1. INTRODUÇÃO
Sempre senti que a civilização implantou-se no momento em que o homem delegou a um ser seu semelhante o direito e poder de julgar os seus atos e de impor-lhe a punição prevista pelas normas geradas na comunidade, mesmo que não escritas.
Por isso a apologia em derredor da possibilidade de realização do procedimento executório extrajudicial levou-me a viver momentos de grandes preocupações com a sorte do próprio direito, de modo a me conduzir a elaborar este trabalho, surpreso com o acolhimento que juristas de escol emprestam à possibilidade de uma pessoa jurídica de Direito Privado exercitar a jurisdição, atribuição que é conferida pela legislação processual e pela Constituição Federal, exclusivamente ao Poder Judiciário, um dos Poderes da República, e que só pode ser exercido pelos seus órgãos específicos, constituídos de juizes singulares e de tribunais.
Sinto atingida a minha consciência jurídica ao perceber que, nesse passo, voltamos à distribuição da Justiça com as próprias mãos sob aplausos incompreensíveis de alguns estudiosos. É como se me fosse dado o direito de punir o ladrão que me assaltou, ou meliante que surrupiou de minha conta bancária quantia ali depositada, utilizando um cartão de crédito clonado; ou de levar a efeito o despejo de um inquilino faltoso, tudo isso sem necessidade de provocar os órgãos jurisdicionais, porque, no processo de execução extrajudicial do decreto-lei sob apreciação acontece exatamente assim: o credor, ou suposto credor estabelece, singularmente, o valor do seu crédito e notifica o devedor, ou suposto devedor, de que deve saldá-lo num prazo máximo de até vinte (20) dias, sob pena de o imóvel a que está vinculado o débito resultante do empréstimo hipotecário ser leiloado. Não há intervenção judicial alguma.
Não vejo nenhuma diferença entre esse procedimento adotado pelos agentes financeiros e aqueles exemplos do inquilino que esteja em débito e que o locador venha a notificá-lo para pagar a dívida que o proprietário estipular, liquidando-a no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, ser expulso do imóvel pelo proprietário com a colaboração até da polícia, como na punição imposta ao bandido por sua vítima.
Nesse passo, torna-se necessário que o conceito de alguns institutos vinculados ao tema, sejam estudados, pondo a descoberto irremediavelmente a ilegitimidade e a revogação constitucional do procedimento processual executório extrajudicial.
O Poder Judiciário ficaria, então, para utilização apenas opcional, ou para questões muito intrincadas, nas quais a parte que se considera lesada não disponha de nenhum instrumento ou meio para mensurar o seu direito ou de um modo de executá-lo extrajudicialmente e a seu talante.
Entendo, por estas razões e de acordo com o que aqui exponho, que o procedimento executivo extrajudicial lança por terra todo o conceito de jurisdição e até faz desaparecer, ao menos em parte, a necessidade de manutenção do Poder Judiciário, destruindo a teoria de Montesquieu, de pesos e contrapesos dos Poderes do Estado e de sua convivência harmônica, força maior do Estado Democrático de Direito.
2. JURISDIÇÃO EM QUE CONSISTE
Compreendo que o primeiro instituto a ser examinado, porque em derredor dele gira a maior parte da sustentação da tese, segundo a qual somente ao Poder Judiciário é atribuído o seu exercício, é o da jurisdição, daí a necessidade de sua conceituação em destaque inicial.
Ensinam os estudiosos que Jurisdição é a " administração da Justiça pelo Poder Judiciário. " (MARIA HELENA DINIZ , Dicionário Jurídico, Vol. III, pág. 24.
Para CARLOS ANTONIO DE ARAUJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CANDIDO R. DINAMARCO, a jurisdição
"é uma das funções do Estado, mediante a qual se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar atuação da vontade do direito objetivo que rege a lide que lhe é apresentada em concreto para ser solucionada; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressado autoritativamente o
preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizado no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)" – TEORIA GERAL DO PROCESSO – 6ª. Edição, pág. 83. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo.
Acrescentam aqueles autores, na mesma obra página 84:
"E, assim, através do exercício da função jurisdicional, o que busca o Estado é fazer com que se atinjam, em cada caso concreto, o objetivo das normas de direito substancial. Em outras palavras, o escopo da jurisdição é a atuação (cumprimento realização) das normas de direito substancial (direito objetivo).
Carnelutti, de seu turno, ensina com propriedade que:
" Toda gente sabe que ao lado do Estado legislador existe o Estado juiz. É possível que, na história ou na pré-história do direito, o juiz tenha precedido o legislador. Ao Estado juiz corresponde a função jurisdicional." Teoria Geral do Direito, LEJUS, 1999, pág. 147, São Paulo.
PINTO FERREIRA registra que :
"A jurisdição em sentido genérico, é o poder do Estado de dizer o direito (jusdicere) , o poder de interpretar e aplicar o direito. É uma função do Estado exercida pelo juiz e pelos tribunais, num processo para resolver o litígio entre as partes, os conflitos intersubjetivos existentes na sociedade.
As pessoas não têm mais o poder de praticar a justiça por suas próprias mãos como antigamente, porque essa função hoje é do Estado: daí se dizer com procedência que a subjetividade é uma das características da jurisdição.
Mediante a jurisdição o Estado substitui, através do processo, os próprios titulares dos interesses conflitantes entre as partes para agir imparcialmente, determinando imperativamente a norma jurídica por uma sentença de mérito, que é realizada no mundo fático pela execução forçada. O Estado exerce, assim, a tarefa de promover a pacificação de conflitos interindividuais ou intersubjetivos, aplicando o direito por intermédio do processo.
Entendida como atividade a jurisdição é o conjunto de atos do juiz no processo mediante os quais exerce o poder de aplicar o direito . A jurisdição só se legitima, e daí a legitimidade do poder, pela aplicação do direito por meio do processo devidamente estruturado, que é o devido processo legal.
A jurisdição é a expressão do poder estatal soberano, é um modo de concretização da soberania. Esta é una e indivisível, e não seria apropriado afirmar a existência de uma pluralidade de jurisdições porque seria entender que também existe uma pluralidade de soberanias. " PINTO FERREIRA, CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL; Editora Saraiva, 1998, pág. 87.
Não é concebível, pois, que na presente fase de desenvolvimento do Direito, possa um particular exercer a função jurisdicional, como está ocorrendo em decorrência da parte já revogada pela Constituição Federal de 1988, do Decreto-Lei 70/66.
Por isso que, de seu turno, CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, seguem a mesma trilha retro quando da abordagem constitucional sobre o PODER JUDICIÁRIO, com estas assertivas :
" A função jurisdicional só se independentizou das demais no século XVIII com a prevalência da Teoria de Montesquiou consistente já agora na clássica separação do poder. "(...) " Ao lado da função de legislar e administrar, o Estado exerce a função jurisdicional. Coincidindo com o próprio evoluir da organização estatal, foi ele absorvendo o papel de dirimir as controvérsias que surgiam quando da aplicação das leis. "Em consequência, acrescentam aqueles autores, " À função jurisdicional cabe este importante papel de fazer valer o ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez em que o seu cumprimento não se dê sem resistência. Ao próprio particular (ou até mesmo às pessoas jurídicas de direito público), o Estado subtraiu a faculdade de exercício de seus direitos pelas próprias mãos. O lesado tem de comparecer diante do Poder Judiciário, o qual, tomando conhecimento da controvérsia, se substitui à própria vontade das partes que foram impotentes para se comporem. O Estado, através de um de seus Poderes, dita, assim de forma substitutiva à vontade das próprias partes, qual o direito que estas têm de cumprir " A lição que, Em seguimento, colhem de "Arruda Alvim" a respeito, é lapidar:
" Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui; definitivamente, a atividade e a vontade das partes "CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, in COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, Vol. 4, págs. 1,11 e 13, Editora Saraiva, São Paulo, 1997.
Em consequência de tais escólios não é possível encontrar na vasta doutrina a respeito, qualquer discrepância dessa interpretação , que se amalgamam ao afirmar que a função de aplicar o direito e de fazer justiça, escapa das mãos dos particulares para repousar nas mãos do Estado por seu Poder Judiciário, o que, na verdade, traduz-se na realização da civilização afastando, de todo, a possibilidade da realização da justiça com as próprias mãos, de quem se considera ofendido, o que representaria, somente, uma vingança e não a concretização da justiça. E o Estado civilizado quer a lei respeitada e não a vingança entre os seus cidadãos, situacão que resultaria num incontrolável caos a conduzir para uma senda de verdadeira destruição da própria civilização.
Ver-se-á adiante, todavia, que, embora a força do poder econômico tenha objetivo guardar para si uma fatia da função jurisdicional procurando apoio nos artigos 30 , 31 e 38 do Decreto Lei n.º 70, de 1966, estes dispositivos não podem mais prevalecer, porque derrogados pela Constituição Federal de 1988, que elevou a sede constitucional os basilares princípios processuais do contraditório e da ampla defesa, ausentes nestes citados dispositivos.
Apesar de ser, desse modo, indiscutível a exclusividade do exercício da jurisdição, pelo Poder Judiciário, afastando a possibilidade do primervo comportamento de ser feita justiça com as próprias mãos, encontram-se teses em sentido contrário, é verdade, causando uma surpresa e um choque o seu agasalhamento, com a pregação da possibilidade de uma instituição privada – Instituições Financeiras - poder dessa forma desapossarem bens de terceiros proprietários, sem a participação do Poder Juduciário, tal como imbuídos da atribuição jurisdicional, com o encargo de aplicar o Direito e distribuir a Justiça. É absurdo, mas há, maltratando a consciência jurídica daqueles preocupados com o império da lei.
Enquanto a Constituição assegura ampla defesa, e o contraditório mesmo em processo administrativo, o nefando Decreto-Lei de nº 70/66, esmagador da majestade da lei e da Constituição, prevê contra o credor do agente financeiro o seguinte:
" Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o credor que houver preferido executá-la de acordo com este decreto-lei, formalizará ao agente fiduciário a solicitação da execução da dívida, instruindo-a com os seguintes documentos"
" Recebida a solicitação da execução da dívida, o agente fiduciário, nos dez dias subsequentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos concedendo-lhe o prazo de vinte dias para a purgação da mora"
" Não acudindo o devedor a purgação do débito o agente fiduciário estará de pleno direito autorizado a publicar editais e efetuar, no decurso dos 15 (quinze) dias imediatos, o primeiro leilão público do imóvel." Art. 31 parágrafo primeiro e art. 32.
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS
O Decreto-Lei em causa, briga de frente com o art. 5º, da Constituição Federal e seu inciso LV, pois ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal, isto é, sem defesa e sem contraditório , como impõe o decreto lei multicitado.
" A ampla defesa deve ser assegurada aos litigantes tanto no processo judicial como no processo administrativo. O devido processo legal (due process of law) do direito norte-americano eqüivale à formula da ampla defesa. A Constituição Federal vigente usa as expressões devido processo legal e ampla defesa no art. 59, respectivamente nos incisos LIV e LV" PINTO FERREIRA - " COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA" - SARAIVA - Vol. 1º, pãg.176.
" DEVIDO PROCESSO LEGAL é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo tipo prova - desde que obtida por meio lícito - prova que entenda seu advogado dever produzir, em juízo.
Sem processo e sem sentença, que prolatada esta por magistrado incompetente, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens" J. CRETELLA JR. " COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988", Editora Forense Universitária, Vol. I, pág. 530.
Para maior compreensão, cada um desses princípios merecerá abordagem específica, em sequência.
4. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
Como é de sabença geral, todos os ramos da ciência jurídica ostentam princípios inderrogáveis, cuja obediência é imposta para a validade e eficácia dos atos praticados. No processo, constituem princípios basilares os que dizem respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, que mereceram figurar no texto constitucional. O que nos interessa neste trabalho, pois, é o exame desses princípios processuais constitucionais, que dizem respeito à obediência ao devido processo legal; ao contraditório e à ampla defesa a serem enfocados de per si.
5. O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
De imprescindível proveito a colheita de estudos elaborados por juristas de escol para o embasamento de nossa teoria aqui exposta. Assim, valho-me do " CURSO AVANÇADO DE PROCESSO CIVIL ", que reportando-se aos princípios processuais constitucionais, informa que
"o primeiro deles, que se consubstancia em postulado fundamental de todo o sistema processual, é o princípio do devido processo legal. Segundo esse princípio previsto no inciso LIV do art. 5º da CF, "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal ".
"Isso quer dizer toda e qualquer consequência processual que as partes possam sofrer, tanto na esfera da liberdade pessoal quanto no âmbito do seu patrimônio, deve necessariamente decorrer de uma decisão prolatada num processo que tenha tramitado
de conformidade com antecedente previsão legal. O devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas consequências tenham sido previstas na lei. " In CURSO AVANÇADO DE PROCESSO CIVIL, coordenação de LUIZ RODRIGUES WAMBIER, Vol. L, pág. 64, Editora Revista dos Tribunais, pág. 64, São Paulo.
Naturalmente , Lei vigente, acrescento, quando se examina a questão aqui narrada, verifica-se que não há lei que assegure o devido processo legal para sustentar uma execução sem a intervenção judicial, já que a jurisdição é privativa do Poder Judiciário, e a Constituição Federal revogou os art. 30, parte final , 31 e 38 do multicitado Decreto-Lei 70/66.
JOSÉ RUBENS DA COSTA, salienta sobre o assunto ser :
"o devido processo legal , princípio constitucional constitucionalizado (art. 5º, LIV), endereça-se à proteção da parte como o próprio mecanismo do Poder Judiciário ou dos Poderes Legislativo e Executivo.
No tocante ao Judiciário, significa que o processo se inicia e extingue nos casos e formas legais (art. 2º), pelo que o Judiciário está proibido de agir fora do procedimento fixado em lei, o que poderia constituir um contra-senso, ou seja, alguém invoca a garantia constitucional e acaba por ela sendo lesado",
e conclui com a afirmativa:
"O descumprimento do devido processo legal gera insanável nulidade. JOSÉ RUBENS DA COSTA, "MANUAL DE PROCESSO CIVIL, Vol. 1 , págs. 20 e 21, Saraiva, 1944, São Paulo.
A propósito ainda do princípio do devido processo legal a partir daqui :
"Afirmam alguns juristas que o postulado do devido processo legal confunde-se com o Estado de Direito, enquanto outros asseveram que supõe uma "moldura do Estado, que é, por excelência, a do Estado Democrático ..." (...) "A categoria constitucional ora em pauta, é segundo os doutos um princípio pois entendida como um mandamento nuclear de um sistema e, é também uma garantia porque tem esse condão de assegurar os interesses dos cidadãos, limitando o poder do Estado. Já se afirmou serem os princípios constitucionais idéias ordenadoras refletidas em regra jurídica, embora não se possa perder de vista o caráter normativo dos princípios constitucionais que representam verdadeiro sistema de comandos.
Para muitos é verdadeira instituição traduzindo uma idéia completa e objetiva com o escopo de propiciar a defesa e a fruição dos direitos que cada cidadão possui; e para outros é princípio fundamental do processo civil, servindo de base sustentadora de todos os demais princípios. " ODETE NOVAIS CARNEIRO QUEIROZ, in REVISTA DOS TRIBUNAIS, Vol. 748, págs. 47, 48 e 49.
" O devido processo legal significa o direito a regular curso de administração da justiça pelos juizes e tribunais. A cláusula constitucional do devido processo legal abrange a forma compreensiva : a)o direito à citação, pois ninguém pode ser acusado sem ter conhecimento da acusação; b) direito de arrolamento de testemunhas, que deverão ser intimadas para comparecer perante a justiça; c) direito ao procedimento contraditório ; d) o direito de não ser processado por leis ex post factor ; e) o direito de igualdade com a acusação; f) o direito de ser julgado mediante provas e evidência legal e legitimamente obtida; g) o direito ao juiz natural;
h)o privilégio contra a auto incriminação; i ) indeclinabilidade da prestação jurisdicional quando solicitada; j ) o direito aos recursos; l ) o direito à decisão com eficácia de coisa julgada. "PINTO FERREIRA – COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, lº Volume, págs. 175 a 176, Editora Saraiva, São Paulo, 1989.
Evidencia-se que, no processo executório extrajudicial, estão ausentes todos os requisitos relativos ao princípio processual- constitucional do devido processo legal, ausente a possibilidade de defesa, de produção de provas, da prestação jurisdicional, da obtenção de uma sentença com efeito de coisa julgada, o que só pode ser obtido mediante a intervenção estatal por seus órgãos jurisdicionais, através do Poder Judiciário.
6. O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO
" Os autores, de modo geral, fazem embutir no princípio do devido processo legal, aquele relativo à ampla defesa, como faz J. CRETELLA JR.: DEVIDO PROCESSO LEGAL é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo tipo de prova – desde que obtido por meio lícito – prova que entenda seu advogado dever produzir em juízo. Sem processo e sem sentença, ou prolatada esta por magistrado incompetente, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens." COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988, Vol. I, pág. 530, Editora Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2ª. ed. 1990.
"Complementando e explicitando a garantia anterior, o inciso LV assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes. Consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a ) ter conhecimento claro da imputação; b ) poder apresentar alegações contra a acusação; c ) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d ) ter defesa técnica com advogado, cuja função, aliás , é essencial à Administração da Justiça (CF art. 133) e e ) poder recorrer da decisão desfavorável.
Por sua vez o contraditório é a técnica processual e procedimental que impõe a bilateralidade do processo. Todos os atos devem ser realizados de modo que a parte contrária possa deles participar ou, pelo menos, possa impugná-los em contramanifestação. A Constituição exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz , sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática antes da decisão "(...) "O contraditório que é o instrumento técnico da ampla defesa deve estar presente em todo o processo e não somente na instrução criminal, conforme dava a entender a redação defeituosa do texto constitucional anterior. " VICENTE GRECO FILHO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO, Vol. l º , pág. 47, Editora Saraiva, 10ª. Ed. 1995, São Paulo.
Enquanto a Constituição Federal garante estes direitos, o decreto-lei 70, de 1966, permite ao agente financeiro cobrar o que acha que tem direito, sem possibilitar defesa, contrariando ainda a interpretação doutrinária e jurisprudencial daqueles princípios constitucionais.