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A voz dos outros: os direitos dos dubladores no Brasil

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3. Jurisprudência

Conforme expusemos na parte teórica deste trabalho, o panorama legal da dublagem não está muito bem definido no Direito Brasileiro, o que leva a uma série de dúvidas e lacunas. Isso, por sua vez, resulta em decisões judiciais discrepantes. As disputas sobre dublagem são antigas no Brasil, tendo-se observado um aumento exponencial na última década, em especial no TJSP – em parte, em razão de uma centena de ações movidas pelo mesmo autor, como veremos.

Dividiremos esta seção do estudo em 2 (duas) partes. Primeiramente, analisaremos alguns julgados paradigmáticos de distintos tribunais brasileiros, que trataram de algumas questões que levantamos no debate teórico e na análise normativa. Em seguida, faremos uma abordagem quantitativa de decisões do TJSP proferidas ao longo de 1 (um) ano, na tentativa de identificar um padrão quanto aos direitos pleiteados pelos autores e aqueles concedidos pelo Tribunal – bem como as incongruências entre os acórdãos.

 3.1. Julgados paradigmáticos

 3.1.1. Conflito entre direito de autor e direitos conexos

Como abordado anteriormente, a LDA não é clara quanto à delimitação entre aplicação de direitos de autor e direitos conexos em uma obra audiovisual, de natureza coletiva. Nesse sentido, há dúvidas sobre a extensão das prerrogativas daquele primeiro regime aos artistas intérpretes, na medida em que o artigo 89 diz que se aplicam a estes “no que couber”, sem, porém, explicar quais seriam essas situações.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, tratou da questão em um caso de dublagem, ainda sob a vigência da lei autoral antiga (Lei nº 5.988/1973), que previa dispositivo análogo ao artigo 89 supracitado. No Recurso Especial nº 148.781 - SP (1997/0065970-4), a Quarta Turma do STJ seguiu o voto do relator, Ministro Barros Monteiro, em julgamento de 2 de setembro de 2005, quanto ao seguinte (grifos nossos):

A lei é clara, como se vê, ao estatuir que as normas referentes ao direito de autor se aplicam, no que couber, aos direitos que lhe são conexos. A locução “no que couber” não tem o sentido restritivo que a recursante pretende lhe atribuir. [...] Ubi lex non dintinguit, neque interpres distinguere potest. A expressão “no que couber”, como é de sabença comum, constitui uma norma em branco, permitindo que o intérprete aplique a regra jurídica prevista para uma situação tida como principal àquela análoga, considerada como secundária. Ora, a ré e a litisdenunciada comercializaram a posteriori os discos e as fitas cassetes contendo as vozes dos autores sem mencionar os seus nomes. Obtiveram – sem dúvida – lucro com isso. A indenização é devida pela transgressão do direito moral dos demandantes, verdadeiro direito da personalidade.

No caso em questão, os autores dublaram personagens para a obra infantil “Bernardo e Bianca”, tendo recebido valores correspondentes à fixação de suas interpretações, mas sem fornecer qualquer autorização de cessão a terceiros, transferência para outro suporte material, comercialização em livro ou qualquer outra forma de divulgação. Não obstante, a ré teria colocado à venda livros relatando a história do filme, acompanhados de disco e fita cassete que reproduziam trechos da gravação original, omitindo também os nomes dos dubladores. A ré, por sua vez, argumentou que dubladores teriam apenas direitos conexos, os quais não poderiam ser exercidos em detrimento dos direitos de autor. O STJ, como visto, reconheceu a violação dos direitos conexos patrimoniais e morais dos dubladores, admitindo, portanto, que estes seriam artistas intérpretes – e sem se referir à problemática que trouxemos no tópico 2.2.

Em outro julgado mais recente sobre direitos conexos, contudo, – não referente a dublagem e também sob a lei autoral de 1973 – o STJ entendeu de maneira diversa quanto à delimitação entre direitos de autor e conexos.[26] No caso em tela, Alzira Alves Campos ajuizara ação objetivando reparação por danos patrimoniais e morais em face do Sistema Globo de Videocomunicação Ltda. Afirmou a autora que atuara na obra em disputa, mas que não autorizara a exploração comercial de sua imagem e atuação de terceiros – notadamente, a comercialização e distribuição de fitas de videocassete – não tendo recebido compensação financeira por tal uso. O STJ acolheu o pleito da ré, no sentido de que os direitos patrimoniais sobre obra cinematográfica pertenceriam ao seu produtor, não havendo falar em retribuição pecuniária pela exploração da obra em benefício dos atores. Mais ainda, os artistas intérpretes deveriam ter sua remuneração previamente estabelecida no contrato de produção cinematográfica, não se prevendo direito à retribuição pecuniária pela superveniente exploração econômica da obra. Por fim, estabeleceu leitura mais limitada à expressão “no que couber”, relativa à aplicação das regras de direitos de autor para o regime dos direitos conexos, de modo que aos artistas intérpretes não se atribuiria o direito de exploração econômica da obra audiovisual, previsto ao produtor.

 3.1.2. Direito de autor do dublador

Como adiantado – e como observaremos na análise quantitativa de julgados do TJSP, no tópico 3.2 –, a maioria das decisões judiciais sobre dublagem reconhece a aplicação do regime de direitos conexos (sem, contudo, discorrer detalhadamente sobre o tema). Encontramos, porém, um único acórdão, do próprio TJSP (também sob a lei autoral antiga)[27], em que se sugere a possibilidade de se atribuir direitos de autor àquele que criar as vozes originais dos personagens – não reconhecidos no caso concreto (grifos nossos):

Contudo, forçoso convir que violação de direitos de autor não se deu, desde que, na espécie, direitos de autor não há em prol das recorrentes.

É da prova que elas não foram as criadoras intelectuais das vozes caricatas das figuras "Magali" e "Cebolinha"; nem, tampouco, quem as interpretou originalmente ou mesmo com exclusividade, certo que tal tarefa, antes e freqüentemente, foi desempenhada por outras pessoas. Executando-a, embora com técnica e aprimoramento, mas tal qual o modelo estabelecido por seu verdadeiro criador intelectual, o conhecido Maurício de Souza, as apelantes, sem qualquer conotação de típica dublagem, enquadram-se tão-somente no conceito jurídico de verdadeiras intérpretes e artistas (art. 4º, XII, da Lei nº 5.988/1973). Só por isso estariam a merecer eventual proteção legal, nunca como reais autoras, que positivamente não são e cujos direitos supostamente violados limitaram-se a postular.

De efeito, ainda que se pudesse admitir que ambas, nas interpretações desempenhadas, houvessem emprestado técnica pessoal, o certo é que não criaram os tipos de vozes caricatas reproduzidos. Limitaram-se, sem qualquer cunho de originalidade e criatividade, a imitar os padrões concebidos por seu criador original. Tal desempenho de imitação não lhes deu, ademais, notoriedade e público conhecimento, a ponto de permitir identificar qualquer uma das apelantes como as únicas ou distintas intérpretes vocais das figuras de desenho animado tratadas.

Interessante notar, também, que neste caso as autoras alegaram violação de direitos morais e "[…]personalíssimos de imagem fônica dos personagens interpretados” – ou seja, direito de voz.[28] Nesse sentido, o julgado é um tanto obscuro, por sugerir, como vimos acima, que tal direito de imagem fônica pertenceria ao autor do personagem – confundindo-se, dessa forma, com o direito de autor. Assim, o acórdão sugere de forma contraditória, em trecho posterior, que mesmo que os dubladores utilizassem aspecto vocal diferenciado na dublagem, não lhes caberia direito de autor, mas somente direitos conexos: “Pouco importaria o aspecto fônico da interpretação emprestada, na espécie, pelas recorrentes, a qual, por igual, não caracterizaria direito de autor, mas tão-somente típico direito conexo”. De igual maneira, a decisão parece sugerir que direitos conexos do dublador só seriam cabíveis quando de fato se observasse o uso de técnicas interpretativas, e não somente pela leitura das falas. Note-se, por fim, que o julgado indeferiu o pleito das autoras quanto às violações de direitos patrimoniais e morais,

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Decisão um pouco mais recente do TJSP – mas também sob a vigência da lei de 1973 –, contudo, atribui direito de autor ao dublador.[29] Trata o caso em tela de ação de indenização por danos patrimoniais e morais de autor, movida por Cibelle Ribeiro de Sá Freire em face de Abril Video da Amazonia S/A, em decorrência da comercialização de fitas de VHS, sem que se identificasse o trabalho da autora, como dubladora e intérprete musical, que participou da trilha sonora da versão brasileira do filme "Branca de Neve e os Sete Anões". O acórdão entendeu, portanto, ter havido violação de direito moral atribuição do autor, mas não patrimonial, uma vez que teria havido a cessão destes. Há que se notar, todavia, que o julgado não explica a razão de se referir a direito de autor, em vez de direitos conexos ou mesmo tutela via direito de voz, e, em determinada passagem, menciona o artigo 97 da lei antiga, referente ao direito de atribuição do artista intérprete.

3.1.3. Tutela em função da notoriedade

Como dissemos na parte teórica deste estudo, a tutela (seja de direitos de autor, conexos ou direito de voz) independe de o indivíduo ser conhecido pela população em geral. No caso específico dos dubladores, isso significa que, mesmo que suas vozes não sejam identificadas pelo grande público, ainda assim serão protegidas.

Foi nesse sentido que a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), em julgado de 26 de julho de 2011,[30] reverteu sentença de primeiro grau, de modo a reconhecer que os direitos autorais patrimoniais pela dublagem seriam devidos a ambos autores, “[...]independentemente de aquele personagem ser mais ou menos famoso ou conhecido, pois o que se tem em vista é a obrigação de retribuir o artista pelo seu trabalho artístico[...]”.[31]

Por sua vez, transcrevemos novamente trecho da decisão do TJSP na Apelação Cível nº 199.530.1/0, que trouxemos no tópico anterior: “Tal desempenho de imitação não lhes deu, ademais, notoriedade e público conhecimento, a ponto de permitir identificar qualquer uma das apelantes como as únicas ou distintas intérpretes vocais das figuras de desenho animado tratadas”. Como se vê, essa passagem vincula a ausência de notoriedade dos dubladores à não aplicação de direitos de autor.

Também nessa linha, em julgado de 2019, decidiu o TJSP: “a voz do autor não se diferencia por si só, já que não se trata de pessoa famosa, que seria reconhecida pelo público apenas por sua voz, o que afasta a proteção conferida pela mencionada lei”.[32] No caso em tela, o autor alegou que prestou serviços de dublagem à ré, mas alegou inexistir autorização ou contrato de cessão de direito autorais com esta. O acórdão, por sua vez, reconhece o direito de atribuição dos dubladores, previsto no artigo 81, parágrafo 2º, inciso VI, da LDA (tal como mencionamos anteriormente), mas entende não ter havido ato ilícito, uma vez que, por força do artigo 90, parágrafo 2º (também supramencionado), a proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações. Em não sendo o dublador uma celebridade, sua voz não seria identificável e, consequentemente, não lhe recairia proteção, de modo que não haveria ilícito praticado pela ré, tampouco obrigação de indenizar.[33]

Como vimos acima, há grande discrepância entre as decisões judiciais, no Brasil, que envolvem os direitos dos dubladores, o que reforça a insegurança jurídica sobre esse setor. No tópico seguinte, identificaremos quais inconsistências se observam nos acórdãos proferidos pelo TJSP, no espaço de um ano, muitas das quais envolvendo as mesmas partes.

3.2. Julgados recentes – TJSP

Até a presente data, foram publicados pelo TJSP cerca de 500 (quinhentos) acórdãos referentes a dublagem. Destes, a maioria esmagadora é datada posteriormente a 2014, referindo-se a ações movidas por um mesmo dublador, Sidney Carlos Lilla, em face de estúdios de dublagem, distribuidoras, emissoras de TV e mesmo agências de publicidade. Ainda que os pedidos sejam basicamente os mesmos, as decisões são por vezes discrepantes.

Para esta parte da pesquisa, mapeamos os acórdãos proferidos pelo TJSP entre 14 de agosto de 2018 e 28 de agosto de 2019, utilizando como parâmetros de busca: palavra-chave "dublagem"; classe "apelação cível"; assunto "responsabilidade civil" + "direito autoral" + "direitos da personalidade". Alguns dos julgados encontrados não foram incluídos na tabela, seja porque trataram exclusivamente de questões processuais ou prescrição, seja porque sequer trataram de dublagem em si, tendo aparecido no resultado da busca por serem citados como jurisprudência sobre a LDA. Dessa forma, nossa análise recaiu sobre um total de 39 (trinta e nove) decisões – 38 (trinta e oito) das quais versam sobre ações movidas por Lilla.

Comparando-se estes 39 (trinta e nove) julgados com acórdãos mais antigos do TJSP, vemos que estes eram mais sensíveis ao reconhecimento de direitos dos dubladores; já as decisões mais recentes são mais duras, sendo comum negarem qualquer direito, sem nem ao menos tentarem conciliar as diversas disposições de lei possivelmente aplicáveis ao caso. Possivelmente, boa parte dessa rigidez do tribunal se deva ao fato de que quase todas as ações foram ajuizadas pelo mesmo sujeito.

3.2.1. Regime jurídico aplicável à dublagem

Dos 37 (trinta e nove) acórdãos, nenhum ponderou se a performance do dublador, no caso concreto, seria capaz, em razão da sua originalidade de criar uma obra derivada, sendo assim passível de direito de autor, tal como expusemos no tópico 2.1 (e como sugere possível, de forma um tanto obscura, o TJSP na Apelação Cível nº 199.530.1/0, supramencionada). Apenas 1 (um) julgado, ao tratar de dublagem, menciona a admissão da LDA à cessão de direitos de autor – o que poderia levar a crer que reconheceria a possibilidade de sujeitar a dublagem a esse regime.[34] Não obstante, uma leitura integral do acórdão sinaliza, na verdade, uma confusão entre os termos.

Por sua vez, em apenas 5 (cinco) decisões, ampararam-se os magistrados também no regime dos direitos da personalidade (ainda que se baseiem também nos direitos conexos – ou, mais genericamente, autorais – e mencionem também a LDA) ou mencionaram direitos sobre a voz,[35] entre as quais destacamos a Apelação nº 1005931-05.2016.8.26.0002.[36] Nesse julgado, a ré Globo aduziu que o trabalho de dublagem não possui o condão de lhe assegurar os direitos conexos reconhecidos na sentença recorrida. O tema não foi diretamente endereçado pelo tribunal que, por sua vez, entendeu haver violação aos direitos do dublador, embasando-se para tanto no regime de direitos de personalidade: “Frise-se, ainda, que em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo[...]”.

Nessa mesma linha, ressaltamos também a Apelação n° 1009975-61.2016.8.26.0004, que confirmou a sentença no respeito ao seguinte:[37] “Assim é que verifico que houve cessão de uso da voz[...]”.

Já em 4 (quatro) julgados, reconhecem-se (ou citam-se precedentes que reconhecem) direitos conexos do dublador, na condição de intérprete ou executante,[38] dos quais cabem destaque:

Não se retira a natureza artística do trabalho dos atores, inclusive dos dubladores, mas a eles se reconhece um direito conexo ao direito do autor, o qual é indivisível em relação ao todo (Apelação n° 1009821-77.2015.8.26.0004. Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mônica de Carvalho, jul. 19.09.18).

[...] o direito à reprodução da voz, quando associada a atuação, como no caso dos dubladores, constitui direito conexo ao autoral, conforme expressa previsão legal (Apelação n° 1092136-05.2014.8.26.0100. Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Romulo Russo, jul. 08.05.18).

Nenhuma decisão, contudo, faz considerações detalhadas sobre a diferença entre os 3 (três) regimes ora analisados, por vezes os mencionando indistintamente e parecendo confundi-los. Exemplo disso é a Apelação n° 1085688-45.2016.8.26.0100 (grifos nossos): “Ora, não é factível querer que creiamos que o Apelado, dublador experiente que obra na profissão há mais de 20 anos, não saiba que com o sobredito instrumento particular concordar, cedeu todos os direitos quanto a sua voz, ainda mais após o pagamento dos devidos direitos autorais, fato incontroverso”.[39]

Dessa forma, percebe-se uma tendência de o Judiciário Paulista reconhecer direitos ao dublador, sem no entanto discorrer sobre sua natureza – quando muito, fala-se genericamente em direitos autorais (sem especifica se de autor ou conexos) –, e confundindo os 3 (três) regimes aplicáveis.

3.2.2. Tutela em função da notoriedade

Seis (6) acórdãos entendem que o fato de se tratar o dublador de pessoa famosa (ou não) impacta de alguma forma a extensão dos seus direitos[40] -- incluindo a Apelação 1008429-68.2016.8.26.0004, supramencionada.

3.2.3. Consentimento para uso e cessão

Como vimos na parte teórica desta pesquisa, o artigo 81 da LDA estabelece que a autorização do autor ou artista intérprete para realização da obra audiovisual implica, salvo disposição em contrário, no consentimento para seu aproveitamento econômico. Isso, por sua vez, gera dúvidas quanto a se haveria, em conjunto, cessão tácita dos direitos autorais (ou mesmo de imagem), ou se, pelo contrário, o autor ou artista deveria ser remunerado por cada nova exibição ou uso da obra. Some-se a isso, as dúvidas oriundas da proibição da cessão de direitos autorais, prevista pelo artigo 13 da Lei nº 6.533/1978, tal como expusemos.

Nesse cenário de obscuridade, apenas 2 (dois) julgados entenderam que o dublador deveria ser remunerado pelo aproveitamento comercial da obra e utilizações posteriores (como transmissão por emissoras de TV e comercialização de DVDs), vedando, portanto, a cessão:

Frise-se que a remuneração devida ao autor pelo trabalho de dublagem não se confunde e não exclui aquela devida por força da veiculação de sua voz em campanha publicitária. Trata-se de fontes diversas de remuneração. [...]o autor faz jus à reparação dos danos experimentados pela utilização indevida de sua voz, seja pela ausência de autorização, seja também em virtude da própria inexistência de remuneração. (Apelação Cível n° 1004772-29.2013.8.26.0100. Sexta Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Paulo Alcides, jul. 08.10.2018).

A clareza do dispositivo legal não deixa margem para interpretação: a autorização deve ser expressa e não tácita. O recebimento de valor da produtora do filme como contraprestação à dublagem não afasta os direitos assegurados na LDA. Em outras palavras, a eventual ciência do autor sobre a veiculação do filme em janelas diversas não o alija do direito à remuneração pela exibição contínua de sua voz no filme[...] (Apelação Cível n° 1005931-05.2016.8.26.0002. Sexta Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Paulo Alcides, jul. 25.10.2018).

Por sua vez, de acordo com 36 (trinta e seis) decisões, direitos patrimoniais não seriam cabíveis ao dublador, em função do uso comercial da obra, sua re-exibição ou veiculação em outras mídias[41]

Dentre estes, 10 (dez) baseiam-se no artigo 81 da LDA para concluir, no caso concreto, que nenhum valor adicional seria devido ao dublador.[42] Consequentemente, a autorização para a captação da dublagem implicaria, na prática, em uma cessão dos direitos patrimoniais.

Outras 21 (vinte e uma) decisões, contudo, utilizam fundamento diverso para decidir que não seria cabível remuneração ao dublador, seja pelo aproveitamento econômico da obra, por re-exibições ou por utilização por terceiros (ex: emissoras de TV ou comercialização de DVDs). Destas, 8 (oito) baseiam-se na experiência do dublador com contratos de dublagem (haja vista que exerce a profissão há anos);[43] 14 (catorze),[44] no fato de o dublador ter recebido contraprestação pela dublagem; e 9 (nove) julgados,[45] pelo dublador exercer a atividade profissional há anos. Ou seja, para grande parte dos desembargadores, o fato de o dublador ser remunerado, efetuar dublagens há muito tempo significa que tem ciência do uso comercial dos filmes, bem como de que serão licenciados para emissoras de TV e para comercialização em outras mídias (como DVDs), e modo que não poderia, já estando há anos nesse mercado, argumentar que não tinha conhecimento ou não autorizou tais utilizações, nem mesmo pleitear remuneração adicional por estas.

De igual maneira, em 7 (sete) julgados,[46] entendeu-se expressamente que o consentimento implícito para que fosse realizada a dublagem implicaria a cessão total dos direitos do autor ou do intérprete, dos quais destacamos o seguinte, ao confirmar a sentença de 1° grau (grifos nossos):

Como sabido, é de conhecimento geral que este tipo de trabalho - dublagem traz de forma implícita ou explícita a cessão de todos os direitos relativos à dublagem pelo dublador, nada mais podendo reclamar em termos de remuneração, pois esta consiste unicamente no valor pago pelo estúdio ao contratado, sem reflexos econômicos nas transações posteriores havidas entre o estúdio e as distribuidoras da obra. E, uma vez adquiridos os direitos da dublagem pela distribuidora, que já tem os direitos sobre o filme, pode livremente negociá-los com as retransmissoras, que já pagam pela obra completa, incluindo a dublagem que está embutida no preço". (Apelação n° 1096588-92.2013.8.26.0100. Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cristina Medina Modioni, jul. 08.11.2018). [47]

Na mesma linha, 3 (três) decisões[48] negam os pedidos do dublador, com base no fato de que direitos concernentes à obra audiovisual coletiva devem ser exercidos pelo detentor do direito de autor, i.e., o produtor ou diretor da obra.

Também, 6 (seis) acórdãos incumbem ao dublador o ônus de trazer a juízo o contrato em que constassem limitações à cessão, e o direito de ser remunerado a cada novo uso da obra.[49]

Por sua vez, apenas 6 (seis) julgados mencionaram o artigo 13 da Lei nº 6.533/1978, que, como explicado, veda a cessão de direitos autorais.[50] Destes, 1 (um) entendeu que referido dispositivo não seria aplicável, pois teria sido revogado pelo artigo 49 da LDA.[51] Já outros 3 (três) concluíram que só se aplicaria a dublagens efetuadas em sede de relações empregatícias,[52] das quais destacamos a seguinte, baseando-se na doutrina:

Experto na área de direito autoral assim se manifestou o nobre Desembargador Costa Netto: “posto se queira remeter a situação do dublador à previsão do artigo 13, e parágrafo único, da Lei nº 6.533/1978 e, assim, a despeito da questão da cessão em geral de direitos conexos sabida a própria possibilidade de cessão total dos próprios direitos do autor (art. 49 da Lei nº 9.610/1998), não se retrata ou demonstra na espécie situação especial de vulnerabilidade, menos ainda de relação de emprego, que atraia proteção particular da lei especial” (Apelação n° 4022278-22.2013.8.26.0405. Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, jul. 13.11.2018).[53]

Outros 2 (dois) acórdãos, por sua vez, mencionam as respectivas sentenças proferidas nos casos (em sinal de concordar com elas), segundo as quais a Lei nº 6.533/1978 teria, de fato, regulado a profissão de dublador (a despeito das considerações que levantamos na parte teórica deste artigo).

Curiosamente, os acórdãos que se referiram ao artigo 13, ainda assim, entenderam que nenhum direito patrimonial caberia ao dublador em função do aproveitamento econômico da dublagem, de novas exibições da obra ou de seu uso em outras mídias. Por sua vez, as 2 (duas) decisões que julgaram se dever remuneração adicional não mencionaram a Lei nº 6.533/1978.

3.2.4. Direito de atribuição e responsabilidade pelas violações

Como explicamos no tópico 2.1.5, o artigo 104 da LDA estabelece responsabilidade solidária entre violadores de direitos autorais. Não obstante, em tratando de serviços prestados pelo dublador a empresa de dublagem, encontramos 5 (cinco) julgados segundo o quais a responsabilidade da emissora seria limitada ao contrato que firmou com a distribuidora. [54] Em sentido contrário, identificamos 1 (um) único acórdão, embasando-se justamente no artigo 104 (Apelação n° 1092136-05.2014.8.26.0100).

Na parte teórica deste trabalho, discorremos sobre o direito moral de atribuição, previsto tanto no regime de direito de autor, como de direitos conexos, e com dispositivo específico aplicável aos dubladores (art. 81, § 2°, VII). Dentre os as decisões analisadas do TJSP, no tocante a se a conduta da parte requerida violou referido direito moral de atribuição:

●  2 (duas) entenderam que sim,[55] sendo que, em 1 (uma) não haveria dano moral, uma vez que a participação do dublador na obra fora ínfima (Apelação n° 1021778-49.2013.8.26.0100); e

●  34 (trinta e quatro) entenderam que não, da quais:[56]

- Em 1 (uma), o motivo foi a ausência de comprovação de ilícito por parte da ré, ante a ausência de comprovação de que tinha conhecimento da autoria das dublagens (Apelação n° 1001333-31.2014.8.26.0405);

- Em 1 (uma), a razão foi a Ausência de comprovação de ilícito por parte da ré, já que a voz do autor não se diferencia por si só, por não se tratar de pessoa famosa (Apelação n° 1008429-68.2016.8.26.0004);

- Em 3 (três), pelo fato de as supostas violações serem anteriores à introdução do inciso VII do parágrafo 2° do artigo 81 da LDA – o que, por sua vez, poderia reforçar a ideia de que o dublador não seria um intérprete, como exposto na parte teórica deste trabalho;[57]

- Em 7 (sete), pela ausência de comprovação dos termos contratados entre o dublador e o estúdio de dublagem acerca dos direitos decorrentes da dublagem, por entender-se que houve expressa cessão contratual dos direitos pelo dublador[58] – o que representa, portanto, a admissão pelo Judiciário da cessão mesmo de direitos morais;

- Em 4 (quatro), decidiu-se que o direito de atribuição pode ser dispensado caso o dublador tenha recebido pagamento pela dublagem[59] – também representando, na prática, uma cessão de direito moral;

- Em 4 (quatro), entendeu-se não haver um direito do dublador a exigir a divulgação posterior de seu nome, como reparação da violação ao direito de atribuição[60] (tal como previsto aos autores e intérpretes por força do artigo 108 da LDA) – o que, mais uma vez, poderia servir de argumento para se dizer que os dubladores, para fins legais, não seriam artistas intérpretes.

Ademais, 4 (quatro) julgados entendem que apenas o produtor seria responsável por violação ao direito de atribuição[61] – uma vez que o artigo 81, parágrafo 2°, o menciona expressamente –, ao passo que 1 (uma) decisão estende a obrigação de nomear os dubladores também à emissora que veiculou a obra (Apelação n° 1021778-49.2013.8.26.0100).

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENTE, Luiz Guilherme. A voz dos outros: os direitos dos dubladores no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6445, 22 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88662. Acesso em: 22 dez. 2024.

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