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A poluição ambiental decorrente da má gestão dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros

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Agenda 07/12/2020 às 09:32

Resumo

O crescimento alarmante dos impactos ambientais oriundos principalmente do aumento da população e das aglomerações urbanas resulta numa maior degradação dos espaços naturais, bem como na diminuição de áreas livres para a disposição final correta do lixo urbano. A alteração nos padrões de consumo não foi acompanhada de uma modificação nas práticas tradicionais de manejo dos resíduos sólidos. Neste sentido, providências urgentes precisam ser tomadas a fim de reverter esse quadro. Uma mudança de conceitos e das formas de cuidar do lixo é premente para que sejam alcançados melhores resultados em seu tratamento, especialmente na disposição final, fase em que os dados são mais aflitivos. Buscou-se, com o presente estudo, analisar as facetas da poluição ambiental, enfatizando a decorrente da má gestão do lixo urbano no Brasil. Apontaram-se as principais experiências e tecnologias úteis ao gerenciamento e à disposição final do lixo. Os métodos empregados para a realização deste trabalho foram as pesquisas bibliográfica e exploratória. Notou-se que os resultados apontam números denunciadores do descaso dos governos municipais quanto à questão ambiental.

Palavras-chave: Poluição Ambiental. Gestão Municipal. Resíduos Sólidos.

INTRODUÇÃO

1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MEIO AMBIENTE

1.1 Conceito de meio ambiente

1.2 O meio ambiente protegido pela legislação anterior à Constituição Federal de 1988

1.3 O meio ambiente protegido na Constituição Federal de 1988

1.3.1 O meio ambiente como direito e dever fundamental

1.3.2 Princípios fundamentais do Direito Ambiental

1.3.3 O princípio do desenvolvimento sustentável

[2] A PROBLEMÁTICA DO LIXO NO BRASIL

2.1 Dano ambiental e responsabilidade ambiental

2.2 O crescimento das cidades e os conseqüentes problemas de poluição ambiental

2.3 Diferenciação entre resíduos sólidos, resíduos sólidos urbanos e lixo

2.4 Formas de tratamento e destinação final dos resíduos sólidos

3 A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DO LIXO NO BRASIL

3.1 Competência constitucional ambiental quanto à gestão e o gerenciamento do lixo

3.2 A gestão e o gerenciamento do lixo nos municípios brasileiros

3.3 Das Políticas Públicas sobre resíduos sólidos

3.4 Mudanças na gestão dos resíduos sólidos no Brasil: experiências e sugestões

3.4.1 Experiências modelos

3.4.2 Incentivos à gestão ambiental

3.4.2.1 ICMS Ecológico

3.4.2.2 Outros incentivos

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

A poluição ambiental decorrente da má gestão do lixo urbano vista em nível nacional, com enfoque no Estado do Ceará, é o cerne do presente estudo, haja vista o crescente aumento da quantidade e da toxidade do lixo, principalmente nos grandes centros urbanos.

A temática da poluição do meio ambiente é bastante abordada em livros de Direito Ambiental, tais como os estudos de Édis Milaré, Américo Luís Martins da Silva, Paulo Affonso Leme Machado, José Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite, servindo todos, portanto, como referência para a elaboração do presente trabalho monográfico.

Além da consulta à clássica doutrina ambientalista, foi feita uma análise legal, por meio da consulta à Constituição Federal, bem como à legislação infraconstitucional, decretos e resoluções que disciplinam especificamente sobre o meio ambiente. Desse modo, cada um dos tópicos a seguir abordados foram devidamente fundamentados.

Quantos municípios brasileiros dispõem de uma política ambiental? Quantos municípios possuem aterros sanitários ou utilizam corretamente o lixo urbano? Quais são as iniciativas dos Estados em prol do desenvolvimento sustentável? Há uma política em nível nacional que trate dos resíduos sólidos?

O objetivo geral dessa monografia é demonstrar que a má gestão dos resíduos sólidos é uma das causas da poluição ambiental no Brasil. São os objetivos específicos: dissertar sobre a proteção do meio ambiente na Carta Maior; explicar as causas e tipos de poluição ambiental; analisar a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros; examinar leis e demais atos normativos (nacionais e estaduais) sobre resíduos sólidos; apontar soluções sobre a gestão e destinação final do lixo.

A importância do tema é vital para alertar a sociedade acerca dos danos e malefícios decorrentes da gestão deficiente dos resíduos sólidos urbanos, sobretudo no que atine à sua destinação final. Pretende-se com este trabalho chegar à consciência de cada um, para que hábitos e práticas sejam revistos e novas atitudes sejam tomadas, não apenas a nível local, mas global.

O trabalho encontra-se dividido basicamente em três partes: no primeiro capítulo, aborda-se o meio ambiente e a Constituição Federal de 1988; o segundo mostra a problemática do lixo no Brasil e o terceiro explica a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos no país.

Para o desenvolvimento deste trabalho usou-se o método descritivo, e o delineamento desta pesquisa surgiu a partir de um estudo de natureza bibliográfica, abrangendo a literatura de livros, revistas científicas e comuns, jornais e sítios eletrônicos. Foi realizada também uma pesquisa de campo exploratória na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE).

O estudo realizado nesta monografia não tem o fito de esgotar a matéria acerca dos resíduos sólidos, mas contribuir para pesquisas sobre o assunto abordado.

1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MEIO AMBIENTE

Nesse capítulo define-se o termo “meio ambiente”, ao tempo em que este é classificado como bem ambiental indisponível, de uso comum do povo e pertencente à terceira geração de direitos fundamentais. Analisa-se como o meio ambiente era tratado antes e após a Constituição Federal de 1988. Discute-se o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito e dever fundamental de todos e sobre os princípios que norteiam o Direito Ambiental, dentre eles o princípio do desenvolvimento sustentável.

1.1 Conceito de meio ambiente

O vocábulo “meio” significa “lugar onde se vive, ambiente, esfera”.1 “Ambiente” denota “o que envolve ou está à roda de alguma coisa ou pessoa; o ar que nos rodeia; o meio material ou moral que nos rodeia”.2 Logo, “meio ambiente” nada mais é do que o lugar onde se vive, o que abriga e rodeia todas as formas de vida, moral e materialmente.

De Plácido e Silva conceitua “meio ambiente” como o “conjunto de condições naturais em determinada região, ou, globalmente, em todo o planeta, e da influência delas decorrentes que, atuando sobre os organismos vivos e os seres humanos, condicionam sua preservação, saúde e bem estar”.3

Antônio F. G. Beltrão critica a expressão “meio ambiente”, anotando que a mesma é redundante, pois “‘meio’ e ‘ambiente’ são sinônimos, designam o âmbito que nos cerca, o nosso entorno, onde estamos inseridos e vivemos”.4 Já Paulo Affonso Leme Machado5 defende que as expressões são sinônimas e complementares.

A doutrina ambientalista mais moderna entende que a expressão não é pleonástica, pois compreende não só o ambiente em sua noção espacial, mas também todo o conjunto de relações físicas, químicas e biológicas entre os seres vivos. Observa-se que

[...] essa necessidade de reforçar o sentido significante de determinados termos, em expressões compostas, é uma prática que deriva do fato de o termo reforçado ter sofrido enfraquecimento no sentido a destacar, ou, então, porque sua expressividade é mais ampla ou mais difusa, de sorte a não satisfazer mais, psicologicamente, a idéia que a linguagem quer expressar. Esse fenômeno influencia o legislador, que sente a imperiosa necessidade de dar aos textos legislativos a maior precisão significativa possível; daí por que a legislação brasileira, incluindo normas constitucionais, também vem empregando a expressão “meio ambiente”, em vez de “ambiente”, apenas. 6

Entende-se que o termo “meio ambiente” não é redundante, posto que as palavras que o compõe têm significados diferentes e se complementam, mesmo portando similitudes. O “meio ambiente” não é só “espaço, terra”, mas, além, é um conjunto de relações, que rege e abriga vidas.

Paulo de Bessa Antunes pontua que “em linhas gerais, meio ambiente seria tudo aquilo que envolve o indivíduo”. Para o autor, “a defesa do meio ambiente se materializa na defesa de ‘fragmentos’, tais como a água limpa, no controle de ruídos, no solo e no ar com qualidade adequada, na higidez das florestas, na sobrevivência dos animais”.7

Portanto, pelas ideias e conceitos doutrinários aqui mencionados ou transcritos, observa-se que a interpretação sobre o “meio ambiente” é bastante ampla. O autor supramencionado afirma que a defesa do “meio ambiente” é, na verdade, a defesa dos bens que o compõem, que são, na verdade, apenas uma parte do todo. O assunto será abordado ao tratar do “meio ambiente” como macro e microbem.

O conceito legal disposto no artigo 3º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, proclamou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), segundo o qual “meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. A Carta de 1988 recepcionou o conceito aduzido pela PNMA e acresceu que o meio ambiente é “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, em seu art. 225, caput.

Édis Milaré comenta que “o Direito brasileiro, expressamente, conceitua o meio ambiente. O conceito legal é importantíssimo, pois, além de dar contornos mais precisos a expressão – alvo de controvérsia em sede doutrinária – também caracteriza o objeto do Direito Ambiental”.8

Ressalte-se que a intenção do legislador ao utilizar o termo “meio ambiente” ao invés de “meio” ou “ambiente” foi, além de notar que as palavras são diferentes em seu significado, que a expressão conjunta expressa maior força.

O conceito doutrinário contempla quatro aspectos do “meio ambiente”, quais sejam: o meio ambiente natural ou físico, o artificial, o cultural e o do trabalho. Note-se que este último não é compreendido como um dos aspectos ambientais por José Afonso da Silva. Para ele, o “meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.9

A doutrina majoritária que defende a divisão do meio ambiente não em três, mas quatro aspectos reza que assim como o meio ambiente natural, cultural e artificial foram exaltados pela Carta Maior,10 o meio ambiente do trabalho também o foi, em seus arts. 7º, XXXIII, e 200, VIII.

Para Celso Antônio Pacheco Fiorillo,

A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem jurídico imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o Direito Ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados. E com isso encontramos pelo menos quatro significativos aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.11

Em sucintas palavras, o meio ambiente é uno e sua divisão em quatro aspectos tem o fito de, segregando características, identificar o dano ambiental e facilitar sua reparação. Por mais vasto que seja o conceito de bem ambiental, este não pode ser demilitado, dado sua composição. Isso não obsta a defesa do meio ambiente, mas lhe confere maior amparo normativo.

Para Fernanda Silva Tose, o meio ambiente

Artificial - compreende o espaço urbano construído (aglomerado de edificações) e os lugares públicos (ruas, praças, áreas verdes), i.e., espaço urbano fechado e aberto, respectivamente; Cultural - consistente no patrimônio histórico, cultural, paisagístico, arqueológico, turístico, fruto da obra humana e caracterizado pelo valor agregado; Natural ou físico - abarca o solo, a água, o ar atmosférico, a flora e tudo o mais que diga respeito à relação dos seres vivos com o meio (ambiente físico) em que se inserem.12 (destaque original).

Talden Queiroz Farias13 explana que o meio ambiente do trabalho é o conjunto de fatores relacionais às condições ambientais de trabalho, como o lugar onde o mesmo é desempenhado, as ferramentas, as máquinas e os equipamentos utilizadas, as operações e os processos existentes na relação trabalhista. Prima pela salubridade e saúde do trabalhador, independente de sua pessoa.

O ambiente de trabalho equilibrado é uma questão de saúde, conforme a Constituição Federal de 1988, que reconhece o meio ambiente sustentável como garantidor da vida digna ao ser humano. Haverá qualidade de vida se houver praças e áreas verdes conservadas, espaço urbano não poluído, patrimônio histórico e cultural preservado, áreas de preservação ambiental intactas, a exemplo.

Mirra esclarece ainda: “O legislador foi até mais longe do que o posicionamento doutrinário, pois sua preocupação com a proteção global do meio ambiente inseriu a vida animal (não-humana) e vegetal no mesmo patamar de importância da vida humana, protegendo-se a vida sob todas as formas”.14

José Rubens Morato Leite pondera que “acertou o legislador brasileiro, pois acoplou, na sua definição de meio ambiente, uma concepção mais atual e vasta, que aceita vários elementos, em oposição ao conceito restrito de proteção aos recursos naturais”.15

Apesar de recente, a promulgação de leis brasileiras que tratam a questão do meio ambiente, as mesmas são vastas e protegem não somente a vida humana, mas a vida em todas as formas, pois compreendem o meio ambiente em suas quatro partes.

Restringir a proteção ambiental à proteção dos recursos naturais é comum nas legislações estrangeiras. Antes da promulgação da Carta brasileira de 1988 já disciplinavam sobre o meio ambiente as Constituições de Portugal (1976), Espanha (1978), Equador (1979), Peru (1979), Chile (1980) e Guiana (1980).16

José Rubens Morato Leite17 doutrina que a Magna Carta adotou a proteção jurídica do meio ambiente do tipo antropocêntrica alargada. Ou seja, a proteção ambiental é interesse do homem, não apenas em razão do que isso pode economicamente significar, mas, além e sobretudo em razão do bem-estar e da qualidade de vida oferecida.

Ainda segundo o ensinamento de José Afonso da Silva:

No sistema jurídico brasileiro, além da proteção à capacidade de aproveitamento do meio ambiente, simultaneamente, visa-se a tutelar o mesmo, para se manter o equilíbrio ecológico e sua capacidade funcional, como proteção específica e autônoma, independente do benefício direto que advenha ao homem.18

O meio ambiente é um bem ambiental: os recursos que o integram devem ser protegidos e preservados pela coletividade e pelo Poder Público, como emana a norma contida no caput do artigo 225 da Constituição Federal. Todos têm direito a um ambiente equilibrado e, ao mesmo tempo, o dever de mantê-lo íntegro.

Solange Teles da Silva doutrina que

O meio ambiente é constituído tanto pelos bens ambientais, materiais ou corpóreos, tal qual o solo, como também pelos bens ambientais incorpóreos ou imateriais, como os processos ecológicos, que devem ser considerados não em sua individualidade específica, mas como componentes – elementos suporte – do ecossistema que rege a vida de forma geral e constituem assim o meio ambiente.19

O meio ambiente como bem difuso é dever e direito de todos, pertence à coletividade e não apenas ao Poder Público. Todos são “donos” do meio ambiente equilibrado e tem direito à sadia qualidade de vida.

Os bens corpóreos que compõem o meio ambiente são os chamados “microbens”; enquanto os macrobens são imateriais e envolvem os processos ecológicos, abrigando a vida em todas as suas formas, dando suporte ao ecossistema.

Antônio Herman Benjamim leciona que:

O meio ambiente, embora como interesse (visto pelo prisma da legitimação para agir) seja uma categoria difusa, como macrobem jurídico é de natureza pública. Como bem – enxergado como verdadeira “universitas corporalis” – é imaterial, não se confundindo com esta ou aquela coisa material (floresta, rio, mar, sítio histórico, espécie protegida etc.) que o forma, manifestando-se ao revés, como complexo de bens agregados que compõem a realidade ambiental.20

Enquanto macrobem, o meio ambiente pertence a todos e é um bem público formado por um conjunto de bens, os chamados microbens, como os recursos hídricos, o solo, a flora, a fauna. São inconfundíveis e a prova de que o termo utilizado (meio ambiente ao invés de apenas meio ou ambiente) não é redundante.

José Rubens Morato Leite diz que o bem ambiental (macrobem) é de interesse público e pertence à coletividade, mas a título e disciplina autônomos. Salienta ainda que

Na concepção de microbem ambiental, isto é, dos elementos que o compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, pública e privada, no que concerne à titularidade dominial. Na outra categoria, ao contrário, é um bem qualificado como de interesse público, seu desfrute é necessariamente comunitário e destina-se ao bem-estar individual.21

Em suma, quando se diz que o meio ambiente é um “macrobem”, deve-se entender que este não se confunde com os bens que o compõe (microbens), que podem ser públicos ou privados, individualizados e, inclusive, ter legislações próprias.22 Por isso não é passível de apropriação, de ser dividido, não se “materializa” e pertence a todos.

Essa ideia de macrobem ambiental não prejudica a tutela objetiva do meio ambiente, pois quanto mais ampla for a defesa da sadia qualidade de vida, melhor. O alargamento do conceito de meio ambiente é uma tendência global e o mesmo não se resume ao meio ambiente natural.

1.2 O meio ambiente protegido pela legislação anterior à Constituição Federal de 1988

Após a conceituação do termo “meio ambiente”, faz-se salutar o relato das mudanças pelas quais este passou nos últimos tempos.

O século XX restou marcado como o século das maiores deteriorações ambientais. A perda da produtividade das terras e a poluição das águas são alguns exemplos dos impactos negativos sofridos pela natureza. Boa parte destes estragos é causada pelo lixo, em razão da inadequada destinação final dos resíduos sólidos.23

O ano de 2010 é marcado por desastres naturais mundiais, sobretudo nas Américas. Podem-se citar, a exemplo, tempestades de neve nos Estados Unidos da América, chuvas intensas no Brasil e no Peru, terremotos no Haiti e tremores no Chile, catástrofes amplamente divulgadas.24

Tais acontecimentos refletem a agressão sofrida pela natureza desde sempre pelos atos do homem, intensificada a poluição ambiental com o surgimento das indústrias. A preocupação com o destino final do lixo é recente e são poucas as políticas públicas que tratam desta questão, tanto em nível nacional quanto global.

Fábio Fonseca Figueiredo relata que

O aumento da degradação ambiental, o risco eminente de um colapso ecológico e o crescente avanço da desigualdade e da pobreza mundial são sinais eloqüentes da crise que assola o mundo globalizado. A crise ambiental colocou em evidência a exploração desenfreada produzida pela apropriação capitalista da natureza, relegando a segundo plano a importância do equilíbrio ecológico para a manutenção da qualidade de vida das presentes e futuras gerações.25

Enxergou-se que os recursos ambientais naturais foram (e são) utilizados sem preocupação com o equilíbrio ecológico, visando apenas o crescimento da economia e o lucro das empresas. A poluição ambiental causada pelo lixo reflete o consumo desenfreado, uma das causas da presente crise ambiental.

“Felizmente, o século recém-findo também foi marcado, sobretudo após a Segunda Guerra, por intensos movimentos sociais em busca de uma maior interação homem-natureza, com discursos favoráveis à preservação ambiental”.26

O autor ressalta, porém, que a preocupação com o meio ambiente surgiu bem antes, “a partir do momento em que a sociedade industrial conseguiu atingir um elevado padrão de vida, notadamente nos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental, Estados Unidos, Canadá e Japão”.27

No Brasil, a situação foi diferente. Até pouco tempo, equivocadamente, defendia-se que a degradação ambiental era imprescindível ao desenvolvimento industrial do país. Já existiam legislações que defendiam a integridade do meio ambiente. Pode-se destacar, dentre outros textos legais, o Código das Águas de 1934, o Estatuto da Terra de 1964, o Código Florestal de 1965 e a Lei da Fauna de 1967. A reciclagem acresceu em meados de 1970. Em 1972 o país participa da Conferência de Estocolmo, primeiro grande encontro internacional sobre o meio ambiente.

Retira-se do texto de José Afonso da Silva28 que, em 1981, foi promulgada a PNMA, sob a influência de um direito ambiental internacional. Nesta época, já existiam no país organizações não-governamentais e instituições de pesquisa voltadas não só para a fiscalização ambiental, mas à procura de alternativas apropriadas à exploração de recursos ambientais.29 A defesa de questões e causas ambientais no Brasil é recente e muitas normas são apenas postas, outras dependem de regulamentação ou ainda estão em trânsito no Congresso Nacional, como é o caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o que protela a defesa do meio ambiente.

Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros expõe que

A partir da década de 80, as disposições legais referentes à proteção ambiental apresentaram maior fôlego, culminando na Constituição Federal de 1988, que dedicou um capítulo inteiro ao tema. A Lei nº 6.803, de 1980, veio normatizar o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Em 1981, podemos destacar a Lei nº 6.902, que cria áreas de proteção ambiental e as estações ecológicas, além do advento da Lei nº 6.938, que disciplinou e instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, adotando princípios e regras estabelecidas pela Carta resultante da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, em 1972.30

A Lei da Ação Civil Pública de 1985 disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. André Luiz Maranhão ressalta que a importância da citada lei “é demasiadamente benéfica, pois ao mesmo tempo em que reprime a prática de atos lesivos ao meio ambiente, também procura a reparação do dano pelo agente causador.”31

A Constituição Federal de 1988 recepciona as legislações ambientais anteriores e reforça a ação civil pública em seu art. 129, inciso III, como uma das funções institucionais do Ministério Público32 (dever de proteger o patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos). Após a publicação da Carta Maior foi promulgada a Lei que criou o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) de 1989, a Lei dos Crimes Ambientais de 1998, a Lei de Educação Ambiental de 1999, o Decreto n. 3.179/1999 que instituiu as infrações administrativas ambientais e as Resoluções n. 237/1997 e n. 275/01 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que tratam, respectivamente, do licenciamento ambiental e da coleta seletiva de lixo, dentre outros marcos legais.

1.3 O meio ambiente protegido na Constituição Federal de 1988

Depois de tecer comentários sobre a proteção do meio ambiente nos textos legais anteriores à atual Carta Magna, cabe enaltecer que esta apresentou efetivas mudanças em seu texto, sendo a primeira a içar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de direito fundamental e a assegurar ao Poder Público e à coletividade a legitimidade e os mecanismos para proteção e controle do meio ambiente.

Andréa Minussi Facin diz que

O tratamento que é dado atualmente à questão ambiental é um marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam as de 1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão “meio ambiente”, a revelar total despreocupação com o próprio espaço em que vivemos. [...] No Brasil, as Constituições anteriores à de 1988, não consagravam regras específicas sobre o meio ambiente. A Constituição Federal de 1946 foi a única que trouxe menção sobre o direito ambiental, estabelecendo a competência para a União legislar sobre a proteção da água, das florestas, da caça e pesca. Portanto, foi a Constituição Federal de 1988, a primeira a tutelar a questão do meio ambiente, em termos específicos e atuais, destinando um significante capítulo ao mesmo, além de outras menções no corpo do texto constitucional. 33

Observou-se que o conjunto de normas protetoras do meio ambiente anterior à Constituição Federal de 1988 é composto, sobretudo de leis infraconstitucionais, a maioria delas (ou as mais expressivas) datadas após da década de 1980.

Vários dispositivos relacionados ao meio ambiente encontram-se dispersos ao longo do texto fundamental, tais como o art. 5º, inciso LXXIII que prevê a ação popular e o art. 170, inciso VI que promove a economia sustentável, dentre outros. No entanto, o art. 225. pode ser apontado como corolário das modificações, visto que abre um capítulo destinado à proteção ambiental.

Antônio Herman Benjamin destaca que

[...] saímos do estágio da miserabilidade ecológica constitucional, própria das Constituições liberais anteriores, para um outro, que, de modo adequado, pode ser apelidado de opulência ecológica constitucional, pois o capítulo do meio ambiente nada mais é do que o ápice ou a face mais visível de um regime constitucional que, em vários pontos, dedica-se, direta ou indiretamente, à gestão dos recursos ambientais. São dispositivos esparsos que, mais do que complementar, legitimam (função sócio-ambiental da propriedade), quando não viabilizam (ação civil pública e popular), o art. 225.34

Derani 35 aponta que o artigo supramencionado pode ser divido em três partes: a primeira apresenta do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado; a segunda descreve o dever de todos de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, e o terceiro prescreve normas impositivas de ações que devem efetivar o direito posto em sua primeira parte.

Paulo de Bessa Antunes diz que o dispositivo é o “centro nervoso das disposições constitucionais sobre o meio ambiente”. O meio ambiente na Constituição Federal é um conceito aberto, posto que põe um “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” sem defini-lo. O mesmo é “um conjunto de bens materiais e imateriais no interior do qual do Ser Humano está inserido” 36, conforme dito anteriormente.

É a partir do que está posto no art. 225. da Constituição que a legislação infraconstitucional, de qualquer âmbito federativo, deverá se basear. Exemplo é a Lei n. 9.985. de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.

“Proteger o meio ambiente, em última análise, significa proteger a própria preservação da espécie humana”.37 O direito ao meio equilibrado, posto na norma supramencionada, é bem público e fundamental à sadia qualidade de vida. É ramificado, ainda, como um bem de uso geral ou comum do povo, qual seja, aquele que pertence a todos e é indisponível.38

O próprio art. 98. do Código Civil de 2002 entende que o meio ambiente integra o regime jurídico de direito público. Do mesmo modo adveio o art. 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, destacando o patrimônio ambiental como bem difuso e pertencente à sociedade.

Maria Silvia Zanella Di Pietro doutrina que “consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições”.39 “É o caso das praças, jardins, ruas, estradas, mares, lagos, rios, praias, golfos entre outros. O meio ambiente ou bem ambiental é espécie do gênero bem público de uso geral do povo, mas com natureza difusa e não pública”.40

As considerações feitas pelos autores citados evidenciam que o meio ambiente não pode ser apropriado ou desfrutado por uma só pessoa, pois a própria Constituição Federal de 1988 o definiu como um bem de todos, que deve ser usufruído por todos. Todos têm o mesmo direito de sentar em praças, andar pelas ruas, nadar pelos rios. Da mesma forma, deve ser preservado por todos, para as presentes e futuras gerações.

José Rubens Morato Leite lembra que

Apesar da falta de uma tutela difusa do bem ambiental o Novo Código Civil (art. 1.228, §1º, da Lei nº 10.406, de 2002) limitou o direito de propriedade ao exercício das finalidades sociais, incluindo a preservação da flora, da fauna, das belezas naturais, do equilíbrio ecológico e do patrimônio cultural, bem como procurando evitar, por uso inadequado, a poluição do ar e das águas.41

Os incisos XXII e XXIII do art. 5º da Constituição Federal preceituam que é garantido o direito de propriedade e que esta atenderá sua função social. Para Maria Luiza Machado Granziera, “a propriedade, sob a égide da função social, passa a ter sentido jurídico apenas quando submetida a valores sociais norteadores de uma ordem pública humanista ou social, como, por exemplo, a elevação da dignidade humana e a proteção dos recursos ambientais”.42

A Carta Maior também projetou como mecanismos de defesa do meio ambiente a ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão para anular ato lesivo ao meio ambiente, em seu art. 5º, inciso LXXIII e o inquérito e a ação civil pública, a serem impetrados pelo Ministério Público para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

O meio ambiente, como dito, nunca estivera tão reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, o que reforça não só as mudanças advindas com a Carta de 1988 e legislações complementares posteriores, mas, antes, pela força dos tratados e convenções internacionais.

1.3.1 O meio ambiente como direito e dever fundamental

Pontue-se que o primeiro passo assecuratório do meio ambiente e da qualidade de vida veio com a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada em Estocolmo, no ano de 1972. Nesse evento foi promulgada a Declaração do Meio Ambiente, que alçou o meio ambiente em nível de direito e dever fundamental do homem.

Consta do Princípio 1 do referido documento que

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras [...].43 (grifou-se).

O homem tem o direito de gozar de um meio ambiente equilibrado e o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Constituição Federal de 1988 colocou a proteção ambiental com a condição de direito e dever fundamental humano.

Nesse sentido, Paulo de Bessa Antunes diz que

A Fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental pela ordem jurídica vigente. [...] Tal reconhecimento configura-se, na verdade, como uma extensão do direito à vida, em suas duas dimensões. A primeira, de caráter amplo, referente ao direito do ser humano de não ser privado de sua vida, e a segunda, em caráter próprio, consiste no direito de todo ser humano de dispor dos meios adequados de subsistência objetivando uma existência digna, ou seja, com qualidade de vida.44

O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é preocupação universal, posta em ordenamentos e tratados, interligado diretamente e de modo indissociável ao direito à vida, princípio norteador e fundamento do Estado Democrático de Direito. Para Manoela Andrade, direitos fundamentais é o “conjunto de prerrogativas e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da liberdade, igualdade e dignidade entre os seres humanos. São núcleos invioláveis de uma sociedade política, sem os quais essa tende a perecer”.45 Na Constituição Federal de 1988, a maior parte dos direitos fundamentais está posto nos artigos 5º e 225 entre outros esparsos.

Alexandre de Moraes lembra que

Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceiras gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. [...] protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos [...]. (destacado).46

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Soma-se a essa doutrina: “A primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade”.47

Não há hierarquia entre os direitos fundamentais, sendo a divisão destes em classes uma construção da doutrina. Ressalte-se que em caso de colisão entre direitos fundamentais, há de se sopesar os interesses em conflito e analisar qual deles guarda maior relação com a dignidade da pessoa humana.

“O artigo 225 da CF, ao definir um direito fundamental, tem aplicabilidade imediata, cabendo ao Poder Público e à coletividade, como colaboradora, defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”.48 O Estado fornece os meios necessários para tanto, enquanto a sociedade deixa de praticar atos que possam lesar o meio. Tal vínculo reflete a solidariedade em busca de um bem comum.

Vladimir Passos de Freitas acentua que

O princípio da solidariedade entre os países em prol do desenvolvimento sustentável surge da visão transgeracional, que através deste modelo de desenvolvimento estamos preservando o ambiente e a economia para a atual e as futuras gerações de forma equilibrada, não deixando para o futuro um ambiente devastado nem uma economia enfraquecida, que com certeza diminuiria a qualidade de vida das pessoas. Não existe qualidade de vida sem um ambiente sadio e protegido e nem com uma economia fragilizada e pouco desenvolvida.49

A necessidade de essa solidariedade ultrapassar fronteiras veio exposta nos princípios 7 e 27 da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente50, que reforçam a ideia de que, embora os Estados tenham responsabilidades diferenciadas, também têm responsabilidades comuns. Todos devem reconhecer o seu papel e cooperar de boa fé em prol do desenvolvimento sustentável.

1.3.2 Princípios fundamentais do Direito Ambiental

O vocábulo “princípio” deriva do latim principium e significa “causa primária; base; fundamento, origem e/ou aquilo que regula o comportamento ou a ação de alguém”.51 É o que sustenta o ordenamento jurídico e deve fundamentar todas as leis e normas.

Noll e Nicolleto destacam que

Os princípios são guias norteadoras e fundamentam toda a elaboração de normas positivadas, estabelecendo um ponto de partida de onde todas essas normas deverão surgir. Particularmente, os princípios são mais do que simples normas, são o início de todo um ordenamento, de uma ciência, de um campo de conhecimento.52

Bertarello53 diz que o Estado deve ser democrático e social, conduzido pelos princípios de Direito Ambiental e unos pela democracia e pelo desenvolvimento sustentável, justo e duradouro, que assegure a justiça e um futuro próspero.

O estudo dos princípios é de suma importância, servindo para orientar interpretações (doutrinárias, jurisprudenciais), completar lacunas da lei e, principalmente, fundamentar a estrutura do ordenamento jurídico.

Existem na doutrina ambiental inúmeros princípios que regem a tutela do meio ambiente e o comportamento humano, todavia, no presente trabalho, foram escolhidos os que guardam maior relação com o objeto estudado, quais sejam: o princípio da prevenção; da precaução; do poluidor-pagador; usuário-pagador; da participação, educação e do direito à informação e o princípio do desenvolvimento sustentável.

Jeferson Nogueira Fernandes diferencia o princípio da prevenção do princípio da precaução afirmando que o primeiro “está relacionado à dúvida, se a atividade a ser praticada causará ou não um dano ambiental, não há certeza dos efeitos negativos ou positivos ao ambiente, que a implantação de uma atividade poderá proporcionar”54. Noll e Nicolleto dizem que “a prevenção atinge os danos concretos cuja origem é conhecida, busca evitar a verificação de novos danos ou, pelo menos, minorar significativamente seus efeitos”.55

O princípio da precaução é essencial para a conservação dos bens ambientais, pois zela pelos mesmos ao programar negócios ou atividades que possam vir a causar danos ao meio ambiente. A degradação ambiental deve ser evitada, ao invés de contabilizada e reparada. Os custos das medidas que evitam a poluição são mais baratos do que os custos com a remediação da mesma. Este princípio implica, aliás, atenção às fontes poluidoras.56

No que atine ao princípio do poluidor-pagador, Marcelo Abelha Rodrigues57 aponta que, na sua origem, esse princípio foi instituído como a exigência do pagamento dos custos das medidas de prevenção e controle da poluição pelo poluidor.

“Numa acepção larga, é o princípio que visa imputar ao poluidor os custos da poluição por ele causada, prevenindo, ressarcindo e reprimindo os danos ocorridos, não apenas a bens e pessoas, mas também à própria natureza”.58

Marcelo Abelha Rodrigues marca que

Este princípio evita que a coletividade através do Poder Público pague pelo benefício econômico que alguém pode estar tendo com a utilização dos recursos ambientais. Com isso o valor do produto comercializado deve estar embutido na utilização dos recursos ambientais. Visa controlar a utilização dos recursos naturais que são bens de todos.59

Já o princípio do usuário-pagador vai ao encontro do caput do mesmo artigo, que diz o bem ambiental ser de uso comum do povo e que deve ser usufruído racionalmente. A idéia é que o uso que não for comum não poderá ser livre, gratuito. O uso desproporcional e/ ou abusivo deve ser oneroso, independente da ocorrência de degradação ambiental.

Assim como o princípio do poluidor-pagador, o do usuário-pagador visa coibir abusos ao meio ambiente, contudo, enquanto o primeiro tem caráter punitivo e busca a reparação dos danos causados, o segundo exige uma compensação pelo uso particular de bem ambiental natural.

O princípio da participação consiste no direito-dever de todos na preservação do meio ambiente, para que o mesmo se mantenha ecologicamente equilibrado. As atitudes em prol do meio ambiente deverão ser não só individuais, mas coletivas (por meio de ações coletivas, ação civil pública, participação em audiências públicas, etc.). “A participação dos cidadãos na administração da cidade é de fundamental importância. O exercício da co-gestão com a comunidade pressupõe direitos a serem exigidos, mas também responsabilidades a serem assumidas”.60

O princípio da informação ambiental complementa o da participação, pois a coletividade deve estar informada para participar das ações ambientais. A previsão constitucional está no artigo 225, §1º, VI. A conjugação dos princípios mencionados fortalece a democracia e controla os atos públicos.

Ângela Aparecida Napolitano, Ângela Issa Haonat e Raquel Milene Balogh Emin criticam que

Em alguns casos, a falta de integração da população nas gestões públicas levou ao enfraquecimento do dinamismo coletivo; em outros casos a participação popular tornou-se essencial para o desenvolvimento administrativo. Considerável parte da população não interage com as questões relativas à sua cidade. Muitos cidadãos acreditam que política faz parte de um período eleitoral e não se preocupam em participar de reuniões ou plenárias a respeito da participação popular que vai muito além do voto. Tal falta de interesse ocorre tanto nos pequenos, como nos médios e grandes municípios. Na verdade, as estruturas coletivas de integração ainda são ineficientes e inadequadas. As informações são incompletas e dificultam o acesso da população em geral. Tudo o que impede a integração da sociedade limita, conseqüentemente, a sua participação.61

Vê-se que a informação ambiental é imprescindível para mudanças na gestão pública, pois a sociedade quando informada é participativa, o que enriquece o dinamismo coletivo, fazendo que a população esteja a par das iniciativas governamentais.

Observa-se que

A informação sozinha não trará uma ação eficaz se não produzir um efeito sobre o informado, e isso só será possível quando se tiver a consciência da necessidade de preservação do meio ambiente. Para isso o constituinte (art. 225, §1º, VI) previu a incumbência ao Poder Público de promover a educação ambiental.62 (parafrasear)

Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (art. 1º da Lei n. 9.795. de 27 de abril de 1999).

Para Noll e outros

A educação é o meio mais adequado para a construção da sociedade sustentável. Por meio de um processo educativo voltado para as questões ambientais, constroem-se novos valores que ensejarão a transformação política necessária da ordem social e ordem pública jurídica. Essas ordens, por seu turno, serão indutoras de uma efetiva mudança nos processos de exploração dos recursos ambientais e nos métodos de produção. De igual modo, indutoras de soluções viváveis para a disposição dos resíduos, da conscientização para racionalizar o consumo em termos preservacionistas e para coibir a degradação ambiental, entre outros.63

“Pode-se dizer que a educação ambiental é mais um meio para se obter a consciência ecológica e um novo paradigma ético do homem em relação ao meio ambiente”.64 Visa a construção de novos valores, pautados na preocupação com as presentes e futuras gerações.

Vanessa Hernandez Caporlingua65 entende que a Educação Ambiental é um aprendizado permanente que respeita a vida em todas as suas formas. Afirma valores e atitudes que incitam a preservação o meio ambiente e a mudança de pensamento das pessoas que integram a sociedade, para que essa se torne justa e ecologicamente equilibrada.

Pode-se dizer, então, que todos os princípios citados demonstram a necessidade de que a questão ambiental deve ser compreendida por e para todos, com a devida atenção, eticamente e atentando às normas de preceito constitucional.

1.3.3 O princípio do desenvolvimento sustentável

Sustentável é o desenvolvimento que racionaliza os recursos e bens ambientais utilizados nas atividades econômicas, que implanta projetos pró-ambiente a curto ou longo prazo e deste modo satisfaz os anseios sociais, garantindo o equilíbrio ambiental para as próximas gerações.

O princípio do desenvolvimento sustentável consiste “na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras”.66

Debruça-se Antônio Silveira dos Santos:

Desenvolvimento sustentável foi definido na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, como sendo aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. Nesse conceito, que é o mais aceito, há duas palavras-chaves: necessidade e limitações, as quais dão os parâmetros principais desta forma desenvolvimentista. Porém, seu conceito ainda gera muita controvérsia, mas de qualquer forma para consegui-lo é necessário conjugar esforços de toda a sociedade, sem a exclusão de qualquer de seus segmentos [...].67

Marina Bertarello anota que a análise criteriosa do desenvolvimento sustentável frente aos preceitos constitucionais “é indispensável para assegurar uma justiça ambiental equitativa e intergeracional acoplada a um desenvolvimento duradouro capaz de garantir o direito supremo à vida.”68

O desenvolvimento sustentável deve estar também intrinsecamente atrelado aos princípios constitucionais. Deste modo, será feita a justiça ambiental de forma igualitária, justa, com base num desenvolvimento que viabiliza o direito à qualidade de vida para as gerações presentes e futuras gerações.

O princípio 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento diz que “a fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada.”69

Noll e outros dizem que

Não se quer por meio desse princípio impedir o desenvolvimento econômico, mas buscar minimizar a degradação e racionalizar o uso dos bens ambientais, através dos meios adequados, respeitando os princípios da precaução, prevenção, usuário-pagador, poluidor-pagador e permitir a participação de uma sociedade consciente ambientalmente.70

Inexiste desenvolvimento ecologicamente consciente sem atenção aos princípios básicos do Direito Ambiental. O desenvolvimento sustentável faz parte de um todo, processo que abrange vários segmentos sociais, sendo inexecutável de forma isolada. Não quer impedir o crescimento econômico, pelo contrário. O que busca é nortear o mesmo para que se cresça minimizando os impactos ambientais, diminuindo a extração de bens ambientais naturais, a exemplo.

“Uma economia sustentável é o produto do desenvolvimento sustentável, ela conserva sua fonte de recursos naturais, mas consegue se desenvolver pela adaptação e pelo aprimoramento no conhecimento, na organização, na eficácia e, não menos importante, na sabedoria”.71 É impossível evitar todo e/ou qualquer impacto ambiental causado pelas atividades econômicas, mas estas podem ser zelosas ao tratar do meio ambiente.

Tose diz que “não há que falar, portanto, em opção entre desenvolvimento econômico ou preservação do meio ambiente ou qualidade de vida, mas sim, em harmonizar eticamente todos esses aspectos, que são complementares e visam um fim maior, que é a preservação da vida na terra”.72

Desenvolvimento econômico e preservação ambiental não são termos antagônicos, tanto que convergem no desenvolvimento sustentável, que traz melhorias significativas na qualidade de vida. Em consonância com os princípios de ordem ambiental e constitucional, o desenvolvimento sustentável atinge o maior de seus fins: a preservação de todas as espécies de vida no planeta.

Suzi Hulff Theodoro avisa que

Os desafios ligados simultaneamente à proteção dos recursos naturais e à manutenção da qualidade de vida das populações estão associados à implementação de um modelo de desenvolvimento, com condições mínimas, mas de sustentabilidade. Ou seja, faz-se necessário o reconhecimento de que uma série de valores e atitudes são sustentáveis, ao passo que outros são claramente insustentáveis – não necessariamente para que o indivíduo, em sua lógica própria, mas para a natureza e a sociedade, atual e futura. Vários estudiosos da questão ambiental defendem o estabelecimento de uma sociedade sustentável que incorpore o uso racional e criterioso dos recursos naturais, em sintonia com a melhoria da qualidade de vida. Essa posição, inevitavelmente, impõe a redefinição das relações homem-natureza, já que esse conceito pressupõe o reconhecimento de limites à intervenção econômica e a adoção de uma conduta mais equilibrada diante da natureza, uma vez que cada indivíduo (país ou sociedade), ao adotar seu estilo de vida, torna-se co-responsável pelos impactos que produz sobre o meio ambiente.73

Programas ambientais e outros com o fito de majorar a qualidade de vida humana esbarram, inevitavelmente, na sustentabilidade. Faz-se necessária a segregação de valores: dos embasados ou não na sustentabilidade. Ações que visam erguer uma sociedade sustentável devem trazer benefícios coletivos e não apenas individuais, só assim o meio ambiente poderá ser gozado em sua plenitude pelas presentes e futuras gerações.

José Afonso da Silva doutrina que

A qualidade do meio ambiente transforma-se, assim, num bem ou patrimônio, cuja preservação, recuperação ou revitalização se tornaram um imperativo do Poder Público, para assegurar uma boa qualidade de vida, que implica boas condições de trabalho, lazer, educação, saúde, segurança – enfim, boas condições de bem-estar do Homem e de seu desenvolvimento.74

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem que tem a obrigação de ser cuidado por todos, mas é destacado o dever do Poder Público de traçar ações estratégicas e implementar programas em prol da causa ambiental, despertando o interesse da sociedade civil e com o fim de acarretar educação e trabalho de qualidade, pautados na melhoria de vida.

Napolitano e outros consideram que “o desenvolvimento sustentável deve visar à manutenção da base da vida e à instrumentalização de políticas preservacionistas, tais como as previstas no caput do art. 170. da Constituição Federal, conjugada com os seus arts. 1º e 3º”.75

A materialização do supramencionado princípio se mostra na criação de medidas e/ou políticas ambientais sustentáveis a serem aplicadas no setor econômico, de produção. Exemplo disso são os créditos de carbono.

Noll e outros afirmam que

É justamente devido à aplicação desse princípio que se busca conscientizar as empresas para não fabricarem bens supérfluos e agressivos ao meio ambiente, estimulando o uso de tecnologias limpas no exercício da atividade econômica; outrossim, importante é convencer o consumidor acerca da necessidade de evitar o consumo de bens “inimigos” do meio ambiente.76

A mudança de consciência quanto ao consumo deve ser, primeiramente, uma determinação individual. Mostra-se nas pequenas ações, tais como no uso de sacolas retornáveis e na escolha por produtos reciclados. O Poder Público e os veículos de comunicação devem estimular tais práticas por meio de propagandas e ações ambientais.

Todo consumo verde é sustentável, mas nem todo consumo sustentável é verde. O consumo sustentável traz produtos e bens que respeitam o meio ambiente e as gerações futuras do planeta. Consiste também na redução das compras. O consumo verde, além disso, dá preferência a produtos ecologicamente corretos, que não agridem o meio ambiente. Nesse sentido, há o texto de Sylmara Lopes Francelino e Carla Moura Dias.77

Fernandes sintetiza que

Desenvolvimento sustentável não significa somente a conservação dos nossos recursos naturais, mas, sobretudo um planejamento territorial, das áreas urbanas e rurais, um gerenciamento dos recursos naturais, um controle e estímulo às práticas culturais, à saúde, alimentação e, sobretudo a qualidade de vida, com distribuição justa de renda per capita.78

Percebe-se que o princípio do desenvolvimento sustentável perpassa várias searas e abrange diversas questões que não só a ambiental, pois tem interesse pela cultura, pela saúde e pela vida digna.

Para Bruno Gasparini

É certo que existe uma interação intrínseca entre pobreza e riqueza como geradores de destruição ambiental, mas fundamentalmente, em virtude de causas diferentes. A pobreza degrada pela falta de informação, agravada por um modelo de desenvolvimento desigual e injusto, que culmina no uso inadequado e irracional dos recursos naturais. Já a riqueza, degrada pelo alto nível de consumo e pela quantidade de resíduos gerados, causados pelo desenvolvimento desordenado e ilimitado.79

Nota-se que o desenvolvimento sustentável não pode ser examinado e posto em execução isoladamente, mas deve envolver uma série de fatores (culturais, sociais, etc.) para que possa cumprir o seu papel de princípio fundamental defensor do meio ambiente.

Para Valéria Leite Aranha,

Desenvolvimento sustentável é, em essência, integrado. Integra a preocupação em proteger a base dos recursos naturais com a preocupação em reduzir a pobreza, de modo que as pessoas não sejam forçadas a, destruir o solo e as florestas para sobreviverem. Ele integra a necessidade do uso sustentável e eficiente de energia para conservar as fontes de energia, com a necessidade de cidades despoluídas e ecossistemas globais preservados. Ele integra o valor da saúde humana com a importância dos recursos humanos para as economias nacionais. 80

Quanto à temática dos resíduos sólidos, o direito ao meio ecologicamente equilibrado e o princípio do desenvolvimento sustentável devem estar ligados à ideia de que todos devem viver em um ambiente saudável, ter acesso à coleta seletiva de lixo, pontos de lixo e lixões extintos, não apenas remediados.

Não obstante existam programas ambientais voltados aos resíduos sólidos em Fortaleza,81 a eficiência destes é questionada, visto que freqüentemente são publicadas notícias em sítios eletrônicos denunciando a inexistência de coleta seletiva,82 a multiplicação dos pontos de lixo83 e a improvisação de lixões que garantem, inclusive, o “alimento” de muitas famílias.84

Pode-se dizer que o desenvolvimento e equilíbrio ambiental devem ser unos e buscados de forma sustentável, não de todo e qualquer modo, tampouco inerte. O progresso deve observar os ditames constitucionais, a dignidade das pessoas e as necessidades do meio ambiente, presentes e futuras. Tudo isso converge para o Estado de Direito Ambiental que, refletindo a crise ambiental, (re)adequou o papel do Poder Público, pautado em novos valores e direitos.

2 A PROBLEMÁTICA DO LIXO NO BRASIL

Nesse capítulo é abordada a questão do dano e da responsabilidade ambiental, ao passo em que se fala sobre o crescimento das cidades e os conseqüentes problemas de poluição ambiental. É feita uma diferenciação entre resíduos sólidos, resíduos sólidos urbanos e lixo e são explicadas as formas de tratamento e destinação final dos resíduos sólidos, tais como aterros sanitários, aterros controlados e lixões.

2.1 Dano ambiental e responsabilidade ambiental

Dano é sinônimo de estrago, prejuízo.85 O vocábulo tem origem romana e representa a abreviatura da expressão damnum inuria datum que significa lesar coisa alheia, seja ela animada ou não e/ou “dano produzido pela injúria” (violação do direito de outrem).

Deocleciano Torrieri Guimarães entende que o dano cível “é todo prejuízo ou perda de um bem juridicamente protegido. Pode ser real ou material, quando atingir um bem cujo valor possa ser apurado, ou moral, quando recair em bens de natureza moral”. Para o Direito Penal, o dano “é a destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia”.86

Solange Teles da Silva define a responsabilidade civil como “a obrigação imposta a uma pessoa, física ou jurídica, de ressarcir os danos, patrimoniais e/ou morais, que causou a alguém seja em razão de sua atividade ou de sua conduta”.87

A autora diz que são os objetivos da responsabilidade civil a “compensação das vítimas, a prevenção de acidentes, a minimização dos custos administrativos e a retribuição”, 88 observando que em matéria de responsabilidade civil ambiental a prevenção ocupa um papel tão destacado quanto o da reparação, pois se busca que o dano não ocorra, desencorajando a ação dos poluidores.

Pode-se dizer que o dano consiste na lesão ou perda de bem ou de condição pessoal alheia, e que pode ser reposto ou compensado de acordo com sua natureza (moral ou material). Freitas diz que “da figura do dano não foram feitos estudos mais alentados, porque tanto no passado como atualmente há maior preocupação com os seus resultados. Discute-se sempre o que ele representa e como deve ser reparado, e não ele – dano – em si”.89 É o que importa: a identificação do dano, o que representa para a pessoa que sofreu perda de uma coisa ou condição e como isso pode ser reparado, reposto.

Silvio Rodrigues pondera que a responsabilidade por dano poderá ser subjetiva ou objetiva. Diz que não se trata de espécies diversas de responsabilidade, mas de maneiras diferentes de encarar o dever de reparar o dano.90

A responsabilidade subjetiva é a que analisa se houve ou não culpa do agente causador do dano em sua ação ou omissão, e a responsabilidade objetiva se caracteriza independente da culpa, bastando apenas para caracterizar o dano a ação ou omissão, o nexo causal e o prejuízo.

Diz-se que o dano ambiental é o que afronta o meio ambiente, como macrobem, visto que este pertence a todos, é juridicamente protegido e que o prejuízo causado pode ser material ou moral. Poderá trazer ao infrator desde uma mera sanção administrativa à responsabilização civil ou penal.

Silvana Colombo anota que

O dano ao meio ambiente apresenta certas especificidades em relação aos danos não ecológicos. Primeiro, porque as conseqüências decorrentes da lesão ambiental são, via de regra, irreversíveis, podendo ter seus efeitos expandidos para além da delimitação territorial de um Estado. Segundo, porque a limitação de sua extensão e a quantificação do quantum reparatório é uma tarefa complexa e difícil, justamente em função do caráter difuso, transfronteiriço e irreversível dos danos ambientais.91

Em suma, “o dano ambiental é a lesão a recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.92 A PNMA define o poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental”.

Ressalte-se que o Princípio 22 da Declaração sobre o Ambiente Humano, destacado da Assembléia Geral das Nações Unidas de Estocolmo, de junho de 1972, foi o único princípio a mencionar que as vítimas da poluição e de outros danos ambientais devem ser indenizadas.

Para Maria Helena Diniz, “a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.”93

Vladimir Passos de Freitas94 leciona que a primeira lei a mencionar a responsabilidade civil por danos ambientais no país foi a de nº 6.453/77, que em seu art. 4º abordou a responsabilidade por dano nuclear. Em seguida foi criada a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição de Óleo, datada de 1969 e promulgada pelo Decreto nº 79.347/77.

A PNMA tratou da responsabilidade em seu art. 14.95 Grife-se do parágrafo primeiro deste artigo que “é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Tal regra consagra a responsabilidade objetiva, regra a ser observada ao se tratar a responsabilidade por dano ambiental.

Marcelo Silva Britto pontua que

A lei impõe, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa. É a teoria dita objetiva ou do risco, que prescinde de comprovação da culpa para a ocorrência do dano indenizável. Basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente.96 (destaque do autor).

A Constituição Federal de 1988 recepcionou a PNMA, empregando como regra a utilização da responsabilidade objetiva por danos ambientais. No parágrafo terceiro do art. 225. da Magna Carta há a atribuição ao poluidor, pessoa física ou jurídica, a responsabilidade cível, penal e administrativa pelo dano causado.

Annelise Monteiro Steigleder sintetiza e diz o seguinte:

A responsabilidade civil pelo dano ambiental, instituída pelo artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81, encontra seu fundamento axiológico na própria Constituição Federal, a qual incide diretamente sobre as relações privadas, e passa a ter uma função específica: servir a relação do dano ambiental autônomo, protegendo-se a qualidade dos ecossistemas, independentemente de qualquer utilidade humana direta e de regimes de apropriações públicos e privados. Esta percepção é extraída dos fatos de os parágrafos segundo e terceiro do artigo 225 tratarem de responsabilidade pelo dano ambiental logo após o reconhecimento da importância do direito em causa. Cuida-se, então, de perceber que a responsabilidade civil pelo dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e preparatória, normalmente atribuídas ao instituto. (destacado).97

A responsabilidade objetiva é escolhida pelo legislador em razão da dificuldade que se teria em provar a culpa, caso adotada a responsabilidade subjetiva. A respeito, debruça-se José Rubens Morato Leite: “O requisito da culpa restringe a medida jurisdicional reparatória ambiental, posto que grande parte das condutas ao meio ambiente são lícitas, isto é, contam, por exemplo, com autorização ou licença administrativa e exclui a responsabilidade do agente.”98 Em regra, na responsabilidade objetiva é necessário se comprovar o nexo de causalidade, embora a culpa seja dispensada.

Em razão do dano em abstrato em virtude das incertezas científicas a que estão submetidas as questões ambientais, admite-se a exclusão de culpabilidade, sendo desnecessária a comprovação da culpa e do nexo causal, adotada a teoria do risco integral. Sérgio Cavalieri Filho explica que essa teoria é uma modalidade extrema da teoria do risco e justifica o dever de indenizar apenas em face do dano.

O que a reparação do dano ambiental busca nada mais é do que repor o bem ambiental afetado, o que é na maioria das vezes difícil e, noutras, impossível. Não há fórmula perfeita para quantificar e/ ou qualificar um dano ambiental. Devem ser analisados em cada caso concreto os impactos suportados pelo homem e pela natureza em razão da ocorrência do dano ambiental. Por vezes, basta a reparação, em outras a indenização, e noutras, as duas são necessárias.

No tocante à responsabilização cível do Estado em matéria ambiental, o Brasil segue como regra a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos oriundos de atos ou omissões causadas pela administração ou seus agentes, que em serviço, prejudicarem terceiros. É o contido no § 6º do art. 37. da Constituição Federal.

Art. 37, CF: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Quanto ao dano moral ambiental, este se configura como um dano pessoal, exatamente o contrário do dano econômico e não do físico, como alguns assimilam. Não se remete apenas a sentimentos humanos, mas também a perdas pessoais extrapatrimoniais, razão pela qual o dano ambiental também se configura como dano moral, pois lesa por bem indivisível e impassível de apropriação.

2.2 O crescimento das cidades e os conseqüentes problemas de poluição ambiental

Um dos tipos de dano ambiental é a poluição. A poluição causada pelos resíduos sólidos é grave e um dos principais problemas das grandes cidades.

O crescimento alarmante dos impactos ambientais oriundos principalmente do aumento populacional e das aglomerações urbanas tem como resultado a degradação dos espaços naturais e a diminuição de espaços livres à disposição final dos resíduos sólidos. A alteração nos padrões de consumo não foi acompanhada por uma modificação nas práticas tradicionais de manejo do lixo, o que fez com que o mesmo se tornasse um problema econômico, ambiental e social.

Destaca-se como exemplo do problema que se tornou o mau gerenciamento do lixo no país o ocorrido em abril de 2010 na cidade de Niterói no Rio de Janeiro: desabamentos mataram por volta de 27 sete pessoas no Morro do Bumba.99 Moradias construídas em terreno próximo a um aterro “controlado” ruíram, descobrindo a negligência e a indiferença com que as questões sociais basais (saneamento básico, moradia, saúde) eram tratadas no quarto município brasileiro em qualidade de vida (senso do IBGE de 2000).

Pedro Penteado de Castro Neto e Paulo César Vaz Guimarães ditam:

[...] nota-se ainda no país, assim como em grande parte da América Latina, um crescimento nas quantidades de lixo produzidas, devido, em primeiro lugar, à crescente concentração da população nos centros urbanos, além do próprio crescimento vegetativo e, em segundo lugar, às mudanças de seus hábitos, incluindo o maior acesso aos bens de consumo, associadas a um relativo aumento da renda disponível [...].100

“Vivemos um constante paradoxo: o homem, para satisfazer seus desejos ilimitados, utiliza-se dos bens da natureza que, por sua vez, são limitados e esgotáveis. A conseqüência disso é a terrível deterioração das condições ambientais”.101 O consumismo é apavorante. Faz-se necessário o reexame de hábitos e normas, como a preferência por produtos reciclados.

A poluição vem definida pelo art. 3º, III da PNMA como sendo

A degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) causem prejuízo às condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A poluição ambiental é vista como tudo o que acontece no meio ambiente e que lhe causa desequilíbrio, ou, melhor, que altera suas características originais. Desse modo, tais desarranjos podem ser atmosféricos, hídricos, sonoros, visuais e no solo.

Para Edis Milaré,

A poluição do ar resulta da alteração das características físicas, químicas ou biológicas normais da atmosfera, de forma a causar danos ao ser humano, à fauna, à flora, e aos materiais. Chega a restringir o pleno uso e gozo da propriedade, além de afetar negativamente o bem-estar da população.102

As fontes poluidoras do ar podem ser fixas (como os estabelecimentos comerciais) ou móveis (a exemplo dos meios de transporte motorizados). As conseqüências mais gravosas que a poluição atmosférica pode ensejar são o “efeito estufa”, a chuva ácida e a diminuição na camada de ozônio.

Segundo dispõe o §1º do art. 13. do Decreto n. 73.030/73, poluição da água é “qualquer alteração de suas propriedades físicas, químicas ou biológicas que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das populações, causar dano à flora e à fauna ou comprometer o seu uso para fins sociais e econômicos”.

Tal tipo de poluição abrange tanto as águas superficiais como as subterrâneas. Sabe-se que uma das maiores causas dessa poluição é o despejo do lixo doméstico e de estabelecimentos comerciais em lagos, rios e cursos d’água. A destinação de materiais tóxicos na água é outro agravante, pois resulta em dano ambiental, agredindo a qualidade da saúde, atingindo os organismos vivos e prejudicando a cadeia alimentar.

Dá-se a poluição do solo pela destruição da cobertura vegetal e desertificação, ausência de práticas de conservação da água no subsolo e solo, pela utilização de técnicas inadequadas para o seu cultivo, e, destaque-se, por causa do lixo mal gerenciado. Geralmente este último ocorre em grande quantidade, a céu aberto ou em depósitos irregulares, o que traz a infiltração do chorume na terra e nos lençóis freáticos.

O controle da qualidade do solo abrange a preservação florestal, a qualidade da produção agrícola ou pastoril e o devido planejamento urbano, que projeta, estrutura e adéqua o ambiente urbano.

No entendimento de Américo Luís Martins da Silva, “poluição sonora pode ser definida como o excesso de som produzido artificialmente que causa danos ao meio ambiente (tanto em relação à fauna, como à flora) ou à saúde dos próprios seres humanos”.103

A tranqüilidade é amparada pela Constituição Federal de 1988, que diz em seu artigo 225, como já pontuado, ser de todos o direito ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Por agredir um direito difuso, a poluição sonora, como todas as demais, deve ser combatida não apenas pelo Poder Público, mas especialmente pela sociedade, seja individual ou coletivamente.

Ocorre a poluição visual quando há a deterioração do ambiente natural, artificial, do trabalho e cultural de modo a ensejar incômodo à visão das pessoas. Esse tipo de degradação ambiental pode ser causado, por exemplo, pelo excesso de elementos de comunicação visual dos centros comerciais, como cartazes e propagandas, de pichações e de lixo exposto. Além de causar desconforto visual, acarreta a desvalorização da estética do município.

Paulo Affonso Leme Machado alerta que:

[...] o volume dos resíduos sólidos está crescendo com o incremento do consumo e com a maior venda dos produtos. Destarte, a toxidade dos resíduos sólidos está aumentando com o maior uso de produtos químicos, pesticidas e com o advento da energia atômica. Seus problemas estão sendo ampliados pelo crescimento da concentração das populações urbanas e pela diminuição ou encarecimento das áreas destinadas a aterros sanitários. 104

Em razão do acima exposto, não raro são encontrados muitos pontos de lixo espalhados pela cidade de Fortaleza. No Centro e na Avenida Beira-Mar foram encontrados 1.800 pontos usados como depósito,105 onde além da poluição visual, observam-se sérios problemas de ordem social, econômica e de saúde.

O conceito e a divisão do termo “poluição”, assim como o de “meio ambiente” é essencial para que o dano ao meio ambiente possa ser devidamente conhecido e quantificável para futura responsabilidade ou indenização.

2.3 Diferenciação entre resíduos sólidos, resíduos sólidos urbanos e lixo

Definida e ramificada a poluição, é salutar a diferenciar os termos resíduos sólidos, resíduos sólidos urbanos e lixo. Conforme o art. 1°, inciso I, da Resolução n° 5/93 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), resíduo sólido é definido como

Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d'água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis, em face à melhor tecnologia disponível.106

Em definição similar, o Projeto de Lei que institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), conceitua resíduos sólidos como

Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isto solução técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.107

Pode-se dizer, com sucintas palavras, que resíduo sólido é material sólido, semissólido ou gasoso em recipiente que resta das ações humanas, descartadas, “inúteis” ou “indesejáveis”, mas formada em sua grande parte por material reciclável. Vem das indústrias, das casas, dos hospitais, dos comércios e das varrições.

Segundo o art. 2° da Resolução n° 308 do CONAMA são resíduos sólidos urbanos “os provenientes de residências ou qualquer outra atividade que gere resíduos com características domiciliares, bem como os resíduos de limpeza pública urbana”.108

Os resíduos sólidos urbanos são classificados no art. 13, I, alínea “c”, do Projeto de Lei da PNRS109, como os englobados nas alíneas “a” e “b” do mesmo artigo, quais sejam os resíduos domiciliares e os resíduos provenientes da limpeza urbana.

Compõem os resíduos sólidos urbanos os restos de comida (lixo orgânico), as embalagens de alimentos e outros produtos comercializados, equipamentos eletrônicos rejeitados (aparelhos quebrados ou ultrapassados), que marcam o lixo residencial ou com características domiciliares, a areia, os galhos e folhas, papéis, etc., resíduos de varrição.

São exemplos de poluição pelos resíduos sólidos urbanos os focos de lixo doméstico ou os provenientes de pequenos comércios em calçadas, ruas e locais inadequados; o entulho causado por galhos de árvores podadas não recolhidos e restos de construção.

Lixo é conceituado como “o que se varre com a vassoura; monturo, ciscos, sobras”.110 É empregado como sinônimo do que ninguém quer, que é velho, gasto, sujo, inútil, sem valor, mas se configura, muitas vezes, como fonte de renda e alimentação para inúmeras famílias. É urgente que tal definição seja reformulada, “reciclada”.

É traçado o seguinte panorama histórico do lixo:

Desde os tempos mais remotos até meados do século XVIII, quando surgiram as primeiras indústrias na Europa, o lixo era produzido em pequena quantidade e constituído essencialmente de sobra de alimentos. A partir da Revolução Industrial, as fábricas começaram a produzir objetos de consumo em larga escala e a introduzir novas embalagens no mercado, aumentando consideravelmente o volume e a diversidade de resíduos gerados nas áreas urbanas. O homem passou a viver então a era dos descartáveis em que a maior parte dos produtos — desde guardanapos de papel e latas de refrigerante, até computadores — são inutilizados e jogados fora com enorme rapidez.

A o mesmo tempo, o crescimento acelerado das metrópoles fez com que as áreas disponíveis para colocar o lixo se tornassem escassas. A sujeira acumulada no ambiente aumentou a poluição do solo, das águas e piorou as condições de saúde das populações em todo o mundo, especialmente nas regiões menos desenvolvidas. Até hoje, no Brasil, a maior parte dos resíduos recolhidos nos centros urbanos é simplesmente jogada sem qualquer cuidado em depósitos existentes nas periferias das cidades.111

A “explosão” do lixo não aconteceu gradativamente, mas em largas proporções a partir do surgimento das indústrias, que trouxe consigo o consumo em larga escala e uma série de produtos de todo tipo e qualidade de material, boa parte plásticos e descartáveis, rejeitados e acumuláveis facilmente. Acresça-se ao volume de produtos pós-consumo o crescimento das urbes e com elas poucas áreas disponíveis para a disposição final dos resíduos sólidos. A sujeira causou poluição e descobriu a realidade do país: a maioria dos municípios brasileiros é ineficiente na gestão do lixo que produz.

2.4 Formas de tratamento e destinação final dos resíduos sólidos

Embora haja diferenças entre os termos resíduos sólidos, resíduos sólidos urbanos e lixo, estes são empregados como sinônimos, sendo resíduos sólidos a nomenclatura utilizada ao tratar das políticas públicas ou normas associadas a esta questão. A seguir, passa-se a definir as formas de tratamento e destinação final dos mesmos, quais sejam: aterros sanitários (propriamente dito, controlado ou consorciado), lixões, compostagem, incineração, coleta seletiva e reciclagem.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas, em sua norma de n. 10.004, conceitua aterros sanitários:

Aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos, consiste na técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza os princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho ou à intervalos menores se for necessário.112

É um lugar reservado, uma espécie de depósito, onde são destinados os resíduos sólidos urbanos e outros tipos de resíduos sólidos. Geralmente é instalado em área distante das cidades em razão do mau cheiro e do risco ao equilíbrio e à saúde do meio ambiente e das pessoas. Tem procedimentos diferenciados para o controle da quantidade e do tipo de resíduos recebidos. Sua concepção, instalação e funcionamento dependem de licenças a serem expedidas pelo órgão competente. É indispensável que a existência dos aterros sanitários seja atrelada à triagem de lixo, coleta seletiva e reciclagem, que além de refletir consciência e educação ambiental, aumentam a vida útil dos aterros sanitários.

A usina de triagem de lixo no Jangurussu, na cidade de Fortaleza, foi fechada em 2004.113 O antigo aterro foi projetado para uma vida útil de 10 anos, mas funcionou por 20, de 1978 a 1998, ano em que o Aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia (ASMOC) começou a receber o lixo de Fortaleza.114

O art. 1º, I da Resolução n. 237/97 do CONAMA conceitua licença ambiental como o

Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva e potencialmente poluidoras ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as norma aplicáveis ao caso.115

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos da PNMA por meio do qual os órgãos do meio ambiente devem analisar se é ecologicamente viável a realização de atividades que utilizem recursos ambientais, com o intuito de conservar o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável.

No Estado do Ceará, as licenças são expedidas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), autarquia estadual responsável, dentre outras atribuições, pela execução da Política Estadual de Controle Ambiental do Estado cearense.

Conforme a Lei Estadual n. 11.411/1987116 e a Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA) n. 8/2004,117 o licenciamento ambiental no Ceará é composto de três tipos de licença: licença prévia, de instalação e de operação.

A licença prévia é a que vem a ser concedida preliminarmente, aprovando a concepção da obra, atividade ou empreendimento e atestando que a(o) mesma(o) é ecologicamente viável, ao passo em que norteia as fases seguintes. A licença de instalação, como o próprio nome indica, autoriza a implementação do negócio e, por fim, a licença de operação libera a funcionamento do objeto licenciado.

Com a promulgação da Lei Federal n. 11.107. de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências, o problema da destinação final dos resíduos sólidos tem outra solução: a implementação de aterros sanitários em consórcio.

Profícuo para cidades grandes, que possuem pouco espaço disponível para implantar um aterro, bom para cidades menores, que oferecem áreas livres, mas pouco recurso orçamentário. Com o rateio dos custos, impactos ambientais e econômicos reduzidos e otimização de máquinas no manejo do lixo, dentre outras vantagens, o aterro consorciado é a melhor forma, hoje, de dispor os resíduos sólidos. Está, inclusive, previsto na Lei Estadual n. 13.103/2001, que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos no Ceará, mais especificamente em seu art. 9º.118

O aterro sanitário controlado é um meio termo entre o aterro sanitário (propriamente dito) e o lixão. Apesar de admitido em lei, seu funcionamento traz danos ambientais, principalmente ao solo e subsolo, pois o lixo é apenas coberto por uma camada de terra, não possuindo nada que impermeabilize o contato deste com o solo. Sua finalidade não é prevenir a poluição, mas apenas diminuir os impactos ambientais decorrentes da indevida destinação final dos resíduos sólidos.

Raimundo Costa,119 especialista em aterros sanitários da SEMACE, afirma que as licenças ambientais são concedidas apenas para aterros sanitários propriamente ditos, visto a preocupação do Governo do Estado com a preservação ambiental.

Edna Cardozo Dias diz que os depósitos a céu aberto (popularmente conhecidos por “lixões”) são “as descargas livres praticadas por particulares ou pelas prefeituras municipais que representam perigo de poluição dos cursos d’água vizinhos, proliferação de parasitas (insetos e roedores), mau cheiro, etc.”.120

A contaminação da área onde o lixo é depositado a céu aberto ocorre porque o despejo a céu aberto não observa onde e em que condições os resíduos sólidos são depositados, muitas vezes em locais próximos a rios ou em áreas de preservação ambiental.

Maeli Estrela Borges pontua que a destinação final do lixo realizada através dos despejos de lixo a céu aberto traz todos os inconvenientes de ordem sanitária, social, ambiental e de saúde pública. Diz que “a reversão desse quadro constitui verdadeiros desafios para as administrações que se acham empenhadas em dar soluções técnicas e sanitárias adequadas, porém condizentes com sua realidade financeira e seus recursos humanos disponíveis”.121

A compostagem é um processo natural, biológico, no qual microorganismos processam a matéria orgânica, geralmente composta por estrume folhas, papéis, comida, transformando-a num produto similar ao solo, utilizado como adubo na agricultura, pois é rico para a terra e ainda reduz o lixo, evitando as queimadas e outros modos de disposições finais.

Edna Cardozo adverte, porém, que “é preciso que se destruam os agentes patogênicos e os parasitas para que os adubos não contaminem os alimentos”.122

A incineração consiste na tecnologia que reduz o peso, o volume e as demais características dos resíduos sólidos, geralmente os urbanos, industriais e perigosos, por meio da combustão dos mesmos. Sua utilização vem sendo reduzida mundialmente em virtude da poluição atmosférica gerada pela toxidade do gás liberado pelo processo de queima do lixo, que, além de danificar o ar, pode causar doenças irreversíveis aos homens e animais.

A incineração já foi levantada como uma das melhores formas de destinação final do lixo, medida esta duramente criticada pelo Greenpeace 123, que com o lema “Incineração não é a solução”, luta por um meio ambiente ecologicamente equilibrado sem a utilização dessa técnica. Geralmente esse método é empregado para a destruição de resíduos provenientes de hospitais e de casas de saúde. A organização luta para que a gestão dos resíduos seja limpa e sustentável.

Margareth Oliveira Pavan escreve que a coleta seletiva “consiste na separação de papéis, plásticos, metais e vidros na fonte geradora, é uma forma para segregação dos materiais recicláveis.”124

Maricy de Andrade Queiroz adverte que

Hoje em dia, placas de “jogue o lixo no lixo!”, ou “jogue fora seu lixo” não condizem com a realidade, pois lixo não deve ser visto como algo inútil. “Recicle seu lixo” seria uma frase mais adequada. A reciclagem consiste de uma série de processos industriais que permitem separar, recuperar e transformar os componentes dos resíduos sólidos do lixo urbano. Nesse ciclo, após determinado uso, o lixo torna-se matéria-prima para um novo produto ou um novo uso.125

A prévia segregação dos materiais potencialmente recicláveis é a primeira fase do processo de reciclagem, acarretando além da não-contaminação desses materiais, a economia dos recursos naturais e a redução da poluição ambiental. É uma das possibilidades de se mudar o quadro atual do lixo, mas não a única solução. Ressalte-se o ensinamento dos 3R’s: antes de ser descartada, deve-se observar se não é caso de reduzir, reutilizar ou reciclar a coisa.

A reciclagem se desenvolveu em meados da década de 1970 e até hoje se sustenta no trabalho de catadores de lixo, que encontram na catação melhores condições de vida ou apenas um trabalho com o intuito primordial de prover (ou ao menos contribuir para) o sustento familiar.

Alguns catadores enxergam a reciclagem apenas como uma forma de renda, não percebendo que o trabalho que realizam promove alta relevância ambiental, social e econômica, visto estar diretamente conexo ao princípio constitucional do desenvolvimento sustentável.

Para Lídia Valesca Pimentel, “o ‘catador’ está na ponta da cadeia produtiva que movimenta o setor de reciclagem, gera riqueza e reduz o impacto ambiental. É nesse sentido que os catadores de materiais recicláveis podem ser considerados agentes ecológicos”.126

Pode-se dizer, então, que a coleta seletiva e a reciclagem, além de gerar renda, contribuem substancialmente para a proteção do meio ambiente, posto que reduzem a quantidade de materiais dispostos indevidamente e, por incentivar o reaproveitamento das mesmas, diminuem a retirada de recursos naturais renováveis e não renováveis da natureza.

Ana Paula Kuntz salienta que

O lixo não tem mais, portanto, caráter de material imprestável. Tanto é que a atividade dos catadores é cada vez mais próspera, e os projetos de lei em discussão abrangem melhorias nas condições de trabalho da categoria. A coleta de materiais para a reciclagem emprega cerca de 500 mil famílias em todo o País.127

O lixo especial deve se ater a uma destinação final diferenciada para evitar proliferação de doenças. A exemplo, o lixo hospitalar deve ser incinerado e, ainda que pilhas e baterias não sejam recicláveis, devem possuir destinação final distinta do lixo comum, pois podem contaminar o solo e as águas.

3 A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DO LIXO NO BRASIL

Nesse capítulo é apresentada a competência constitucional ambiental quanto à gestão e o gerenciamento do lixo. Fala-se sobre como os municípios brasileiros lidam com a administração dos resíduos sólidos. Discutem-se as Políticas Públicas sobre o tema e são apontadas as mudanças na gestão e no gerenciamento dos resíduos sólidos no país com experiências e sugestões.

3.1 Competências constitucionais ambientais quanto à gestão e ao gerenciamento do lixo

Exemplificadas formas de tratamento e destinação final dos resíduos, é mister estabelecer a competência quanto à gestão e ao gerenciamento do lixo, tarefa que coube à Constituição Federal de 1988. Antes, grife-se que “competência é a medida de poder que a Constituição ou lei atribui ao agente público para tomar decisões”.128

A competência administrativa ou executiva é a atribuída ao Poder Executivo para que possa agir com base no Poder de Polícia (definido no art. 78. do Código Tributário Nacional), enquanto a competência legislativa compete ao Poder Legislativo e é a possibilidade que este tem de editar normas que interessem à coletividade.

A competência é exclusiva quando só um Poder, Órgão ou Entidade pode atuar sobre a matéria. É concorrente quando incumbe a todos os entes federativos, com primazia da União sobre os demais. Comum se abrange todos eles, igualitariamente.

Alexandre de Moraes ensina que “o princípio que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse ”. Para o autor “à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos de interesse local”.129 (destaque do autor)

No que atine aos resíduos sólidos, o art. 21. da Constituição Federal reza que é competência administrativa exclusiva da União, ou seja, é dever imputado somente a ela, planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações (XVIII) e instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (XX).

O art. 24. da Constituição Federal de 1988 marca a competência legislativa concorrente da União, dos Estados e Municípios para estabelecer sobre direito urbanístico (I); florestas, caças, pescas, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (VI); proteção ao patrimônio turístico e paisagístico (VIII); proteção e defesa da saúde (XII), entre outros temas.

É competência comum dos entes federativos, prevista no art. 23. da Constituição Federal, a proteção dos monumentos, das paisagens naturais notáveis e dos sítios arqueológicos (III); do meio ambiente, no combate à poluição em qualquer de suas formas (VI); na preservação das florestas, da flora e da fauna, etc.

A competência administrativa dos Estados é remanescente, o que significa dizer que o que não couber à União ou aos Municípios é de obrigação dos Estados.130 Sobre a matéria, doutrina Canotilho que

A Constituição não dispõe de forma específica sobre a competência executiva dos Estados. Todavia, dispondo explicitamente sobre a competência da União e dos Municípios, deixa aos Estados a matéria remanescente. Assim, toda matéria que não for de competência federal ou municipal será, de forma residual, competência estadual. O mesmo ocorre em relação ao Distrito Federal, o qual exerce simultaneamente poderes de Estado e de Município. [...] Além da competência residual, a Constituição também estabeleceu expressamente que os Estados detêm poderes exclusivos de natureza executiva para explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.131

Exemplo prático de competência administrativa exclusiva dos Estados é a gestão integrada dos resíduos sólidos por dois ou mais municípios limítrofes, que pode ser entendida como função pública de interesse comum, conforme o art. 25, §3º da Constituição Federal de 1988.

“No gerenciamento dos resíduos sólidos, a capacidade do nível estadual acaba residindo nas competências concorrentes e comuns, onde pode editar normas específicas sobre a proteção ambiental e o saneamento”.132

A estrutura constitucional brasileira assegura aos Municípios a autonomia para organizar e prestar, diretamente ou por meio de concessão, os serviços públicos de interesse local (art. 30, V), incluindo as tarefas de limpeza pública, coleta, transporte e disposição dos resíduos sólidos.

Kuntz explica que

A coleta, o transporte e a disposição final dos resíduos domiciliares são, por força de lei, de responsabilidade das prefeituras, diferente do que ocorre com os resíduos industriais e hospitalares, que são de responsabilidade dos próprios geradores. Mas, independente da origem, a gestão de resíduos custa caro se feita de forma correta.133

Maeli Estrela Borges salienta o seguinte:

A limpeza urbana é um serviço público essencial, formado por vários sistemas operacionais, de competência local do município, e que constitui um dos grandes e complexos problemas de saneamento básico das pequenas, médias e, principalmente, grandes cidades do país. [...] dos serviços prestados pelo Poder Público à comunidade, é a limpeza urbana que tem um contato diário e permanente com toda a população, e grande parte da satisfação com a administração pública ou críticas à mesma nela se concentram, pois limpeza urbana é questão técnica, mas também política. Qualquer deficiência na prestação do serviço gera, imediatamente, críticas à administração municipal, do mesmo modo que um serviço de qualidade, bem executado, forma uma imagem bastante positiva da cidade e de seus dirigentes e administradores públicos.134

Com esteio no texto supracitado, acrescente-se a constatação de que a maioria das administrações públicas municipais é deficiente na gestão do lixo urbano135 e poucas dispõem de uma política municipal ambiental que traga uma responsável disposição final dos resíduos sólidos, conferindo a devida proteção ao meio ambiente, às vezes por dificuldades financeiras e/ou por falta de áreas livres, mas, na maior parte ocorre por falta de vontade política.

Os Municípios também gozam da competência legislativa remanescente, logo, se tiverem necessidade de legislar sobre matéria não prevista nas legislações estaduais e/ ou federais, poderão fazê-lo, com respaldo no que está positivado no art. 30, II da Constituição Federal de 1988.

Pedro Penteado de Castro Neto e Paulo César Vaz Guimarães criticam a conseqüência da divisão de competências constitucionais ambientais prevista no ordenamento pátrio, qual seja o descaso de todos os entes, dizendo:

[...] as relações intergovernamentais no contexto federativo brasileiro, no que toca à gestão dos resíduos sólidos, não propiciam júbilo algum. A tônica é a disputa permanente pela posse ou não de competências (afinal, existem temas que não atraem qualquer dos níveis de governo), com forte tendência aleatória. Apenas quando a situação torna-se extremamente calamitosa surgem estímulos para a negociação e o compromisso. [...] O que se verifica na atualidade é exatamente a falta das diretrizes e políticas nacionais predispostas a cuidar dos aspectos de maior impacto imediato junto à população. Este é o caso da coleta, e não os da disposição e tratamento.136

Acresça-se que a disputa pela posse de competências nada agrega à coletividade, pois o que se observa é que um ente empurra para o outro a “obrigação” de cuidar dos resíduos sólidos, só somando esforços, em casos calamitosos ou de desastres.

3.2 A gestão e o gerenciamento do lixo nos municípios brasileiros

Com esteio nas competências enumeradas acima e analisando a situação atual do país e do Estado do Ceará, pode-se constatar que ainda são poucos os municípios que investem em políticas ambientais e que utilizam o aterro sanitário (ou outra tecnologia viável, que não use o solo como último destino do lixo) como modo de disposição final dos resíduos sólidos.

Com base no documento publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE),137 dados de 2007 sobre a situação dos resíduos sólidos no Brasil mostram que a situação do manejo de resíduos sólidos no país é preocupante, principalmente no que diz respeito à disposição final, uma vez que apenas 39% (trinta e nove por cento) dos municípios dão destino e tratamento adequados aos resíduos sólidos urbanos, por meio dos aterros sanitários.

Os municípios brasileiros não priorizam a questão ambiental e, apesar da difusão do desenvolvimento sustentável, este não é acatado. O que se constata é a alarmante deterioração do meio ambiente. Além disso, os entes municipais são indiferentes no que atine às necessidades básicas de seus cidadãos, como a educação, a saúde e o cuidado com o lixo urbano. Não raro aterros sanitários viram lixões por falta de manutenção.

Nesse tempo, são publicadas manchetes que ressalvam dados alarmantes sobre a corrupção nos municípios brasileiros: estima-se que 95% das cidades investigadas pela Controladoria Geral da União em novembro de 2009 desviavam dinheiro público, de remédios a licitações fraudadas.138

Os gestores municipais se defendem afirmando que enfrentam vários impedimentos para a concretização das disposições normativas de proteção ambiental, a exemplo da demora para a obtenção de licenças para o início e conclusão das obras dos aterros, bem como do alto custo do devido tratamento do lixo. A descontinuidade administrativa é também um óbice à qualidade da limpeza pública.139

Maeli Estrela Borges acrescenta que

A limpeza urbana, como ainda hoje ocorre, é executada com muito empirismo e improvisações ao invés de ações planejadas. A falta de uma estrutura organizacional adequada, de recursos humanos capacitados, aliados às dificuldades de gerenciamento, induzem os administradores a eleger a coleta e o transporte do lixo como a preocupação principal, ignorando que o problema do lixo deve ser tratado como um sistema único, no qual as partes constituintes, inclusive o destino final do lixo, tem igual importância.140

O Estado do Ceará é apenas o espelho da situação atual do país. A maioria dos municípios cearenses dá destinação inadequada aos resíduos sólidos, comprometendo a saúde da população e do meio ambiente. De acordo com dados da SEMACE,141 no Estado do Ceará somente quatro municípios possuem aterros sanitários, quais sejam Aquiraz (recebe Eusébio), Caucaia (recebe Fortaleza), Maracanaú (recebe Maranguape e Pacatuba) e Sobral.

3.3 Das Políticas Públicas sobre resíduos sólidos

A busca de resultados para a problemática do lixo urbano encontra uma série de entraves, dentre elas é destacada a ausência de uma Política Nacional que trate dos resíduos sólidos.

O Projeto de Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos tramita no Congresso Nacional desde 1991, sendo composto de 58 (cinqüenta e oito) artigos, divididos em seis capítulos mais disposições finais e transitórias. O referido projeto tem o objetivo de traçar ações estratégicas que viabilizem processos capazes de agregar valor aos resíduos, aumentando a capacidade competitiva do setor produtivo, propiciando a inclusão e o controle social, norteando Estados e Municípios para a adequada gestão de resíduos sólidos.

Sônia Maria Dias ressalta que

Sob o ponto de vista dos investimentos financeiros do Governo Federal no setor, estes sempre foram inexpressivos, não obstante o grave cenário de degradação ambiental. A partir de 1998 programas do Governo Federal passaram a condicionar recursos aos municípios para tratar a questão do lixo, sobretudo à erradicação dos lixões.142

Veloso diz que poucos municípios brasileiros apresentam avanços em suas leis ambientais, e em regra, onde a coleta seletiva é mencionada são repetidas as palavras e normas referentes à gestão de recicláveis postas na Carta Magna de 1988, sem regulamentação que lhe assegure eficácia.143

Na falta de uma PNRS, alguns estados brasileiros se adiantaram e editaram suas Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos, como é o caso do Estado do Ceará. A Lei Estadual nº 13.103 de 24 de janeiro de 2001144 instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos (PERS) e tem como diretrizes o incentivo a não geração, minimização, reutilização e reciclagem de resíduos, ao desenvolvimento de programas de gerenciamento integrado de resíduos sólidos, às parcerias com organizações que permitam aperfeiçoar a gestão dos resíduos sólidos, etc. (art. 6º).

Dentre outras questões, a PERS proíbe o lançamento e a queima do resíduo sólido in natura a céu aberto, em cursos d’água, lagos, praias, mar e em áreas sujeitas à inundação (art. 12), o que não ocorre na prática no Estado cearense. Exemplo é o acúmulo de lixo na Praia do Futuro, que classificou Fortaleza como uma das capitais mais sujas em reportagem feita pelo programa de Rede Globo Fantástico.145

Não há maior interesse pelo tema dos resíduos sólidos em razão da escolha de serviços “prioritários”, mas principalmente por motivos políticos. Aterros sanitários viram lixões por falta de manutenção. Muitos não são implementados porque a questão ambiental não compra votos, apesar de estar diretamente atrelada à saúde, à educação e à qualidade de vida.

3.4 Mudanças na gestão dos resíduos sólidos no Brasil: experiências e sugestões

Embora o quadro atual da gestão e do gerenciamento dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros seja alarmante, pois revela sérios problemas ambientais, surgem soluções voltadas para o desenvolvimento sustentável, tanto no âmbito das políticas públicas quanto nas iniciativas sociais. É o que se passa a analisar.

3.4.1 Experiências modelos

No que atine à destinação final dos resíduos, a alternativa que se mostra mais viável é a implantação de aterros sanitários consorciados, reduzindo os impactos econômicos e ambientais, otimizando o uso de máquinas e otimizando a relação entre os municípios unos, favorecendo até a captação de recursos financeiros para o município que sedia o aterro. Cidades cearenses já se mobilizam para implementar aterros sanitários.146

Apontam-se como práticas exemplares de gestão dos resíduos sólidos os programas de incentivo à coleta seletiva de material reciclável, a exemplo dos projetos ECOELCE, realizado pela Companhia Energética do Ceará (COELCE) e Estações de Reciclagem Pão de Açúcar Unilever, do Grupo Pão de Açúcar, dentre outros programas, bem como planos de apoio às cooperativas de catadores e aos centros regionais de reciclagem, ressaltando também a preferência social por produtos feitos com matéria reciclada.

Antes, porém, a mudança primordial deve ocorrer “de dentro para fora”, ou seja, as pessoas precisam modificar pequenos hábitos e agir localmente para, então, partir para as ações sociais e globais. É o que se denomina “consciência ambiental”. Faz-se necessário que as pessoas se apercebam da urgente mudança de postura, tornando-se cidadãos ecologicamente conscientes e preocupados com a questão ambiental.

O cidadão precisa ser levado a fazer sua parte na defesa e manutenção do ambiente urbano em que vive. Deve estar ciente de que sua participação é fundamental mesmo que seja em pequenas coisas. Assim, é necessário desenvolver sua consciência de que pequenos atos, como atirar aquele lixo pela janela do veículo, maculam a materialização cotidiana da sustentabilidade da cidade.147

Queiroz afirma que

De nada adianta uma política ambiental se o cidadão desconhece as utilidades e tratamento do lixo que ele próprio gera e também adota uma postura da qual não assume nenhuma responsabilidade por esses resíduos gerados. A consciência ambiental da população não tem se desenvolvido na mesma intensidade do que a evolução que sofreu a destinação e tratamento do lixo.148

O art. 225. da Carta Maior previu que manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e as futuras gerações não é uma tarefa fácil, por isso é delegada a todos, Poder Público e coletividade. Diante da explosão demográfica, do crescimento das urbes e do consumo em larga escala, o desenvolvimento sustentável ligado à consciência ambiental e à implantação de políticas públicas é indispensável.

Nalini149 aponta algumas atitudes positivas, que poderão ser implementadas individual ou coletivamente fazem diferença, tais como economizar papel, salvar uma árvore, ser intolerante com as agressões ambientais e divulgá-las na mídia, utilizar meios judiciais para promover a proteção ao meio ambiente, disseminar a consciência ambiental, motivar lideranças, filiar-se a uma entidade e/ ou fundar uma Organização Não Governamental (ONG), ambas de defesa do meio ambiente, etc.

Pode-se acrescentar: economizar água e energia, dar preferência aos transportes alternativos e coletivos, separar os resíduos sólidos potencialmente recicláveis por tipo, aproveitar alimentos, descartar o lixo eletrônico em locais apropriados, usar sacolas retornáveis, recusar descartáveis, difundir a informação e a educação ambiental.

Bertarello afirma que

O Estado constitucional deve ser democrático e social, assegurando informação e educação ambientais adequadas a todos, para que tenhamos uma participação cidadã ativa na defesa do meio ambiente, que seja capaz de perceber que o momento é de frear a filosofia consumerista-capitalista, simplificando, assim, a existência humana e voltando-se para a satisfação das necessidades básicas, em virtude de não termos economia eficaz sem o suporte da natureza.150

Sônia Maria Dias, por sua vez, pontua que

A situação de degradação ambiental e humana presente nos municípios brasileiros só poderá ser enfrentada a partir de uma abordagem participativa do gerenciamento de resíduos sólidos e como resultado de um esforço conjunto nos mais diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal – e de vários setores da sociedade – ONGs, empresas, associações profissionais e outros segmentos.151

A vida sustentável requer que o consumo seja diminuído e que a economia se desenvolva sem prejudicar o meio ambiente, desgastando o mínimo que puder os recursos naturais. Não há sem o que a (finita) natureza oferece. O esforço há de ser conjunto, hoje e futuramente, começando individualmente e em grupo.

3.4.2 Incentivos à gestão ambiental

Perante a insatisfatória gestão do lixo urbano pelos municípios, os Governos se mobilizam para implementar incentivos ao correto manejo e disposição dos resíduos sólidos. São abordados nesse tópico algumas iniciativas do Governo do Estado do Ceará para a melhoria da gestão do meio ambiente em suas cidades.

3.4.2.1 ICMS Ecológico

Nem sempre a mudança de comportamento se faz de forma voluntária, necessitando de estímulos externos ou incentivos. Um dos principais exemplos de estímulos à correta gestão ambiental dos municípios pelo Governo do Estado do Ceará é o chamado ICMS Ecológico, previsto na Lei Estadual nº 14.023, de 17 de dezembro de 2007,152 regulamentado pelo Decreto Estadual nº 29.306, de 5 de junho de 2008.153

Trata-se de um instrumento de compensação fiscal que redistribui 2% (dois por cento) do ICMS arrecadado no território cearense aos municípios que obedecem minimamente aos indicadores de desempenho ambiental. O ICMS ecológico, na verdade, é um incentivo fiscal para os municípios, não se tratando, portanto, de um novo imposto, pois não acarreta aumento na carga tributária, tampouco de alíquotas.

Atualmente, 13 (treze) Estados brasileiros (Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins) implantam o ICMS ecológico, e muitos municípios já observam melhorias em suas condições de vida.

3.4.2.2 Outros incentivos

Frente às dificuldades encontradas pelos municípios, o Governo do Estado do Ceará não fica inerte, desenvolvendo ações, por meio do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente, que visam à execução da Política Estadual de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos, com o intuito de fortalecer a Gestão Municipal de resíduos dessa natureza e, conseqüentemente, acarretando a minimização dos riscos de contaminação do meio ambiente e das comunidades expostas.

São exemplos dessas ações o financiamento de aterros sanitários em consórcio público,154 o Programa do Selo Município Verde, que tem como objetivo agraciar os gestores municipais que tenham concretizado durante o ano ações ambientais, e o Curso de Formação de Educadores Ambientais que é realizado em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, “com a finalidade de promover o desenvolvimento de um trabalho integrado, visando a execução de ações socioambientais”.155

O esclarecimento sobre os malefícios causados pela má destinação do lixo por meio da educação ambiental é importantíssimo para a efetivação da sadia qualidade de vida. A Política Nacional de Educação Ambiental prevê que a Educação Ambiental disseminada no ensino formal e não formal assenta o pensamento crítico das pessoas, fazendo que elas minimizem os problemas ambientais gerados pelo consumo, mudando seus hábitos e alterando a percepção que têm com o meio ambiente.

Sendo assim, a formação de educadores ambientais visa disseminar a ética ambiental, para que a Educação Ambiental seja implantada no sistema público de ensino formal, estimulando a elaboração de projetos ambientais nas escolas e no ensino informal, educando cidadãos que, uma vez despertados para os atuais problemas ambientais, funcionem como multiplicadores dos cuidados com o meio ambiente, principalmente com os resíduos sólidos.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a poluição ambiental em razão da má gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos é visível em todo o país, sobretudo nas grandes cidades como Fortaleza, em virtude do crescimento destas e das mudanças nos padrões de consumo, ambos não acompanhados de efetivas modificações nos modos de gestão e destinação final do lixo urbano.

Poucos municípios dispõem de uma política ambiental sobre resíduos sólidos, em geral copiadas uns dos outros e pouco inovadoras em termos de resultados. Das cidades brasileiras, 61% (sessenta e um por cento) dão destino e tratamento inadequados ao lixo. Os Estados têm competência executiva e legislativa ambiental remanescentes, o que é um limite, um entrave para o desenvolvimento sustentável.

No desenvolvimento da pesquisa é abordada a proteção ambiental na Carta Maior de 1988, são explicadas as causas e os tipos de poluição ambiental, ao passo em que é explanada a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, examinada as leis e os demais conjuntos normativos sobre o tema e apontadas soluções para a destinação final do lixo.

Diante do quadro observado e da ideia de desenvolvimento sustentável explanada neste trabalho, diz-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito e dever de todos, fazendo-se necessário que seja protegido não só por leis e ações de governo, mas por toda a sociedade, que pode e deve fazê-lo, através de atos singulares com o a redução, reutilização e reciclagem do lixo à interposição de ações judiciais, individuais ou coletivas.

Depois de todo o estudo, vê-se que os governos municipais, possuem dificuldades em gerir os resíduos sólidos de suas cidades, não só pelos entraves burocráticos (alto custo do devido tratamento do lixo urbano, demora na obtenção de licenças ambientais para o início e conclusão de obras nos aterros, etc.), mas principalmente pelo fato da questão ambiental não ser prioridade frente às demais necessidades da população.

É basal a preocupação com a destinação final dos resíduos sólidos urbanos, porque são inúmeros os problemas de saúde, econômicos e sociais com a proliferação dos lixões. Diante dessa problemática, a lei brasileira é omissa, pois a Política Nacional dos Resíduos Sólidos ainda não foi implementada, tramitando no Congresso Nacional desde 1991. Os investimentos federais na esfera dos resíduos sólidos sempre foram tímidos, sofrendo impulso após a Conferência do Rio em 92.

A monografia possui alta relevância pois traz o tema para discussão na academia, reflete sobre a responsabilidade de todos quanto à destição final do lixo, levanta bibliografia específica sobre a questão, que dada sua importância ainda é pouco discutida, confrontando-a com a legislação, e tanto o texto constitucional quanto a infraconstituicional foram analisadas, além da apresentação de documentos internacionais.

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Sobre a autora
Patrícia Gomes Sampaio

Mestranda no Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional na Unifor. Professora de Direito da Urca UDI. Advogada inscrita na OAB-CE sob o n. 24972. Graduada em Direito pela UniChristus, Especialista em Gestão Ambiental pela Unifor e em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Urca.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Christus como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel, em junho de 2010. Orientadora: Prof. Dra. Andréia da Silva Costa.

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