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Regime de separação de bens e seus efeitos quanto ao direito à herança

Agenda 20/03/2021 às 14:58

Esse artigo apresenta de forma sucinta as diferenças do regime de separação de bens frente à sucessão.

O casamento é a união voluntária entre dois indivíduos que ensejam constituir uma família, formando um vínculo conjugal baseado nas condições dispostas pelo direito civil. Tal união estabelece aspectos afetivos e econômicos, portanto é imprescindível que o casal escolha um regime de bens para administrar as questões patrimoniais da vida a dois. De acordo com Maria Berenice Dias (2013), “o regime de bens é uma consequência jurídica do casamento”.

O regime escolhido servirá para administrar a partilha de bens não só nos casos de  dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio (relevante ao direito de família), mas também pela morte (âmbito do direito sucessório), momento em ocorre a abertura da sucessão.

O estudo em questão tratará do regime da separação de bens, que no Brasil pode ter duas origens: Pela imposição legal, descrita no artigo 1.641 do Código Civil, regime de separação legal ou obrigatória de bens, ou pela vontade das partes, regime da separação convencional de bens, que decorre da autonomia privada dos cônjuges, escolhido por meio de um pacto antenupcial, conforme autoriza o art. 1.640 do Código Civil.

O Direito Sucessório nasceu para regular a transmissão de bens, coisas, direitos e encargos da pessoa que faleceu para alguém que irá substitui-la, estando intimamente ligado com a ideia de continuidade da pessoa humana. Tal área do direito considera o regime de separação convencional de forma diversa do legal, estipulando que nos casos do regime de separação legal, o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes à partilha dos bens. Não mencionando regra a respeito do regime convencional de separação, o que fomenta discursão doutrinária acerca do tema analisado.

A sucessão é dividida em duas modalidades: Legítima e  testamentária. A testamentária ocorre quando o falecido deixa testamento dispondo a divisão de seus bens, e a legítima sobrevém da falta de testamento, deferindo o  patrimônio do morto a seus herdeiros necessários e facultativos, convocados conforme a lei. Se houver testamento mas não envolver todos os bens, a sucessão legítima também será aplicada, de acordo com o artigo 1.788 do Codigo Civil. Aos herdeiros necessários pertence metade dos bens da herança, a denominada legítima.

O cônjuge é considerado herdeiro necessário, portanto tem direito a legítima, não podendo ser afastado da sucessão pela via testamentária. O Código Civil em seu artigo 1.829 dispõe ordem de vocação hereditária. Na qual os descendentes são os primeiro a serem chamados para exercer seu direito de herança, em concorrência com o cônjuge, salvo se casado com o falecido sob regime de comunhão universal, de separação obrigatória, ou regime da comunhão parcial de bens e não tiver deixado bens particulares. Depois são chamados os ascendentes em concorrência com o cônjuge, e na falta de descendentes e ascendentes vivos, herda o cônjuge a totalidade da legítima.

 É certo que no regime de separação legal de bens, o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes à herança, porém o legislador se manteve omisso quanto ao regime de separação convencional, fato que  levou a doutrina a dividir-se trazendo posicionamentos que apoiam o afastamento ou não da concorrência no regime de separação convencional de bens.

 

{C}A.      Pela exclusão do cônjuge casado pelo regime da separação convencional de bens

Alguns doutrinadores defendem a tese de que o cônjuge casado pelo regime da separação convencional de bens não tem direito a concorrer à herança com os descentes. Tal posicionamento não possui muitos adeptos, tornando-se, assim, a corrente minoritária.

A doutrina minoritária defende a lógica de que se a sucessão nada mais é do que a continuidade da personalidade do morto em outra pessoa, e que portanto, se o de cujos em vida queria a incomunicabilidade de seu patrimônio com seu cônjuge, porque não o querer em morte. Preservando assim a personalidade mesmo após a morte, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

Miguel Reale e Judith Martins-Costa argumentam:

É evidente que haveria quebra da unidade sistemática do Código a não-extensão, por analogia (eadem ratio), da solução dada aos casados em separação total de bens por imposição legal. Mais ainda, haveria quebra da coerência lógica, pois se estaria, concomitantemente, (i) reconhecendo aos nubentes a possibilidade de autodeterminação para escolherem a separação patrimonial e (ii) negando essa mesma possibilidade pela imposição de uma comunicabilidade post mortem.

Em defesa a essa corrente surgiu o Projeto de Lei 1.792/2007 que apresentou-se no sentido de alterar a redação do art. 1.829, inciso I do Código Civil, a fim de inserir a exclusão do cônjuge da condição de herdeiro necessário se casado no regime da separação convencional de bens, uma vez que a omissão presente na  lei constitui uma  descaracterização do que é o regime de separação de bens, anulando o regime adotado pelos nubentes. Para apresentar seu posicionamento, o relator baseia-se nas ideias do Prof. Dr. Miguel Reale, destacando o pacto anti nupcial como ato solene, que exige livre e espontânea vontade das partes em separar seu próprio patrimônio, evidenciando assim a  liberdade de escolha presente no Princípio da Intervenção Mínima do Estado  no âmbito do Direito de família.

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A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 992.749, estabeleceu que o regime de separação de bens, é gênero que congrega duas espécies: a separação legal, obrigatório por lei para alguns casos, e a separação convencional, que é estabelecida pela vontade das partes. A ministra explica que ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Sendo assim, no Recurso Especial, a 3ª Turma decidiu que o cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens não ostenta a condição de herdeiro necessário em concorrência com os ascendentes.

 

{C}B.      Pela inclusão do cônjuge casado pelo regime da separação convencional de bens

Apesar de todo embasamento teórico feito em defesa da exclusão na sucessão do cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens e da decisão tomada no Recurso Especial n° 992.749 pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009, a corrente majoritária defende e fundamenta a inclusao desse cônjuge na concorrência sucessória com os descendentes.

O ponto chave que inclui o cônjuge casado sob regime da separação convencional de bens, é a grande diferença entre o regime legal e o convenional de separação, não podendo o conjuge que escolheu por livre e espontânea vontade como regular seu patrimonio na vigência do casamento ser prejudicado por regra pertinente a casos específicos da união imposto pela lei , uma vez que a escolha do regime de bens é feita por pacto antinupcuial e é passivel de alterações.

É preciso pontuar, que os institutos “regime de bens” e “direito sucessorio” não se confundem, pois desempenham funções distintas. Flávio Tartuce enfatiza essa questão com as seguintes palavras:

Nunca se pode esquecer que a meação não se confunde com a herança, sendo este baralhamento muito comum entre os operadores do Direito. Meação é instituto de Direito de Família, que depende do regime de bens adotado e da autonomia privada dos envolvidos, que estão vivos. Herança é instituto de Direito das Sucessões, que decorre da morte do falecido.

No que tange a questão dos deveres contratuais, o entendimento da doutrina minoritária que obriga as partes aos efeitos do casamento mesmo após a morte, nao se aplica. Visto que obrigação é o vínculo jurídico entre o credor e devedor em vida, e o evento da morte põe fim ao casamento, permitindo, inclusive, que o supérstite se case novamente. Logo o falecimento do cônjuge põe fim à sociedade conjugal por força expressa do art. 1.571, I, do Código Civil e, sendo assim, o regime de bens também se extingue com a morte.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento que inclui o cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens na sucessão, como podemos perceber na seguinte decisão:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. CASAMENTO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE COM OS DESCENDENTES DO FALECIDO.1. A Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que, “No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido” (REsp 1382170/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 26/05/2015).

Diante do exposto, podemos perceber a herança como direito assegurado pela Carta Magna, que garante ao cidadão a certeza do acesso à propriedade dos bens deixados pelo de cujus, na forma e nos termos prescritos pelo Direito Civil, assegurando aos herdeiros legitimados a posse e propriedade desses bens, logo retirar o cônjuge casado no regime de separação convencional de bens da concorrência sucessória é uma agressão à dignidade da pessoa humana, uma vez que o mesmo não é afastado pelo Codigo Civil.

O Judiciário em diversos julgados, vem entendendo que sendo situações distintas (direito de família e direito sucessório), não comportam tratamento homogêneo, então, no regime de separação convencional de bens, em caso de divórcio do casal, não haverá divisão dos bens, cada um ficará com o que é seu, já no falecimento de um deles a regra será outra, pois o cônjuge sobrevivente terá direito aos bens deixados pelo falecido. Importante pontuar  que o contrato pré-nupcial, celebrado no regime de separação convencional, tem eficácia acerca da incomunicabilidade dos bens entre os cônjuges durante o casamento, sendo passível de alteração, mediante autorização judicial,  e jamais após a morte de um dos nubentes.

Por outro lado, não se deve confundir o regime de separação convencional com o regime de separação obrigatória ou legal de bens, pois neste último a aplicação do regime não advém da vontade das partes e sim por determinação legal, produzindo desta forma, efeitos no momento da sucessão.

Observa-se, portanto, que os pontos apresentados pela corrente minoritária têm uma grande importância nesse debate, pois apresentam soluções à situações específicas que não possuem amparo legal aparente. Entretanto, mesmo diante desses vazios citados, a forma como hoje encontra-se projetado o Direito Sucessório não permite retirar o cônjuge casado pelo regime da separação convencional de bens da concorrência com os descendentes.

 

Referências bibliográficas

BRASIL. Parecer do Projeto de Lei 1.792 de 2007. Relator Deputado Valtenir Pereira. >http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=595691&filename =PRL+1+CSSF+%3D%3E+PL+1792/2007 < Acessado em 8 de setembro de 2020.

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

REALE, Miguel Junior; COSTA, Judith Martins. DIREITO CIVIL. Sucessões.Casamento sob o regime da separação total de bens, voluntariamente escolhido pelos nubentes. Pacto Antenupcial de Separação total de bens e frutos. Código Civil, art. 1.829, inciso I. Interpretação. Compreensão do fenômeno sucessório e seus critérios hermenêuticos. A força normativa do pacto antenupcial. Revista Trimestral de Direito Civil. v. 25, p. 205 a 228.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Direito das Sucessões. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 172.

Sobre a autora
Hortencia Juniery Souto

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Informações sobre o texto

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