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Falta de comprovação de dependência econômica de cônjuge ou de familiar impede a presunção de enriquecimento ilícito do agente

Agenda 02/11/2021 às 08:40

É legítimo investigar a declaração de rendas do servidor público tomando como base o patrimônio dos seus familiares?

O ato de acumular riqueza faz parte do sistema capitalista contemporâneo e, por si só, não caracteriza a prática de ato ilícito por parte do contribuinte agente público. Há sempre que se demonstrar que houve a utilização indevida de uma prerrogativa pública para que ocorra o nexo de causalidade, a que aduz o art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92.

A caracterização de enriquecimento ilícito do agente público contribuinte do imposto de renda deve vir precedido de um ato doloso, capaz de comprometer os deveres de lealdade e de probidade para com as instituições públicas.

Em sendo assim, as investigações levadas a efeito na área patrimonial do agente público devem se atrelar à verdade real e não se distanciar dos princípios mais lídimos de direito e de justiça, visto estar percorrendo o status dignitatis do investigado e de sua família.

Quando se trata de investigação de um suposto enriquecimento ilícito, o poder investigatório é obrigado a verificar a intenção do agente público, pois terá que demonstrar o dolo específico de se utilizar de determinada prerrogativa pública, visando auferir vantagem patrimonial ilícita, visto que não será qualquer equívoco na declaração de rendas do agente que caracterizará a prática do ato desonesto, visando o enriquecimento ilícito.

 Assim sendo, a investigação não poderá ser focada em meras presunções, pois a prática do ato de improbidade exige a demonstração de dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente público se enriquecer ilicitamente.

Por essa razão, meros pecados veniais ou equívocos na declaração de rendas do agente público, desatrelado do dolo ou da materialidade necessária para a configuração do ato de improbidade administrativa, não se subsumem ao tipo descrito no art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92.

Deve a investigação partir da declaração de rendas anualmente fornecida pelo agente público, que tomará como base o disposto no § 1º, do art. 13, da Lei nº 8.429/92.

Nessa vertente, a declaração de rendas compreenderá: imóveis; móveis; semoventes; dinheiro; títulos; ações; qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais no Brasil ou no exterior; bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro e de outras pessoas que vivam sob dependência econômica do declarante.

Essa regra é bem clara e se mantém fiel ao que vem disposto no artigo 43, do CTN, que tem como fato gerador do imposto de renda (obrigação tributária) a disponibilidade econômica ou jurídica do contribuinte. Somente haverá disponibilidade econômica ou jurídica do contribuinte agente público de sua renda e de seus dependentes economicamente, não bastando os mesmos serem consanguíneos, salvo se houver conluio ou ato de má-fé entre ambos devidamente comprovado.

Assim está grafado o CTN:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Pois bem, a “aquisição” é o ato de adquirir, ou seja, de conseguir passar a ter. E a “disponibilidade” é a qualidade ou estado do que é disponível, do que se pode usar livremente.

Sendo fato gerador do imposto a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza”, não alcança a mera expectativa de ganho futuro ou em potencial.

Da mesma forma, não configura aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos a simples posse de numerário alheio.

A disponibilidade que trata o artigo 43 do CTN há de ser atual, e não futura. A disponibilidade econômica é, portanto, a possibilidade efetiva e atual, de dispor a renda, representada por moeda ou por seu equivalente.

E por disponibilidade jurídica há de se entender a possibilidade, decorrente de adequada instrumentação jurídica, de colocar a renda à efetiva e atual disposição econômica.

Importante se ter como foco de mira tais situações jurídicas para se evitar excessos do poder persecutório disciplinar, que não poderá se distanciar das normas tributárias para fins de subsunção de conduta em um possível enriquecimento ilícito de que trata o art. 9º, inc. VII, da Lei nº 9.429/92.

Assim, o agente público contribuinte possui a responsabilidade tributária sobre a sua declaração de rendas e a de seus dependentes econômicos, visto que se o seu núcleo familiar possuir renda e patrimônio jurídico próprio, mesmo que haja regime jurídico de comunhão parcial entre os cônjuges, não há como se imputar ao agente público, responsabilidades por rendas ou acréscimos patrimoniais de seus entes familiares, porque a sua responsabilidade perante a Lei nº 8.429/92 é subjetiva, vinculada aos atos concretos ou praticados visando o suposto enriquecimento ilícito .

Destaca o artigo 43 do CTN, o acréscimo patrimonial como elemento comum e nuclear dos conceitos de renda e proventos.

Em assim sendo, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial produto capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda), ou de qualquer outra causa (proventos).

Não faz o menor sentido o agente público responder pela disponibilidade econômica ou jurídica de seu companheiro(a) ou ente familiar,  se os mesmos possuem renda própria e são contribuintes individuais do Imposto de Renda, responsáveis individualmente por suas declarações de rendas.

Em abono ao que foi dito, o artigo 1º, da Lei nº 8.730/93, estabelece obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos seguintes termos:

“Art. 1º É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados:

I - Presidente da República;

II - Vice-Presidente da República;

III - Ministros de Estado;

IV - membros do Congresso Nacional;

V - membros da Magistratura Federal;

VI - membros do Ministério Público da União;

VII - todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União.

§ 1º A declaração de bens e rendas será transcrita em livro próprio de cada órgão e assinada pelo declarante:

§ 2º O declarante remeterá, incontinenti, uma cópia da declaração ao Tribunal de Contas da União, para o fim de este:

I - manter registro próprio dos bens e rendas do patrimônio privado de autoridades públicas;

II - exercer o controle da legalidade e legitimidade desses bens e rendas, com apoio nos sistemas de controle interno de cada Poder;

III - adotar as providências inerentes às suas atribuições e, se for o caso, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados;

IV - publicar, periodicamente, no Diário Oficial da União, por extrato, dados e elementos constantes da declaração;

V - prestar a qualquer das Câmaras do Congresso Nacional ou às respectivas Comissões, informações solicitadas por escrito;

VI - fornecer certidões e informações requeridas por qualquer cidadão, para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, na forma da lei.”

Sendo certo que a respectiva declaração de rendas deve ser feita pelo agente público, abrangendo o seu patrimônio e de seus dependentes economicamente, consoante expressa determinação do artigo 2º, da Lei nº 8.730/93:

“Art. 2º A declaração a que se refere o artigo anterior, excluídos os objetos e utensílios de uso doméstico de módico valor, constará de relação pormenorizada dos bens imóveis, móveis, semoventes, títulos ou valores mobiliários, direitos sobre veículos automóveis, embarcações ou aeronaves e dinheiros ou aplicações financeiras que, no País ou no exterior, constituam, separadamente, o patrimônio do declarante e de seus dependentes, na data respectiva.

§ 1º Os bens serão declarados, discriminadamente, pelos valores de aquisição constantes dos respectivos instrumentos de transferência de propriedade, com indicação concomitante de seus valores venais.

§ 2º No caso de inexistência do instrumento de transferência de propriedade, será dispensada a indicação do valor de aquisição do bem, facultada a indicação de seu valor venal à época do ato translativo, ao lado do valor venal atualizado.

§ 3º O valor de aquisição dos bens existentes no exterior será mencionado na declaração e expresso na moeda do país em que estiverem localizados.

§ 4º Na declaração de bens e rendas também serão consignados os ônus reais e obrigações do declarante, inclusive de seus dependentes, dedutíveis na apuração do patrimônio líquido, em cada período, discriminando-se entre os credores, se for o caso, a Fazenda Pública, as instituições oficiais de crédito e quaisquer entidades, públicas ou privadas, no País e no exterior.

§ 5º Relacionados os bens, direitos e obrigações, o declarante apurará a variação patrimonial ocorrida no período, indicando a origem dos recursos que hajam propiciado o eventual acréscimo.

§ 6º Na declaração constará, ainda, menção a cargos de direção e de órgãos colegiados que o declarante exerça ou haja exercido nos últimos dois anos, em empresas privadas ou de setor público e outras instituições, no País e no exterior.

§ 7º O Tribunal de Contas da União poderá:

a) expedir instruções sobre formulários da declaração e prazos máximos de remessa de sua cópia;

b) exigir, a qualquer tempo, a comprovação da legitimidade da procedência dos bens e rendas acrescidos ao patrimônio no período relativo à declaração.”

Assim, ex vi legis, todo agente público é obrigado a apresentar anualmente sua declaração de bens e valores às unidades de recursos humanos dos órgãos onde atuam, fornecendo a identificação de seus dependentes econômicos, se houver.

Quanto a este fato não há divergência.

A situação equivocada que tem se tornado comum nas investigações patrimoniais levadas à efeito através de Sindicância ou Processo Administrativo disciplinar,  é quando as respectivas Comissões Investigatórias intimam o agente público investigado a prestar esclarecimentos sobre os rendimentos e patrimônios de cônjuges ou familiares que não são dependentes tributariamente e, via de consequência, não se inserem em sua declaração de rendas, ou responsabilidade tributária.

Se tributariamente o agente público não possui a mínima responsabilidade sobre bens e rendas de familiares ou terceiros que não são seus dependentes economicamente, não haverá, pelo mesmos motivos, repercussão na esfera disciplinar.

As Comissões Investigatórias quando de suas atuações não poderão se dissociar das normas tributárias, do art. 13, da Lei nº 8.429/92 e da Lei nº 8.730/93 (arts. 1º e 2º) dentre outras, para que concretize o ideal de justiça que toda a sociedade espera, além de não macular o próprio poder apuratório.

Cabendo esclarecer que a Lei Tributária que define infrações, ou comina penalidades, deve ser interpretada mais favorável ao acusado, como determinado no art. 112, do CTN.

“Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”

Na verdade, de forma surpreendente e equivocada, para não adjetivar de outra forma, as Comissões de Sindicância Patrimonial ou Disciplinar, não vêm interpretando as normas jurídicas de forma mais favorável ao agente público investigado, e nos casos em que mesmo não havendo correlação tributária (dependência econômica) entre ele e familiares ou cônjuge, em face possuírem rendas e patrimônios autônomos, apresentando suas declarações independentemente, só por pertencerem ao mesmo núcleo familiar entre eles, vinculam as aludidas declarações para fins de enriquecimento ilícito presumido.

Ou seja, como é investigada a possibilidade de haver enriquecimento ilícito presumido do agente público, de forma ilegal, as Comissões pugnam por exigir a apresentação de declarações e informes de familiares e cônjuge não dependente tributariamente (economicamente) do mesmo, em total arrepio dos ditames legais que regem a relação funcional /tributária.

Mesmo se sabendo que o enriquecimento ilícito pode ser próprio ou alheio (terceira pessoa) a investigação patrimonial que se direciona para terceiros, visando correlacionar a um suposto enriquecimento ilícito vinculado ao agente público investigado, deve partir de provas diretas ou de indícios consistentes, pois a quebra de sigilo de dados ou fornecimento de informações tributárias não é um “cheque em branco” na mão do poder persecutório estatal, deve vir precedido de uma justa causa.

Não há a mínima possibilidade jurídica de devassar a vida de pessoas ou do agente público sem um justo motivo, , visto que se o objetivo da investigação patrimonial é verificar a probidade administrativa, combatendo a corrupção.

Não haverá, com toda certeza, aumento patrimonial desproporcional à renda legítima do agente público, quando o patrimônio de terceiros for considerado suspeito, sem que haja nexo de causalidade ilícito entre a função pública exercida e o aumento patrimonial do familiar ou de terceiro, na forma do art. 3º, da Lei nº 8.429/92.

No entanto, como já dito, a interpretação do inc. VII, do art. 9º da Lei nº 8.429/92,que trata desta subespécie de enriquecimento ilícito tem causado grande polêmica entre os juristas, além de contribuir para uma equivocada investigação patrimonial, que leva em consideração renda e/ou patrimônio desproporcional à renda legítima do agente público, quando insere terceiros, sem o mínimo indício de conluio ou ardil, ou até mesmo inexistindo a prática de ato funcional (omissivo ou comissivo).

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Não sendo dependente econômico do agente público, o legislador excluiu a possibilidade de compatibilizar compulsoriamente a renda do mesmo e o patrimônio adquirido por terceiros, para fins de subsunção de improbidade administrativa caracterizada pelos sinais exteriores de riqueza.

A presunção de enriquecimento ilícito não é absoluta, ela se caracteriza pela desproporção entre patrimônio e renda ou evolução patrimonial do agente público, prevista para combater atos de corrupção.

Por essa razão, as declarações de bens e rendas serão utilizadas para fins de análise da evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade dessa evolução com os recursos e disponibilidade com compõem o seu patrimônio na forma prevista na Lei 8.429/92.

Contudo, se houver negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, caberá à autoridade administrativa provar a utilização de ardil ou de fraude.[1]

Isso porque há a necessidade de se comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de retroatividade, de um sistema estatal arbitrário, totalmente sepultado pelo Estado Democrático de Direito que vivemos.

O enriquecimento ilícito “presumido” previsto no art. 9º, VII, da Lei nº 8.49/92 não pode ser uma norma de direito administrativo em branco, pois a sua interpretação não poderá criar ficções ou situações não contempladas em lei ou em regulamento.

Em sendo assim, as investigações patrimoniais levadas a efeito contra os agentes públicos não poderão dissociar do que vem estabelecido no art. 2º, da Lei nº 8.730/93, a fim de verificação do patrimônio do declarante e de seus dependentes.

Como sujeito passivo da obrigação principal, o agente público é responsável pelo pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, tendo relação pessoal direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, ensejador ou não de um pseudo enriquecimento ilícito do investigado.

Essa obrigação decorre de disposição expressa de lei, e, por essa razão, não pode ser objeto de criação, de ficção ou de regras objetivas, que acabam desnaturando o objetivo da legislação tributária.

Apesar de ser, em tese, uma infração disciplinar o enriquecimento ilícito, faz-se necessário, que a Comissão se utilize das normas tributárias aplicáveis no caso sub oculis, sob pena de abusos do direito de acusar.

Afirmar que a República Federativa do Brasil constitui um Estado Democrático de Direito significa dizer que o legislador constituinte quis imprimir ao Estado Brasileiro uma nova ordem normativa, um novo conceito relacionado a uma verdadeira transformação social baseada nos ideais inseridos nos incisos do artigo 1º da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;        

V - o pluralismo político.”

Em sendo assim, o art. 121 do CTN define o sujeito passivo da obrigação tributária:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

Sendo sujeito passivo da obrigação tributária, o agente público contribuinte não pode se responsabilizar por crédito tributário de terceira pessoa cônjuge ou familiar, que não figure como seu dependente economicamente, salvo se houver a demonstração explícita de que terceiros estão se enriquecendo com a participação ativa ou passiva do agente.

O agente público investigado patrimonialmente não poderá ser responsabilizado compulsoriamente pelo seu núcleo familiar, aqueles que não são dependentes economicamente em sua declaração de rendas, em face do exposto na legislação tributária, e como tal, não pode ser aferido para fins de subsunção de conduta de enriquecimento ilícito, de que trata o art. 9º inc. VII, da Lei nº 8.429/92.

Somente a Lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação,[2] ou a prática de ato ilícito que configure simulação, fraude ou ardil com o objetivo de possibilitar o enriquecimento ilícito do agente público ou do terceiro,

Dessa forma, não poderá o agente público ser considerado na posição de sujeito passivo da obrigação tributária, por fato ligado a terceiros que não sejam dependentes economicamente do mesmo em sua declaração de rendas e que não sejam beneficiários de seus atos funcionais.

Não há como se equiparar de forma automática o núcleo familiar do agente público na esfera previdenciária ou cível, para a disciplinar, onde é necessário que seja demonstrado o dolo específico de conduta voltada ao enriquecimento ilícito.

Na vertente do direito previdenciário, o artigo 16 da Lei nº 8.213/91 considera como beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

- o cônjuge;

- a companheira ou o companheiro;

- o filho não emancipado menor de 21 anos;

- filho inválido;

- os pais;

- o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) aos ou inválido;

Não se pode deixar de comparar as diferenças entre o termo jurídico unidade familiar para fins de direito tributário e a sua conceituação para efeito do direito previdenciário e para efeito de direito disciplinar.

Isso porque, para os efeitos tributários, com reflexo na área disciplinar, a unidade familiar que constará na declaração anual de rendas do agente público será a de seus dependentes econômicos, onde ele deduzirá despesas e justificará gastos dos que foram elencados como tal.

Já para fins previdenciários, a dependência econômica de cônjuge ou companheiro e filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um anos) ou inválido (cf. inc. I, do art. 16, da Lei nº 8.213/91) é presumida, levando-se em consideração o caráter dinâmico da instituição familiar, principalmente nas famílias de menor faixa de renda – que são potenciais beneficiados do Benefício de Prestação Continuada – BPC -, partindo-se da premissa fática de que as famílias pobres desenvolvem funções para gerar renda através da integração de seus membros no núcleo familiar, sem necessariamente, guardarem relação de consanguinidade entre os seus componentes.

Assim, como forma de garantir a sobrevivência de todos os integrantes desse núcleo familiar, o Regime Geral de Previdência protege até os membros que não guardarem relação de consanguinidade entre os seus componentes.

Nesse sentido, o artigo 20, parágrafo único da Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização de Assistência Social, para fins de benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la provido por sua família:

“Art. 20 – (...)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.”

Contudo, mesmo pertencendo ao núcleo familiar para a obtenção de determinados benefícios previdenciários, é de se demonstrar a dependência econômica, sob pena de não serem usufruídos determinados benefícios, como se infere:[3]

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA GENITORA. DIREITO. INEXISTÊNCIA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE ECONÔMICO. PORTARIA MPOG/SRH N° 5/2010. EXTRAPOLAÇÃO DO PODER NORMATIVO.

1. É cediço que o ato administrativo normativo deve se ater aos estreitos limites impostos pela lei, razão pela qual não pode ele restringir direito o qual não foi adstrito pela lei regulamentada, sob pena de ser declarado nulo, em razão de vício de ilegalidade.

2. Considerando que o art. 241 da Lei n° 8.112/90 assegura a condição de família a todos aqueles que sejam economicamente dependentes do servidor e constem do seu assentamento funcional, forçoso reconhecer que o art. 4° da Portaria MPOG/SRH n° 5/2010 extrapolou o poder regulamentar ao excluir genitores que vivem às expensas do agente público do rol de dependentes econômicos beneficiários do auxílio-saúde.

3. Apesar disso, in casu, o autor não logrou demonstrar a condição de dependente econômico da sua genitora, como exige o art. 241 da Lei n° 8.112/90, uma vez que somente juntou aos autos declaração de Imposto de Renda em que consta o nome dela como dependente, sendo tal documento, por si só, insuficiente para desincumbí-lo do ônus probatório.

4. Apelação e remessa oficial providas.”

Já na hipótese da improbidade administrativa, que busca a manutenção da honestidade, da honradez e integridade de caráter no exercício da função pública, não há como responsabilizar o agente público por renda ou patrimônio de seu núcleo familiar que não seja dependente no imposto de renda (economicamente).

Ele somente responderá pela prática de atos omissivos ou comissivos que forem praticados pelo mesmo, respondendo de forma ativa pela variação patrimonial incompatível com a respectiva renda, ou seja, não há espaço para ficção ou elasticidade de interpretação, vinculada a terceiros familiares, salvo se demonstrado conluio, simulação ou qualquer outro ardil, na forma do artigo 3º, da Lei nº 8.429/92.

Assim, a presunção adotada por algumas Comissões Disciplinares que investigam a variação patrimonial do agente público, não poderá considerar o núcleo familiar do investigado somente pelo fato de serem familiares ou pessoas próximas do mesmo, deverá haver um mínimo nexo de causalidade ilicitude entre o patrimônio do mesmo e familiares não dependentes.

O enriquecimento ilícito é a conduta ímproba que guarda maior intimidade com a corrupção, tanto que as organizações internacionais têm se preocupado constantemente em orientar os Estados em combatê-la.

Por essa razão, nenhuma das modalidades do artigo 9º, da Lei nº 8.429/92 admite a forma culposa, todas são dolosas. É que todas as espécies de atuação do agente público capazes de gerar enriquecimento ilícito pressupõe a consciência da antijuricidade dos resultados pretendidos. Nessas condições, o agente público somente poderá responder por seus atos, ou de pessoas que atuem em conluio com ele (art. 3º, da Lei nº 8.429/92), como já dito alhures.

Como a renda declarada pelo mesmo abrange seus rendimentos e de seus dependentes economicamente, não há como responsabilizá-lo objetivamente por atos do seu núcleo familiar que não esteja vinculado ao mesmo, visto que a responsabilidade é subjetiva.

Dessa forma, a presunção de vantagem patrimonial obtida pelo agente público que não seja direta (por meio de atuação ou omissão funcional efetiva) deve estar devidamente comprovada por um vínculo probatório eficaz e efetivo, pois não é lícito que se faça conclusões desatreladas da realidade.

A reprovação patrimonial/financeira recai sobre o comportamento ilícito daquele que se enriquece de forma duvidosa, principalmente quando o agente público possui como fonte exclusiva de rendimentos a remuneração de seu cargo, e demonstra uma variação patrimonial incompatível com a renda recebida.

No direito sancionador a presunção é muito perigosa, pois ao tempo que ela independe de prova, na improbidade administrativa não se aceita a responsabilidade objetiva, justamente por ser necessária a prova do dolo nas situações de enriquecimento ilícito.

Por ser relativa tal presunção, ela admite prova que a afaste, ou seja, cabe ao agente público demonstrar, através de sua declaração de rendas ou documentos pertinentes, a compatibilidade de seu patrimônio em face a renda recebida.

Cabendo ressaltar que não é defeso ao agente público ter outras fontes de rendas, que deverão ser compatibilizadas no seu fluxo financeiro e não poderão ser ignoradas pela Comissão Processante.

A responsabilidade por infrações da legislação tributária, capaz de configurar possível enriquecimento ilícito do agente público é pessoal, exigindo a prática de dolo específico, na forma do art. 137, do CTN:

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Em sendo assim, não há como responsabilizar o agente público por atos praticados por terceiros ou por seu núcleo familiar que não é dependente economicamente do mesmo, para fins de subsunção de conduta de enriquecimento ilícito presumido.[4]

Mesmo que o cônjuge do agente público investigado, casado pelo regime de comunhão parcial de bens, declare individualmente seus rendimentos, não será compulsória a presunção de um possível enriquecimento ilícito do mesmo, pois eventual proveito ilícito auferido pelo servidor não é presumido, depende de prova direta, ou de nexo de causalidade da prática de ato ímprobo.

Ademais, os integrantes do núcleo familiar, por si só, não fazem  prova da prática de qualquer ato ilícito que por ventura seja de responsabilidade do agente, porquanto necessário demonstrar a mínima participação no pseudo ato ímprobo.

Isso porque, terceiros ou familiares podem se beneficiar, de forma direta ou indireta, do ato de improbidade administrativa, sendo alcançados pelas disposições da Lei nº 8.429/92 (art. 3º), desde que haja uma prova robusta e efetiva de tal situação, que não comporta presunção ou achismo.

Não justifica a integração compulsória de núcleo familiar em investigação patrimonial de agente público sem que haja justa causa, pois nas esferas administrativas, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos, consoante determinação expressa do art. 20, da LINDB.

“Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

Em sendo assim, as normas que descrevem infrações administrativas constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva por parte das Comissões Disciplinares.[5]

Assim, diante da inexistência de previsão legal expressa (art. 2º, da Lei nº 8.730/93 e art. 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92), não é lícito que se investigue compulsoriamente a declaração de rendas do agente público tomando como base bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos ou de outras pessoas que não vivam sob dependência econômica do declarante, salvo se comprovada a utilização dos mesmos para fins de prática de ato ilícito que se resulte em enriquecimento ilícito do mesmo de terceiros.

Somente é aplicável o disposto na Lei nº 8.429/92 para aquele que, mesmo não sendo agente público induza ou concorra para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta, na forma do art. 3º, da Lei citada.

Da mesma forma, não sendo demonstrado um induzimento, uma concorrência ou um benefício ilícito é defeso à Comissão Disciplinar partir de uma responsabilidade solidária do núcleo familiar do agente público investigado patrimonialmente.

A relação dos bens, que abrange os do cônjuge, companheira, filhos e outras pessoas sob dependência econômica (art. 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92), será discriminada no Imposto de Renda do agente público com os valores de aquisição constantes dos respectivos instrumentos de transferência de propriedade, com indicação concomitante de seus valores venais (art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.730/93) ou do valor venal da época da transmissão acompanhado de sua expressão atualizada (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.730/93).

Feita a relação, o agente público deverá apurar a variação patrimonial ocorrida, indicando a origem dos recursos que haja o eventual acréscimo (art. 2º, § 5º, da Lei nº 8.730/93).

Por outro lado, é de se considerar o grave equívoco do Decreto 5.483/2005 que a pretexto de regulamentar o artigo 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92 alterou a respectiva redação, em afronta ao princípio da legalidade.

Para deixar bem nítida a ilegalidade do art. 2º, do Decreto nº 5.483/2005, quando ele à guisa de regulamentação da declaração de rendas do agente público, alterou a condição de dependente econômico do mesmo para contemplar indiscriminadamente o cônjuge, os filhos e familiares do investigado, como se verifica no quadro analítico das normas legais pertinentes.

§ 1º do art. 13, da Lei nº 8.429/92

Art. 2º do Decreto nº 5483/2005

“A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de  outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.” (g.n.)

“A posse e o exercício de agente público em cargo, emprego ou função da Administração Pública direta ou indireta, ficam condicionados à apresentação, pelo interessado, de declaração de bens e valores que integram o seu patrimônio, bem como os do cônjuge, companheiro, filhos ou outras pessoas que vivam sob sua dependência econômica, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.” (g.n.)

Visando driblar a necessidade da dependência econômica do núcleo familiar, segundo estabelecido no § 1º, do artigo 13, da Lei nº 8.429/92, o art. 2º do Decreto nº 5483/2005 vincula, de forma ilegal, os bens e valores que integram o patrimônio do cônjuge, companheiro, filhos ou outras pessoas que não vivam sob a dependência econômica do agente público.

A mudança parece singela, mas não é pois o artigo 2º, do Decreto nº 5483/2005, trocou a palavra “e” pela conjunção “ou”, com a finalidade de alterar o escopo da interpretação do § 1º, do art. 13, da Lei nº 8.429/92, para elastecer a investigação patrimonial do agente público incluindo o seu núcleo familiar que não é dependente financeiramente do mesmo.

Absurdo! Ato totalmente ilegal e imoral, pois altera dispositivo do § 1º, do art. 13, da Lei nº 8.429/92, de forma inconstitucional, visto que o Decreto nº 5.483/2005 não pode se equiparar a lei, ele somente poderá regulamentar matéria já prevista na lei.

O princípio da reserva legal (art. 5º, inc. II, da CF) estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Somente por meio de espécies normativas (art. 59, da CF) devidamente elaboradas, conforme regras do processo legislativo constitucional é que se pode criar obrigações para os indivíduos. O Decreto Regulamentar não poderá jamais invadir a competência constitucional da lei, como verificado no Decreto nº 5483/2005.

Portanto, é totalmente ilegal a Administração Pública, a pretexto da utilização do Decreto nº 5.483/2005, tornar compulsória a investigação patrimonial para o núcleo familiar não dependente tributariamente do agente público.

A investigação disciplinar, aí abrangida também a Sindicância Patrimonial, deve ser precedida do princípio da legalidade, sob pena de gerar um desserviço a sociedade, além de constranger ilegalmente o agente público.

Deve o poder persecutório estatal disciplinar seguir a regra do artigo 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92, combinado com o artigo 2º, da Lei nº 8730/93, sob pena de causar constrangimento ilegal de gentes públicos investigados.

Destarte, mesmo sendo admitido pelo Poder Judiciário, a presunção de enriquecimento ilícito do agente público, cabendo ao mesmo demonstrar a origem lícita de seus patrimônio quando confrontado com a renda auferida, para fins tributários/fiscais não se admite presunções, e muito menos a utilização de um decreto como se o mesmo fosse a lei, para se alterar a redação do art. 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92.

Inúmeras decisões administrativas e judiciais, bem como a melhor doutrina tributária, em uma só voz, afirmam pela impossibilidade de o procedimento fiscal ser baseado em presunções, assim, não se pode permanecer no âmbito da “tese” e sim penetrar e comprovar por fatos, demonstrados pela venda de material.

Não se deve esquecer que mesmo sendo uma investigação disciplinar, quando ela se insere na declaração de rendas do agente público e de seus dependentes, a regra a ser percorrida é a tributária, conjugada com o que vem estabelecido no art. 13, § 1º, da Lei nº 8.429/92. E no art. 2º, da Lei nº 8.730/93.

Cabendo ressaltar que desta conclusão se extrai a importância da verdade material na seara administrativa/tributária, onde a Administração Pública possui o dever de demonstrar e comprovar e não de apenas alegar ou presumir, transformando o Decreto nº 5483/2005 em norma jurídica equiparada a lei.

A finalidade central da investigação deve se focar na verdade tributária, com o objetivo de se verificar se há ou não o enriquecimento ilícito do agente público, vinculando a sua responsabilidade subjetiva, de ser probo e honesto, não se admitindo ilações ou presunções criadas pelo poder fiscalizador.

Em assim sendo, mesmo a investigação estando atrelada ao princípio da verdade material, ela deve, sobretudo, preconizar, pelo princípio da legalidade, tendente a proteção de direitos e a garantias dos investigados, em detrimento dos arbítrios do poder.

A instauração do processo disciplinar tem como finalidade a descoberta da verdade material no que toca ao seu objeto; e vai a lei fiscal conceder aos seus órgãos de aplicação meios instrutores vastíssimos que lhe permitam formar convicção da existência e conteúdo do fato tributário, bem como se há ou não o enriquecimento ilícito do agente investigado.  

Neste mesmo sentido, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS assim discorre:

“De início há de se considerar a inexistência de presunções absolutas, jure et de júri em direito tributário, segundo os mais recentes estudos na matéria.

O Direito Tributário Brasileiro é regido por dois princípios fundamentais, plasmados na Constituição Federal de forma implícita e explicitados em lei complementar, em nível de norma geral.

São os princípios da estrita legalidade e da tipicidade fechada que desaguam na reserva legal absoluta da lei formal tributária.

(...)

Por decorrência, após o surgimento de um sistema brasileiro de direito tributário, todos os estudos fiscais avançaram na linha de que não são a elasticidade elástica e a tipicidade relativa, próprias do direito privado instrumentos jurídicos de pertinência para o Direito Tributário, mas contrariamente, são a legalidade plena e a tipicidade fechada os únicos de valia para o intérprete especializado.

Sendo a lei tributária lei de imposição, em que o autor é dela beneficiado e executor(sujeito ativo da relação tributária), cabe ao sujeito passivo, exclusivamente, a proteção da lei, razão pela qual deve este conter a totalidade do tributo exigido, dela não se podendo tirar qualquer exegese flexível, a favor da parte mais forte da referida relação jurídica. Os estudos pioneiros da Alberto Xavier e Yone dolácio de Oliveira, no TV Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária, com a participação de trabalhos dos seguintes juristas: Aires Fernandino Barreto, Anna Emília Cordelli Alves, Antônio José da Costa, Aurélio Pitanga de Seixas Filho, Carlos Celso Orcesi da Costa, Cecília Maria Piedra Marcondes; Célio de Freitas Batalha, Djalma de Campos, Dirceu Antônio Pastorelio, Edda Gonçalves Mafel, Fábio de Souza Coutinho, Gilberto de Ulhoa Canto, Hugo de Brito Machado, Yves Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares de Melo, Ricardo Mariz de Oliveira, Vittório Cassone, Wagner Balera, Ylves José de Miranda Guimarães, Yonne Dolácio de Oliveira e YoschiallI Ichiara, espaçaram de vez as dúvidas tomando claro que, sendo a única defesa real do sujeito passivo, não pode ser interpretada a favor da pessoa jurídica mais poderosa, objetivando elasticidade hermenêutica maior para beneficiar as conveniências exegéticas do Estado.

Tais autores, em verdade, desvendaram que o espírito maior do sistema brasileiro de direito penal, ou seja, que na dúvida a norma deve ser sempre interpretada a favor do sujeito passivo que equivale ao réu na execução criminal.

(...)

Por essa razão, as presunções absolutas inexistem, tanto no direito penal quanto no direito tributário. A presunção absoluta, se prova de elisão existir, transforma sua adoção em ficção jurídica. Isto é, em mentira legal, por se considerar verdadeiro aquilo que a realidade dos fatos demonstra em contrário.

(...)

Em verdade, a presunção absoluta que levasse à imposição fiscal, contra a evidência dos fatos estaria ferindo o princípio da estrita legalidade, que nasce da Carta Magna.

(...)

Por essa razão, seja a ficção legal, que é a prévia aceitação de uma falsidade como verdade jurídica, seja a presunção absoluta, que é eliminar a potencialidade de se demonstrar que os fatos previsivelmente impuníveis, impuníveis não são, apresentam-se com técnicas legislativas de impossível aceitação no direito tributário por ferirem a reserva absoluta de lei formal, que não pode ser diferente nos textos inferiores, dos princípios maiores colocados na Constituição Federal.”[6]

O Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[7] também intensifica a necessidade de se afastar presunções quando se trata de verificação patrimonial do contribuinte:

“O fisco não deve e não pode assumir as vestes e a psicologia do verdugo, que o administrado não é um servo do Estado – mas cidadão – nem é Réu por presunção, a quem se devam infringir ‘castigos’ fiscais, só absorvíveis ante inconfundível prova de ovina inocência.

(...)

Nesta verificação, não lhe cabe atitude inquisitória, vastas vezes implacável, de produzir a propósito de apurar a verdade, seja ela favorável ao contribuinte abandonara de sua declaração ou, de revés incriminante para o administrado.”

Logo, a presunção, “achismo”, “comprovado em tese” e figuras semelhantes, como meio de tributação não é admitida pelo nosso sistema tributário, para fins de subsunção de conduta ímproba de agente público no tipo descrito no artigo 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92.

Por essa visão hodierna, o agente público contribuinte, ao invés de ser coagido, deve prima facie ter conhecimento dos seus direitos para poder cumprir todas as suas obrigações (Clélio Barbi, “o processo Fiscal – Teoria e prática” – 1996, Ed. Leone, 210), pois a atividade primordial do Fisco é orientar os cidadãos e não apenas buscar equívocos cometidos para aplicar multa e aumentar a arrecadação. O binômio orientação e fiscalização há de ser pautado no respeito ao contribuinte, jamais se curvar a gula fiscal. Da mesma forma, quando foi instaurada investigação disciplinar, a mesma não poderá se desviar desse caminho legal, pois a ficção ou a presunção é algo nefasto ao direito sancionador que exige a liquidez e a certeza do fato investigado.

Sendo o processo administrativo instrumento para a apuração de verdade material , onde a Administração Pública deve atuar de forma cristalina, sem dúvidas e suposições, motivo pelo qual não se pode prescindir da apropriada comprovação dos dados apurados pela autoridade competente, é defeso arbitrar a existência de renda e a lei somente admite a presunção de omissão de receita que exige, à obviedade, a comprovação efetiva de sua apuração.

Da mesma forma, o patrimônio incompatível com a renda exige prova robusta, não bastando mera presunção ou a utilização de ficções ou contribuintes que legalmente não estejam sob a responsabilidade econômica do agente público investigado.

Por isso mesmo, na legislação do imposto de renda, somente se visualiza duas possibilidades de apurar omissão de receitas: por indício na escrituração ou através de prova concreta. Em qualquer hipótese, não basta a valoração, compete à autoridade o ônus de provar claramente a omissão, demonstrando, irrefutavelmente, o elo de ligação entre o valor omitido à tributação e a respectiva omissão.

Ademais, qualquer alteração na declaração de rendas do agente público, feito pela Comissão Disciplinar, deverá descrever de forma clara e objetiva onde houve a violação legal, requisito básico necessário ao nascimento da obrigação fiscal disciplinar correspondente.

Este fato deve ser certo e determinado.

É necessário demonstrar a necessária existência de uma relação entre o fato imputado ao agente público e o respectivo desequilíbrio patrimonial, isso porque partir-se de uma hipotética corrupção passiva, tipificada no art. 317 do CP, para se presumir a respectiva desproporcionalidade disciplinar, não se afigura como lícito e nem razoável.

Ninguém é desonesto, desleal ou parcial por negligência. Ou o agente público labora motivo pelo dolo (e pratica ato de improbidade) ou não se aperfeiçoa à figura jurídica elencada no art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92.Assim sendo, qualquer vício de inconsistência na declaração de rendas do agente público que demonstre ilegalidade, sem a demonstração do elemento subjetivo do tipo, não se subsume em ato ímprobo.

Isso porque, a ilegalidade e a improbidade administrativa não são, em absoluto, situações ou conceitos intercambiáveis, não sendo juridicamente aceitável tomar-se uma pela outra (ou vice-versa), uma vez que cada uma delas possui a peculiar conformação estrita: por improbidade pode-se entender que ela é uma ilegalidade qualificada pelo intuito desonesto do agente público, atuando sob impulsos de má-fé, malícia ou dolo.

Ademais, o enriquecimento ilícito não pode ter como ponto de partida ilegalidades ou equívocos desastrados sob o prisma tributário contábil, mas sim deve demonstrar que através de uma atuação malsã do agente público houve o enriquecimento ilícito próprio ou o alheio (art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92).

Isso porque, quando se faz a distinção conceitual entre ilegalidade e improbidade administrativa, ocorre a aproximação da indesejada responsabilidade objetiva por infrações, não contemplada pela Lei nº 8.429/92.

Por outro lado, a Variação (ou acréscimo) Patrimonial a Descoberto – VPD, por sua vez, é um conceito eminentemente tributário-fiscal, conforme se extrai, exemplificativamente, do art. 47, do Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto de Renda):

“Decreto 9.580/2018

(...)

Art. 47 – São também tributáveis.

(...)

XIII - as quantias correspondentes ao acréscimo patrimonial da pessoa física, apurado mensalmente, quando esse acréscimo não for justificado pelos rendimentos tributáveis, não tributáveis, tributados exclusivamente na fonte ou objeto de tributação definitiva;

(...).” grifei

Observa-se, assim, que pela lei regulamentadora tributária, o contribuinte que optar pelo desconto simplificado do imposto de renda não poderá utilizar o valor deduzido a título de imposto como justificativa para acréscimo patrimonial; o que, no entanto, não quer dizer que esse valor seja de origem ilícita, mas que, apenas a lei já o presume consumido e, portanto, não configura origem de recursos em apuração de acréscimo patrimonial.

O que comprova é que o conceito tributário de Variação (ou Acréscimo) Patrimonial a Descoberto – VPD não se confunde com o tipo de ato ilícito descrito na Lei de Improbidade Administrativa, que exige da Administração a prova inequívoca de que, de fato, o servidor, em razão do cargo público ocupado, adquira dolosamente (sem origem lícita) bens desproporcionais à sua renda para, só assim autorizar hipótese de incidência presuntiva do inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92.

Estando o agente em pleno exercício de suas funções, para a tipificação do que vem estabelecido na conduta descrita no inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, deverão estar presentes os seguintes requisitos.

Verificados esses requisitos, contida estará a violação ao citado dispositivo (improbidade administrativa na modalidade enriquecimento ilícito), sendo que no primeiro comportamento descrito deverá estar devidamente caracterizada a vontade livre e consciente do agente público (dolo) de enriquecer licitamente, mediante uma atuação funcional abusiva e desproporcional em prol de seus interesses pessoais e contrários aos interesses públicos. Não há previsão a título de culpa nesse tipo de ilícito.

O dolo deve ser o direto ou genérico, consistente na vontade deliberada e consciente do agente de receber vantagem patrimonial indevida para a prática de um ato ilícito contra os interesses públicos (morais e financeiros).

É certo, assim, pela tipicidade do ato ímprobo em comento, que compete à Administração comprovar que o incremento patrimonial do servidor ocorreu em razão do cargo público, a atrair a presunção legal de que ele foi ilícito; e só assim pode-se falar em enriquecimento ilícito para o efeito do inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, consoante retrata o seguinte precedente do e. Superior Tribunal de Justiça.[8]

“(...) A jurisprudência deste Superior Tribunal é no sentido de que em matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito (...).” (grifei)

Nessas circunstâncias, havendo a acusação contra o agente público que ele teria exigido ou recebido vantagens financeiras em razão ou em decorrência do desempenho de sua função pública, embora se trate de dúvida – de fato de comprovação dificílima -, precisa ser devidamente evidenciada na sua materialidade e cercada de indícios veementes quanto à sua autoria, para que se possa iniciar a persecução estatal.


[1] Parágrafo único, do art. 116 do CTN: “(...)Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” 

[2] Art. 128 do CTN: “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

[3] TRF – 5ª Reg., Rel. Des. Fed. Raimundo Alves de Campos Júnior, APELREEX 0009774-33.2011.4.05.8200, 3ª T., DJ de 11.02.2014, p. 328.

[4] “(...) 3. A conduta do agente, nos casos dos arts. 9º. e 11 da Lei 8.429/92, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo; nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/92, cogita-se que possa ser culposa, mas em nenhuma das hipóteses legais se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva.” (STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, REsp nº 1.530234-SP, 1ª T., julgado em 6.10.2015).

[5] “1. Na forma da jurisprudência, ‘as normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva’.” (STJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, AgInt no REsp nº 1.423.452/SP, 1ª T., DJE de 13.03.2018).

[6] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Presunções e Fraudes, in Revista de Direito Tributário, São Paulo: nº 32, p. 102-104.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito Tributário nº 23/24, p. 100.

[8] STJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, MS nº 20765/DF, 1ª S, DJ de 14.02.2017).

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Falta de comprovação de dependência econômica de cônjuge ou de familiar impede a presunção de enriquecimento ilícito do agente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6698, 2 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88846. Acesso em: 24 nov. 2024.

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