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Aval

Espécie de Garantia Contratual

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Agenda 28/11/2020 às 16:38

O presente trabalho tem como tema um instrumento de grande importância ao credor, sendo fator de evidente redução de risco de inadimplemento, assim, o aval é analisado em suas características e efeitos.

1- Introdução; 2- Resumo; 3- Histórico; 4- Obrigações e Garantias; 5- O Aval; 5.1- Noções; 5.2- Algumas Caraterísticas; 5.2.a- Literalidade, Documentalidade e Formalidade; 5.2.b- Aval Total e Parcial; 5.2.c-Autonomia do Aval; 5.2.d- Solidariedade; 5.2.e-Aval Coletivo; 5.2.f- Sub-rogação; 5.2.g- Prazo Prescricional; 5.2.h- Normas Esparsas; 5.3- Obrigações do Avalista; 5.4- Diferemça entre Aval e Fiança; 5.5- O Aval e a Responsabilidade de Herdeiros; 5.6- O Aval e a Revitalização e Insolvência do Avalizado; 5.7- O Endosso no Título Avalizado; 5.8- Múltiplos Avalistas e a Sub-rogação; 6- Conclusão; 7- Bibliografia.

 

1-Introdução:

A garantia no mundo atual é fator de evidente redução no risco de inadimplemento contratual, o que permite atenuação em taxa de juros e maior confiança no devedor, fator determinante na maior circulação de bens e mercadorias, uma vez, ter o credor seu crédito alicerçado em patrimônio de terceiros, bens e coisas. Portanto, mesmo diante da falta da prestação do inadimplente o credor poderá perceber o que lhe é devido através da garantia prestada. Uma das garantias de maior relevo é o aval que acaba por permitir que tomadores de empréstimo tenham acesso ao crédito sem comprometer bens, sendo importante mecanismo para possibilitar as empresas o acesso ao crédito, onde muitas vezes os sócios viram avalistas do crédito da empresa. Tal modo de garantia converte-se ainda em importante mecanismo para avalizar pagamentos de mercadorias e serviços no comércio internacional.

2-Resumo:

O presente trabalho tem como cerne descortinar de forma detida o instituto do Aval, trazendo algumas especificidades que podem ser consultadas por operadores do direito e aplicados à casos concretos, mas também foi alinhado onde o aval se situa no ordenamento jurídico como uma forma de introduzir o tema e possibilitar a análise por um conjunto maior de pessoas.

Neste sentido se resolveu fazer uma breve explanação da evolução histórica, conceituar negócio jurídico, obrigação e garantia, demonstrando ainda perfunctoriamente outras espécies de garantia, o que se acredita ajudar no entendimento do tema de fundo e permitir que o leitor tenha em mãos um articulado com informações superficiais de vários institutos, o que acaba fazendo a leitura dotada maior clareza e, ainda nesta essência o signatário cita diversas vezes o teor da norma, o que também traz agilidade e conforto na leitura.

Portanto, em razão do aval ser uma garantia existente em uma obrigação, achou-se por bem, em breves pinceladas, caracterizar e conceituar o que é uma obrigação, demonstrar o que é uma garantia e passar rapidamente por algumas outras espécies de garantia.

O autor traz no teor doutrina e ainda as leis pertinentes do Brasil e, principalmente, Portugal, analisando em um enfoque as caraterísticas do aval, suas nuances, a obrigação do avalista e reflexos que podem ocorrer em relação da celebração de tal negócio jurídico, inclusive, verifica-se a utilização pelo STJ do Código Civil de Itália quando o STJ verifica a questão da pluralidade de avalistas e a sub-rogação.

As principais características do aval são desnudadas com o alicerce da doutrina e da jurisprudência, o que também é efetuado para a distinção do aval e da fiança, bem como para analisar a responsabilidade dos herdeiros, a ocorrência da insolvência do avalizado e a ocasião de existirem múltiplos avalistas e a sub-rogação do dador pagador face os coavalistas.

Desta forma, o especial realce nos pontos acima alinhados permitem o leitor ter noção das repercussões e efeitos em diversas formas que o aval é concedido.

3- Histórico

 O aval tem longa história sendo referido desde o século XVI[1] quando existia necessidade de dar garantia de solvabilidade ao pagamento de obrigações no comércio, portanto, existia a relação comercial escudada em títulos de crédito que por sua vez eram garantidos por aval, assim, o aval surge com uma relação umbilical com o comércio.                                     

 Destaca Martinez que[2] “este tipo de garantia terá surgido na prática das relações comerciais internacionais”, pois em tal tempo se existia uma garantia mais sólida para parcerias negociais, “mormente no domínio nacional”

Portanto, o aval surge da necessidade de garantir o pagamento dos direitos do comércio e, por sua vertente ser internacional, no início do século XX se inicia a elaboração de um projeto de lei uniforme sobre os título de crédito que traz o aval em seu bojo.

Em tal época o aval existia como fiança cambiária no Código Comercial de 1888 e o aval era entendido como uma fiança cambiária[3].

Alguns doutrinadores afirmam ter o aval origem árabe, uma vez, que no sentido etimológico pode ter vindo da palavra árabe hawâla (que significa obrigação em garantia), mas também é referido que o termo aval pode advir da palavra latina vallare (palavra que tem o efeito e sentido de gerar confiança) ou do italiano valle[4]. Portanto, não existe segurança para se afirmar onde o aval foi concebido.

 As Leis Uniformes (LULL e LC) que trazem, entre outros pontos, o aval, surgem visando eliminar contradições e regular conflitos atinentes aos títulos de crédito tem aderência de grande parte do mundo.

 

4- Obrigações e Garantias:

O aval é uma espécie de garantia do cumprimento da obrigação que é determinada contratualmente, portanto, em primeiro plano temos que ter em mente o desencadeamento lógico de negócio jurídico que o aval presta efeito para, posteriormente, analisar de forma detida o tema de fundo.

Destarte, antes de analisar o aval cumpre descortinar de forma rápida e sem maiores nuances os conceitos de obrigação e da garantia.

O negócio jurídico pode ser conceituado como um gênero de ato jurídico no qual a ação humana, dotada de autonomia de vontade, regula interesse de forma lícita (não defesa em lei[1]) e se destina a produção de efeitos jurídicos. O negócio jurídico típico é o contrato que, por sua vez, visa à criação, à modificação e à extinção de direito, e deve ter com conteúdo patrimonial[2], tal conceito clássico é inspirado no Código Civil da Itália (articolo 1321 .-Nozione - Il contratto è l'accordo di due o più parti per costituire, regolare o estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimonial[3]) e que sempre foi um norte ao direto civil português e brasileiro.

Já o contrato é uma espécie de ato jurídico e possui uma pluralidade de características e nuances, que lhe cercam, todas capazes de causar algum efeito na relação contratual, assim, o autor do presente trabalho vem de forma perfunctória trazer alguns pontos nevrálgicos de tais negócios jurídicos que se alinham com o tema de fundo.

É de se dizer que uma obrigação, “é o vínculo jurídico do qual uma pessoa fica obrigada para com a outra à realização de uma prestação” segundo o artigo 397º do CC, e numa versão clássica da doutrina brasileira é conceituada como “a relação jurídica de caráter transitório estabelecida entre credor e devedor e cujo objeto consiste numa prestação econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo garantido-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”[4].

No presente trabalho basta a mera apresentação do conceito acima, sendo desnecessário alinhar o assunto de forma complexa, mas deixa-se claro que a obrigação gera um direito de crédito que, “enquanto realidade jurídica, recebe a protecção do direito”[5] que determina “ao credor os meios necessários para realizar seu direito”[6] [7].

A regra basilar do direito das obrigações e que o patrimônio do devedor[8] deve responder por suas dívidas[9], todavia, nem sempre o conjunto do patrimônio do devedor será capaz de suportar e honrar efetividade os débitos contraídos. Assim, na celebração de um contrato é comum que o credor vise assegurar o seu adimplemento fazendo valer alguma garantia, o que acaba por ter o condão de incitar o devedor a cumprir a obrigação.

Então o credor de uma prestação com receio que ela não seja quitada determina uma garantia para assegurar os meios necessários para a realização do seu direito mesmo em caso do incumprimento do devedor.

Existe grande quantidade de modalidades de garantias e o efeito geral é de permitir que o credor tenha segurança no cumprimento da obrigação, mas as garantias não atuam do mesmo modo e regem-se por diversos mecanismos.

Algumas garantias[10] são dotadas de efeitos reais, onde o devedor separa um património e o destina ao resgate da obrigação[11], tal como penhor, que é baseado na entrega de objeto móvel ao credor que fica na posse do mesmo até a data do adimplemento e, uma vez, não quitada a dívida pode o credor vendê-lo ou adjudica-lo[12], portanto, consiste na transferência efetiva de um bem para o credor que assim garante que receberá a prestação[13].

Curioso de se alinhar que muitos aspetos do direito real de garantia colocam o credor de forma a autotutelar seu direito, o que é perfeitamente conveniente, uma vez, que tal mecanismo permitirá o devedor ter rápido acesso ao crédito e o credor a certeza de que está rodeado de meios de compelir o devedor, tal como a caução que é prevista no artigo 623º do Código Civil e consiste em um valor depositado em favor do credor como garantia do cumprimento da obrigação ou de indenização de possível dano.

Outras garantias não tem um bem vinculado e são baseadas na honradez e bom nome do garantidor, assim, tal pessoa empresta a sua credibilidade ao negócio jurídico entabulado permitindo que o credor perceba a sensação de segurança[14].

Portanto, se as garantias reais se baseiam em bens capazes de assegurarem o adimplemento, as garantias pessoais visam assegurar o pagamento através de uma pessoa, ambas têm o objetivo do credor não ser frustrado, assim “há adição de um patrimônio de um terceiro relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, reforçando-se, assim, a posição do credor.”[15]

 

5- O Aval

5.1-Noções

Antes de adentrarmos ao tema presente é importante notar que não existem meios de esgotar o instituto do aval, havendo várias nuances que não poderão ser abarcadas doravante, como exemplo, mas não só, a discussão sobre a necessidade da outorga uxória[1], a aval em branco como forma de financiamento da sociedade, o acórdão de UJ nº4/2013 e sua contestável decisão ou ainda a necessidade ou não de protesto[2].

Feita tal ressalta é importante expor a noção que no momento da elaboração do título de crédito o avalista tem, em ato unilateral, a limitada função de reforçar, através de uma declaração, a garantia do pagamento ao dador do empréstimo, sendo tal garantia pessoal.

Portanto, o avalista chega ao título para incorporar uma garantia pessoal, ligando seu nome diretamente a obrigação do avalizado e se responsabilizando pelo pagamento, podendo fazê-lo em razão de ato de mera liberalidade, de forma gratuita ou onerosa.

O aval pode ser definido como a garantia objetiva de pagamento total ou parcial da letra de câmbio, que o dador do aval presta em favor do avalizado. Expressando o dador do aval que garante o pagamento em nome de outro, em declaração unilateral e desvinculada da relação fundamental do título que dá origem a uma promessa de pagar.

Esta garantia é escrita na própria letra ou em um anexo e a obrigação do avalista se dará mesmo que a obrigação seja nula, exceto por vício de forma, conforme se observa nos artigos 30º e seguintes da LULL e 25º da Lei do Cheque:

LULL - Artigo 30.º O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.

LULL - Artigo 31.º O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa. Exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente; e assinado pelo dador do aval. O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposto na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador. O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação entender-se-á ser pelo sacador.

LULL - Artigo 32.º O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afi ançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador do aval pagar a letra, fi ca sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.

 

5.2- Algumas Características:

O aval se distingue de todas as outras garantias e, por ser uma garantia pessoal acaba se aproximando da fiança[1], todavia, não é difícil diferi-las face modo de prestá-las e repercussões diferentes de tais institutos.

 

5.2.a- Literalidade, Documentalidade e Formalidade

O aval tem como característica a literalidade o que determina que só vale no título aquilo que estiver escrito, o que “faz prevalecer o sentido objetivo sobre a vontade subjetiva do interveniente”[2] e, assim, como sendo um documento escrito, “o título vale precisamente com seu preciso conteúdo e extensão”[3]

Necessariamente o aval deve seguir tal princípio, inclusive, com a citação do “bom para aval”, consoante a previsão do artigo 31º da LULL e 26º da LUC, sendo certo que tal princípio da literalidade atua em conjunto com o do formalismo, portanto, é literal na medida que tem que constar o teor exato, sendo um instrumento formal, pois, caso ausente,ele perde a validade.

Pelo princípio da documentalidade se entende que o aval tem que ser escrito, não podendo se valer o avalizado de uma declaração oral do dador do aval.

Importante destacar, como já acima alinhado que para existir o aval é necessário haver um título para ser garantido, portanto, o aval não é concebido por si só e necessariamente ele garantirá algum negócio jurídico onde existe um credor e um devedor.

A garantia é prestada em um título que obrigatoriamente deve seguir o formalismo legal que, por sua vez, determina que o título deve ser preenchido na forma da Lei sob pena de ter a possibilidade de perder seu valor e efeito, o que acabaria impedindo a sua livre circulação. Tal ponto é de grande importância na elaboração do título como também no momento da prestação da garantia.

Assim, é necessário alinhar que existem alguns pontos do título de crédito que se ligam a sua validade, tais como, o princípio da abstração, que determina ser o título de crédito desvinculado da causa que lhe determinou a emissão, onde ele se separa do motivo e, assim, é chamado de autônomo.

 

5.2.b – Aval Total e Parcial:

O dador do aval pode limitar sua garantia no título, assim, aval pode ser total ou parcial conforme estabelecido no artigo 30º da LULL[4], onde o dador do aval por se responsabilizar de forma ilimitada ou não (o aval parcial não é permitido no Brasil[5]).

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5.2.c- Autonomia do Aval:

Uma característica bastante marcante do aval é a sua autonomia, o que significa que tal garantia é desvinculada da causa do título em relação ao coobrigado, assim, cada um que se compromete com o título assume sua obrigação independente dos outros[6]

 

Portanto, a “a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma. IV - Atenta essa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento”[7].

 

Como acima referido a autonomia não é total, existindo exceções em relação ao pagamento efetuado diretamente pelo devedor, sendo que Martinez Pedro ainda determina que uma das exceções alinhada no princípio da formalidade: “Além disso, em relação ao aval não se verifica uma autonomia total, porquanto o avalista pode opor ao credor as exceções derivadas da falta de forma da relação principal”

 

Feita tal ressalva é de se repisar que o aval não tem dependência de validade da relação principal, como ocorre com a fiança. Mas, uma questão que pode permitir dúvidas se relaciona a nulidade do título de crédito, portanto, se o mesmo é anulado, o aval continuará produzindo efeito?

 

O aval por ser um negócio jurídico abstrato não tem sua validade permeada pela validade da relação causal e, portanto, persiste a validade do aval, conforme leciona Rubens Requião[8]:

“Tendo em vista o princípio da independência das assinaturas e da autonomia das relações cambiárias, a resposta não pode ser outra a de que subsiste o aval, que não é atingido pela ineficácia da assinatura do garante.

(...)

O aval dado a uma assinatura falsa, ou a obrigação assumida por menor incapaz, não é atingida pela nulidade decorrente da falsificação ou da incapacidade do menor”

O artigo 32º da LULL que trata da responsabilidade do avalista determina que exatamente como acima alinhado, in fine:

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.”

Comentando tal artigo Sendin afirma que “o avalista é obrigado mesmo que a obrigação do seu avalizado seja nula”.[1]

É ainda de se alinhar que mais adiante se descortinará tópico atinente ao aval e os processos relacionados a insolvência dos devedores, mas, tratando da autonomia é necessário informar que ela subsiste mesmo em casos de suspensão de execuções face o devedor principal em razão de insolvência ou planos de revitalização:

Tribunal da Relação de Lisboa

38/18.1T8LRS-A.L1-6 de 06/06/2019

“1-As medidas adoptadas no PER não se estendem aos avalistas/garantes do devedor, pelo que o credor mantém intocados os direitos de que dispõe contra os terceiros avalistas podendo exigir deles aquilo a que estavam obrigados.

2- Isto porque a suspensão da exigibilidade judicial das dívidas - accionabilidade - é subjectivamente dirigida ao devedor, não sendo uma suspensão nem da exigibilidade judicial perante os demais obrigados, nem da própria exigibilidade material da obrigação em si mesma: a obrigação incumprida permanece exigível ainda que não accionável perante o devedor, à semelhança do que sucede com o 88º do CIRE.

3- O avalista está impedido de opor ao credor, que lhe exija o cumprimento da obrigação cambiária, os meios de defesa emergentes da relação do tomador com o avalizado.

(...) omissis”

 

Ainda sobre a autonomia do aval é importante destacar que não se pode confundi-la com a garantia autônoma, que é um negócio jurídico atípico fruto da autonomia contratual que normalmente é prestada por bancos e mais se parece com um seguro da operação principal.

 

5.2.d- Solidariedade

A solidariedade prevista na LULL difere da solidariedade prevista no CC, na que importa ao presente trabalho significa que o dador do aval será responsável da mesma forma que o devedor e ao assinar o compromisso garante o pagamento do crédito inscrito independe da excussão prévia dos bens do avalizado.

Portanto, em caso de aval o credor não precisará esgotar medidas de constrição face o devedor, sendo facultado exigir do avalista e do devedor de forma simultânea o pagamento da dívida, bem como poderá concomitantemente tomar medidas atinentes a expropriação de bens de tais pessoas.

No regime da solidariedade civil quando o credor exigir judicialmente um devedor fica ele inibido de repetir tal ato contra os outros devedores, vejamos:

Lei Uniforme das Letras e Livranças

Código Civil

Responsabilidade solidária dos intervenientes na letra

 

Art 47º Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

 

O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.

 

O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago.

 

A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi accionado em primeiro lugar.

Artigo 519. (Direitos do credor)

1. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.

 

2. Se um dos devedores tiver qualquer meio de defesa pessoal contra o credor, não fica este inibido de reclamar dos outros a prestação integral, ainda que esse meio já lhe tenha sido oposto.

 

O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada[1], portanto, ele é responsável pelo pagamento da dívida e não existe a obrigação do credor de tentar receber do devedor avalizado, conforme artigo 32 da Lei Uniforme:

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vicio de forma. 

Então, existindo uma dívida com garantia contratual do aval, o credor pode em primeiro plano tentar receber os valores diretamente do dador do aval face a responsabilidade solidária do mesmo. Assim, caso exista a necessidade de se ajuizar a ação para o recebimento da dívida pode o credor, para satisfação do seu crédito, perseguir e expropriar os bens do devedor avalista antes mesmo de tomar qualquer atitude face o devedor avalizado.

Neste sentido Candido Rangel Dinamarco leciona “A obrigação do avalista é solidária à do avalizado, sem qualquer relação de acessoriedade e sem que se beneficie aquele de algo como um benefício de ordem. Ela vive por si só e o crédito do beneficiário é tão intenso perante o avalista quanto perante o avalizado”[2].

5.2.e- Aval Coletivo

Algumas vezes o aval é dado por mais de uma pessoa, em tais casos a garantia passa a ser dotada de responsabilidade solidária dos avalistas, portanto, todos aqueles dadores do aval, em caso de inadimplência, serão solidários e obrigados a arcar com a totalidade da dívida.

O aval quando feito por mais de uma pessoa é executável em sua totalidade face qualquer um dos avalistas, assim, determina o art. 47º LULL[1], portanto “não existirá subsidiariedade posicional entre os obrigados”[2], sendo que se um dos avalistas pagarem o valor na sua totalidade se sub-rogara no direito do credor e os outros avalistas passarão a ser seus devedores.

Como já referido o aval possui certas formalidades, mas no caso de aval coletivo não será necessário repetir a indicação “bom para aval” para cada avalista, bastando referi-la uma vez e seguir as assinaturas dos avalistas[3].

 

5.2.f- Sub-rogação

O pagamento efetuado em sub-rogação é aquele que não é efetuado pelo devedor principal e quem paga se torna o novo credor do devedor, portanto, é um meio de pagamento de uma dívida em que o pagador passa a substituir o credor na relação obrigacional.

Assim, o dador do aval ao pagar a dívida se sub-roga nos direitos emergentes da letra e passa a ocupar o espaço do credor, passando a poder exigir de quem foi dado o aval.

Artigo 32º

“Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.”

Rui Pinto ao enumerar as regras gerais de caracterização do aval determina tal ponto da seguinte forma “dotada do benefício da sub-rogação do dador do aval que pague a letra nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com aquela em virtude da letra”[4].

 

5.2.g- Prazo Prescricional:

O prazo prescricional não será autônomo, sendo o mesmo ínterim para o avalista e o devedor, na forma do artigo 70º LULL, no entanto, as interrupções da prescrição somente produzem efeitos contra quem ela foi efetuada, assim, a prescrição em relação ao avalista foi objeto de acordão neste sentido pelo STJ:

Assento nº5/95[5]

Sumário: “Por força do disposto no artigo 71.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável por via do seu artigo 78.º, a interrupção da prescrição da obrigação cambiária contra o subscritor de uma livrança não produz efeito em relação ao respectivo avalista”

 

5.2.h- Normas Esparsas:

É importante ainda determinar que as normas que regulam o aval são esparsas e vêm muitas vezes reguladas internamente pela aderência a convenções internacionais, o que acaba por determinar normas uniformes em diversos países, tendo Portugal, já em março de 1931 aderido as Convenções de Direito Comercial, entre elas as de Letras e Livranças e a da Lei Uniforme do Cheque, através do Decreto 23.721.

O Brasil aderiu a Convenção de uma Lei Uniforme em matéria de Cheques (através do Decreto nº 57.599), mas, posteriormente editou norma própria, Lei do Cheque (Lei nº7357/1985), e, no que concerne ao aval[6], as alterações serviram apenas para dar maior adequação a evolução da língua, conforme se verifica no cotejo abaixo:

 

Lei nº7357/1985

Lei Uniforme do Cheque

CAPÍTULO III - Do Aval

Art . 29 O pagamento do cheque pode ser garantido, no todo ou em parte, por aval prestado por terceiro, exceto o sacado, ou mesmo por signatário do título.

 

Art . 30 O aval é lançado no cheque ou na folha de alongamento. Exprime-se pelas palavras ‘’por aval’’, ou fórmula equivalente, com a assinatura do avalista. Considera-se como resultante da simples assinatura do avalista, aposta no anverso do cheque, salvo quando se tratar da assinatura do emitente.

Parágrafo único - O aval deve indicar o avalizado. Na falta de indicação, considera-se avalizado o emitente.

 

Art . 31 O avalista se obriga da mesma maneira que o avaliado. Subsiste sua obrigação, ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade resultar de vício de forma.

Parágrafo único - O avalista que paga o cheque adquire todos os direitos dele resultantes contra o avalizado e contra os obrigados para com este em virtude do cheque

CAPÍTULO III Do aval

Art. 25º Função do aval

O pagamento dum cheque pode ser garantido no todo ou em parte do seu valor por um aval. Esta garantia pode ser dada por um terceiro, exceptuando o sacado, ou mesmo por um signatário do cheque.

 

Art. 26º Forma do aval

O aval é dado sobre o cheque ou sobre a folha anexa. Exprime-se pelas palavras "bom para aval", ou por qualquer outra forma equivalente; é assinado pelo avalista. Considera-se como resultando da simples aposição da assinatura do avalista na face do cheque, excepto quando se trate da assinatura do sacador. O aval deve indicar a quem é prestado. Na falta desta indicação considera-se prestado ao sacador.

 

Art. 27º Responsabilidade do dador de aval

O avalista é obrigado da mesma forma que a pessoa que ele garante. A sua responsabilidade subsiste ainda mesmo que a obrigação que ele garantiu fosse nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Pagando o cheque, o avalista adquire os direitos resultantes dele contra o garantido e contra os obrigados para com este em virtude do cheque.

 

O Brasil também possui norma sobre o aval no Código Civil nos artigos que tratam dos títulos de crédito[7], trazendo a forma de validade do aval, a vedação de que ele seja parcial, a previsão da autonomia, a ação de regresso e a possibilidade do aval tardio (posterior ao vencimento da obrigação).

Em Portugal ocorre o mesmo, verificamos que a CIRE pode ser em certa medida aplicável e a questão do aval coletivo é aplicável as normas do artigo 650 do CC, quando um dos avalistas quita a dívida e se sub-roga no direito do credor.

O direito italiano também tem sua Lei Cambiaria que destrincha à miúde o aval, inclusive admite expressamente o direito de regresso no aval coletivo[8], o que chega a ser usado em julgamentos no território português.

Tal questão provoca um debate doutrinária e na jurisprudencial, que em sua maioria acolhe o argumento que mesmo inexistente o direito de regresso na LULL e a relação cambiária, deve ser aplicada a regra da solidariedade comum prevista no CC[9], o que mais abaixo se descortina.

 

5.3-Obrigações do Avalista

 

A obrigação do avalista surge com a mora no devedor que, por sua vez, consiste em falta de pagamento da prestação “por facto imputável ao devedor”, mas ainda sendo possível a realização do pagamento, conforme artigo 804, nº1 do CC.

Com visto o aval é uma garantia pessoal de pagamento do título dado por terceiro que tem por fim reforçar a certeza de pagamento assumida pelo devedor principal (art. 897 do CCB), assim, a principal obrigação do dador do aval será sua responsabilidade diante da inadimplência do devedor principal.

 

5.4-Diferenças ente Aval e Fiança:

Aval e fiança possuem similaridades, sendo garantias pessoais e não reais, onde o garantidor assegura a satisfação do crédito com seu patrimônio pessoal, portanto, em ambos casos um terceiro garante o pagamento no caso de mora do devedor.

Uma diferença que se estabelece entre os dois institutos é a subsidiariedade da fiança, nomeadamente, “o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o patrimônio do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída”[10], o que pode ser afastado pela renúncia do fiador a tal direito.

O fiador ainda tem a faculdade de estabelecer no contrato que somente determinado bens podem responder pela dívida, assim, legalmente o fiador pode limitar sua responsabilidade, conforme artigo 602º do Código Civil.

A fiança é uma garantia subsidiária podendo o devedor alegar defesas pessoais e caso o título principal pereça o mesmo ocorrerá com a fiança, fato este completamente diferente do aval, como amplamente visto nesse trabalho.

As normas atinentes ao aval se omitem no que concerne a sub-rogação em casos de múltiplos avalistas, mas o que poderia ser uma diferença acabou devidamente afastado pela jurisprudência, o que restará mais adiante desnudado.

 

5.5- O Aval e a Responsabilidade de Herdeiros:

A morte do avalista pode determinar que se o devedor principal não quitar suas dívidas a autonomia continuará a prevalecer não tendo aplicação o princípio da saisane, todavia, a regra brasileira traz uma limitação até a homologação da partilha, quando cada herdeiro será responsável pessoalmente ao pagamento, limitada a herança que lhe houver.

Tal fato jurídico pode ocorrer antes do vencimento da obrigação ou posteriormente, o que difere se será o espólio ou o herdeiro que arcará com o caso concreto:

Art.1.796. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube

Nesse sentido é a lição de Arnaldo Rizzardo[11], devendo-se alinhar que a questão da dívida de uma pessoa que faleceu se transmite somente se o espólio for suficiente para honrá-las, assim, no caso de o devedor falecido (seja fiador ou avalista) não ter amealhado bens em vida os herdeiros nada sofrerão.

A jurisprudência do Brasil e de Portugal é muito parecida quando analisado, casos semelhantes, em que o dador do aval faleceu na constância de um contrato avalizado:

 

 “Cédula. Crédito comercial. Aval. Responsabilidade. Herdeiros

Trata-se da ação de cobrança na qual o credor busca dos herdeiros o recebimento de notas avalizadas por seu falecido pai, nos limites do patrimônio do sucedido, mas com o óbito ocorrido antes do vencimento dos títulos. O Tribunal a quo entendeu que se aplica, por analogia, o art. 1.501 do CC/1916. Diante disso, a Turma entendeu que o aval é autônomo em relação à obrigação do devedor principal e se constitui no momento da assinatura do avalista no título de crédito, sendo a data do vencimento pressuposto para sua exigibilidade.  Assim, o avalista já era obrigado pela dívida, mesmo ainda não exigível.  Na relação de fiança, a responsabilidade do fiador só aparece quando há inadimplência não há caráter personalíssimo no aval, o que torna os herdeiros responsáveis pela obrigação nos limites do devedor principal, já no aval há uma obrigação nova, autônoma e distinta entre avalista e credor, cuja exigibilidade  independe da inadimplência do avalizado. Ora, se assim é, da herança. Logo, cada herdeiro responde com a proporção  observada na partilha, não podendo exceder a cota de cada um.” (STJ, REsp  260.004/SP, rel. Min. Castro Filho, julgado em 28-11-2006)

 

Processo nº0457254 e nº convencional JTRP00037869

Relator: Fernando do Vale

Descritores: Embargos do Executado. Livrança. Morte. Avalista. Responsabilidade. Herdeiro

Fundamentação

I – A questão suscitada pelos apelantes e mencionada em II de 3 supra não tem, sem quebra do respeito devido, qualquer sustentáculo legal.

Com efeito, o facto de o vencimento da livrança haver ocorrido, posteriormente ao decesso do respectivo avalista (que a havia subscrito, em tal qualidade, quase nove anos antes da respectiva morte), não pode ter o condão de operar a desresponsabilização cambiária dos herdeiros daquele (os embargantes, no caso dos autos).

Na realidade, como expende o saudoso Cons. Abel Pereira Delgado, na sua conhecida obra “L.U.L.L.”, 3ª Ed. (1976), págs. 62,...“a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão”, aí se acrescentando que “A letra, mesmo antes de preenchida, circula (, pois,) como título cambiário, estando sujeita ao regime cambiário”.

Aliás, a mesma posição é defendida pelo não menos saudoso Prof. Ferrer Correia (Ob. citada, págs. 90), quando ensina:...”a doutrina preferível é a da «emissão». A entrega do título não é apenas uma «conditio juris» da eficácia da obrigação cambiária, já perfeita com a subscrição da declaração cartular. Ela é, diferentemente, elemento essencial à própria validade da obrigação. Pelo que esta não surge se não se verificar a emissão da letra pelo seu possuidor (...)...a simples declaração cartular é insusceptível, só por si, de realmente obrigar o subscritor; para que ele fique vinculado, é sempre necessário o concurso desse outro requisito: a emissão do título”.
Assim, considerando que o exposto regime jurídico da constituição e existência da obrigação cambiária é de reputar extensivo às livranças, por via do preceituado no já mencionado art. 77º, tem de considerar-se que, atenta a factualidade provada e o preceituado no art. 2024º, do CC, o facto de o vencimento da livrança ter ocorrido, muito posteriormente à morte do respectivo avalista, de quem os embargantes são herdeiros, não desresponsabiliza estes da obrigação cambiária por aquele, validamente, contraída, nos termos que ficaram expostos. É que tal obrigação integrava, já à data da respectiva morte, a globalidade das relações jurídicas patrimoniais de que o mesmo avalista era, então, titular.

Com o que, igualmente, improcedem as correspondentes conclusões tiradas pelos apelantes.

 

5.6- O Aval e a Revitalização e Insolvência do Avalizado.

Como já alinhado muitas vezes a capacidade do devedor de honrar seus compromissos pode ser afastada em razão de problemas financeiros, podendo ocorrer tal fato com empresa que poderá requerer a revitalização[12] ou a insolvência[13], bem como com uma pessoa simples poderá fazer um processo chamado PEAP.

Portanto, diante de uma situação econômica difícil ou de iminente insolvência, pode ser estabelecido o PER (para empresas) ou PEAP (para pessoas singulares/físicas) que permite aos devedores estabelecer negociações com seus credores e através de abatimentos e prazos pode reduzir seu passivo, o que poderia acarretar dois fatos: a redução de uma dívida garantida por aval e novo vencimento.

Questão mais grave é o quadro de insolvência, onde após a sentença de decreto de insolvência determinará a nomeação de um administrador que tem a faculdade de recusar o cumprimento de contratos e, assim, a dívida, como não está escudada em bens, pois não é real e, sim, pessoal, não será paga e o credor entrará em uma fila[14].

Questão pertinente é a de saber se a obrigação do avalista se mantém com as questões acima, ou melhor se será permitido o dador do aval se valer de algum argumento para não pagar a dívida ou pleitear igualdade ao avalista, portanto, ganhando prazos e abatimentos da mesma forma que porventura tenha sido concedido ao devedor principal.

Pois bem, a questão traz alguns pontos que determinaram intenso debate, mas os Tribunais Superiores têm entendido que a obrigação do avalista se mantém nos precisos termos que constam no título de crédito, uma vez que a obrigação dos avalistas (garantes) é autónoma em relação à obrigação do avalizado (devedor principal). Ou seja, a obrigação do avalizado pode ser reestruturada ou alterada, mas a obrigação do avalista prossegue imutável, restando ao dador do aval se habilitar em tais processos em sub-rogação ao credor originário.

Dá mesma forma leciona Rui Pinto:

 

“Deste modo, e como sucede com o artigo 88.º, n.º 1, CIRE, as execuções suspensas contra o insolvente podem prosseguir quantos aos “outros executados” ou pode um credor em simultâneo “deduzir reclamação no processo especial de revitalização visando obter o pagamento do seu crédito e simultaneamente intentar execução contra os outros devedores””

 

Existem argumentos contrários baseados na acessoriedade do aval, onde o fundamento vai no sentido que “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, conforme artigo 32, nº1 da LULL, portanto, a responsabilidade do avalista estaria se tornando maior que avalizado, principalmente, no que concerne no tocante a alteração de vencimento e de valor.

Tal consideração é formulado consoante os efeitos do processo de insolvência ou de revitalização, onde existe a suspensão da exigência das dívidas e redução dos valores, mas tal questão já restou resolvida pela jurisprudência[15] e o argumento que prevalece é que os efeitos de tal ações não são extensíveis ao avalista, vejamos o acórdão abaixo que trata da questão de forma didática:

 

“Sumário: A suspensão das acções para cobrança de dívidas prevista no artº 17º-E, nº 1 do CIRE não se estende aos terceiros que, através de aval, sejam garantes da dívida que se pretende cobrar.

(...)

2 – Questão a decidir.

A questão (única) a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação (artigos 635º, nº 3 e 639º, números 1 e 3, ambos do CPC [2], na redacção aplicável a estes autos), é a seguinte:

Ocorre motivo legal para, também relativamente aos embargantes, ser determinada a suspensão da acção executiva a que os presentes autos se mostram apensados, durante todo o tempo em que, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) que se encontra pendente contra a sociedade a que aqueles prestaram o seu aval cambiário e co-executada naqueles autos, perdurarem as negociações, nos termos do artº 17º-E, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), até que haja sido aprovado (ou não) e homologado o plano de recuperação ali negociado?

A decisão de nomeação do Administrador provisório, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação (art.º 17°-E, n° 1 do CIRE).

Resulta, assim, das normas supra citadas, que a execução apensa terá necessariamente que ser suspensa, mas apenas e só quanto à sociedade executada, sujeita ao processo especial de revitalização. A referida suspensão não se estende aos executados terceiros garantes.

O processo especial de revitalização é um processo similar ao plano de insolvência previsto no título IX do CIRE (art.º 17°-F, n° 5 do CIRE). Quanto ao plano de insolvência, dispõe o artigo 217°, n° 4 do CIRE que as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, ou seja, não há qualquer restrição ao exercício de direitos dos credores contra os co-devedores ou os terceiros garantes.

O mesmo se passa com o plano de revitalização que não afecta nem pode afectar os direitos dos credores contra os co-devedores ou terceiros garantes.

É, assim, indiscutível e inequívoco que os embargantes, enquanto avalistas, respondem solidariamente perante o banco exequente, portador da livrança, podendo este demandá-los apenas a eles, mas também conjuntamente com o subscritor da livrança.

 

Desta forma, nem mesmo diante da bancarrota do avalizado (seja de boa-fé ao contrário[16]) o dador do aval conseguirá se livrar na obrigação permanecendo obrigado a arcar com a garantia.

D. m. v., de uma forma mais simplista de enxergar a matéria e já com algum receio do equívoco é de refletir que se o aval existe para exatamente cobrir a falta de pagamento da obrigação, o que via de regra ocorrerá em razão do devedor não ter meios de pagar face ter um patrimônio menos valioso que a dívida e a insolvência, a revitalização são exatamente a insuficiência patrimonial para pagamento de passivo, não se podendo chegar a outra decisão que não a do referido acórdão.

 

5.7- O endosso no título avalizado:

 

O endosso é a transferência do beneficiário (endossante) do título a outrem (endossatário) que fica sub-rogado nos direitos, independente da anuência dos obrigados e dos garantes.

“A transferência por endosso ativa o predicado da abstração, tornando-se irrelevante qualquer fato impeditivo ou modificativo do crédito corporificado na cártula”[17], afastando-se as defesas pessoais que o devedor poderia ter, face a terceiro de boa-fé.

Portanto, o princípio da inoponibilidade da exceção pessoal a terceiro de boa-fé ostenta natureza cambial e arrasta o dador do aval.

 

5.8- Múltiplos avalistas e a sub-rogação:

Como acima referido uma das características do aval é a possibilidade de ser concedido por várias pessoas em um único título, tal fato acaba ocorrendo, via de regra, quando uma empresa efetua ato de comércio internacional ou toma um empréstimo e os sócios acabam avalizando o negócio jurídico entabulado.

É inclusive de se alinhar que, no caso de haver vários avalistas, o artigo 47 V LULL determina que a ação intentada contra um dos avalistas não impede que, posteriormente, sejam acionados outros avalistas, o que é diverso da inibição existente no nº1 do artigo 519º do CC[18], conforme ensina Rui Pinto[19].

O aval quando feito por mais de uma pessoa é executável em sua totalidade face qualquer um dos avalistas, assim, o 47º LULL[20], sendo que se um dos avalistas pagarem o valor na sua totalidade se sub-rogarão no direito do credor e os outros avalistas passarão a ser seus devedores.

No que pese no caso de vários avalistas haverem dívidas autônomas, bem como estar presente a solidariedade, não pode o credor tentar expropriar de cada um dos devedores o total do valor da dívida, pois, sendo assim, acabaria enriquecendo ilicitamente e acabaria por ferir a princípio da proporcionalidade da penhora.

Acima já se determinou a sub-rogação do avalista face o devedor principal, mas também poderá o avalista que pagou a dívida receber dos outros avalistas face o teor da solidariedade civil, consoante os artigos 650º, nº1; 512º a 523º, todos do Código Civil.

Portanto, em um aval coletivo, o avalista que é chamado a quitar a letra não se sub-roga somente face o devedor do título de crédito, mas também face os outros dadores do aval, vejamos o entendimento manejado por Sara Aleixo:

“O avalista pode exigir o pagamento da letra, não só do avalizado como daqueles a quem o avalizado o poderia exigir.

Não obstante, na relação existente entre vários avalistas que tenham conjuntamente prestado aval por um mesmo avalizado, a LULL não prevê o direito de regresso contra os demais avalistas.”

A falta de relação cambiária entre os avalizados não impede perceber a ligação de direito comum, portanto, as regras acima invocadas que são previstas para a fiança e a solidariedade, são acolhidas na doutrina e jurisprudência como aplicáveis ao caso em exame, vejamos um v. acórdão do STJ[21] que traz à baila toda a discussão e a soluciona com o uso dos princípios de direito e direito comparado:

“(...)

2.1. O aval, designadamente quando prestado ao subscritor de uma livrança, constitui um negócio cambiário cujo regime jurídico emerge da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (doravante L. U.), maxime dos seus artigos 30.º a 32.º e 46.º, ex vi art. 78.º.

É uniforme o entendimento, extraído quer da jurisprudência deste Supremo Tribunal, quer da generalidade da doutrina, que a L. U. limita-se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

Daí que tenham surgido duas respostas antagónicas:

a) Uma que admite o direito de regresso em termos análogos ao que está previsto no art. 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores;

b) Outra que faz depender a existência e conteúdo desse direito de convenção extracambiária acordada entre os avalista

Dito de outro modo: pressuposta a ausência de relações cambiárias entre avalistas do mesmo avalizado reguladas pela L. U., admitem uns, como regra, o direito de regresso, sem prejuízo de estipulação em contrário, enquanto para outros a existência e conteúdo desse direito dependem de convenção extracartular.

(...)

Remetidos para o direito comum no que concerne às relações internas entre os diversos avalistas, por falta de regulamentação do direito de regresso na L. U., não se descortinam motivos que, por uma ou outra das vias, afastem a aplicabilidade do regime estabelecido para as obrigações solidárias, o que, em regra, se traduzirá na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade de acordo com a presunção que decorre do art. 516.º do Código Civil, sem prejuízo do funcionamento da liberdade contratual que pode levar a que, ao abrigo do disposto no art. 405.º do Código Civil, se estabeleçam acordos quer sobre a existência e condicionalismo do direito de regresso, quer sobre a repartição da responsabilidade.

É este o resultado que se extrai do já citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-7-2010, onde se concluiu que “o avalista que pagou ao tomador da livrança, em quantia superior à que lhe competia, por força do regime da solidariedade passiva, no âmbito das relações externas, perante o credor, tem direito de reaver dos restantes avalistas, no domínio das relações internas, com base no direito de regresso, a parte que a cada um destes compete, que se presume ser igual para todos, nas relações entre os devedores solidários”.

Sustentada também em razões de justiça, esta mesma solução assoma no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), em cuja fundamentação se refere que, “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os co-avalistas”.

Em suma, na ausência de regulamentação da matéria na L. U. e sem embargo de convenção mediante a qual os avalistas regulem o exercício do direito de regresso,[11] este segue o regime prescrito para as obrigações solidárias.

(...)

III - Face ao exposto, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça no seguinte:

a) Julgar a revista parcialmente procedente e, ainda que com fundamentação diversa, confirmar o acórdão recorrido quanto aos Réus CC e DDe revogá-lo na parte respeitante aos Réus EE e FF, sendo cada um deles condenado no pagamento da quantia de € 18.600,27, acrescida dos juros de mora desde a citação.

b) Uniformizar a jurisprudência nos termos seguintes:

“Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual  segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.”

6 -Conclusão:

Ante todo o acima exposto o autor do presente trabalho espera ter demonstrado ao leitor a importância da garantia para solução dos problemas relacionados à mora, em especial, retratando as características, especificidades e nuances do aval, que irradia de forma relevante na concessão de crédito e comércio internacional, como sempre foi sua vocação.

Indispensável ainda dizer que o aval está presente no ordenamento jurídico de quase todos os países através de leis esparsas, normas dos bancos centrais, bem como com a aderência ao LILL e LC, todavia nem todas as leis estão em perfeita sintonia com as normas internacionais e o operador do direito deve sempre dissecar a norma de cada país para encontrar uma resposta perfeita ao local que se encontra.

7-Bibliografia:

Aleixo, Sara; O aval cambiário dos sócios em título em branco. A paradoxa solução do AUJ nº04/2013, Book Revista de Direito das Sociedades 3 (2016).

Dinamarco, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil, IV, 4ª Edição, revista e atualizada, Malheiros.

Gagliano, Pablo Stolze e Filho, Rodolfo Pamplona, Novo Curso de Direito, volume 4, contratos.

Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Volume II, Transmissão e Extinção das Obrigações e Não Cumprimento e Garantias de Crédito, 05ª Edição, Almedina.

Martinez, Pedro Romano e Ponte, Pedro Fuzeta; Garantias de Cumprimento, 4ª Edição, Almedina.

Paclker, Amilcar Douglas, Aval – Sistema de Garantia Cambial, Revista CESUMAR, Maringá, 2001.

Pinto, Rui; A execução do aval – algumas notas com ilustração jurisprudencial; Julgar on line, junho de 2019.

Rizzardo, Arnaldo; Contratos, 2ª ed., Forense, 2002

Sendin, Paulo e Mendes, Evaristo; A Natureza do Aval e a Questão da Necessidade ou Não de Protesto para Accionar o Avalista do Aceitante, Almedina, Coimbra.

Citações

 

[1] Art.47- Responsabilidade solidária dos intervenientes na letra

Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram. O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago. A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi accionado em primeiro lugar

[2] Pinto, Rui; A execução do aval – algumas notas com ilustração jurisprudencial; Julgar on line, junho de 2019, fls. 03.

[3] Martinez, Pedro Romano e Ponte, Pedro Fuzeta; Garantias de Cumprimento, 4ª Edição, Almedina, fls. 113.

[4] Pinto, Rui; A execução do aval – algumas notas com ilustração jurisprudencial; Julgar on line, junho de 2019, fls. 03.

[5] https://data.dre.pt/eli/asst/5/1995/05/20/p/dre/pt/html

[6] O aval em títulos de crédito é regulado pelo CCB nos artigos 897.

[7] Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.

Parágrafo único. É vedado o aval parcial.

Art. 898. O aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.

§1º Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assinatura do avalista.

§2º Considera-se não escrito o aval cancelado.

Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação, ao emitente ou devedor final.

§1° Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados anteriores.

§2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma.

Art. 900. O aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente dado.

 

[8] Cf. Ac. Do STJ de 05.06.2012, Processo nº2493/05.0TBBCL.G1.S1, relator Abrantes Geraldo: “No ordenamento jurídico italiano, a admissibilidade do direito de regresso encontra previsão expressa no art. 66.º da Lei Cambiária, de 14 de Dezembro de 1933,[5] com referência directa às regras previstas para as obrigações solidárias”

Referido artigo 66 tem a seguinte redação:  “fra più obligatti che abbiano una posizione di pari grado nella cambiale non há luogo l’azione cambiaria e il rapporto è regolato com le norme relative alle obbligazioni solidali”.

[9] Aleixo, idem acima, mesmas fls.

[10] Martines, Pedro; fls. 83.

[11] Rizardo, Arnaldo; Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 825/826

[12] Consoante artigo 17 a da CIRE

[13] Pode ser requerida pelo devedor ou terceiro legitimado.

[14] Devido ao princípio do par creditorum ou igualdade dos credores.

[15] Entre elas Acórdão da Relação do Porto, de 08/03/2012, proc. 3789/10.5TBMTS-C.P e Acórdão da Relação de Guimarães, de 04/12/2008, proc. 2523/08-1

[16] Sem querer se imiscuir em tal problemas, mas a questão é de que muitos provocam a situação de insolvência propositalmente para se valer dos beneplácito das normas, vejamos sobre o assunto Dinamarco, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil IV, 04ª edição, revista e atualizada, fls.50:  “É preciso distinguir entre o devedor infeliz e de boa-fé, que vai ao desastre patrimonial em razão de involuntárias circunstâncias da vida e dos negócios (Rubens Requião), e o caloteiro chicanista, que se vale de formas processuais (...)”

[17] Dinamarco, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil, IV, 4ª Edição, revista e atualizada, Fls.267, Malheiros.

[18] Art. 519º Direitos do Credor

1. 1. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação

[19] Pinto, Rui; A execução do aval – algumas notas com ilustração jurisprudencial; Julgar on line, junho de 2019.

[20] Art.47- Responsabilidade solidária dos intervenientes na letra

Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram. O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago. A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi accionado em primeiro lugar

[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº7/2012. Tal decisão foi proferida pelo Pleno das Secções Cíveis, o que acaba determinando grande poder de influenciar o jurisdicionado, bem como os Juízos inferiores.

 

 

 

Sobre o autor
Otávio Gouvêa de Bulhões Neto

Formado em 2003 pela UNESA-RJ. Pós-graduado em Processo Civil e com cursos de especialização. Mestrando em Direito Empresarial. Experiência vasta em processos movidos por autores, bem como em contratos, inventários.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente teor foi produzido em trabalho realizado na matéria Garantias nos Contratos Comerciais Internacionais em curso de Mestrado de Direito Empresarial na Universidade Lusófona do Porto

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