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Eleições 2020. "Vote e se arrisque", o recado do Estado

Agenda 28/11/2020 às 14:16

Em nome do "exercício da cidadania", o que importa ao Estado é eleições, não a vida e a saúde dos eleitores


 

Culpar, unicamente, o atual governo federal é infantil, assim como os governos municipais e estaduais. Apesar de o presidente da República Jair Messias Bolsonaro soltar suas "pérolas" — "Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão"; "Tem a questão do coronavírus também que, no meu entender, está superdimensionado, o poder destruidor desse vírus"; "Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Tomos nós iremos morrer um dia." ; "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre" (1) —, até que se prove o contrário, os seus apoiadores são "absolutamente capazes" , do contrário, "absolutamente incapazes" (art. 3º, do CC) ou "incapazes" (art. 4º, do CC).

Aliás, seja de "direita" ou de "esquerda", quanto ao não usar o equipamento de proteção individual, a máscara, os filósofos defensores da razão, inata, no ser humano, encontram-se em um dilema sobre suas convicções filosóficas. Merecem profundos questionamentos acadêmicos.

Amanhã (29/11/2020), que fique registrado, o dia de votar no candidato que "representará" os anseios dos cidadãos. "Representará", pois, diante dos embates ideopolíticos, não representa a "vontade do povo" na CRFB de 1988, como os objetivos (art. 3º), o fundamento (art. 1º, III), as relações internacionais (art. 4º), a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º).

No primeiro turno, não faltaram matérias jornalísticas sobre os descasos quanto às medidas sanitárias, desde os eleitores até cabos eleitorais.

No Brasil, o voto não é obrigatório, isto é, o cidadão pode votar "branco" ou "nulo". Porém, é obrigado ir até o local de votação. Do site do Tribunal Superior eleitoral (TSE) Voto obrigatório é tema da 43ª edição do #Confirma.

Descrição

O #Confirma desta semana vai discutir com eleitores de vários estados brasileiros e do Distrito Federal sobre a obrigatoriedade do voto. Muita gente acha que no Brasil o voto não deveria ser obrigatório. Porém, nesta edição você vai descobrir por que votar tem mais a ver com uma garantia de direitos do que com a obrigação de sair de casa para ir às urnas. Vamos contar a história do voto no Brasil para você aí de casa entender que a trajetória do voto foi cheinha de percalços e que teve um tempo que apenas os mais endinheirados tinham o direito de votar. Ah, e sem contar a fase do voto de cabresto. Aliás, você sabe o que significa isso? Fica sossegado que a gente vai explicar tudo sobre a prática muito comum na fase da República Velha. A gente também fez uma reportagem bem especial falando das consequências de não votar. Entenda que abrir mão de escolher seu candidato, vai muito além de pagar uma multa, caso você não vote ou não justifique. Existem consequências mais graves como abrir mão do exercício da cidadania e amargar durante quatro anos uma gestão ruim. Nesta edição você vai saber quem são os eleitores facultativos. Tem gente que não tem obrigação de ir às urnas, mas que entende que como o voto tem o mesmo valor nas urnas, não dá para ficar de fora do processo eleitoral. E tem ainda os projetos da Justiça Eleitoral que incentivam o voto dos eleitores jovens. Tudo isso você confere no #Confirma dessa semana. Não perca! (grifos do autor)

Vamos lá. Nenhum candidato (a) representa a sua convicção política, ideológica, de crença. Ainda assim, o Estado "obriga" os cidadãos (art. 14, § 1º, I, da CRFB de 1988), salvo os maiores de setenta anos de idade, analfabetos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (art. 14, § 1º, II, da CRFB de 1988), deslocarem-se até os respectivos locais. As consequências para quem não votar são:

Os cidadãos são obrigados a justificarem suas ausências (3). O débito do eleitor (4), mais outra coação, pecuniária.

Segundo o TSE, claro, com fulcro na norma do art. 14, § 1º, I e II, da CRFB de 1988, há "consequências de não votar", o "abrir mão de escolher seu candidato, vai muito além de pagar uma multa, caso você não vote ou não justifique" e "consequências mais graves como abrir mão do exercício da cidadania e amargar durante quatro anos uma gestão ruim".

Ora, se os candidatos não representam os mais profundos desejos do (s) cidadão (s), a frase "consequências mais graves como abrir mão do exercício da cidadania e amargar durante quatro anos uma gestão ruim" não tem fundamento. É tempo perdido; é dinheiro gasto, pois nalgum lugar diverso da zona eleitoral de votação, o cidadão tem que se deslocar, com o próprio automotor, ou pagar tarifa de transporte público, ou ter que pagar para aplicativo de transporte privado.

Dizer que deve escolher "o menos pior" dos candidatos", ou escolher o (a) candidato (a)"que melhor"se alinha com as convicções do candidato, não possuem embasamentos justificadores. Os votos" brancos "e" nulos ", antes da pandemia causada pelo COVID-19, aumentaram, em decorrência do descontentamento geral às propostas dos candidatos. Além dos descontentamentos com as propostas dos candidatos, não há renovação de candidatos, isto é, os eleitores vivem um" eterno "ciclo repetitivo de" político profissional ".

O saudoso Luiz Flávio Gomes era contra o" político profissional "(5); no Senado Federal, na página Em Discussão, a matéria Fim da reeleição tem defensores dos dois lados (6).

É necessário" oxigenar "a política brasileira, e pôr fim ao" político profissional ". No entanto, não quer dizer que" novos candidatos ", sem nunca ocuparem cargos eletivos, sejam éticos e morais, ou seja, não quer dizer que" novos candidatos "irão materializar os objetivos e os princípios constitucionais e não cometerão nenhuma improbidade administrativa.

Qual a vantagem da" oxigenação "? Evita-se tentativa de impor qualquer ideologia, por intermédio do Estado, incongruente com os objetivos e os princípios constitucionais. Ainda que" novo candidato "seja defensor de alguma ideologia, incongruente, o fato de defender tal incongruência já o desqualifica para ocupar cargo eletivo. Claro, depende dos soberanos (art. 1º, parágrafo único, da CRFB de 1988) estarem congruentes com a própria CRFB de 1988.

A" oxigenação "tem outro benefício. Ocupante de cargo eletivo, através de sua gestão, consegue aumentar os postos de trabalho, com Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, melhorar a qualidade dos transportes públicos, a prestação de serviços de saúde pública, de garantir pagamentos pontuais dos professores da rede pública, dos profissionais da área de saúde etc., consegue dar um "plus" nas políticas sociais em geral. Todavia, por defender ideologia, incompatível com os objetivos e os princípios constitucionais, não terá como se reeleger, devido ao fim do "político profissional". A "oxigenação", de certa forma, interrompe com a imagem do" político salvador da pátria ideológico ", ao mesmo tempo faz com que os eleitores não sejam indolentes quanto ao valor intrínseco da cidadania.

Quero dizer, a indolência é prejudicial. Quando os estômagos estão plenos de alimentos, quando não há o receio, ou medo, de ficar desempregado, pela própria condição da espécie humana, como dizia Sigmund Freud, o ser humano se acomoda em sua zona de conforto, no caso, a "indolência política". A "oxigenação" faz com que os eleitores saem da indolência, mobilizem suas capacidades intelectuais e emocionais para repensarem sobre os rumos da política brasileira. Da mobilização, os questionamentos e, dos questionamentos, o exercício da" cidadania consciente ".

Sem a obrigatoriedade de qualquer cidadão ir ao local de votação, os candidatos terão que se esforçar, ainda mais, para convencerem os eleitores de suas propostas de governo. Além disso, o Estado se consolida, realmente, democrático, quanto à liberdade individual; o cidadão é possuidor de sua autonomia da vontade e de sua autopossessão para, então, deliberar se quer ir ou não ao local de votação. Ir ao local de votação, então, será consciente, um verdadeiro exercício de cidadania, o eleger de candidato merecedor do voto para ser" representante do povo ".

No caso da pandemia atual, o"fique em casa"se mostra incompatível com a própria intenção do Estado, ou de qualquer governante, pois"ficar em casa"é uma recomendação, sanitária, para evitar contaminação e alastramento da pandemia. Ora, mais uma vez, esvazia-se de lógica e racionalidade o" fique em casa "quando o próprio Estado obriga cada cidadão sair de suas residências, ou locais de trabalho, para comparecerem aos respectivos locais de votação.

O Estado não é culpado, assim como qualquer governante — desde que aja no restrito dever constitucional de garantir a dignidade humana, no caso, a proteção da saúde individual e, mais ainda, coletiva —, quando os próprios cidadãos se comportam negligentes ou imprudentes diante da pandemia. Por isso, ainda que o Estado" garanta "medidas protetivas para o momento da votação, como obrigatoriedade de uso de máscara, o próprio Estado não tem como mobilizar todos os agentes para fiscalizarem os não agentes nas vias públicas, nas filas de espera para a votação. Ainda que alguns não agentes se tornem" fiscais do Estado ", para denunciarem cidadãos sem o uso de máscaras, diante dos negacionistas da pandemia, o Estado terá que mobilizar agentes de segurança para protegerem os cidadãos conscientes de suas responsabilidades democráticas, ou melhor, humanísticas: a preservação da vida.

Por isso tudo, a obrigatoriedade de cidadãos irem votar é, principalmente em tempos de pandemia, antidemocrático; coloca em perigo os cidadãos, o princípio da dignidade humana é mitigado.

Aliás, é plausível os cidadãos justificarem suas ausências no dia da votação — Justificativa no dia das eleições (7) — pelos aumentos de casos de COVID-19. É um enorme desafio para o Estado democrático brasileiro em aceitar ou não as justificativas dos eleitores:" não comparecimento por medo de ser contaminado ".

Ainda que o próprio Estado justifique que todas as medidas sanitárias estarão presentes no dia da votação (29/11/2020), o próprio Estado, por intermédio de seus agentes, não tem condições de fiscalizar os não agentes. Simples, quantos agentes existem para fiscalizar cada não agente? Ainda que as câmeras, nas vias públicas, sejam usadas para fiscalizarem os cidadãos imprudentes ou negligentes — não há câmeras suficientes para monitorarem todos os ângulos e para o Estado enviar agente (s) para reprimir (em), ou multar (em), o (s) eleitor (es) sem máscara (s) —, o risco de contaminação, no presente aumento da pandemia, é considerável.

Outro motivo para declaração de ausência no segundo turno, as sobrecargas nos hospitais públicos e privados pelo aumento da evolução diária de contaminados.

Mais justificativa, bem fundamentada, para a ausência no dia da votação é Covid-19: Plenário referenda decisão que impediu alterações na divulgação de dados da pandemia (8):

Por unanimidade de votos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) referendaram a medida cautelar por meio da qual o ministro Alexandre de Moraes determinou ao Ministério da Saúde que mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia do novo coronavírus, inclusive no site do órgão e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme vinha realizando até 4/6. Também foi referendada decisão semelhante imposta ao Governo do Distrito Federal para que se abstivesse de utilizar nova metodologia de contabilidade dos casos e dos óbitos decorrentes da pandemia.

Sendo cristalino, o plenário do STF, como guardião da CRFB de 1988, exigiu transparência na administração pública quanto às informações sobre o COVID-19. O direito de todos os cidadãos saberem do Estado sobre informações relevantes para a manutenção da dignidade humana — que é princípio constitucional; e princípio tem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da CRFB de 1988). O direito à saúde é direito de todos os cidadãos; e é dever do Estado. É o Estado Democrático de Direito impregnado pelos Direitos Humanos.

Mais um desafio para os Direitos Humanos na República Federativa do Brasil: O Estado obrigará (art. 14, I, da CRFB de 1988), salvo nas condições previstas na norma do art. 14, II, da CRFB de 1988, os cidadãos, diante dos aumentos de casos de contaminações, internações e sobrecargas nos sistemas de saúde, privado e público, votarem? E votar, querendo ou não, é se aglomerar, é se arriscar e arriscar de contaminar entes queridos.

NOTAS:

(1) — BBC Brasil. Relembre frases de Bolsonaro sobre a covid-19. Disponível em: Relembre frases de Bolsonaro sobre a covid-19 - BBC News Brasil

(2) — BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Consequências para quem não justificar. Disponível em: Consequências para quem não justificar — Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br)

(3) — __________________. Justificativa eleitoral. Disponível em: Justificativa eleitoral — Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br)

(4) — __________________. Quitação de multas. Disponível em: Quitação de multas — Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br)

(5) — GOMES, Luiz Flávio. Fim da reeleição e fim do político profissional: PEC 50/2015. Disponível em: Fim da reeleição e fim do político profissional: PEC 50/2015 - Jus.com.br | Jus Navigandi

(6) — BRASIL. Senado Federal. Fim da reeleição tem defensores dos dois lados. Disponível em: Fim da reeleição tem defensores dos dois lados — Revista Em Discussão! (senado.leg.br)

(7) — ______. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em : Justificativa eleitoral — Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br)

(8) — ______. Supremo Tribunal Federal (STF). Covid-19: Plenário referenda decisão que impediu alterações na divulgação de dados da pandemia. Disponível em: Notícias STF :: STF - Supremo Tribunal Federal

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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