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O conceito histórico-metafísico de justiça e o conceito liberal de justiça de John Rawls na Conferência 1 em seu O liberalismo político

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Agenda 23/12/2020 às 09:40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tradição metafísica legou, em um primeiro momento, ao conceito de justiça uma perspectiva relacionada à esfera do indivíduo. Além do mais, a ligação com o possui de direito (directum e rectum, que tem por significado aquilo que é “reto”; que está de acordo com a regra “reta”) é intrínseca. A compreensão grega de justiça (δικαιοω) dá base a essa interpretação, quando diz que justiça refere-se a “tornar justo ou com deve ser; mostrar, exibir, evidenciar alguém ser justo, tal como é e deseja ser considerado; declarar, pronunciar alguém justo, reto, ou tal como deve ser”[3]. Mesmo quando está relacionado à relação entre o indivíduo e divindade esta forma de pensar mantém-se: “usado para aquele cujo o modo de pensar, sentir e agir é inteiramente conforme a vontade de Deus, e quem por esta razão não necessita de reticação no coração ou na vida; na verdade, apenas Cristo; aprovado ou aceitado por Deus”. Fica evidente um esforço do indivíduo para ser ou tornar-se justo, seja nas relações entre os indivíduos, seja nas relações entre indivíduo e divindade (aqui, como já explicado, pode ser aplicado de forma análoga a ideia moderna de Estado. A divindade, era quem “dirigia” os interesses do “Estado”). O vocábulo latino para justiça reforça o entendimento da ligação entre justiça e direito, bem como, da relação entre o indivíduo e a divindade: “conformidade com o direito, equidade; deveres para com os deus; sentimento de equidade, espírito de justiça; bondade, benevolência, benignidade; santidade”. Desta forma, o conceito histórico-metafísico de justiça possui um entendimento ligado a um esforço individual para tornar-se justo e também o de relacionar-se com a divindade de forma justa. Tendo o “centro de poder” ou de organização do Estado como núcleo dessa relação, pode-se dizer que a tradição metafísica apresenta um conceito centrípeto, ou seja, é o indivíduo que busca o “centro do poder” quando já é justo, ou seja, age de acordo com o direito, estabelecido por esse centro do poder.

Rawls deixa claro a feição política de seu conceito de justiça. Esse entendimento possui três ideias basilares: a) a concepção de sociedade como um sistema equitativo de cooperação de justiça social ao longo do tempo; b) concepção da pessoa livre e igual; c) concepção de uma sociedade bem-ordenada. Como discorrido, a justiça como equidade também pode ser compreendida através das concepções de estrutura básica e da posição original. Por fim, para se ter uma sociedade bem-ordenada como um mundo social possível as ideias de um consenso sobreposto e de uma doutrina abrangente e razoável são importantes. A unidade social também é posta como sobreposto estável entre doutrinas abrangentes razoáveis. A concepção de justiça de Rawls abarca o entendimento de que a estrutura básica da sociedade é regulada por uma concepção política de justiça, onde esta concepção é objeto de um consenso sobreposto entre doutrinas abrangentes e razoáveis. Nesse ambiente, a discussão pública, quando os fundamentos constitucionais e questões de justiça básica estão em jogo é conduzida pela concepção política de justiça.

Por fim, cumpre responder a pergunte objeto deste artigo: “O conceito de justiça apresentado por John Rawls na ‘Conferência 1’ trata-se de um conceito específico ou segue o mesmo entendimento da concepção legada pela tradição metafísica?”. Acredito que as concepções de justiça legada pela tradição metafísica e a de Rawls se diferem, embora, necessariamente não sejam antagônicas. Enquanto a concepção de justiça oriunda da tradição metafísica apresenta um conceito com feições ligadas à esfera do indivíduo, Rawls desenvolve um entendimento de coletividade. Não por acaso, palavras como cooperação e coletivo estão presentes na “Conferência 1”. É por isso que a ideia fundamental de justiça como equidade, onde todas as outras estão articuladas sistematicamente, é a da sociedade como sistema equitativo de cooperação no transcurso do tempo, de geração em geração, isso porque, liberalismo político é o resultado de democracia, justiça como equidade e razão pública.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 22ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

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FEITOSA, Adriano Brito. Ética ambiental e o caput do artigo 225 da Constituição Federal do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5109, 27 jun. 2017.

MONIZ, Fábio Frohwein de Salles. Dicionário Latim-Português. 2ª Edição. Porto: Porto Editorial, 2001.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Piseta e de Lenita Maria Rimoli Esteves. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

ROCHA, Tiago do Amaral; QUEIROZ, Mariana Oliveira Barreiros de. O meio ambiente como um direito fundamental da pessoa humana. Âmbito Jurídico – o seu portal jurídico na internet. Rio Grande do Sul, Brasil, 12.06.2017. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10795&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 12.06.2017.

STRONG, J. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Sociedade Bíblica do Brasil. 2002. Edição eletrônica.

TAYLOR, W. C. Dicionário do Novo Testamento Grego. 11a Edição. Rio de Janeiro, RJ: JUERP. 2011. Edição eletrônica


Notas

[1] Neste trabalho optou-se por utilizar a palavra “Estado” com inicial maiúscula para designar o que Jellinek formulou como “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando” (BONAVIDES, 2015, p. 71), ou seja, o ente dotado de território, povo e governo que gere as relações entre os seus nacionais e que possui soberania para se relacionar com os outros entes dotados de personalidade jurídica pública e privada.

[2] As referências do léxico Strong foram obtidas da versão eletrônica, razão pela qual, esta versão não fornecesse a numeração das páginas.

[3] As referências neste parágrafo já foram citadas no tópico 1 “1 Justiça: aspectos exegéticos, hermenêuticos e históricos”.

Sobre o autor
Adriano Brito Feitosa

Advogado, professor, palestrante, consultor jurídico e empresarial. Mestrando em Filosofia (UFBA); MBA (em andamento) em Marketing, Branding e Growth (PUC/RS); Especialização (em andamento) em Direito 4.0: Direito Digital, Proteção de dados e Cibersegurança (PUC/PR); Especialização (em andamento) em Gestão de Risco, Compliance e Auditoria (PUC/PR); Graduação (em andamento) em Ciências Contábeis; Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Advocacia Trabalhista. Especialista em Relações Pessoais e Gestão de Conflitos. Especialista em Métodos de ensino e aprendizagem numa perspectiva andragógica. Bacharel em Direito. Bacharel em Teologia. Bacharel em Filosofia. Fui técnico judiciário no Tribunal de Justiça do estado de Rondônia, onde exerci a função gratificada de conciliador judicial. Fui estagiário de Direito nos seguintes órgãos: Tribunal de Justiça, Justiça Federal, Procuradoria Geral Estadual, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal. Fui estagiário de direito nos escritórios Enry Gouvea Advocacia e Carlos Alberto Trancoso Justo Advocacia. Fui estagiário administrativo no Ministério da Fazenda. Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Fenomenologia e Hermenêutica", na Universidade Estadual de Feira de Santana, departamento de Filosofia, sob a orientação da Doutora Tatiane Boechat Abraham Zunino; Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Nomisma, Riqueza e Valor: um estudo sobre o pensamento econômico de Aristóteles", na Universidade Estadual de Feira de Santana/BA, departamento de Filosofia, sob a orientação da Doutora Adriana Tabosa. Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Pós-modernidade", no Seminário Latino Americano de Teologia da Bahia, sob a orientação do Doutor Daniel Lins; - Foi aluno especial do Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Adriano Brito. O conceito histórico-metafísico de justiça e o conceito liberal de justiça de John Rawls na Conferência 1 em seu O liberalismo político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6384, 23 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87533. Acesso em: 22 dez. 2024.

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