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Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).

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Agenda 02/07/2006 às 00:00

4. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS "ME" e "EPP"

O legislador dedicou os arts. 70, 71 e 72 da Lei 11.101/2005 para dar tratamento diferenciado as micro e pequenas empresas.

Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1º desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.

§ 1º As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

§ 2º Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.

Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);

III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei.

Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55 desta Lei, de credores titulares de mais da metade dos créditos descritos no inciso I do caput do art. 71 desta Lei.

4.1. Plano especial de recuperação judicial

A nova Lei de Recuperação de Empresas dedicou um capítulo especial às micros e pequenas empresa, que representam grande parte dos empreendimentos nacionais, conforme advertiu o Senador Ramez Tebet no Relatório apresentado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:

(...) as micro e pequenas empresas representam a esmagadora maioria dos empreendimentos no Brasil e excluí-las da nova recuperação judicial seria condenar o regime à aplicação meramente excepcional. Admite-se, todavia, que o processo de recuperação judicial pode tornar-se excessivamente oneroso para algumas empresas, principalmente no que tange aos custos para a convocação e realização de uma assembléia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. Entendemos indispensável a previsão de um plano simplificado e preestabelecido na lei para a recuperação judicial de micro e pequenas empresas, que dispense a aprovação da assembléia geral de credores e, assim, reduza a onerosidade do processo. 46

Segundo dados do IBGE as micro e pequenas empresas do País respondem por 99,2% do total das empresas em atividade; as médias representam 0,5% e as grandes 0,2%, de tal forma que são aquelas que representam, em termos numéricos, o contingente determinante em matéria de geração de empregos. A complexidade do processo de recuperação judicial e extrajudicial demonstra que, efetivamente, tais tipos de procedimentos serão aproveitados apenas para empresas de grande porte.

4.2. Legitimados à apresentação do plano especial

Os legitimados a usufruírem deste plano especial são micro e pequenas empresas como tal conceituadas pela Lei 9841/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), cujo art. 2º inciso I, estabelece como "microempresa, a pessoa jurídica e a firma individual mercantil que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755,14" e no inciso II, como "empresas de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 433.755,14 e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00" (valores atualizados de acordo com o Decreto 5029/2004). Esta legislação preenche a exigência constitucional do art. 146, III,d que prevê a "definição de tratamento diferenciado e favorecido" para as pequenas empresas.

A primeira pergunta que surge da leitura dos dispositivos da Lei 11.101/2005 é saber se este tipo de empresa pode optar pela recuperação judicial dos arts. 51 a 69 ou pela recuperação extrajudicial dos arts. 161 a 167, ou se, ao contrário, estariam limitadas apenas ao procedimento previstos nestes arts. 70 a 72. A complexidade do procedimento previsto para a recuperação judicial, em princípio, desaconselha seu uso pela pequena empresa. No entanto, não há qualquer impedimento legal e, se quiser, pode se valer dos demais tipos de recuperação.

Outrossim, mesmo que não ultrapasse os valores limitativos acima enunciados, não podem se enquadrar como micro e pequena empresa e, conseqüentemente, usufruir do plano especial, aquelas pessoas jurídicas em que haja participação:

O enquadramento é feito perante a Junta Comercial. Desse modo, quando o empresário quiser fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/2005, deverá (de plano) apresentar prova de sua condição de ME ou EPP, não cabendo ao juiz acatar plano especial apresentado por aquele que não apresente documentação comprovando sua condição especial.

4.3. Apresentação do plano especial

Inicia-se o processo com a petição do devedor expondo as razões da crise que atravessa e a apresentação de proposta de renegociação do passivo quirografário. Na expressiva maioria das vezes, a proposta é apresentada pela hipótese mais favorável ao devedor proponente, isto é, contemplando a divisão do passivo cível em 36 parcelas. Apresentado e recebido o pedido de recuperação judicial, o juiz já decide, de pronto, homologando a proposta apresentada pelo microempresário, ou empresário de pequeno porte, ou decretando sua falência. Há, também, a alternativa de determinar a retificação do plano especial, quando desconforme com os parâmetros da Lei, hipótese em que a decretação da falência caberá quando desobedecida ou não atendida a determinação.

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Os requisitos para apresentação do plano especial são os previstos nos incisos do art. 71 antes transcrito.

4.4. Créditos não quirografários

A inclusão de créditos não quirografários, trazendo maior flexibilidade ao plano especial, ao contrário do que possa parecer, traria prejuízo, e não benefício, às micro e pequenas empresas, pois o risco envolvido em qualquer negócio realizado com elas seria sobremaneira agravado, na avaliação do mercado. "(...) os pequenos teriam o custo de seu crédito aumentado significativamente ou simplesmente perderiam acesso ao financiamento de sua atividade". 47

4.5. Procedimento para aprovação do plano especial

Desde o início do processo, cabe aos credores eventualmente interessados a iniciativa de suscitar em juízo suas objeções. Cumpre-se ressaltar que os credores quirografários não serão citados, ou intimados. Portanto sua aderência ao plano especial deverá estar manifestada já por ocasião da entrega do plano especial em juízo.

Em sendo suscitada objeção —cujo conteúdo só pode versar sobre a adequação da proposta à Lei—, o juiz determinará ao requerente que se manifeste, oportunidade em que poderá ser superado o desentendimento, mediante revisão da proposta por acordo entre as partes. 48

Se, porém, a microempresa ou empresa de pequeno porte devedora questionar a manifestação do credor e insistir na proposta inicial, o juiz deverá determinar seu aditamento ou homologá-la.

Se houver objeção de credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários sujeitos aos efeitos da recuperação, o juiz deverá decretar a falência da empresa. Neste aspecto, há desvantagem para o pequeno empresário, pois, para os outros casos de recuperação judicial, se houver objeção dos credores, esta sempre poderá ser afastada pela assembléia geral que, no presente caso, não será convocada.

Com a sentença de homologação da proposta de parcelamento, operam-se os efeitos do benefício, como a suspensão das ações e execuções e a novação das obrigações compreendidas no plano especial.

Como ocorre normalmente para a empresa que está me recuperação, o devedor mantém a administração normal de sua empresa, sofrendo, porém, a limitação de aumentar despesas e contratar empregados, a não ser com autorização judicial. Parece extremamente problemática tal limitação, especialmente no que diz respeito à contratação de novos empregados, pois, se a empresa conseguir efetivamente recuperar-se, normalmente tenderá a contratar empregados, sendo demasiadamente complexo e moroso, à qualquer afastamento de empregado, requerer o suprimento judicial para nova contratação, retirando das micro e pequenas empresas uma de suas principais características, que á a agilidade.

No plano especial para micro e pequenas empresas não há suspensão de prescrição ou das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano, ao contrário do que prevê o art. 6º da Lei para os casos de falência e de recuperação judicial geral. Em conseqüência, também não se concede ao pequeno empresário a manutenção, em sua posse, pelo prazo de 180 dias, de máquinas, equipamentos e veículos que estejam alienados fiduciariamente ou arrendados, enfim, quais bens que estejam nas situações previstas no parágrafo 3º do art. 49.

É importante salientar-se que ocorre a nomeação, por parte do juiz, do administrador judicial para o acompanhamento da recuperação dos micro e pequenos empresários. Também é de destacar-se que este plano especial somente poderá ser intentado pelo devedor que exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos e que, cumulativamente com os demais requisitos anteriormente mencionados, não tenha, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial nessa modalidade especial.

Trata-se de prazo maior que o fixado para as demais empresas, que podem, após cinco anos, requerer nova recuperação judicial e destina-se a evitar abuso por parte do devedor com sucessivos pedidos de recuperação, Não fosse assim, essas empresas poderiam, a cada período de três anos aproximadamente, obter nova recuperação judicial.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema jurídico pátrio regulador das relações emergentes da insolvência empresarial estava em franca dissonância com o moderno perfil da empresa e as características da economia globalizada. O Decreto-Lei 7661/45 tinha como alvo não a atividade economia organizada, mas a pessoa do empresário paciente das concordatas e falências.

(...) As questões suscitadas pela densificação de um regime jurídico de insolvência não são poucas e nunca foram simples. A incidência de um sistema normativo complexo, que envolve a interação finalística de diversas áreas do Direito, senão todas, implica procedimentos operacionais em que se misturam dúvidas incômodas quanto às melhores e mais justas soluções, bem como sobre o instrumento adequado para encaminhá-las. Conforme a perspectiva eleita pelo pesquisador, as prioridades oscilam entre a eficiência e a eficácia. Quando o objeto do estudo é a insolvência empresarial, essa gama de percalços interdisciplinares assume maiores proporções determinadas pelo envolvimento de interesses econômicos públicos e privados, sem prejuízo dos direitos sociais, cuja relevância é inegável. Se as crises econômico-financeiras que afetam as empresas são, em medida considerável, resíduos de políticas economias lúdicas, e estas, descendentes de rearranjos do capitalismo globalizado, também é verdade que o microssomo empresarial enfermo contribui para a disseminação de outros males, como o sobrepreço do crédito, a desconfiança do mercado, a incerteza dos consumidores, a insegurança trabalhista e o desemprego crônico. De uma perspectiva estritamente jurídica e, em especial, do direito positivado, o advento de uma lei de recuperação e/ou falência de empresas é a matriz de novas interrogações tanto no âmbito do direito material como na esfera instrumental. A substituição da desgastada concordata preventiva pelas opções de soerguimento da empresa, a eliminação da concordata suspensiva da falência, a transformação radical do elenco de delitos falimentares e de sua persecução, o enxugamento procedimental de liquidação falitária, a geração de novos órgãos deliberativos e administrativos dos concursos de credores – em síntese, as novas bases do regime jurídico brasileiro de insolvência empresarial justificam sobejamente o esforço para a aprovação da nova Lei (...). 49

Era latente a necessidade de preservação da instituição empresarial. Repita-se que a empresa exerce papel fundamental na sociedade moderna: geração de empregos, criação de divisas, movimentação da economia, exportação de produtos, entre outros itens de suma importância. Uma empresa em funcionamento fomenta ocupação e crescimento econômico. Não poderia mais se permitir que o único meio de recuperação empresarial previsto era a concordata —boa para quem tinha estoque e grande passivo quirografário, ruinosa para prestadores de serviço e demais pessoas jurídicas. Urgia, destarte, um novo código que fosse capaz de regulamentar a recuperação empresarial e dar ao empresário meios de salvar a sociedade em estado de insolvência.

A nova lei, sob o ponto de vista abstrato, logrou êxito ao privilegiar a recuperação da empresa em detrimento da satisfação do credor. Antigamente, por exemplo, um credor que possuísse uma duplicata de qualquer valor que não fosse paga no vencimento poderia requerer a falência do comerciante. Esta previsão fazia, na prática, com que o credor fosse a juízo pedir a falência da empresa para receber seu crédito.

O modelo da legislação concursal introduzido é profundamente diferente do padrão estruturado pelo binômio falência-concordata. O fio condutor da Lei nº 11.101 é construtivo: cifra-se na primazia da recuperação empresarial sobre a inexorabilidade da falência. Na mesma medida em que coloca como objetivo superior o soerguimento da empresa viável, elimina do reduto da falência as possibilidades de composições. Em outras palavras, a LRE visa recuperar empreendimentos produtivos e, simultaneamente, almeja eliminar do mercado empresa inviáveis. É condescendente com a prevenção da falência, mas implacável quando esta se materializa.

A nova lei concursal aproxima os agentes do Direito. Os patronos da empresa devedora e dos credores, os defensores dos empregados, os procuradores do interesse público, os fiscais da lei e os pretores —todos os agentes jurídicos envolvidos— têm em comum a necessidade de equalizar as possibilidades recuperatórias da empresa em crise e os interesses particular e público. Os meios de recuperação são os inúmeros expedientes jurídicos previstos na LRE e mais o que for possível, dependendo da criatividade de credores e devedores. A via extrajudicial da reestruturação empresarial, como uma súmula de negócios, oficializa a práxis das acordanças brancas, desde que lícitas.

Da atenta leitura da nova normação concursal verifica-se que uma certa solidariedade teleológica parece aproximar os agentes do Direito imbricados nas questões derivadas da insolvência empresarial. A LRE, de certo modo, impõe essa fraternidade finalística que longe de ser pós-moderna, remonta ao antigo brocardo forense que recomendava as vantagens de um bom acordo sobre a má demanda. Se os patronos de credores, empregados e devedor lograrem convergir nas recuperações propostas pela LRE, as possibilidades de êxito plurilateral são mais excitantes do que o egoísmo do tudo ou nada pode proporcionar.

Os magistrados têm influência muito menor na problemática concursal das empresas, mas podem desempenhar papel inestimável na condução dos processos de recuperação a seu cargo, se imbuídos dessa ideologia da recuperação empresarial em favor do crédito, do mercado e da sociedade, como se viu no recentíssimo comportamento do Juiz da Recuperação da Varig, talvez o exemplo primeiro da viabilidade da nova Lei. Os espaços para essa práxis estão confortados na LRE, estendendo-se aos representantes das Fazendas Públicas e do Ministério Público. O sentido compositivo ganha proeminência sobre o confronto improfícuo entre credores, e entre estes e o empresário em crise.

A legislação concursal brasileira de 1945 estava amarrada à Economia orientada pelo Estado paternalista da primeira República e ao sabor dos diversos "ismos" que o ornamentaram. Em outras palavras, a antiga Lei de Falências e Concordatas traduzia uma intervenção pseudo-corretiva do Estado no domínio das relações empresariais, por meio do Direito, com perfil nitidamente punitivo, desconstrutivo e alienado. Isso explica uma concordata sobre a qual ninguém concordava, um elenco de crimes falimentares revogado pela realidade e, o que é pior, um regramento falencial que transformava, morosamente, as empresas debilitadas em mausoléus de ativos abandonados, quando não dilapidados; credores titulares de pretensões insatisfeitas; devedores vilipendiados; empregados desempregados; e, enfim, haveres fiscais nem parcialmente solucionados. Fazia-se justo o processo concursal só porque operava o nivelamento de todos mediante a perda de tudo. Todos ficavam iguais em face da quebra: sem nada ou quase nada.

De outra parte, a concordata era o corredor da morte da empresa ou o passe de mágica de grandes estelionatos econômico-financeiros, danificando o mercado, desmerecendo o crédito e promovendo expectativas de uma reestruturação negocial só prometida, enquanto redigia-se o atestado de óbito da empresa, como unidade produtiva.

A LRE veio com o propósito de modificar essa escrita. No quadro de uma nova formatação econômica, sugere a devolução à esfera privada das pendências oriundas das relações creditícias inexitosas. Remete a terapêutica das síndromes de deficiência financeira das empresas para a órbita das próprias empresas, ensejando que as defesas do organismo empresarial mobilizem seus efetivos para debelar crises oriundas da má gestão, da má programação ou da falta de ambas. Sinaliza à inteligência empresarial e à participação dos credores nas decisões sobre o destino do empreendimento em crise, afastando o quanto possível a necessidade de subsídios estatais que não os estritamente ligados à chancela da oficialização. As soluções são negociadas pelos interessados tendo em vista o soerguimento da empresa em crise, na medida em que se evidencia como social e economicamente viável.

Sem dúvida, a LRE não é um corretivo para todos os males, porque sempre acaba incorporando um pouco do que já existia na LFC. É uma normação transitória e pedagógica. Transitória, no sentido de que será modificada pelas correções que sua própria vivência suscitar. Pedagógica porque, ao restituir ao segmento empresarial o deslinde de seus próprios problemas, transmite-lhe, ao mesmo tempo, a responsabilidade pelas opções decisórias que adotar.

Sai a concordata, agora apenas um dos "n" meios de recuperação empresarial, e abre-se espaço para a criatividade de credores e devedores. Se o objeto de toda atividade empresarial é a reprodução da empresa, como organização de interesses que afeta toda a sociedade civil, a preservação do crédito e da unidade produtiva, são os horizontes que presidem a nova conjuntura. Os instrumentos de reestruturação previstos na LRE não integram um elenco exaustivo, mas, simplesmente enumerativo. Destrava-se, gradativamente, o procedimento recuperatório de suas algemas burocráticas, não com o fito de "deixar como está para ver como é que fica", mas almejando "ver como é que fica, sem deixar como está".

Qualquer leitura diferencial da LRE e da LFC deixa à calva a significativa redução do papel do Estado na solução das crises econômico-financeiras empresariais. É atenuada a intervenção judiciária, restrita à necessária homologação das recuperações extrajudiciais e condução das recuperações judiciais. Estas só se entremostram numa perspectiva que pressupõe a impossibilidade daquelas, proporcionando espaço para deslindes informais e acordanças que traduzem o que deveria ser.

O preventivo das recuperações está informado pela representação da sobrevida empresarial e sacrifica o idealismo retórico em benefício do critério de viabilidade. Previne-se o risco de exício empresarial do objeto viável. E viável não é só o que tem aptidão para permanecer, mas o que, permanecendo, tem condições de servir à estrutura social, ou seja, o que é necessário para o equilíbrio econômico da formação social brasileira. Viável deve ser a empresa, nem sempre seus administradores congênitos.

As perguntas sobre as virtudes e deficiências da Nova Lei de Recuperação de Empresas são ditadas, no plano formal, pelas inovações jurídicas que introduz e, materialmente, pelas incertezas alimentadas no bojo de um núcleo empresarial que sempre arcou com os caprichos do Estado onisciente e suas guinadas político-econômicas formalizadas em pacotes que, da noite para o dia, sacodem qualquer esquema programático. As relações entre as empresas e o Estado brasileiro não autorizam que se cultive uma confiança recíproca irrestrita.

Muitos fatores devem ser levados em conta, antes de se arriscar quaisquer respostas às indagações sobre a nova lei concursal: a globalização em andamento, o fato de que o Brasil não poder perseverar isolado das atuais legislações concursais, uma reengenharia incontornável das regras de direito creditício, o emagrecimento compulsório do aparato administrativo do Estado, a reforma judiciária, as mudanças no direito trabalhista, a redefinição das prioridades tributárias, a necessidade de equalização entre o preço do crédito e os resultados de sua aplicação e, sobretudo, uma crescente tendência à superação da dicotomia capital-trabalho, processo em que a mediação estatal pode contribuir muito se partir do princípio que deve interferir não mais que o necessário.

A nova Lei não é uma poção miraculosa. Contudo é mais um ingrediente disponibilizado no incansável laboratório das relações empresariais, permitindo que, em harmonia com outros sais e sob a manipulação de químicos conscientes e competentes, o mercado sofra menos o impacto das crises setoriais e as empresas se refaçam de sucessivos pesadelos alimentados pelo recrudescimento da insolvência, porque esta inflaciona o custo do crédito e semeia juros elevados, desemprego, economia de guerra, perda de qualidade, obsolescência instrumental, improvisação administrativa e, sobretudo, ineficácia social.

Pior que a insolvência é um regime jurídico de insolvência ultrapassado. Se a nova lei concursal contribuir para desembaraçar os procedimentos pertinentes às crises financeiras das empresas viáveis estará, no mínimo, restituindo à expressão "crédito público" seu verdadeiro significado, como pressuposto da previsibilidade empresarial, sem a qual nenhuma formação social se equilibra e nenhuma política econômica funciona.

Para resumir, a nova lei concursal impõe aos profissionais das carreiras jurídicas o redimensionamento da relação custo-benefício na defesa das pretensões de seus patrocinados, o assessoramento jurídico voltado para o compartilhamento dos interesses comuns, o conhecimento dos meandros administrativos da empresa em crise financeira, a visão realista do mercado, o direcionamento prioritário de sua atividade aos procedimentos extrajudiciais e, sobretudo, o aprimoramento de seus conhecimentos jurídicos pela integração com os demais setores responsáveis pela gestão empresarial.

Se as possibilidades de recuperação empresarial são concretas; se as empresas em crise não são mais redutos indevassáveis; se a falência deixou de ser arrimo de cobranças e se tornou conjuntura irremediável; se as chances de negociação preventiva se ampliaram; enfim, se as regras do jogo estão mais dúcteis, o espírito zetético se afirma como opção prioritária sobre as intransigências dogmáticas, e aos juristas é franqueada a oportunidade de se imiscuir, construtivamente, nos mistérios das complexas relações empresariais.

Não se pode esperar que a nova Lei, por si só, possa disciplinar as complexas relações que se estabelecem no âmbito do direito empresarial e concursal porque não é dado a uma lei, apenas, a resolução dos conflitos advindos da pulsante dinâmica social, mas que ela seja forte alicerce para dirimir os conflitos e possibilitar o desenvolvimento seguro das relações estabelecidas.

Cumprirá aos empresários comprometidos com sua responsabilidade social, e aos operadores do direito, aplicar a nova legislação de forma que ela se torne em eficaz instrumento de fomento à atividade econômica em prol de uma sociedade mais humana e justa.

Sobre o autor
Carlos Souto Júnior

advogado em Porto Alegre (RS), pós-graduado em Direito de Empresa pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUTO JÚNIOR, Carlos. Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).: Alguns aspectos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8587. Acesso em: 28 nov. 2024.

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