3. A MULHER BRASILEIRA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS
Historicamente, as revoluções se dão por meio de subversões, lutas coletivas e movimentos organizados e não seria diferente com o movimento feminista que surge contra as condições tão adversas e sexistas praticadas contra as mulheres, combatendo uma prática de inferiorização e subordinação do feminino, como relata Bandeira e Melo (2010).
Por esse movimento há uma desconstrução, ou tentativa dela, da estrutura preponderantemente patriarcal e das desigualdades entre os sexos consolidadas ao longo da história e a construção de um sistema de emancipação e conquista de direitos popularmente conhecida por “empoderamento[1] feminino.”
Revoluções civis estouravam pelo mundo, como a Revolução Francesa, a grande revolução burguesa libertária e de conquista de cidadania. E no meio desse movimento surge o feminismo, na busca por direitos sociais e políticos. No Brasil, o berço do feminismo encontra impulso na opressão sofrida pelas mulheres, incluindo aquelas mulheres que exploravam e agrediam outras mulheres, como as negras e escravas que sofriam abusos mais graves.
De acordo com Costa e Sardenberg (2008), o feminismo brasileiro já foi sufragista, anarquista, socialista, comunista, burguês e reformista. Já lutou pela conquista à educação e mantém a luta pela igualdade dos salários e condições dignas de trabalho. Vem lutando pela sexualidade e liberdade do corpo, exige uma sociedade mais justa e igualitária, realizando a mulher enquanto ser humano e cidadã.
Após a conquista do voto, o movimento acaba ficando um pouco apático, pois ainda não tinha plena ciência da transformação sócio-cultural necessária à comunidade. Somente após um tempo, é que os movimentos feministas se mobilizaram para a participação efetiva nas lutas gerais, com o fim da ditadura militar o movimento inicia um questionamento político, que acaba resultando numa inquisição do binômio Público-Privado, para o pensamento liberal, o Público diz respeito ao Estado e o Privado se relaciona com a vida familiar, pessoal e alheio à política, conforme Costa (2005).
O capitalismo traz uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, um melhor sistema educacional, surgem as questões sobre a divisão do trabalho por conta do sexo e também, sobre o papel que a mulher, tradicionalmente dona-do-lar, ocupa na família e sociedade. O movimento não quer apenas uma equiparação econômica, quer algo mais profundo, quer uma igualdade ampla e sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito por sexo, quer uma redemocratização.
O movimento então, passa a erguer outras bandeiras, como os direitos sobre o próprio corpo com uma pura liberdade sexual e o combate à violência contra a mulher. Se torna um movimento ideológico e revelador de estratégias que convidam a uma reflexão social. No fim dos anos 80, o movimento feminista une-se a outros grupos de luta, entre eles, negros, lésbicas e homossexuais, que acreditavam ter um inimigo comum: o Estado.
Por outro lado, existe uma tentativa cultural de mostrar uma mulher mais resolvida, quando da exibição pela Rede Globo dos episódios do seriado Malu Mulher, que retratava a vida de uma mulher que havia superado um divórcio e lutava por sua independência, manifestações femininas surgem nas páginas da Revista Cláudia, através dos artigos escritos pela psicóloga feminista Carmen da Silva, além de inúmeras reportagens e entrevistas publicadas pela revista Veja e Folha de São Paulo. A mídia reconhecia o poder da mulher.
Necessário esclarecer que a luta feminista não é definitiva em relação à interseção das bandeiras LGBT ou luta de raça, ou ainda, na inserção do próprio Estado como elemento de conquista e avanços. Ainda que ultimamente muitas lutas tenham sido positivas em relação à inclusão da mulher nas esferas público e privadas, ainda persiste uma precariedade de recursos que acabam bloqueando intervenções mais incisivas.
Assassinatos e crimes cometidos contra as mulheres acabam exigindo um posicionamento mais firme por parte do Estado, a violência contra a mulher torna-se pauta legislativa, a Lei Maria da Penha é publicada e gera diversas discussões e fóruns voltados para a eficiência da mesma.
A presença feminina nos espaços públicos, ainda que não tenha tanta representatividade na seara econômica, já possui raízes solidificadas nos aspectos sociais, o que para Perrot (1998), que mantinha a imagem da mulher rebelde, que habita particularmente o espaço público de modo informal, é vista como uma ameaça à ordem social, à ordem dos homens, mas, existe o reconhecimento de que, ainda que a contribuição econômica seja sutil, periférica, nos momentos críticos, entre guerras ou crises, a participação da mulher é imprescindível.
É necessário o pensar feminino na construção do comum, de acesso público, do direito à revolução urbana, relembrando que a mulher possui esse ideal de comum porque é dela que nasce a comunidade, elas são as agentes do trabalho de reprodução, e que por esse motivo, são mais propensas à pensar na coletividade por terem, mesmo que inconscientes, uma necessidade maior dele como meio de libertação dos grilhões capitalistas.
A exposição aos mais diferentes estímulos enriquece o debate e a busca pelo conhecimento mais profundo, através de estudo e grupos de discussão que traduzem esses ensinamentos. A valorização exibicionista da vida privada traz uma dose de narcisismo, mas, sem aquela padronização de beleza e culto ao corpo. Aquelas que não seguem esse padrão constroem outros movimentos de aceitação própria e auto respeito. Mostram o corpo e a cara para as críticas e desmontam quem as menospreza através de demonstrações de puro orgulho daquilo que é e construiu. O consumo indiscriminado cede espaço ao consumo consciente, com olhos voltados para a sustentabilidade. As mulheres valorizam a criatividade e a customização como meio de individualização de estilo e identidade visual.
CONCLUSÃO
A luta pelo espaço público e privado, com vistas à melhoria da qualidade de vida das mulheres brasileiras já possui grande espaço na história. Com atos de resistência e persistência, o movimento feminista toma forma como um instrumento eficaz para que haja uma discussão em busca de um consenso entre as partes.
A transformação e evolução foi inevitável e a mulher acabou conquistando espaço no mercado de trabalho, experimentou o sabor de sua liberdade sexual, adquiriu conhecimento para o ingresso na vida política nacional e ganhou status de um movimento mundial, que acaba por avizinhar-se de outros movimentos sociais como o de orientação sexual e preconceito racial.
As políticas públicas possuem um olhar diferente para as necessidades da mulher, responsável pelo crescimento populacional tanto por conta de sua capacidade gestacional quanto pelos cuidados dispendidos na criação e educação dos seus filhos, com o devido amparo e apoio do companheiro, companheira, família, comunidade e Estado. Ganhou visibilidade após tantas décadas de silêncio e submissão, de cuidadora do lar e família a provedora desse mesmo lar.
Assumiu funções nunca antes imaginadas, ganhou visibilidade e fortaleceu sua própria vaidade, sem se ater a modelos pré-determinados. A violência contra a mulher foi capaz de alterar o Código Penal Brasileiro, com a tipificação do feminicídio como circunstância qualificadora do crime, com penas mais severas, incluindo tais atos no rol de crimes hediondos.
Ainda que carregado por diversas críticas de desvirtualização e discursos de ódio, é inegável que o movimento feminista é um ponto importante na resistência da mulher, que, mesmo residente em um país signatário de inúmeros tratados e acordos internacionais que visam o bem estar do ser humano, ainda sofre com a violência aos direitos femininos.
Pelo exposto, embora o movimento feminista tenha rompido barreiras, ainda urge a necessidade de continuidade para que novas práticas e modo de pensar a vida em comunidade possa florescer de forma mais abrangente. O tão famigerado empoderamento ainda não está completamente materializado.
Longe da pretensão de se formar uma visão dicotômica entre homens e mulheres, o principal objetivo do presente trabalho é o demonstrar que a igualdade de oportunidades e possibilidades deve abranger a todos aqueles que são capacitados, independentemente de seu sexo. Quando a mulher alcança níveis hierárquicos mais elevados, certo é que ela ultrapassou barreiras que envolvem outros talentos pessoais, tais como dedicação e entrega aos projetos corporativos. Valores como ética e solidariedade são essenciais à racionalidade da mulher.
A contribuição feminina, para a mudança de comportamento, envolve a apropriação de sua subjetividade, o estabelecimento de formas mais democráticas de exercício das funções, uma maior aproximação entre os pares e a paridade nos tratamentos dispensados aos seres, incluindo sua remuneração, ascensão profissional, cargos e carreiras e proteção contra qualquer tipo de agressão ou violência, seja ela física, psicológica ou atentados contra os direitos que amparam as mulheres.
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Nota
[1] Empoderamento, conforme Costa (2000, p. 7), “é o mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir e criar e gerir”. Em um viés feminista, pode-se dizer que é através do empoderamento que as mulheres produzem força para exigir novas relações, tornando-se protagonistas das suas próprias histórias