RESUMO
Sabemos que o avanço da tecnologia cresce cada dia mais, de forma tão rápida que o ordenamento jurídico não consegue acompanhar tal desenvolvimento. O nosso Código Civil foi criado em 2002, sendo impossível o legislador, naquela época, imaginar tamanha dimensão que a tecnologia tomaria nos dias atuais. Neste sentido, nota-se que em nossa atual legislação, não há disposições específicas sobre herança relacionada aos bens digitais.
Desta forma, o presente trabalho refere-se à discussão da destinação final dos bens digitais acumulados em vida pelo indivíduo, após sua morte.
Dentre tais aspectos, destaca-se a possibilidade de resguardar a real vontade do indivíduo via testamento ou, na ausência de última vontade, a eventual análise da destinação dos bens digitais pelo Estado.
1 INTRODUÇÃO
Com o avanço da tecnologia, nota-se que cada vez mais as pessoas estão deixando para trás a aquisição de bens tangíveis (como livros, CD’s e filmes) e abrindo espaço para a era digital. Atualmente, em sua grande maioria, a compra destes bens ocorre por meio virtual, através de aparelhos eletrônicos. Via de consequência, seu armazenamento é disposto no próprio equipamento, como celulares, computadores ou até mesmo via plataforma online, como a famosa “nuvem” (modo de armazenagem em servidores compartilhados e interligados pela internet).
Desse modo, é notório o crescimento do acúmulo de grande parte do patrimônio dos indivíduos em formato virtual.
Por outro lado, sabe-se que a herança é uma garantia constitucional conferida a todos, sendo transmitido aos herdeiros do de cujus, todo o seu conjunto de bens adquiridos em vida. Todavia, nem sempre o nosso ordenamento jurídico consegue acompanhar as mudanças sociais e avanços tecnológicos.
Portanto, tendo em vista que o atual Código Civil não disciplina a destinação dos bens digitais adquiridos pelo de cujus, o presente artigo, como método de pesquisa científica, busca analisar a possibilidade jurídica do reconhecimento definitivo do acervo digital como parte da herança dos indivíduos, tendo em vista sua possível caracterização patrimonial.
Desta forma, o presente trabalho, inicialmente, realiza uma breve exposição da evolução histórica da tecnologia e sua influência no comportamento humano. Em seguida, é abordada a classificação jurídica dos bens assim como a exploração de conceitos do direito sucessório e princípios norteadores. Ao final, será examinada a definição de bens digitais e sua possibilidade em compor o acervo hereditário.
A metodologia empregada consistirá na forma qualitativa, baseando-se em análise de livros e artigos científicos.
2 CONTEXTO HISTÓRICO
O nascimento da tecnologia vem desde a existência do homem. Isto porque, naquela época, o sujeito utilizava-se de materiais encontrados, como pedra e madeira, para auxiliá-lo na sobrevivência. Com o passar do tempo, houve o desenvolvimento de métodos para aperfeiçoamento da caça e pesca, por exemplo.
Um pouco mais tarde, já na Idade Média, dada as transações comerciais junto ao Oriente Médio, a Europa Ocidental viveu um notório crescimento tecnológico, tomando conhecimento de importantes invenções, como a pólvora, fundição do ferro e principalmente, o aproveitamento das fontes de energia eólica e hidráulica.
Em 1769, com a Revolução Industrial, tivemos um avanço significativo da tecnologia, com a criação da máquina a vapor e dos motores elétricos, viu-se o crescimento acelerado de máquinas nunca antes imaginadas.
Diante do progresso trazido pelo século anterior, a chegada do século XX não deixou as expectativas de lado. Houve aumento na qualidade de vida para muitos, o que impulsionou o desenvolvimento de pesquisas e descobertas de novas invenções.
Na metade do século, em fevereiro de 1946, surgiu o primeiro computador digital. A internet, por outro lado, teve o seu surgimento no ano de 1969.
Com o final do século XX e início do século XXI tivemos o marco da tecnologia. Hoje em dia, por exemplo, é impossível imaginar o mundo sem a utilização dos computadores, uma máquina que revolucionou a história da tecnologia. Assim, cada vez mais observamos o avanço de criação de máquinas e inteligência artificial.
Computadores que antes eram grandes e ocupavam grandes espaços, hoje encontrarmos o mesmo sistema operacional na palma de nossas mãos, com a criação dos celulares, tablets e notebooks. Constata-se, assim, que com o avanço da tecnologia, houve inúmeros benefícios ao indivíduo.
Por outro lado, sabe-se que é comum a aquisição de bens pelo homem, que geralmente passa a vida inteira tentando acumular o máximo de patrimônio possível, muitas vezes com o intuito de repassar aos seus herdeiros.
Antes mesmo da era digital, as pessoas buscavam meios de guardar suas informações, memórias e dados. Nos dias atuais e cada vez mais, é comum trocar a compra do livro físico, por exemplo, pela sua aquisição virtualmente. Isso já ocorre com livros, álbuns de músicas, filmes, jogos e etc.
Percebe-se, portanto, que esta Nova Era veio para facilitar consideravelmente a vida dos seres humanos, que até mesmo já realizam compras e transações bancárias através de aplicativos disponíveis em seus aparelhos celulares.
Além disso, o surgimento das redes sociais, a exemplo, possibilitou a interação entre as pessoas praticamente de forma instantânea.
As redes sociais têm acelerado a interação entre as pessoas, causando uma revolução tecnológica, tendo em vista que elas possibilitam um encontro virtual entre usuários conectados à internet. Estas interações podem, até mesmo, gerar um retorno financeiro ao usuário, uma vez que o seu domínio poderá ter valor no mercado virtual caso influencie um número elevado de pessoas sobre algo ou algum serviço de cunho comercial. Portanto, tudo isso colabora com a composição do patrimônio na esfera digital.
Assim, diante da evolução da sociedade, é necessário que o Direito consiga acompanhá-la. Sendo assim, o acúmulo em massa de informações em computadores e seus similares, sugerem uma adaptação do ordenamento jurídico às novas realidades tecnológicas, principalmente quanto aos bens e ativos acumulados nos meios digitais e o seu gerenciamento pós - morte de um indivíduo.
3 CLASSIFICAÇÃO DE BENS
Dispõe a Doutrina majoritária sobre a diferença entre o conceito de coisa e bem. O termo “coisa” diz respeito a tudo que existe. Neste sentido, Sílvio Venosa sustenta que “a palavra coisa tem sentido mais extenso, compreendendo tanto os bens que podem ser apropriados, como aqueles objetos que não podem” (VENOSA, 2001).
Já bens, para o civilista Clóvis Beviláqua, “bem é tudo quanto corresponde à solicitação de nossos desejos” (1999, p. 213). Já Carlos Roberto Gonçalves (2012) afirma que “bens são coisas materiais ou concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação".
Para a Doutrina, bem é espécie pertencente ao gênero coisa.
O Código Civil, consoante aos artigos 79 a 91, classifica os bens como: bens imóveis, bens móveis, bens fungíveis e consumíveis, bens divisíveis, bens singulares e coletivos.
Ademais, apesar de não existir previsão formal no Código Civil, pode-se classificar os bens quanto sua tangibilidade (bens corpóreos e incorpóreos).
Em seguida, de forma rápida, será abordado o conceito de cada um destes conceitos.
3.1 Bens Corpóreos e Incorpóreos
São bens corpóreos, como o próprio nome já diz, aqueles que possuem existência física/material (bens tangíveis). Bens incorpóreos, por sua vez, são aqueles abstratos, de existência intangível.
São bens corpóreos celulares, computadores, mesas, canetas ou livros, por exemplo. São bens incorpóreos direitos autorais, direitos de créditos e afins.
3.2 Bens Imóveis e Móveis
Dispõe o artigo 79 do Código Civil que “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”, portanto, são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para outro sem alteração de sua essência. Já os bens móveis, nos termos do artigo 82 do CC são aqueles “suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.
Trata-se de bem imóvel, um lote urbano, por exemplo. Já um celular, classifica-se como bem móvel, haja vista sua possiblidade de deslocamento sem alteração de sua destinação.
3.3 Bens Fungíveis e Consumíveis
São bens fungíveis “os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”, segundo o artigo 85 do CC, como café e dinheiro.
São consumíveis “os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”, consoante artigo 86 do CC.
3.4 Bens Divisíveis e Indivisíveis
São bens divisíveis aqueles que “se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam”. A exemplo, o ouro.
Logo, são indivisíveis aqueles que não se podem fracionar sem alteração considerável, como um veículo automotor.
3.5 Bens Singulares e Coletivos
Ao final do capítulo I, do livro II do Código Civil, temos em seu artigo 89 que são bens singulares aqueles que “embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais”. Já o artigo 91, dispõe que “constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.
4 ASPECTOS PRINCIPAIS RELATIVOS À SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA
4.1 Princípios
O Direito Sucessório possui seus próprios princípios, os quais devem ser aplicados em consonância os outros princípios constitucionais e gerais, quais sejam:
a) Princípio de Saisine
A palavra saisine, de origem francesa, é plurissignificativa, mas no direito sucessório o seu significado é de "posse".
Princípio previsto no artigo 1.784 do Código Civil “aberta a sucessão, a herança transmite – se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. É um dos princípios de maior relevância no Direito de Sucessões, uma vez que, traz a consequência de transmissão dos direitos hereditários imediatamente após a morte, sem qualquer intervenção ou atitude do sucessor.
Em sentido literal, pela utilização da máxima em latino “le mort saisit le vif”, compreende-se como “o morto dá posse ao vivo”.
b) Princípio Non Ultra Vires Hereditatis
O princípio ressalta a obrigação de realizar os pagamentos das dívidas e das obrigações que foram deixadas pelo de cujus, caso o herdeiro aceite a herança.
No Código Civil de 1916, os herdeiros poderiam responder pelos pagamentos das dívidas não só com os patrimônios herdados, mas também com seu patrimônio pessoal, com o advento do Código Civil de 2002, houve a proibição de que o patrimônio do herdeiro seja usado para realizar o pagamento de dívidas que não são suas, sendo assim, as dívidas deixadas pelo de cujus só deverá ser paga com seu próprio patrimônio, por isso, a doutrina denomina o princípio como Non Ultra Vires Hereditatis.
c) Princípio da liberdade limitada para testar
Presente no artigo 1789 do Código Civil, tal princípio tem a finalidade de proteger os herdeiros necessários, conforme versa o artigo citado “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”, ou seja, o testador tem a liberdade de escolher os seus herdeiros, desde que protegida a quota parte dos herdeiros necessários.
d) Princípio da liberdade absoluta para testar
Ao contrário do Princípio da liberdade limitada para testar, o princípio da liberdade absoluta prevê que o testador pode dispor de todo o seu patrimônio de forma plena, caso não exista herdeiros necessários. Previsto no artigo 1850 do Código Civil “para excluir de sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar”.
e) Princípio da Territorialidade
Este princípio tem a finalidade de delimitar a competência territorial das sucessões que forem realizadas no território brasileiro.
f) Princípio da temporariedade
De acordo com o princípio da territorialidade, para evitar dilemas na aplicação da norma, a sucessão será regulada de acordo com a lei vigente ao tempo da abertura do mesmo.
4.2 Herdeiros
Para o ordenamento jurídico brasileiro existem quatro tipos de herdeiros, quais sejam:
a) Herdeiro Legítimo
Os herdeiros legítimos são aqueles definidos por lei. A ordem de vocação hereditária da sucessão legítima está prevista no art.1.829 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal ou no de separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Sendo assim, respeitando a linha sucessória, os herdeiros legítimos são os cônjuges vivos em concorrência com filhos, netos, bisnetos, os pais, avós, bisavós, e os irmãos e tios.
b) Herdeiro Testamentário
São os sucessores que compõe a partilha testamentária, ou seja, o falecido os declara em seu testamento.
Podem ocorrer duas hipóteses na partilha testamentária: Os sucessores testamentários herdarão a totalidade da herança, caso o de cujus não tenha herdeiros necessários, ou conforme dispõe o art. 1789 do Código Civil, “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”.
Importante mencionar que um herdeiro legítimo também pode ser um herdeiro testamentário, desde que o falecido o tenha incluído no testamento, dando-lhe a parte disponível.
c) Herdeiro Legatário
Os herdeiros legatários recebem através de testamento um bem específico e determinado. O bem legado não tem relação com o montante universal da herança, assim como não responde pelo pagamento de dívidas, salvo quando a herança for insolvente.
d) Herdeiro Necessário
Consoante artigo 1.845 do Código Civil, “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”.
Aos herdeiros necessários são reservados, obrigatoriamente, 50% (cinquenta por cento) de todo o patrimônio do de cujus.
Quando o falecido não houver deixado testamento ou quando este for anulado por decisão judicial, dá-se a sucessão legítima ou ab intestato.
Conforme exposto no tópico anterior, existem classes de convocação na sucessão legítima, sendo respectivamente: os descendentes: filhos, netos, bisnetos, etc; os ascendentes: pais, avós, bisavós; o cônjuge; colaterais até o quarto grau e na falta de herdeiros, o município.
Logo, entende-se que uma classe não pode ser convocada a receber a herança, caso exista herdeiro na classe anterior.
Assim como em uma mesma classe, os herdeiros mais próximos excluem os mais distantes.
Na sucessão legítima existem 3 (três) tipos de formas de partilha: por cabeça; por estirpe e por linhas.
Existem também 3 (três) modos de sucessão legítima: direito próprio; direito de representação; direito de transmissão.
O ato de última vontade caracteriza a sucessão testamentária. Conforme ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.74):
"Testamento constitui ato de última vontade, pelo qual o autor da herança dispõe de seus bens para depois da morte e faz outras disposições, sendo considerado pelo Código Civil, ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém dispõe da totalidade dos seus bens, ou parte deles, para depois de sua morte (arts. 1.857 e 1.858)".
A sucessão testamentária possui características que devem ser respeitadas, como: ser um ato personalíssimo; negócio unilateral; ser solene, ou seja, deve respeitar todas as formalidades prescritas em lei; ser gratuito; eventualmente revogável e ser um ato causa mortis, produzindo seus efeitos após o falecimento do testador.
5 BENS DIGITAIS
Pelo que visto até o presente momento, observa-se tamanha mudança das relações interpessoais e do comportamento humano. Os indivíduos utilizam das novas tecnologias para se comunicarem, trabalharem, se divertirem, entre outros, fazendo com que uma parte de sua vida seja através do ambiente virtual.
Assim, ante a utilização das tecnologias no dia a dia dos sujeitos, fez-se necessário a análise da nova cultura digital.
5.1 Conceito de Bens Digitais
Dada a diversidade dos acessos virtuais, entre aplicativos e serviços disponibilizados (como as redes sociais), houve a criação dos mais diferentes tipos de arquivos em formato virtual. As músicas que antes eram dispostas em CD’s, hoje escutamos na palma de nossas mãos, bastando ter um celular ou tablet, muitas vezes até sem o acesso à internet, através de aplicativos como Youtube, Spotify ou Dezeer.
O livro físico que antes era pesado e ocupava espaço na prateleira, que após de lido apenas acumulava poeira, hoje é possível comprá-lo virtualmente, bastando ter uma conta em aplicativo específico e pronto, podendo, inclusive, acessá-lo infinitas vezes.
Com a migração das aquisições de bens do meio físico para o meio virtual, o indivíduo foi criando, cada vez mais, o acúmulo de valores por meio da plataforma digital.
Segundo Lara (2016, p. 22):
“(...) bens digitais são instruções trazidas em linguagem binária que podem ser processadas em dispositivos eletrônicos, tais como fotos, músicas, filmes, etc., ou seja, quaisquer informações que podem ser armazenadas em bytes nos diversos aparelhos como computadores, celulares, tablets.”
Portanto, são bens adquiridos pelo sujeito, com valor econômico, de propriedade da parte adquirente, que estão armazenados virtualmente, em computadores, celulares ou até mesmo na nuvem (acima descrita).
Para Lacerda (2017, p. 59),
“esses seriam aqueles bens incorpóreos, os quais são progressivamente, inseridos na internet por um usuário, constituindo em informações de caráter pessoal que trazem alguma utilidade aquele, tem ou não conteúdo econômico”.
Classificados como bens incorpóreos, haja vista seu caráter abstrato, de existência intangível.
Por fim, ante o conjunto de bens adquiridos, de potencial valor econômico armazenados virtualmente pelo indivíduo, dá-se, segundo Marco Aurélio de Farias Costa Filho, a classificação como acervo digital (COSTA FILHO, 2016, p. 31).
5.2 Principais Espécies de Bens Digitais
No mundo virtual, são muitas as possibilidades e variedades de adquirir bens. Desta forma, o estudo passará à análise dos sites e aplicativos mais comuns e populares no mundo digital, como o e-mail, as redes sociais, aplicativos de músicas e livros, e o armazenamento em nuvem.
O e-mail é um sistema de comunicação baseado no envio e recebimento de mensagens eletrônicas através de computadores pela internet. O e-mail possibilita que os usuários, de forma gratuita, enviem mensagens a outro usuário, podendo, inclusive, enviar imagens, vídeos, músicas ou arquivos em diversos formatos, possibilitando a comunicação rápida entre as partes. Estas informações ficam armazenadas no próprio servidor, onde o usuário poderá excluir, salvar ou reenviar o e-mail recebido.
As redes sociais são as queridinhas dos usuários, que por sua vez, garante a interação dos indivíduos, seja de forma pessoal ou profissional. Cada rede social possui suas características. Existem aquelas que o sujeito pode expor em seu perfil, seu nome, idade, fotos pessoais, textos, permitindo aos usuários trocas de mensagens, “likes” (quando uma pessoa gosta do seu perfil, ela poderá demonstrar isso através de um clique, a famosa “curtida”), à exemplo o Facebook, Instagram, WhatsApp e o TIKTOK. Existe também redes sociais com destinação profissional, como o LinkedIn, onde há informações acadêmicas e profissionais do usuário.
Abaixo, observa-se o número de usuários em cada rede social indicada, no âmbito nacional e internacional:
Redes sociais |
Número de usuários brasileiros 2020 em milhões |
Número de usuários mundial 2020 em milhões |
Youtube |
98 |
1.900 |
|
69 |
1,000 |
TIKTOK |
7 |
800 |
|
130 |
2.271 |
|
130 |
1.500 |
|
43 |
303 |
Por sua vez, existem aplicativos destinados exclusivamente para compra ou acesso à livros ou músicas. São famosos no mundo virtual, o Kindle e o Spotify. Estes aplicativos, permitem aos usuários a aquisição de livros e músicas, que estarão sempre disponíveis, após o pagamento, ao comprador. Algumas vezes, os próprios vendedores disponibilizam amostras aos usuários, disponibilizando acessos gratuitos e limitados de alguns serviços.
Por fim, o armazenamento na nuvem “consiste no ato de armazenar um ou mais arquivos em um HD fora da sua máquina, através da internet”. Ou seja, refere-se à possibilidade dos usuários em guardar seus arquivos, fotos, vídeos, entre outros, em um servidor, dependendo apenas da utilização da internet.
5.3 Contratos Eletrônicos e a Propriedade Sobre os Bens Virtuais
Os indivíduos ao criarem uma conta em alguma rede social ou adquirir produtos de forma online, devem, obrigatoriamente, criar uma conta, com seus dados pessoais. Ao final, deparam-se com o termo de concordância, ou seja, contrato de adesão, onde estão dispostas todas as cláusulas gerais acerca dos direitos e deveres dos usuários.
Assim, a relação contratual no mundo digital é estabelecida através de um único clique: “click to agree” ou “clique para concordar”.
Nos contratos virtuais, estão dispostas cláusulas como direito da propriedade sobre o conteúdo, privacidade, normas comportamentais, transferência ou exclusão das contas e regulamentos específicos.
Desta forma, os usuários têm propriedade sobre sua conta, a qual tem acesso mediante login e senha pessoal.
Algumas redes sociais, como o YouTube e o TIKTOK, por exemplo, quando o usuário atinge certo número de visualização de seus conteúdos, a própria plataforma efetua pagamento, em dinheiro, ao dono da respectiva conta. Somente a pessoa vinculada a conta tem acesso e permissão para resgatar o montante disponibilizado pela Rede. Redes sociais como o Instagram, permitem aos usuários vendas online através de divulgação pessoal, atingindo números grandes de possíveis clientes.
Lado outro, aplicativos de compras, como o Spotify (música) e Kindle (livros), disponibilizam, após o usuário efetuar o pagamento, virtualmente, o produto escolhido. Após a disponibilização, o bem adquirido somente encontra-se disponível na plataforma virtual, com acesso exclusivo da pessoa que efetuou a compra, sem a possibilidade de transferência para outro usuário.
Desta forma, a discussão pautada é a da possibilidade destes bens comporem o acervo hereditário dos usuários e via de consequência, sua transferência aos seus herdeiros.
6 A Possibilidade dos Bens Digitais Comporem o Acervo Hereditário
Quanto à possibilidade dos bens digitais comporem o acervo hereditário, versa o artigo 1.791 do Código Civil, “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”, sendo assim, a herança inclui além do patrimônio material o patrimônio imaterial do falecido, como é o caso dos acervos digitais.
Para a doutrinadora Giselda Maria Fernandes Hironaka (TARTUCE, 2018),
"Entre os bens ou itens que compõem o acervo digital, há os de valoração econômica (como músicas, poemas, textos, fotos de autoria da própria pessoa), e estes podem integrar a herança do falecido, ou mesmo podem ser objeto de disposições de última vontade, em testamento, e há os que não têm qualquer valor econômico, e geralmente não integram categoria de interesse sucessório" (Boletim Informativo do IBDFAM, n. 33, jun./jul. 2017, p. 9).
De suma importância destacar que já tramitaram no Congresso Nacional projetos de lei que visavam suprir a ausência de legislação sobre a herança digital no âmbito do Direito Sucessório.
O primeiro Projeto de Lei foi o de número 4.847, criado em 2012 (FILHO, 2012), tal projeto pretendia acrescentar os artigos 1.797-A a 1.797-C no Código Civil Brasileiro, os quais versariam respectivamente:
“Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I – senhas; II – redes sociais; III – contas da Internet; IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido. Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos. Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro: I - definir o destino das contas do falecido; a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou; b) - apagar todos os dados do usuário ou; c) - remover a conta do antigo usuário.”
No Projeto de Lei acima descrito, podemos perceber que o artigo 1797-A, trata-se de um rol exemplificativo, o que não exclui a possibilidade de que outros bens, como fotos, contatos e textos possam ser incluídos no acervo.
Ademais, o Projeto de Lei em comento tramitou conjuntamente com o Projeto de Lei 7.742/17 (NASCIMENTO, 2017), que tinha como proposta acrescentar o artigo 10-A na Lei 12.965/14 – Lei do Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014), in verbis:
Art. “10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito. § 1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, em formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive. § 2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros. § 3º As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação do óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge, companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deva gerenciá-la.”
Como visto, ambos os Projetos de Lei atribuíram aos herdeiros do falecido o poder de decisão a respeito da herança digital do mesmo, contudo, ambos foram arquivados nos moldes do artigo 105, caput, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Logo, atualmente, não há legislação ou projeto de lei que dispõe acerca da possibilidade de os bens digitais comporem acervo hereditário do de cujus.
Lado outro as redes sociais abrem precedentes para que, ainda em vida, as pessoas possam escolher a destinação de suas contas após o falecimento. O Facebook oferece duas alternativas: A primeira alternativa é a transformação da conta em uma espécie de “memorial”, permitindo que os usuários façam homenagens ao falecido. A segunda alternativa é a exclusão da conta, mediante representante que comprove o falecimento do usuário. O Google permite que o usuário escolha até dez pessoas para receberem suas informações acumuladas em vida, em uma espécie de testamento digital informal. O Twitter permite que os familiares baixem os tweets do falecido e após é lhes dado a opção de excluir o perfil do falecido, em um procedimento realizado pela própria empresa. Já o Instagram permite opções iguais ao do Facebook, podendo transformar a conta em um “memorial” ou que um membro da família do falecido solicite a exclusão da conta mediante comprovação do falecimento do usuário.
Como percebido, tanto os Projetos de Lei quanto as opções fornecidas pelas redes sociais, variam entre a autonomia privada e a atribuição dos bens digitais aos herdeiros.
Logo, muito se discute a respeito da possibilidade dos bens digitais comporem o acervo hereditário, contudo, qualquer mudança na legislação deve dialogar com a Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2018), que tem como objetivo a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Consoante Art. 2º da lei em comento:
“(...) a disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: I - o respeito à privacidade; II - a autodeterminação informativa; III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; V - o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.”
Talvez este seja o melhor caminho para possíveis alterações do capítulo do Direito das Sucessões do Código Civil a respeito do tema.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A herança dos bens digitais será um tema de grandes repercussões por todo o mundo nos próximos tempos. Com a modernização da interação entre os seres humanos, e as novas realidades geradas pela tecnologia, o Direito Civil precisa tratar do tema, como uma medida de prevenção e pacificação de possíveis conflitos.
Atualmente, a temática da Herança Digital no Brasil é tratada por meio de interpretação extensiva das normas que embarcam o Direito Sucessório no diploma civil brasileiro. A falta de regulamento próprio é o maior obstáculo quanto ao reconhecimento dos bens digitais comporem o acervo digital dos herdeiros. Isto porque, além de gerar uma insegurança jurídica dada as decisões divergentes dos juízes, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este previsto na Constituição Federal. Nesta senda, é perfeitamente possível e necessária a regulamentação da herança digital, sejam os bens suscetíveis ou não de valoração econômica, e sua inclusão nas disposições do Código Civil.
Assim, temos que tratar as novas questões que o mundo digital nos apresenta de forma ampla, e não somente a partir das concepções tradicionais conhecidas, para não gerar uma insegurança jurídica e a falta de proteção da pessoa humana.
Neste sentido, observa-se a necessidade de o legislador buscar soluções para sanar esta lacuna, uma vez que nos dias atuais, há grande número de bens acumulados digitalmente pelos usuários. Um passo importante, seria a tramitação de projetos de leis como os acimas apresentados e via de consequência, sua aprovação pelo Senado Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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