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Execução provisória e definitiva: a divergência doutrinária acerca da definitividade da execução fundada em título executivo extrajudicial

Agenda 01/03/2000 às 00:00

A execução pode ser definitiva ou provisória, consoante expõe o artigo 587, do Código de Processo Civil, verbis:

"Art. 587. A execução é definitiva, quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial; é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no efeito devolutivo."

A regra, com efeito, é o caráter definitivo da execução. A execução provisória tem caráter rigorosamente excepcional, estando limitada aos casos expressos em lei e indicados no art. 520 do CPC.(1)

A execução provisória, tanto nos casos enumerados no artigo 520 quanto em todas as demais hipóteses de execução provisional permitidas em leis especiais, inclusive na "execução" de quaisquer liminares satisfativas, obedece ao princípio da responsabilidade objetiva. Fundada na teoria do risco, a responsabilidade objetiva ou sem culpa estabelece que aquele que provisoriamente executa a decisão judicial não definitiva, haverá de ressarcir a outra parte, independentemente da existência de dolo ou culpa, pelos danos que a execução provisional lhe causar. Trata-se do princípio estabelecido no artigo 588, I, do CPC, que sujeita o exeqüente a prestar caução.

O segundo princípio insculpido no mesmo artigo 588, em seu inciso II, é o que limita o alcance da execução provisória impedindo que, através dela, se consumem atos irreversíveis, particularmente aqueles que importem alienação do domínio ou, o que poderia ter idênticas conseqüências, o levantamento do depósito judicial de dinheiro, salvo, neste caso, mediante o oferecimento de caução idônea. Esta limitação é natural. Sendo provisória a execução, sujeita a ser inteiramente desfeita, com a "restituição das coisas ao estado anterior" (artigo 588, III), não se admite, por exemplo, que o respectivo procedimento fosse conduzido, nas execuções por quantia certa, até a realização da arrematação do bem penhorado e sua transferência a terceiro, resultado este que não poderia, como diz o mencionado preceito legal, "ficar sem efeito", sobrevindo sentença de grau superior que modifique, ou anule, a sentença provisoriamente executada. (2)

Por último, o terceiro princípio estabelecido pelo artigo 588, no inciso III, é o de que, sobrevindo sentença que modifique ou anule a decisão provisoriamente executada, os atos praticados em virtude da execução provisória ficarão sem efeito, "restituindo-se as coisas no estado anterior".

Sendo confirmada a sentença que se está executando provisoriamente pelo juízo recursal, a execução, que era provisória, torna-se definitiva.

Acerca do procedimento específico da execução provisória, cumpre dizer que será executada nos autos suplementares, como determina o artigo 589 do CPC, onde os houver, vale dizer, em todas as comarcas com exceção da do Distrito Federal e das comarcas das Capitais dos Estados (artigo 159, CPC). Não havendo autos suplementares, a execução provisória far-se-á por carta de sentença, elaborada pelo respectivo cartório e que conterá as seguintes peças extraídas dos autos em que fora proferida a sentença exeqüenda:

  1. autuação;
  2. petição inicial e procuração outorgada pelas partes a seus advogados;
  3. contestação;
  4. sentença exeqüenda; e
  5. o despacho que houver recebido o recurso somente no efeito devolutivo.

O artigo 520, V, do CPC, prescreve que a apelação – interposta contra a sentença que julgar improcedentes os embargos opostos à execução – será recebida somente no efeito devolutivo, de modo que o recurso, em tal caso, não terá a virtude de impedir a execução provisória do julgado recorrido. Com efeito, tal sistemática cria um sério problema quando se tem de decidir a respeito da natureza da execução permitida por este dispositivo quando a execução por quantia certa seja fundada em título executivo extrajudicial.

A execução que tem como fundamento título extrajudicial não poderá ser provisória, posto que a provisoriedade da execução, a que se refere o artigo 587, pressupõe execução fundada em sentença sujeita a recurso. Ao contrário, a execução que se funda em título extrajudicial será naturalmente execução definitiva. (3)

Entretanto, segundo o artigo 520, V, tendo sido interpostos embargos do devedor nesta espécie de execução, contra a sentença que os julgar improcedentes, caberá apelação somente no efeito devolutivo. Nesta hipótese, indaga-se: a execução que tivera caráter definitivo, rejeitados os embargos, retomará seu curso agora como execução provisória?

CELSO NUNES, a propósito, leciona que:

"(...) os embargos são, sempre, suspensivos e interrompem o curso da atividade juris-satisfativa própria da execução"; acrescenta, mais adiante, que "(...) essa ação de conhecimento, oposta à de execução fundada em título extrajudicial, é precisamente, a de embargos, com a qual se instaura um processo tipicamente jurisdicional. Enquanto esse processo não tiver termo final, está sobrestada a atividade juris-satisfativa, própria do procedimento executório que só se restabelece na hipótese do trânsito em julgado da sentença que rejeita os embargos opostos.

...................................

"Autorizar a reabertura definitiva, quando provisória é a rejeição dos embargos, é medida que se nos afigura temerária, diante dos irremediáveis prejuízos que poderá acarretar aos embargantes, caso sejam vitoriosos na solução do recurso."

"A nosso ver, só as situações indiscutíveis de plena certeza jurídica autorizam o juiz ultimar os atos de alienação forçada dos bens penhorados."

"Por isso, se pende a apelação ou outro recurso da decisão que rejeitou os embargos, mesmo que de efeito apenas devolutivo, como o agravo ou o recurso extraordinário, solução definitiva da lide não existe, e a reabertura da execução só se poderá dar a título precário, isto é, como medida provisória, sujeita às limitações do art. 588." (4)

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É o entendimento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR(5), ao sustentar que "autorizar a reabertura da execução em caráter definitivo, quando provisória é a rejeição dos embargos, é medida que se nos afigura temerária, diante dos irremediáveis prejuízos que poderá acarretar ao embargante, caso seja vitorioso na solução do recurso". E acrescenta: "a nosso ver, só as situações indiscutíveis, de plena certeza jurídica, autorizam o juiz a ultimar os atos de alienação forçada dos bens penhorados (...) por isso, se pende apelação ou outro recurso da decisão que rejeitou os embargos, mesmo que de efeito apenas devolutivo, como o agravo ou o recurso extraordinário, solução definitiva da lide não existe, e a reabertura da execução só se poderá dar a título precário, isto é, como medida provisória, sujeita às limitações do art. 588".

A matéria não é pacífica tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos tribunais. Em que pesem os argumentos de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, CELSO NUNES, J. FREDERICO MARQUES(6), dentre outros que comungam do mesmo entendimento, a melhor orientação é a sustentada no julgado paradigma do Superior tribunal de Justiça(7), segundo o qual "É definitiva a execução fundada em título extrajudicial , não estando, assim, a exeqüente obrigada a prestar caução, uma das cautelas incluídas nos princípios que regem a execução provisória".

O Código de Processo Civil, em seu artigo 587, às expressas, conceitua a execução fundada em título extrajudicial como definitiva, equiparando-a, inclusive, as com suporte em sentença transitada em julgado.

É o magistério de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA:

"A execução prossegue em caráter provisório, caso a sentença exeqüenda – que é proferida no anterior processo de conhecimento, não a que repeliu os embargos – esteja ainda sujeita a recurso (art. 587, segunda parte); em caráter definitivo, na hipótese contrária, bem como na de título extrajudicial (art. 587, primeira parte). A eventual pendência de recurso contra a sentença que julgou improcedentes os embargos não obsta à definitividade da execução; esse recurso é que alude o art. 686, V, segunda parte, por onde se vê que apesar dele se promove, na execução pecuniária, a hasta pública – inconcebível se aquela fosse provisória (art. 588, II)." (8)

Na mesma trilha, SILVA PACHECO:

"O disposto no art. 520, V, tem muito interesse, principalmente na execução com base em título extrajudicial. Julgados improcedentes os embargos opostos, a execução prosseguirá, independente do recurso, e nem por isso tornar-se-á provisória, porque definitiva é ela, desde o início, consoante o art. 587." (9)

Oportuno ainda consignar os ensinamentos de NELSON NERY JÚNIOR:

"Quando iniciada a execução, por título judicial transitado em julgado ou por título extrajudicial, é sempre definitiva. Iniciada definitiva, não se transmuda em provisória, nem pela oposição de embargos do devedor, nem pela interposição de recurso contra sentença que julgar improcedentes os embargos ou rejeitá-los liminarmente (CPC, 520, V). É que a sentença transitada em julgado e o título extrajudicial têm plena eficácia executiva e gozam de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. Com a rejeição liminar ou a improcedência dos embargos, essa presunção resta reforçada e confirmada, de sorte que a execução deve prosseguir sem a suspensividade operada pela oposição de embargos e/ou pela interposição de recurso recebido apenas no efeito devolutivo. Provido o recurso, resolve-se em perdas e danos em favor do devedor." (10)

Partilham do mesmo entendimento PONTES DE MIRANDA(11), CLITO FORNACIARI(12) e ARAKEN DE ASSIS(13), dentre outros. Este último, afirma que "representaria flagrante contrasenso, além de chancelar a completa inutilidade da amputação do efeito suspensivo da apelação nesta hipótese, transformar em provisória execução iniciada definitiva" (14). ARAKEN DE ASSIS rebate os argumentos sustentados por aqueles que defendem o caráter provisório:

"A posição contrária lobriga temor quanto à reversão da sentença e os conseqüentes danos provocados na esfera jurídica do executado. Essas considerações se mostram pouco razoáveis. Em primeiro lugar, o ressarcimento do devedor se encontra assegurado pelo art. 574; ademais, o regime do art. 520, V, deriva de sábio juízo de probabilidade: o credor já dispunha de título, beneficiado pela presunção de certeza, e, agora, a seu favor milita a sentença proferida nos embargos, é verdade que provisória, mas que só reforça a credibilidade de sua vantagem inicial. Entre travar por mais tempo a execução, na pendência do recurso, e desde logo atuar os meios executórios, o legislador optou, com razão, pela primeira diretriz. Ela não é de assustar." (15)

A construção interpretativa adotada pela primeira corrente não se compadece com a norma legal, data venia. Da forma como posto por aqueles que defendem a provisoriedade da execução, na verdade, não se suspende, apenas, a executoriedade do título, mas transforma a execução, que já é definitiva, a teor do citado artigo 507 da lei processual civil, em provisória, desfigurando o instituto.

Importa ressaltar que, no caso de eventual provimento dos recursos do devedor-embargante interpostos contra a sentença que decretou a improcedência dos embargos, quando as execuções já estiverem definitivamente terminadas, no que pertine aos danos irreparáveis, a solução está prevista no artigo 574, da mesma lei adjetiva.

É o entendimento esposado neste aresto do Tribunal de Alçada do Paraná:

"EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DEFINITIVIDADE, MESMO NA PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE APELAÇÃO DE SENTENÇA QUE REJEITA OS EMBARGOS.

          O sistema do Código é, inequivocamente, o de considerar definitiva a execução de título considerar definitiva a execução de título extrajudicial (assim como o de sentença transitada em julgado), mesmo na pendência de apelação da sentença que julga os embargos improcedentes (ou que os rejeita por qualquer fundamento), de acordo com os artigos 587, 520, V e 574.

          A tese contrária é, data venia, ilógica, pois uma execução definitiva não pode converter-se em execução provisória: o contrário é que acontece, quando, iniciada a execução como provisória, porque fundada em sentença (lato sensu) ainda não transitada em julgado, com o julgamento do último recurso interposto, que confirma a condenação ela se torna definitiva."

(TAPR – 2.ª Câmara Cível. AG n.º 71476900. Rel. Juiz Ribas Malachini. DJ de 16.02.96)

No mesmo diapasão já se manifestaram o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal:

"PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À ARREMATAÇÃO – EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL – SENTENÇA QUE OS JULGA IMPROCEDENTES NÃO TRANSITADA EM JULGADO – CARÁTER DEFINITIVO – ART. 587, DO CPC.

          I – Assentado na doutrina e jurisprudência o entendimento no sentido de que, julgados improcedentes os Embargos, a Execução prosseguirá em caráter definitivo, se ou quando fundada em título extrajudicial, equiparada esta, inclusive, àquela com suporte em sentença transitada em julgado (art. 587, do CPC)."

(STJ – 3.ª Turma. Resp. n.º 11.203-SP. Rel. Min. Waldemar Zveiter. DJ de 03.08.92)

"Execução de sentença, com liquidação transitada em julgado. Embargos do devedor. Caráter definitivo da execução. Caução. Em casos dessa espécie, apresenta-se definitiva a execução, ainda que penda apelação da sentença que julga improcedentes os embargos. Caso em que se não requer a prestação de caução. Recurso especial não conhecido."

(STJ. Resp. n.º 6.382-PR. Rel. Min. Nilson Naves. DJ de 30.09.91)

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FORÇADA.

          Na pendência de apelação oposta à sentença que julgara improcedentes os embargos do devedor, pode ter prosseguimento, em caráter definitivo, e não apenas provisório, a execução contra o devedor por título extrajudicial (Cód. Proc. Civil, art. 587)"

(RE n.º 95.583/PR, 2.ª Turma do STF, unânime, rel. Min. Décio Miranda, RTJ 110/700)

Diante disso, conclui-se pelo caráter definitivo da execução fundada em título extrajudicial, afastando-se a necessidade do exeqüente de prestar caução, e resolvendo-se eventuais perdas e danos segundo a dicção do artigo 574 do CPC.


NOTAS

  1. Cf. SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: RT, 1998. Página 51.
  2. Idem. Página 53.
  3. Idem. Página 54.
  4. Processo de Execução. 3.ª edição. Páginas 150-151.
  5. Processo de Execução. 17.ª edição. São Paulo: Leud, 1994. Página 141 e seguintes.
  6. No seu Manual de Direito Processual Civil. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 1976. Páginas 51-56.
  7. STJ – 3.ª Turma. Ag. n.º 50.548-SP. No mesmo sentido, o RE n.º 95.583/PR – RTJ 100/700.
  8. O Novo Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 1.ª edição. Vol. II. Páginas 166-167.
  9. Tratado das execuções. São Paulo: Saraiva, 1976. 2.ª ed. Vol. I. Páginas 209-210.
  10. Código de Processo Civil comentado. 2.ª edição. São Paulo: RT, 1996, página 1.021.
  11. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. X, página 411.
  12. Em seus Comentários de jurisprudência, in Revista de Processo, vol. I, página 181.
  13. Manual do Processo de Execução. 5.ª edição. São Paulo: RT, 1998.
  14. Página 284.
  15. Idem, página 1048.
Sobre o autor
Antonio Henrique Graciano Suxberger

Promotor de Justiça no DF (MPDFT).Mestre em "Direito, Estado e Constituição" pela Universidade de Brasília (2005) e Doutor em "Direitos Humanos e Desenvolvimento" pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha, 2009).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano. Execução provisória e definitiva: a divergência doutrinária acerca da definitividade da execução fundada em título executivo extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/889. Acesso em: 22 dez. 2024.

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