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A RECLAMAÇÃO 18686 E O ENTENDIMENTO DO art. 988,§ 5º,I, DO CPC DE 2015

Agenda 18/01/2021 às 22:03

O ARTIGO TRATA, A PARTIR DE CASO CONCRETO, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO NO PROCESSO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.

A RECLAMAÇÃO 18686 E O ENTENDIMENTO DO art. 988,§ 5º,I, DO CPC DE 2015  

Rogério Tadeu Romano

O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal deferiu liminar na Reclamação (RCL) 18686 para determinar a suspensão de ação penal contra cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Em análise preliminar do caso, o relator argumentou que o recebimento da denúncia pelo juízo de primeira instância mostra-se incompatível com a decisão do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que considerou constitucional a Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia).

“São relevantes os fundamentos deduzidos na presente reclamação. Em juízo de verossimilhança, não há como negar que a decisão reclamada é incompatível com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia) e definido o âmbito da sua incidência (crimes políticos e conexos no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, entre outros)”, assinalou o relator.

O ministro ressaltou que a decisão na ADPF 153 tem eficácia erga omnes – para todos – e também efeito vinculante, o que possibilita exigir seu cumprimento por meio de reclamação.

Funciona como reclamado o Juiz Federal da 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Naquela denúncia o Parquet entendeu que houve a prática de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, associação criminosa e fraude processual.

Em análise preliminar do caso, o relator argumentou que o recebimento da denúncia pelo juízo de primeira instância mostra-se incompatível com a decisão do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que considerou constitucional a Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia).

“São relevantes os fundamentos deduzidos na presente reclamação. Em juízo de verossimilhança, não há como negar que a decisão reclamada é incompatível com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia) e definido o âmbito da sua incidência (crimes políticos e conexos no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, entre outros)”, assinalou o relator.

O ministro ressaltou que a decisão na ADPF 153 tem eficácia erga omnes – para todos – e também efeito vinculante, o que possibilita exigir seu cumprimento por meio de reclamação.

Com a morte do ministro Teori Zavascki, seu sucessor, ministro Alexandre de Moraes passou a relatoria e estendeu a Ricardo Agnese Fayad Fayad os efeitos da liminar concedida na Reclamação (RCL) 18686, por meio da qual o ministro Teori Zavascki (falecido) suspendeu a ação penal contra os cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Ao receber a denúncia contra o médico, o juízo da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro afastou a aplicação da Lei da Anistia (Lei6.683/1979) ao fundamento de que os atos de tortura constituem crime contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritíveis segundo o Direito Penal Internacional.

Para o ministro Alexandre de Moraes, no caso em questão, não há como negar que a decisão do juízo da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro é incompatível com o que decidiu o Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, na qual, por maioria de votos, os ministros afirmaram a constitucionalidade da Lei da Anistia e definido o âmbito de sua incidência de modo a alcançar crimes políticos e conexos cometidos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, entre outros.

Naquele julgamento, o STF negou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a lei fosse revista. Como ressaltou o ministro Alexandre de Moraes, a decisão proferida pelo STF na ADPF 153 é dotada de eficácia erga omnes (alcança todos os cidadãos) e tem efeito vinculante (devendo ser observada pelos juízes e tribunais do País). A suspensão do processo contra o médico Ricardo Agnese Fayad perdurará até a decisão de mérito na RCL 18686.

Data vênia, ao que se sabe aquele julgamento pende de apreciação com relação a recurso de embargos de declaração, que suspende os seus efeitos e devolve ao tribunal o juízo de mérito enfocado.

Não é incidente a reclamação, um writ constitucional, que visa fazer respeitar a competência de tribunal em matéria e ainda as decisões dele emanadas.

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Observo o artigo art. 988,§ 5º,I, do CPC de 2015:   

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

§ 5º É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.

§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)

II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)

Data vênia, a reclamação abordada não deveria sequer ser conhecida.

Já salientou o Supremo Tribunal Federal que somente se admite a reclamação nos casos de processos sem trânsito em julgado, ou seja, com recurso ainda pendente (Rcl 909-AgR, Relator para o acórdão o Ministro Nelson Jobin, Plenário, DJ de 27 de maio de 2005.

Esse entendimento jurisprudencial tem em vista a reclamação como incidente processual. Mas ele não é, pois é writ, ação.

O ajuizamento de reclamação contra decisão da qual cabe recurso contraria o sistema jurídico-processual e revela-se disfuncional, caracterizando hipótese de abuso do direito de ação. Necessidade das instâncias julgadoras superiores de prestigiarem o sistema jurisdicional estabelecido pelo Poder Constituinte, de modo a preservar a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário que, de igual forma, ostentam competências de envergadura constitucional. 4. O exaurimento da jurisdição ordinária antes do manejo da reclamação constitucional de competência do Supremo Tribunal Federal deve ser observado, sob pena de se estimulara propositura per saltum da via eleita. Precedentes: Rcl 25.596-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/08/2017;e Rcl 18.020-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJede 18/04/2016 (Rcl. 31579/SP-AgR, Relator Ministro Luix Fux.

Ora, para o recebimento da denúncia há o remédio processual cabível que é o writ constitucional do habeas corpus, não cabendo, nesse momento do procedimento, falar-se em reclamação.

A jurisprudência da Suprema Corte vem se firmando no sentido de que o esgotamento da instância ordinária somente se concretiza após o julgamento de agravo interno manejado contra a decisão da Presidência ou Vice-Presidência da Corte que, no exame de admissibilidade do recurso extraordinário, aplica a sistemática da repercussão geral, nos termos do art. 1.030e § 2º, do CPC/2015, porquanto não mais passível de reforma por via de recurso a algum tribunal. (STF, Rcl 24.329, AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 23/3/2018)".

Em sentido diverso tem-se:

“Ressalte-se, por oportuno, que este Supremo Tribunal Federal é firme em não inadmitir a reclamação antes de esgotados todos os instrumentos recursais nas instâncias ordinárias (...) E por esgotamento de instância, como bem elucidado pelo Ministro Teori Zavascki quando do julgamento da Rcl nº 24.686/RJ-ED-AgR, DJe de 11/4/2017, tem-se “o percurso de todo o íter recursal possível antes do acesso à Suprema Corte.

Ou seja, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação. Esse é o sentido que deve ser conferido ao art. 988,§ 5º,II, doCPC. (STF. Rcl 28.749 AgR, Relator Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 4/4/2018)

Ora, a ampliação do conceito de “vias ordinárias” conferida pela Corte Suprema aumenta demasiadamente o risco de a decisão indigesta transitar em julgado, formando coisa julgada, afastando, assim, o cabimento da Reclamação (art. 988,§ 5º,I,CPC/2015).”

Recentemente o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento à Reclamação (RCL) 43671, em que a Globo Comunicação e Participações S/A busca desconstituir decisões da Justiça do Rio de Janeiro que a proíbem de divulgar informações, exibir documentos e expor andamento do processo investigativo criminal em que se apura o suposto envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que, na época dos fatos, era deputado estadual, no esquema de “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo o ministro Lewandowski, nesses casos, o Supremo tem exigido o esgotamento das instâncias ordinárias, com o exaurimento de todos os recursos cabíveis, como requisito para o ajuizamento da reclamação, que não pode ser utilizada como sucedâneo do recurso apropriado. De acordo com as informações prestadas ao ministro pelo Juízo da 33ª Vara Cível do Rio de Janeiro, existem fortes indícios de vazamento para a mídia de dados e peças que estavam sob segredo de justiça, nos autos do procedimento de investigação criminal que tramita perante o TJ-RJ sobre as “rachadinhas” da Alerj.

Não se pode esvaziar, de tal forma, uma garantia constitucional. A reclamação é, cabalmente, uma garantia constitucional.

Constituição não dá um prazo expresso para o ajuizamento da reclamação. Isso ocorre porque ela pode ser manejada a qualquer tempo, desde que verificadas as hipóteses legais de cabimento.

Todavia, é preciso ter atenção ao seguinte: o período de ajuizamento da reclamação, por óbvio, limita-se ao trânsito em julgado da decisão que se pretende combater (art. 988,§ 5º, inciso I, do CPC).

O presente writ de reclamação postulado é forma de afastar o julgamento de acusação por crime que ofendeu aos direitos humanos, de cunho imprescritível, independente de que há um crime de subtração de cadáver cuja natureza, salvo melhor juízo, é permanente, uma vez que esse delito se protrai no tempo.

 

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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