CONCLUSÕES
Cada vez mais se exige do magistrado aplicação de efetiva justiça. Alcançar esta, por sua vez, não é tarefa fácil, pois nem sempre, ou melhor, quase nunca a realidade é fi-elmente retratada no processo.
O juiz, todavia, não pode fraquejar ou esmorecer diante dos obstáculos. De-ve continuar leal ao seu objetivo, a pacificação social, só alcançada com a mais pura verdade ou com o esgotamento das fontes de prova, quando somente então é permitido ao juiz desistir da busca pela verdade para prevalecer a liberdade.
Munido de seus poderes instrutórios, exigências de fato em razão da condi-ção de magistrado, o juiz deve pautar o exercício da busca pela verdade em todas as regras éticas, morais e ou processuais pré-fixadas, admitindo-se, de qualquer modo, a incidência da proporcionalidade como forma de sopesar os interesses e bens jurídicos em jogo.
Interessante ressaltar quanto à iniciativa do juiz, que não é apenas porque o magistrado deixa sua condição de sujeito inerte que necessariamente está afetada a sua impar-cialidade. O juiz não tem como saber, de antemão, que parte sairá beneficiada com a produção da prova que determinar. Mesmo assim, o direito processual dispõe de mecanismos para afas-tar do exercício jurisdicional o juiz parcial ou impedido.
No exercício dos poderes instrutórios, está o juiz protegido por norma gené-rica, conforme artigo 156 do Código de Processo Penal, assim como por normas específicas, as quais garantem a iniciativa do juiz na produção de provas orais, documentais e materiais.
O juiz só não pode, contudo, sob a proteção dessas normas instrutórias, ne-gar sua finalidade de pacificação social, determinando provas por mero capricho ou de forma arbitrária. Não dever também esquecer que sua posição como juiz existe para dirimir confli-tos, não lhe sendo permitido afastar-se tanto do jurisdicionado, a ponto da sua convivência com este outro no processo tornar-se impraticável.
Enfim, é a íntima ligação entre todos esses elementos que efetiva a busca da verdade, com a conseqüente aplicação de justiça nos casos submetidos à análise do judiciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. São Paulo: Scipione, 1994. 153 p.
CALAMANDREI, Piero; tradução Eduardo Brandão. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 399 p.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 359 p.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 1999. 320 p.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 381 p.
FERREIRA, Pinto. Verdade. In: FRANÇA, R. Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 77. São Paulo: Saraiva, 1977. pp. 67 a 84.
GRINOVER, Ada. In: Revista Forense, v. 347. Rio de Janeiro: Forense, 1999. pp. 3 a 10.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2004. 477 p.
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 466 p.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. 784 p.
PERELMAN, Chaїm; traduç
ão Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 417 p.ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 316 p.
NOTAS
01
Ao expor os motivos porque o homem iniciou a filosofia, Gilberto Cotrim (Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 49) ensina: "Primeiro foi o espanto, depois o despertar crítico e a decepção. O homem queria uma explicação para o mundo, uma ordem para o caos. Ele queria, enfim, a verdade. Essa busca da verda-de tornou-o cada vez mais exigente com o conhecimento que adquiria e transmitia. Ambicioso, o homem sentia uma necessidade crescente de entender e explicar tudo de maneira clara, coerente, precisa. Nascia assim a filoso-fia".02
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. São Paulo: Scipione, 1994. 153 p.03
FERREIRA, Pinto. Verdade. In: FRANÇA, R. Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 77. São Paulo: Saraiva, 1977. pp. 67 a 84.04
Ibid., p. 67.05
BARROS, Marco Antônio. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 13.06
Ibid., pp. 14 e 15.07
PERELMAN, Chaїm; tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.08
Ibid., p. 360.09
Ibid., p. 361.10
Ibid., p. 361.11
"Ponham dois pintores diante de uma mesma paisagem, um ao lado do outro, cada um com seu cavalete, e voltem uma hora depois para ver o que cada um traçou em sua tela. Verão duas paisagens absolutamente diferen-tes, a ponto de parecer impossível que o modelo tenha sido o mesmo. Dir-se-ia, nesse caso, que um dos dois traiu a verdade?, CALAMANDREI, Piero; Tradução Eduardo Brandão. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 125.12
"A divisão segundo o critério funcional é a célebre ‘separação de Poderes’, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra ‘Política’, detalhada, posteriormente, por John Locke, no ‘Segundo tratado do governo civil’, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu, ‘O espírito das leis’, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transforman-do-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal". MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001. p. 358.13
"Dalmo de Abreu Dallari conceitua o Estado como ‘a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõe o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referencia expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território’ (Elementos da teoria geral do Estado, 23ª ed., p. 118)", LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2004. p. 38 e 39.14
CALAMANDREI, op. cit., p. 11.15
GRINOVER, Ada. In: Revista Forense, v. 347. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 7.16
"No campo do Direito processual, em especial, reserva-se ao juiz uma posição de superior destaque. Na presi-dência do processo a ele compete autorizar a produção e em seguida colher e valorar as provas apresentadas pe-las partes", BARROS, op. cit., p. 116.17
Muito interessante e elucidativo a lição de Calamandrei (op. cit., p. 122) a respeito da posição do juiz no pro-cesso: "Numa galeria de Londres há um famoso quadro do pintor Champaigne, em que o cardeal Richelieu é re-tratado em três poses diferentes: no centro da tela é visto de frente, nos dois lados é retratado de perfil olhando para a figura central. O modelo é um só, mas na tela parecem conversar três pessoas diferentes, a tal ponto é di-ferente a expressão cortante das duas meias faces laterais e, mais ainda, o caráter tranqüilo que resulta, no retrato do centro, da síntese dos dois perfis. Assim é no processo. Os advogados indagam a verdade de perfil, cada um aguçando o olhar por seu lado; somente o juiz, que está sentado no centro, a encara, sereno, de frente".18
De igual entendimento, MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo : Editora Atlas, 2001. p. 326.19
Conforme CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegri-ni. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 186.20
"Para que o juiz possa desempenhar suas funções com independência, lhe são outorgadas prerrogativas, ou seja, certas garantias, de ordem constitucional: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos". MIRABETE, op. cit., p.328.21
Na lição de Pedro Lenza (op. cit., 312), as garantias institucionais "protegem o judiciário como um todo, como instituição. Dividem-se em : a) garantias de autonomia orgânico-administrativa e b) garantias de autonomia financeira".22
MIRABETE, op. cit., p.327.23
24
BARROS, op. cit., p. 135.25
GRINOVER, op. cit., p. 7.26
Ibid., p. 7.27
Ver item 1.1.28
"Imparcialidade é uma qualidade que sempre distingue a pessoa do juiz. Não há falar de processo regular e válido se o julgador não preserva a sua imparcialidade na relação processual. O juiz não pode ser displicente quanto a isso, pois a lei processual não corrobora situação que empane o sentimento de absoluta isenção de inte-resse no resultado da ação", BARROS, op. cit., p. 121.29
GRINOVER, op. cit., p 6.30
Ibid., p. 6.31
MIRABETE, op. cit., p. 326.32
GRINOVER, op. cit., p. 5.33
GRINOVER, op. cit., p. 6.34
"Há uma regra moral intransponível que rege toda a atividade processual, recepcionada de forma explícita pe-las constituições de diversos países. Não são provas as colhidas com infringência a normas ou valores constitu-cionais, nem pode o juiz determinar a produção de provas que vulnerem regras processuais", GRINOVER, op. cit., p. 6.35
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp. 16 e 17.36
BARROS, op. cit., pp. 286 e 287.37
Conforme BARROS, op. cit., p. 116.38
Cintra, Dinamarco e Grinover (op. cit., p. 294) com propriedade relacionam o exercício da jurisdição com o "non liquet": "Como a jurisdição é função estatal e o seu exercício dever do Estado, não pode o juiz eximir-se de atuar no processo, desde que tenha sido adequadamente provocado: no direito moderno não se admite que o juiz lave as mãos e pronuncie o ‘non liquet’ diante de uma causa incômoda ou complexa, porque tal conduta importa-ria evidente denegação de justiça e violação da garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicio-nal".39
"[...] o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade proces-sual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis as esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o ‘in dubio pro reo’ ou o ‘non liquet’".40
FERNANDES, op. cit., p. 23.41
Conforme Marco Antônio de Barros (op. cit., p. 135), "in verbis": "Problema dos mais delicados no tratamen-to da busca da verdade concerne à delimitação dos poderes instrutórios do juiz".42
Conforme BARROS, op. cit., pp. 138 e 139.43
Ver o que já dissemos no item imediatamente acima a respeito dos limites à busca da verdade.44
"Embora a iniciativa da produção das provas pertença às partes, nos termos do art. 156 do CPP, interessadas que são em fornecer elementos pertinentes ao que pleiteiam, permitido está o juiz que, de ofício, determine diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante", TACrimSP, rel. Ferraz Nogueira, JTACrimSP 94/374, apud ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 180.45
Ibid., p. 180.46
BARROS, op. cit., p. 138.47
Ibid., p. 139.48
Ibid., p. 139.49
Ibid., pp. 139 e 140.50
Ibid., p. 124.51
Ibid., p. 114. Ressalta, também, que há quem assim não pense e indica: João de Castro Mendes, citando Von Canstein, na obra "Do conceito de prova em processo Civil. Lisboa: Ática, 1961".