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Considerações jurídicas sobre a intervenção das forças armadas no Brasil.

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Agenda 25/10/2020 às 17:49

A adequada interpretação do artigo 142 CRFB/1988 não admite a intervenção das Forças Armadas por mero ato discricionário do Presidente da República. O artigo aborda sobre o procedimento e princípios a serem observados.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Intervenção Militar. Estado de Sítio. Estado de Emergência. Crise Institucional.


O artigo 142 do vigente texto constitucional brasileiro salienta que o Presidente da República é a autoridade suprema sob qual estão submetidas as Forças Armadas.

A harmonia e a interdependência dos poderes da república devem ser obedecidas, porém, a questão pode ser levada às Forças Armadas para que então atuem em repor a lei a ordem.

Deve-se evitar a hermenêutica desviante do referido dispositivo constitucional, pois não se autoriza que quaisquer dos poderes constitucionais, possam requerer diretamente a intervenção das Forças Armadas e, o seu emprego, para garantia da lei e da ordem, referendar-se-ia que após a pretendida intervenção, tudo restaria legalizado conforme a Constituição brasileira de 1988.

Trata-se de leitura equivocada e facilmente manejável por influxos ideológicos oportunistas.

Todo o povo brasileiro bem como as instituições democráticas foram surpreendidos, quando, em 30 de março de 2020, em ato de total desprezo à democracia praticado pelas autoridades representadas, qual seja, a publicação de nota chamada de ordem promovendo revisionismo histórico e autêntica exaltação à ditadura que foi instalada no país em primeiro de abril de 1964, consta do site oficial do Ministério da Defesa.

A nota oficial defende que a ditadura instalada a partir do golpe de 1964, foi um marco para a democracia brasileira. Tal nota fora publicada em oficial instrumento do Executivo federal, representando uma afronta à ordem constitucional vigente, na tentativa de legitimar o Golpe de Estado, que sublevou militares contra autoridade civil que lhes comandava e, ainda, determinou o fechamento do parlamento, que interveio no sistema de justiça brasileiro e, sobretudo que matou, torturou e promoveu o desaparecimento forçado de brasileiros opositores ao regime instaurado.

Lembremos que a atual Constituição é resultante da transição do regime autoritário para o regime enunciado como democrático, tanto que reconheceu em seu artigo 8º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que o Brasil viveu período de exceção, para tanto criou-se um sistema constitucional para reparação1 de vítimas de atos de exceção do Estado brasileiro.

Todo o texto constitucional pátrio em sua prioritária identidade abriga um sincero e expresso repúdio à ditadura, tanto que em seu primeiro artigo, colocou como fundamentos do Estado a pluralidade política e a dignidade da pessoa humana bem como estabeleceu a inafiançabilidade do crime de tortura.

A conduta insana de render homenagens ao regime de exceção instalado com o Golpe de 1964 precisa ser impedida e, se possível, punida pelas instituições republicanas, do contrário, será um aceno para que haja possível e eventual intervenção ilegítima das Forças Armadas para romper definitivamente o pacto constitucional e depois autoridade da república, resultando em prejuízo inaceitável ao nosso proclamado Estado Democrático de Direito.

Recentemente, o Presidente da República convocou e compareceu aos atos que pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF contando com a presença de familiares do Presidente da República e, até mesmo ministros de Estado que abordavam com tranquilidade sobre a possibilidade de reedição de atos normativos que violam direitos políticos e individuais (Ato Institucional nº5).

Trata-se de conduta inconstitucional e antidemocrática que significa traição ao juramento feito na posse, de respeitar e defender a Constituição Federal de 19882.

Ademais, a existência em sítio oficial do Ministério da Defesa de nota comemorativa ao Golpe de Estado, utilizando-se de publicidade institucional para o fim diverso do que é estabelecido no texto constitucional vigente, resta plenamente configurado, mais uma vez, o desvio de finalidade, uma vez que não há nada de teor educativo nem informativo nessa publicidade institucional, parecendo ser orientação ou recomendação ao povo da necessidade de novo Golpe de Estado.

É verdade que o Brasil não logrou êxito em se alforriar de seu passado ditatorial e, ainda, das graves violações de direitos humanos que serviram de base para condenação internacional pela Comissão Internacional dos Direitos Humanos.

A existência de censura, limitação de espaços políticos de debate, a criminalização de movimentos sociais, a asfixia de resistências democráticas, as execuções sumárias e torturas e, ainda, desaparecimentos forçados fizeram e, ainda hoje, fazem parte da atuação estatal.

Mesmo depois de três de décadas da chamada redemocratização, ainda se testemunha a conservação de movimentos institucionais autoritários, cuja gênese reside no histórico colonial do país e, que se coaduna com o contexto peculiar político da América Latina, que é denominado de colonialidade do poder3.

Advertiu a filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt que "uma das lições que podem ser apreendidas das experiências totalitárias é a assustadora confiança de seus dirigentes no poder da mentira, na capacidade de, por exemplo, reescreverem a história uma e outra para adaptar a passada a linha política".

É o que chamamos de banalidade do mal que serve para denominar a incapacidade de reflexão crítica e empática acerca do mal causado por experiências totalitárias e abusivas. Que tanto serviu de pano de fundo para formulação desse conceito que esteve presente no julgamento em Nuremberg por oficiais nazistas. Arendt percebeu que durante os julgamentos, havia um distanciamento da realidade vivida com a adoção de posturas acríticas e meramente subservientes às ordens.

Afinal, o conformismo total parece ter destruído a própria capacidade de sentir, mesmo que seja algo tão extremo tal como a tortura ou o simples medo da morte.

A banalização do mal associada ao fanatismo ideológico ganham elevada potência no presente tempo no Brasil e, está explícito na Ordem do dia 31 de março de 1964, publicada no sítio eletrônico do Ministério da Defesa.

Tal facciosismo antidemocrático não pode permanecer, principalmente porque o texto constitucional vigente nos consagrou como Estado Democrático de Direito e, que tem como fundamentos a cidadania, a dignidade humana e o pluralismo político, bem como se rege, até nas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

A princípio, a lei e a ordem devem ser mantidas pelas próprias instituições democráticas, e, portanto, as Forças Armadas não podem intervir como e quando lhes aprouver.

Conforme bem elucida Lenio Luis Streck 4 com sua habitual inteligência arguta caso seja feita tal leitura, forma-se entendimento inconstitucional e antidemocrática.

Ainda prevê o artigo 142 da CFRB/1988 que haverá Lei Complementar que disciplinará as normas a serem observadas para a intervenção das Forças Armadas, bem como o seu respectivo procedimento a ser estritamente observado, para tanto, e, por fim, fixando o caráter somente subsidiário desse emprego, para fins de garantir a segurança pública5.

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Ademais, a manutenção da lei e da ordem não credencia a intervenção militar para fins de golpe de Estado, e não dá plena autonomia da parte de quem portar armas6.

Devemos ter cuidado, pois a hermenêutica simplificadora sempre se mostra perigosa e, ademais, quaisquer solicitações dos poderes da república deverá ser feita e encaminhada sempre ao reputado comandante das Forças Armadas e, a quem caberá decidir sobre a atuação nos estrito casos previstos que correspondem ao estado de defesa e ao estado de sítio conforme disciplina a lei complementar.

Não é a eventual simpatia ou pendor por meios antidemocráticos do Poder Executivo que pode credenciar nem autorizar o retrocesso democrático. Nem tampouco o ufanismo7 fascista.

Em países onde existem mecanismos de controle de constitucionalidade e, onde este, pode se desenvolver numa perspectiva substancial, a existência de cláusulas pétreas é comum havendo a emergência de tensões entre os direitos fundamentais e a democracia. A existência de uma Constituição escrita e rígida devidamente dotada de supremacia formal e material, é por si só, os autênticos mecanismos de proteção de direitos fundamentais.

Realmente, a democracia não é por si só, um valor-fim, mas positivamente, meio de realização de valores essenciais à convivência humana e, que traduzem basicamente os direitos fundamentais do homem.

Não é mero conceito político, de caráter abstrato e estático e, sim, um processo de afirmação do povo e de garantia de direitos fundamentais que fora conquista ao longo de sua trajetória histórica.

Segundo Norberto Bobbio in litteris: “Democracia é a oposição a todas as formas de governos autocráticos, caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e mediante quais procedimentos, com previsão e facilitação da participação, a mais ampla possível, dos interessados”.

A declaração de que é inafiançável e imprescritível – o crime cometido através da ação de grupos armados, sejam estes civis ou militares, contra a ordem constitucional e a democracia é prevista no inciso XLIV do artigo 5° da Constituição Federal brasileira.

Essa é uma forma de proteção aos princípios democráticos e até à própria Constituição, nossa lei magna. Dessa forma, traduz-se em garantia de extrema importância para a manutenção da sociedade, visto que é por meio desta, que a ordem é mantida. É do texto constitucional que toda a ordem jurídica retira sua validade e eficácia.

O regime democrático inaugurado com a Constituição de 1988 é, em perspectiva histórica, realidade recente no Brasil. Aos poucos, a sociedade brasileira tem aprendido a lhe dar sentido e a se apropriar de seus conceitos e valores.

A proteção de minorias existe mesmo em face de eventuais maiorias tiranas, sendo característica comum a todas as democracias consolidadas do mundo, onde vigoram a pluralidade de opiniões e diversidade de identidades. Tal característica está fortemente presente na Constituição do Brasil, por meio de salvaguardas positivadas.

Apesar da notícia de que o Brasil perdeu status de democracia liberal perante o mundo (vide: El País em 05.05.2020 onde Instituto V-Dem que afirmou que o país mera democracia eleitoral) In: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-05-05/brasil-perde-status-de-democracia-liberal-perante-o-mundo.html .

Aliás, como se pode verificar o texto constitucional brasileiro vigente protege o sistema político contra qualquer intervenção militar e, mesmo, uma hermenêutica literal não avaliza a possibilidade de ação autônoma das Forças Armadas.

Ademais, o princípio da unidade da Constituição e sua sistemática admitem outros dispositivos que organizam e estabelecem as normas para intervenção federal, estado de defesa8 e estado de sítio9, bem como prevê a existência de conselhos como a República10 e o de Defesa Nacional tendo como respectivos comandantes das Forças Armadas e o Ministro do Estado da Defesa, com assento permanente e função opinativa mas, restando a final decisão superior ao Presidente da República.

Segundo Luiz Roberto Barroso 11 o planejamento de justificação política e, principalmente, a questão da separação dos três poderes12 bem como da legitimação democrática das decisões judicias que envolvem tensões em razão do processo político majoritário, o debate público, o Congresso Nacional os Chefes do Executivo e a interpretação constitucional.

Tal tensão se instaura particularmente quando o Judiciário invalida atos de outros dois poderes, posto que sejam soberanos dentro do texto da norma constitucional e, desde que atendentes aos requisitos constitucionalmente instituídos.

A principal questão relacionada à legitimação democrática do Judiciário é chamada de dificuldade contramajoritária. Principalmente porque a investidura dos membros do Judiciário ocorre essencialmente por critérios técnicos e sem eleição popular. Uma das principais e nobres missões do Judiciário é assegurar a higidez das regras do jogo democrático13, mas, lembremos que a democracia não se resume ao princípio majoritário.

De outro viés, se percebe existente o exercício desse controle além das barreias estritamente de legalidade. Luiz Werneck Vianna, citando Antoine Garapond 14, aponta as razões de uma maior participação do Judiciário na vida política, razões que bem se amoldam à realidade brasileira.

A partir da perspectiva de Garapon, o redimensionamento do papel do Judiciário, nas sociedades contemporâneas seria consequência da ruína do edifício mental e institucional da modernidade, revestindo-se dos sombrios contornos de uma crise monumental do paradigma político da democracia e da sua expressão dogmática – a soberania popular -, construído a partir da Revolução Francesa.

Assim, segundo o doutrinador francês, o Judiciário tem avançado o campo da política onde prosperam o individualismo absoluto, a dessacralização da natureza simbólica das leis e da ideia de justiça, a deslegitimação da comunidade política como palco da vontade geral, a depreciação da autonomia cidadã e sua substituição pela emergência do cidadão-cliente e do cidadão-vítima, com seus clamores por proteção, a racionalidade incriminadora e, afinal, o recrudescimento dos mecanismos pré-modernos de repressão e manutenção da ordem.

Afinal, o relevante papel da Constituição é proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que seja contra a vontade circunstancial e conveniente do eleito pela maioria dos votos do povo.

O Judiciário e, ainda, especificamente, o tribunal constitucional pode e, deve avançar no processo político e social, principalmente, diante uma urgência.

Lembremos que a hermenêutica é mais propriamente atribuição da doutrina do que da jurisprudência e, quiçá, do legislador. E, no Brasil, a positivação em lei obedece as regras interpretativas presentes, por exemplo, na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) e promulgada pelo Decreto-Lei 4.657/1942, que dispõem sobre a obrigatoriedade da lei, sobre a lacuna da lei15 e sobre os fins do Direito.

Também existem regras específicas de interpretação16 de diferentes áreas do Direito, merecendo destaque especial o Código Civil brasileiro de 2002 e o princípio da boa-fé objetiva que foi inspirado princípio da preservação da dignidade da pessoa humana.

A ordem jurídica é um sistema que por ser dotado da unidade e harmonia (que é proporcionada pela prevenção e solução de conflitos normativos) deve ter coesão e organicidade. No que tange ao conceito de harmonia, é certo que a ciência jurídica não tolera antinomias, por essa razão, quando uma nova ordem constitucional entra em vigor, evidentemente produz certeiro impacto sobre a ordem constitucional e a infraconstitucional.

As normas que são compatíveis são vivificadas enquanto as normas incompatíveis são automaticamente revogadas. E, os conflitos entre as normas infraconstitucionais são solucionados com o uso de três critérios, a saber: o hierárquico, o cronológico e da especialização.

É contemporâneo o debate ainda presente em doutrina e jurisprudência que reconhece e lida com a possibilidade de colisões de normas constitucionais e, que são submetidas aos limites imanentes de ponderação17.

Arrolam-se os princípios instrumentais para a interpretação constitucional, a saber: a) princípio da supremacia da Constituição; b) princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público; c) princípio da interpretação conforme a Constituição; d) princípio da unidade da Constituição; e) princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade; f) princípio da efetividade. (In: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 7ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018).

A respeito do papel representativo das cortes judiciais com amparo nos argumentos desenvolvidos por Robert Alexy, Barroso citou e endossou plenamente sobretudo, na proteção dos direitos fundamentais. O constitucionalista sustentou o exercício legítimo do poder que é embasado em votos e razões. A noção de legitimidade discursiva através da qual as decisões sejam tomadas com base em livre aberto e amplo debate público, onde as razões das escolhas políticas devem ser fornecidas.

A atual crise de representação dos parlamentos do mundo democrático, principalmente em razão de sua disfuncionalidade, da omissão de corrupção e da prevalência do interesse privado sobre interesse público, foi o fator justificante, conforme alude Barroso, para expansão do Judiciário nesse vácuo de poder, onde brotam efusivamente demandas de índole social e moral para a efetivação de direitos fundamentais.

E nfim, o papel representativo das cortes reside também na satisfação dessas demandas sociais não realizadas pelo parlamento. Não se configurando ativismo judicial18 nem desequilíbrio da harmonia e da separação dos poderes da república.

Numa perspectiva histórica, os tribunais constitucionais representam a vanguarda iluminista19 apesar de qua tal função deva ser exercida com parcimônia e prudência.

Convém abordar as hipóteses do estado de defesa em correspondência com as medidas previstas de emergência introduzidas pela EC 11/1978 e que são enumeradas taxativamente conforme prevê o artigo 136, caput da CFRB/1988, quais sejam: para preservar (e, nesse caso seria preventivo) ou prontamente restabelecer (sendo nessa hipótese repressivo), em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções provenientes da natureza.

As medidas coercitivas previstas no estado de defesa são, a saber:

O decreto instituidor do estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - Restrições (não suspensão) aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II - Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública20, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

A prisão por crime contra o Estado é uma exceção ao artigo 5º, LXI da CFRB/1988, a prisão poderá ser determinada pelo executor da medida (não pela autoridade judicial competente). O juiz competente, imediatamente comunicado, poderá relaxá-la. Tal comunicação deverá ser acompanhada do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação.

Referida ordem de prisão não poderá ser superior a dez dias, facultando-se ao preso requerer o exame de corpo de delito à autoridade policial. É vedada a incomunicabilidade do preso.

Há controle exercido sobre a decretação do estado de defesa ou sua prorrogação, um controle político conforme os termos do artigo 136, §4º a 7º será pelo Congresso Nacional. Pode haver o controle político sucessivo (ou a posteriori) conforme ainda os termos do artigo 141, parágrafo único da CFRB/1988.

Entende José Afonso da Silva parecer ficar caracterizado algum crime de responsabilidade do Presidente21 quando prestadas as informações e, não aceitas pelo Congresso Nacional, pelo que pode ser este submetido ao respectivo processo, previsto no artigo 86 e regulado na Lei 1.079/5022.

O controle jurisdicional imediato de acordo com os expostos termos, conforme nos limites fixados a possibilidade de controle judicial do ato político de decretação nas hipóteses de abuso de direito ou desvio de finalidade, devendo o controle ser feito cum grano salis, parcimônia e, em hipóteses excepcionais (havendo divergência doutrinária e ausência específica do STF).

Há controle jurisdicional concomitante na vigência de estado de defesa, conforme o artigo 136, §3º CFRB/1988, haverá controle pelo Judiciário da prisão efetivada pelo executor da medida. A prisão ou detenção de qualquer pessoa, também, não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário.

Quem decreta o estado de defesa e o estado de sítio é o Presidente da República após prévia oitiva do Conselho da República e de Defesa Nacional (que emitem pareceres não vinculativos).

Para a decretação do estado de sítio ou sua prorrogação ao contrário do que ocorre com o estado de defesa, deverá haver, o relator de motivos determinantes do pedido, com prévia solicitação do Presidente da República e, autorização do Congresso Nacional que se manifestará pela maioria absoluta de seus membros através de decreto legislativo (art. 49, IV CFRB/1988).

Ressalte-se que o controle político prévio, caso seja negativo, será vinculante e, impede a sua decretação pelo Presidente da República, sob pena de responsabilidade.

Portanto, não se pode acreditar que é mero ato discricionário decretar estado de defesa ou estado de sítio e, ainda, requerer a intervenção das Forças Armadas para garantir a lei ou a ordem.

As Forças Armadas23 são instituições de caráter permanente, composta pela Marinha, Exército e Aeronáutica que possui como autoridade suprema o Presidente da República e como finalidade a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem (art. 142. da CFRB/1988).

Segundo Rubens Beçak apud Ribeiro, professor de direito constitucional da USP, a leitura recente do referido dispositivo constitucional em publicações recentes desvirtua o real sentido do artigo e, ainda, traz interpretação distorcida que ignora o status democrático do país.

A retromencionada Lei Complementar 97/1999 que foi alterada pela LC 136/2010 merece destaque, as seguintes restrições para o uso das Forças Armadas na garantia da lei e ordem e, tal emprego só é possível, quando esgotados todos os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio devendo tal exaurimento deve ser formalmente reconhecido pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual.

A Lei Complementar nº 97, de 09/06/1999, dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas brasileiras. Já alterada pela Lei Complementar nº 117, de 02/09/2004, o texto deste documento foi novamente revisto pela Lei Complementar nº 136, de25/08/2010.

Além de introduzir diversas modificações na estrutura do Ministério da Defesa e conferir poder de polícia limitado às Forças Armadas, a legislação revista prevê a publicação de um Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN)24, o qual deverá ser revisto – juntamente com as políticas e estratégias do Brasil para a área de defesa a cada quatro anos.

A criação do MD (Ministério da Defesa) no Brasil, em 1999, poderia privar o Presidente da República que é o comandante supremo das Forças Armadas de sua assessoria militar de alto nível. Para contornar tal problema, foram criados, no âmbito deste ministério, o Conselho Militar de Defesa (CMD), o Estado-Maior de Defesa (EMD) e várias secretarias político-administrativas.

O CMD (Conselho Militar de Defesa), constituído pelo ministro da Defesa, pelos comandantes das três forças singulares e pelo chefe do EMD (Estado-Maior de Defesa), prestaria assessoria estratégica ao presidente, com relação ao emprego das Forças Armadas.

O EMD (Estado-Maior de Defesa) seria um estado-maior operacional (operativo), que coordenaria as operações conjuntas ou combinadas.

A coordenação dos demais assuntos seria atribuição das secretarias do Ministério da Defesa. Contudo, a EMD (Estado-Maior de Defesa) propôs a revisão dessa estrutura (Diretriz nº 7/13, conferindo ao ministro da Defesa atribuições até então privativas do Presidente da República).

Propôs ainda transformar o EMD num “Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas” que seria, ao mesmo tempo, estratégico e operacional. Em tal hipótese, a posição dos chefes dos estados-maiores da Armada, do Exército e da Aeronáutica se tornaria ambígua pois, estes ficariam subordinados, ao mesmo tempo, aos respectivos comandantes e ao chefe do Estado-Maior Conjunto.

Lembremos que a utilização das Forças Armadas em território nacional configura um Estado de Exceção e, dependerá do reconhecimento pelo Chefe do Executivo de que os instrumentos que possui estão indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

Ressalte-se que atuação deve ocorrer em área previamente estabelecida e, por tempo limitado, durante o qual poderão ser realizadas ações de caráter preventivo e repressivo.

Também a Intervenção Federal representa também um Estado de Exceção porque permite a suspensão temporária da autonomia dos entes federativos, em situações específicas, quando não houver outro remédio capaz de corrigir a situação de anormalidade.

Possui um rol de hipóteses restritivas. E, diz respeito à atuação da União sobre Estados, Distrito Federal, ou municípios.

Em Parecer de Leonardo Sarmento esclareceu que a noção de ordem e desordem envolvem acepções ideológicas que influem na visão de Estado.

Frise-se que a Emenda Constitucional 23/1999 que criou o Ministério da Defesa e manteve o status de Ministro de Estado aos comandantes das três armas, uma vez que forma mantidas íntegras as prerrogativas de foro para julgamento de crimes de responsabilidade e comuns.

E, na concepção de Jorge Zaverucha 25, um esvaziamento dos poderes do Ministério da Defesa em relação às Forças Armadas. A democracia se concretiza depois de consolidadas as liberdades, compondo-se de regras que organizarão a influência dessas liberdades na escolha e na condição do governo de uma população.

Lembremos que a democracia sobrevive enquanto houver para o povo dignidade, a liberdade e justiça. Os direitos democráticos foram duramente conquistados. O desafio posto diante dos atores democráticos é o de chegar à real democracia sem que sejam dizimados no meio do caminho pelas ditaduras, que em geral, monopolizam os meios de coerção.

A CFRB/1988 criou a Subcomissão de Defesa do Estado e estipulou que as Forças Armadas que possuem o mesmo papel de outrora, isto é, a função de suprema protetora da Nação, inclusive contra governo civil.

De forma inédita a CFRB/1988 começa prevendo diversos direitos aos cidadãos que antes não encontravam paralelo nas anteriores Constituições brasileiras e, parece submeter o princípio democrático à coexistência de tênue tutela militar. Ou seja, a democracia se sustenta enquanto os militares não desejarem no governo civil, objetando a defesa da lei e da ordem. Portanto, a democracia é tutelada constitucionalmente.

É oportuna a lição da Lassalle, feita em discurso aos franceses, pois asseverou que a Constituição é a soma de fatos reais de poder. Lassalle viveu num tempo constitucional crítico, pois a Constituição não era respeitada ou lhe era conferida uma interpretação que lhe amesquinhava.

É absolutamente inconstitucional a intervenção militar com o fim de assumir o poder e desconstituir ordem democrática. Não podemos seguir pela cartilha do retrocesso constitucional e, violar a ordem brasileira de 1988.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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