qualquer requerimento de concordata suspensiva poderia ser concedido por sentença, nos termos do art. 177 e seguintes da Lei caduca e alcançará seus objetivos, mesmo após a entrada em vigor da nova Lei. Importa ressaltar que, até a entrada em vigor da nova lei, a concordata suspensiva tinha de estar definitivamente concedida, não sendo suficiente mero requerimento neste sentido.

Pergunta intrigante é se a sentença de concessão ou de indeferimento ainda não tiver transitado em julgamento até 09.06.2005, data de vigência da nova Lei. A melhor interpretação é que se deva prosseguir sob a regência da lei antiga, respeitadas as regras processuais pertinentes, pois, nesta hipótese, trata-se de continuidade de fatos interligados que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeito 27

Entendendo como efeitos do transito em julgado da sentença proferida, sem ofensa ao novo dispositivo legal, e sem ferir a norma de direito material, mas aguardando apenas precluírem-se os ditames da lei processual, sendo este mais um efeito da ultratividade da lei, sem que ocorra sua aplicação retroativa que pudesse contrariar o art. 6º da LICC, pois aqui não se trata de expectativa de direito, mas de direito adquirido.

A segunda parte do supra mencionado parágrafo 1º, e imprimindo logicidade a proibição da concessão da concordata suspensiva nos processos em curso, conclui, com razão, que pode ser "promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro geral de credores" sempre tendo em vista a almejada, e raramente alcançada, celeridade processual antes referida. Sem dúvida salutar esta previsão legal, demonstrando, de forma cabal, a vontade do legislador de atender a toda sorte de reclamos, para desde logo realizar-se o ativo, que estará sempre em melhores condições sem deterioração pelo tempo, ao contrario da realidade anterior. Esta determinação legal se fez necessária para, objetivamente, abranger todas as falências em curso, que sómente poderiam realizar seus ativos depois de decidido o Inquérito Judicial, que dava início ao prazo para requerimento da concordata suspensiva e de publicado o Quadro Geral de Credores, o que representa adiantar em anos a finalização das falências existentes, e para as novas decretações significará, até pelo simples e mero bom senso, elevação no rateio dos credores, pois a realização far-se-á com ativo em boas condições, muito antes de estarem corroído pelo tempo.

Não perdendo o foco na recuperação da empresa, o legislador houve por bem dispor na primeira parte do parágrafo 2º do art. 192 que "a existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei, não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata", pois seu objetivo é criar o ambiente e a oportunidade para a recuperação das empresas e, portanto, seria sumáriamente injusto que as atuais empresas em concordata, cujo instituto sabidamente não respondia mais aos anseios da modernidade, não tivessem também a possibilidade de socorrem-se de legislação mais moderna. Esta disposição legal há de ser interpretada levando-se em consideração a definição legal do art. 47: "a superação da situação de crise econômico-financeira" para permitir a "manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores", dos "interesses dos credores" para se alcançar a "preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica", respeitando o disposto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil "na aplicação da lei, o juízo atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

A jurisprudência pátria, ante a reconhecida necessidade de reforma da anterior lei de falências, já vinha amenizando a interpretação literal de seus artigos, captando a necessidade de preservação da empresa, quando também analisada sob o ângulo da boa fé do empresário, afastando-se da letra fria da lei.

Um dos pontos mais polêmicos da antiga lei era o inciso I do art. 150 que dizia que "a concordata pode ser rescindida: I – pelo não pagamento das prestações nas épocas próprias ou inadimplemento de qualquer obrigação assumida pelo concordatário" e, conseqüentemente, não se tratando de regras de comportamento ético-comercial, mas sim de cumprimento de mera e importante obrigação de todo e qualquer empresário: pagar seus débitos!? A sua infringência, pura e simples, será suficiente para literalmente impedir o concordatário valer-se também da recuperação judicial? Como cediço, não se deve perder o foco da interpretação legal e, principalmente que a nova Lei veio para suprir a impossibilidade de sómente em dois anos cumprir-se o pagamento integral prometido. Seria absolutamente paradoxal, exigir-se de um concordatário que preencheu todos os demais requisitos do art. 150 da Lei anterior, tivesse também que cumprir o disposto no inciso I quando se sabe que não teria condições de fazê-lo, sem se esquecer, também, que o magistrado não pode permanecer alheio ao que ocorre à sua volta, encerrando-se em uma torre de marfim e infenso às necessidades sociais de seu tempo.

Justamente por isto é que foi promulgada a Lei de Recuperação de Empresas, para evitarem-se falências desnecessárias, recuperando-se empresas viáveis.

Se o concordatário superar todas as exigências legais, por que impedí-lo de alcançar a recuperação de seu negócio, se o reverso é a falência?

Também é importante ressaltar que o mesmo parágrafo 2º do art. 192, veda qualquer transposição da concordata para recuperação judicial, se "baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte à que se refere à seção V do capitulo III desta Lei" (arts. 70 e seguintes da Lei 11.101/2005). Equivocou-se o legislador, ao ignorar a realidade do imenso universo das microempresas e empresas de pequeno porte na economia nacional, distanciando-se de qualquer enfoque social ou econômico, ao vedar o acesso das mesmas ao plano de recuperação judicial que, assim, não encontram amparo legal, devendo solucionar suas dificuldades no âmbito da Lei antiga.

Outro aspecto que deverá ser analisado são as intercorrências processuais da transposição, pois o parágrafo 3º do art. 192, determina claramente que "se deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto", isto significando que durante certo tempo, existirão dois processos: o da concordata em andamento, que deverá ser extinto e o pedido de recuperação judicial em recuperação, que se iniciou.

Há que se intuir, ante o silencio legal, que prevalecerá a regra geral de competência, isto é, o foro da concordata tem sua competência preventa, eis que se tratam da mesma empresa e dos mesmos credores, sendo correto admitir-se que o juízo que decretará a extinção da concordata, deverá ser o mesmo que sentenciara a homologação da recuperação judicial, pois tem a mesma competência, ante o disposto no art. 106 do CPC, eliminando-se desta forma qualquer possibilidade de conflito decisório.

Além do mais o mencionado parágrafo 3º dispondo que "os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário" é nada mais correto então que tudo seja decidido e analisado pelo mesmo juízo, que até fisicamente conhece ambos os processos, facilitando a solução equânime e sem conflito quanto a sentenças diversas, envolvendo as relações entre o devedor e o credor, sob o mesmo tema.

Isto para não se dizer que eventuais impugnações de crédito, porventura não julgadas em definitivo no âmbito da concordata, segundo os conceitos de direito intertemporal, devera sê-lo pelo mesmo juízo, dentro do rito da lei antiga, e só aí inscritos pelo valor original na recuperação judicial, situações que ao se pleitear a transposição deverão ser devidamente explicitadas e, se o caso, fizeram parte do plano de recuperação.

Há ainda mais um efeito colateral da transposição da concordata para a recuperação judicial, qual seja o confronto do art. 147 do Decreto-Lei 7661/45 ("A concordata concedida obriga a todos os credores quirografários, comerciais ou civis, admitidos ou não ao passivo, residentes no país ou fora dele, ausentes ou embargantes") que, portanto, os credores privilegiados não estavam sujeitos à concordata, podendo, livremente, valerem-se dos seus direitos, inclusive, e especialmente, os credores hipotecários, a qualquer tempo. A nova Lei, na redação do parágrafo 3º do art. 49, prevê: "Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o parágrafo 4º. do art. 6º. desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial".

O credor hipotecário, como visto, foi excluído do parágrafo 3º do art. 49, certamente pelo descrédito do instituto da hipoteca como garantia real, pelas conhecidas dificuldades na sua execução para recebimento de débito, diferentemente do que ocorria na concordata, onde sempre foi soberano. Na lei nova foi, corretamente, incluído como sujeito a seus efeitos, induzindo este aspecto para que se alcance o melhor resultado na recuperação judicial.

Dentro das regras aqui adotadas quanto ao direito intertemporal imaginemos duas situações: na primeira o credor, não sujeito aos efeitos da concordata, já deu início à execução hipotecária, que então deverá seguir os trâmites legais, até decisão final, em face do direito adquirido deste credor, que, diligentemente, o exerceu dentro dos dispositivos da lei antiga, mas que na lei nova não teria esta prerrogativa, ante os ditames do mencionado parágrafo 3º do art. 49 que o incluiu na sujeição à recuperação, não poderá ser prejudicado por lei posterior, pois a vedação teria efeito retroativo, estando excluído, assim, dos seus efeitos; na segunda hipótese, o credor hipotecário que se manteve inerte no curso da concordata, ao ser requerida à transposição da concordata para a recuperação judicial, quando apercebeu-se que, daí em diante, o seu crédito estará irremediavelmente sujeito à seus efeitos, vedada a sua execução singular, pois sujeito ao plano de recuperação. É de entender-se que terá que se submeter aos ditames da Lei nova, pois se manteve apenas na posição de quem tendo "expectativa de direito", bem como, embora reunindo as necessárias "faculdades legais" deixou-as passar in albis não tendo assim direito adquirido, que pudesse confrontar como violação ao art. 6º. da Lei de Introdução ao Código Civil.

Certamente, estas questões serão colocadas em juízo.

Quanto ao parágrafo 4º do art. 192 da nova Lei, está definido, com clareza meridiana, que se "aplica as falências decretadas em sua vigência" sejam resultantes de convolação de concordatas em falências ou mesmo de pedidos de falências. Portanto, iniciado o período de vigência da nova Lei, toda e qualquer falência será regulada pela nova Lei, seguindo os ditames da rápida e eficiente realização de ativos, e do rápido pagamento aos credores, evitando-se a eternizacão dos processos falimentares.

Determina, ainda, que o rito processual para a decretação da falência, para aquelas situações pré-existentes à sua vigência, será regulada pela Lei antiga, evitando-se, com este dispositivo, eventuais alterações de regras num momento de extrema dificuldade para a empresa devedora.

Todavia, nas falências decretadas após o início da vigência da Lei nova, mesmo que o respectivo processo (de falência ou a convolação de concordata em falência) seja anterior, ao ser decretada a quebra, desde logo há de ser obedecido o art. 99, que, em seus itens I a XIII, contém todas as determinações que deverão ser cumpridas, visando, entre outros objetivos, dar publicidade ao fato, prevenir atos de disposição, decretar a prisão preventiva, se as circunstancias específicas recomendarem, nomeando também o administrador judicial.

Sobre o autor
Carlos Souto Júnior

advogado em Porto Alegre (RS), pós-graduado em Direito de Empresa pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUTO JÚNIOR, Carlos. Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).: Alguns aspectos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8587. Acesso em: 28 nov. 2024.

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