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Advocacia Pública:

audiência de seus membros pelo TCU

Agenda 18/07/2006 às 00:00

            Constata-se, não raro, que o Tribunal de Contas da União tem adotado conduta no sentido de determinar a audiência de membros da advocacia pública a respeito de atos que, no exclusivo entender daquela Corte, deveriam ter assumido forma diversa ou adotado solução que se mostraria mais adaptada às convicções firmadas no âmbito daquele Tribunal, embora sequer consiga firmar, em cada caso concreto, uma orientação pacífica e que se possa adotar com segurança ao longo do tempo, como normalmente ocorre na esfera do Poder Judiciário onde as súmulas de jurisprudência transformam-se em verdadeiras leis e se projetam como regra quase que absoluta por longo período de tempo.

            A despeito dessa efêmera condição de determinados julgados prolatados, permite-se aquela Corte de Contas não só discutir e divergir de orientações jurídicas, mas ainda sustentar entendimento que se volta a imputar responsabilidades aos membros da advocacia pública como se investido estivesse de poderes bastantes para cominar-lhes sanções por supostos despautérios cometidos, decorrentes estes não da verificação real de um fato lesivo ao erário público, mas apenas embasado em divergência de interpretação levado a efeito pela Corte.

            Ora! É necessário rememorar, a respeito de questão tão delicada e que termina por colocar em posição de confronto funções distintas e constitucionalmente reguladas, que a competência do TCU restringe-se à análise de atos de gestão, envolvendo a utilização de recursos públicos e não a fiscalizar o exercício das atividades cometidas à advocacia pública.

            Nesse sentido é o que estatui o texto constitucional em vigor, assim como a Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992. Prevê-se em tais disposições normativas de modo claro e inquestionável, e, em especial, no bojo de sua Lei Orgânica, que ao Tribunal de Contas compete:

            Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

            I.julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário;

            II.proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das entidades referidas no inciso anterior;

            III.apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos termos do art. 36 desta lei;

            IV.acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;

            V.apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

            VI.efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;

            VII.emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio sobre as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar de seu recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;

            VIII.representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

            IX.aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;

            X.elaborar e alterar seu regimento interno;

            XI.eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;

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            XII.conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;

            XIII.propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros, auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal;

            XIV.organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e prover-lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente;

            XV.propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da respectiva remuneração;

            XVI.decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;

            XVII.decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento interno.

             ...................................................................................................................................."

            (Grifou-se).

            Apreciar atos de gestão e julgar contas de gestores e administradores é o que se comete ao Tribunal de Contas da União - TCU, nada havendo nas disposições legais vistas que admita, ainda que de forma remota, o exercício de fiscalização e a responsabilização, por atos enunciativos praticados, aos membros da advocacia pública.

            E é bom que se diga que advogado não é gestor e ao emitir um pronunciamento jurídico não se equipara a tanto. Não gerencia contratos e não fiscaliza a sua execução. Presumir que estaria a tanto equiparado, por presunção de que possa estar estimulando com parecer jurídico o cometimento de irregularidades contraria princípios comezinhos que se prestam a orientar e a fundamentar o próprio Estado democrático de direito. Crimes, irregularidades e anormalidades não se presumem. Devem ser apontados de modo claro, acusando-se os responsáveis e buscando a necessária reparação.

            O que se constata em boa parte das situações em que isso ocorre é que, examinado o processo em seus aspectos formais, emitiu o parecerista um pronunciamento fundamentado a respeito de elementos que lhe foram ofertados e, sem qualquer dúvida a respeito, firmou clara orientação no sentido de estar caracterizada a hipótese em lei prevista. Não se lhe imputa qualquer irregularidade ou ofensa ao erário público, até porque não se teria como agir desse modo.

            Em tal contexto, não se acha submetido à imputação de qualquer cominação, menos ainda por esfera incompetente para isso, como é o caso da Colenda Corte de Contas, como já proclamado com acerto pelo Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF, em aresto que, apenas para ilustrar, vai a seguir transcrito:

            EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.

            I.Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377.

            II..O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32.

            III.Mandado de Segurança deferido.

            MANDADO DE SEGURANÇA 24.073-3 DISTRITO FEDERAL. RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO. IMPETRANTES: RUI BERFORD DIAS E OUTROS - ADVOGADO: LUÍS ROBERTO BARROSO - IMPETRADO: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – Julgado em 06.11.2002 –Decisão unânime.

            Como visto, afirma o Colendo STF a impossibilidade de responsabilização de advogado por não haver ele praticado ato que se inclua na esfera de competência daquela Corte, chamando a atenção para o fato de que não detém o parecer jurídico a natureza de ato administrativo, o que, aliás, constitui conceito básico em direito administrativo.

            Adite-se, ainda, que o advogado desfruta de imunidade e da garantia de inviolabilidade estampada no bojo do art. 133 da Constituição Federal por seus atos e manifestações, o que afasta a pretensão, especialmente nessa esfera, de qualquer reprovação seguida de cominação de sanção, ainda que mínima.

            É comum, todavia, detectar-se atitudes que, na melhor das hipóteses, somente podem enquadrar-se como tentativas de intimidação, perpetradas não só por juízes mas por autoridades outras, todas elas rechaçadas pelo próprio Poder Judiciário.

            É necessário, pois, que se respeite a Constituição Federal e que se preserve o que ali a respeito se estatui, sem que se veja afetada a autonomia e a isenção técnica que se defere ao advogado em prol de seus próprios clientes, sejam eles pessoas comuns ou não.

            Demais disso, é preciso asseverar que, quando ocorre a verificação de irregularidade cometida por advogado público vinculado aos quadros da União, a competência para apurar e punir não é de órgão de controle, interno ou externo, mas única e exclusivamente, sob o aspecto funcional, da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO – AGU, instituição que é detentora de competência constitucional tanto quanto o Tribunal de Contas da União, cada qual em determinada área. Não há como pretender-se que essa Corte se sobreponha, de forma absoluta, aos demais órgãos e entes que, criados pela Constituição Federal, detêm competência específica.

            Registre-se, apenas para ilustrar o que ora se afirma, que a Advocacia-Geral da União, no âmbito federal, "é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo" (art. 131).

            Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, pelo que estampa a norma, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas (art. 132), orientando internamente a prática dos atos administrativos, com independência e isenção técnica e sem temores de intimidação, menos ainda por órgãos que não detenham competência para isso.

            Firmando de modo direto e objetivo a competência dos órgãos jurídicos e, portanto, de seus integrantes, estatui-se, no bojo da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, que é atribuição das Consultorias Jurídicas as que vão a seguir descritas:

            Art. 11.Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

            I.assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

            II.exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;

            III.fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;

            IV.elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;

            V.assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

            VI.examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:

            a)os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;

            b)os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.

             ................................................................................................"

            Embora óbvio, não se tem que dizer que esse rol de atividades não se acha inserido no art. 71 e seguintes da vigente Constituição Federal e tampouco consta na Lei 8.443/92. Portanto, análise de assuntos jurídicos, de modo amplo, cabe não ao controle, externo ou interno, mas aos órgãos jurídicos da administração. Advogados públicos e auditores cumprem missões distintas, sem que se possa deformar isso, pois não há espaço para tanto no conjunto normativo.

            E principalmente há se proclamar e reconhecer que uma categoria não está submetida ao controle e supervisão da outra. Cada um na sua posição específica, ou como diria o caboclo sem cultura e analfabeto, mas muito mais sapiente que muito intelectual letrado e inútil: "cada macaco no seu galho".

            A questão alusiva à fiscalização das atividades funcionais é regulada, no bojo da Lei Complementar 73/93, que, ao dispor acerca das competências conferidas à Corregedoria-Geral da Advocacia Geral da União, estabelece:

            Art. 5º.A Corregedoria-Geral da Advocacia da União tem como atribuições:

            I.fiscalizar as atividades funcionais dos Membros da Advocacia-Geral da União;

            II.promover correição nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, visando à verificação da regularidade e eficácia dos serviços, e à proposição de medidas, bem como à sugestão de providências necessárias ao seu aprimoramento;

            III.apreciar as representações relativas à atuação dos Membros da Advocacia-Geral da União;

            IV.coordenar o estágio confirmatório dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União;

            V.emitir parecer sobre o desempenho dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União submetidos ao estágio confirmatório, opinando, fundamentadamente, por sua confirmação no cargo ou exoneração;

            VI.instaurar, de ofício ou por determinação superior, sindicâncias e processos administrativos contra os Membros da Advocacia-Geral da União.

             .................................................................................................."

            É, portanto, competência legal especificamente conferida à Corregedoria-Geral da AGU exercer a fiscalização funcional dos atos praticados por seus membros, bem como, entendendo isso cabível, instaurar sindicâncias e processos disciplinares contra os mesmos.

            A questão é, portanto, de cunho legal e não podem ser olvidadas nem mesmo por órgão de tamanha importância como o Tribunal de Contas da União que, no desempenho de suas atribuições, encontra limite na lei.

            Em suma, pode-se afirmar que o membro da advocacia pública ao atuar em determinado caso concreto, emite pronunciamento jurídico fundamentado à luz da situação que lhe foi encaminhada e não está, em tal circunstância, adstrito à observância de orientação ou deliberações do TCU, a quem não se comete a função de interpretar leis, mas sim de fiscalizar contas e atos de gestão, especialmente considerando o aspecto da economicidade.

            Também é necessário dizer que, ao atuar, está o advogado resguardado por garantia constitucional que deve ser preservada e não pode ser objeto de questionamento pelo TCU, por não ser este órgão detentor de competência para apurar irregularidades supostamente cometidas por membros da advocacia pública e menos ainda para aplicar-lhes qualquer penalidade, menos ainda de conteúdo pecuniário.

            A advocacia pública deve ter plena consciência de que lhe cabe legalmente exercitar uma função relevante e indispensável à regular gestão da coisa pública e que consultorias jurídicas e procuradorias-gerais não constituem sucursais de órgãos de controle, interno ou externo. Devem os advogados firmar a interpretação da lei a ser seguida por tais órgãos e não o contrário.

Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Advocacia Pública:: audiência de seus membros pelo TCU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1112, 18 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8657. Acesso em: 18 nov. 2024.

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