Da disciplina do tributo
O ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) também popularmente denominado de ISS (Imposto Sobre Serviços), está disciplinado na Lei Complementar nº 116/2003 e é tributo de competência Municipal.
A sua previsão está disposta na Constituição Federal, mais especificamente no artigo 156, III, verbis:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (g.n.)
Da leitura do aludido inciso, nota-se que embora sejam serviços de qualquer natureza, há uma exceção constitucionalmente prevista: os serviços não compreendidos no artigo 155, II da CF.
Neste está previsto o ICMS, imposto de competência Estadual relativo à prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior[1].
Assim, ressalvadas as prestações de serviços relativas a comunicação e transporte interestadual e intermunicipal, o Município pode instituir o ISSQN sob a roupagem de Lei Complementar.
Do seu fato gerador
A própria Constituição Federal, em linhas mestras, define o fato gerador do ISS, qual seja, a prestação de serviços.
Entretanto, na Lei Complementar nº 116/2003, em seu artigo 1º há a definição precisa do fato gerador do ISSQN, verbis:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. (g.n.)
§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
Nesse sentido cabe trazer ao lume a definição de prestação de serviço estatuída pelo Supremo Tribunal Federal no RE 651.703/PR, isso porque se trata de conceito de direito privado.
O Supremo Tribunal Federal, portanto, definiu que prestação de serviço é “o oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestado com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugado ou não à entrega de bens ao tomador”.
Da taxatividade da lista anexa à LC 116/2003
A própria legislação do ISSQN em seu artigo primeiro, conforme alhures demonstrado, dá conta da existência de uma lista anexa de serviços os quais se se prestados exsurge fato gerador do tributo.
A lista anexa é taxativa, e portanto, não tem lugar a analogia para a inclusão de serviços que não constam de seu rol.
Entretanto, a indagação que surge é sobre a possibilidade ou não de interpretação extensiva ou ampliativa sobre os serviços ali descritos.
Da interpretação extensiva dos serviços listados na LC 116/2003.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça tem remansoso entendimento no sentido de que há a possibilidade de interpretar-se a lista de serviços anexa de forma ampliativa.
Pois bem, o entendimento estampado pela cortes superiores reside no fato de que a própria Lei Complementar 116/03 quando trata do fato gerador do ISSQN em seu artigo 1º, §4º aduz:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
(...)
§ 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado. (g.n.)
O motivo segundo o qual ensejou-se tal entendimento exsurge da própria literalidade da lista anexa que ao definir os serviços ali tributados ao fim da lista utiliza-se da expressão ‘correlatos’:
Isso porque, consta a expressão “outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento” no item 95 da lista anexa ao Decreto-Lei 406/1968, na redação dada pela Lei Complementar 56/1987. (Tema 296 da Repercussão Geral).
Ora, por óbvio, os serviços correlatos, por constar de expressa disposição legal são tributáveis, muito embora a lista seja taxativa.
Interpretação distinta desta levaria à conclusão de que a cada novo serviço inventado ou ainda, a mudança da nomenclatura ou denominação do serviço demandaria uma modificação da legislação para incluí-lo, o que do ponto de vista fiscal tornar-se-ia inviável do ponto de vista de política fiscal.
O Ministro Gilmar Mendes em seu voto-vogal assim aduziu:
Não se trata de exigir que, a cada nova denominação de um serviço já previsto na lista taxativa anexa à Lei Complementar 116/2003, se altere esta legislação para inseri-lo. Trata-se, na verdade, de não se permitir que seja possível, ressalvada a situação da abertura textual nesse sentido – além daquela disposta no parágrafo único do art. 116 do CTN –, que a autoridade administrativa tribute serviço não constante na lista taxativa da lei complementar a que se refere o inciso III do art. 156 da CF.
Se a própria lista anexa ao definir o serviço tributado dá margem a possibilidade de se incluir entre o serviço tributado outro correlato, não há a possiblidade de se diminuir o alcance da norma:
Verifica-se, portanto, que a lista de serviços disposta na lei complementar a que alude o art. 156, III, da CF é taxativa, admitindo-se interpretação extensiva apenas naquelas situações em que haja essa abertura textual. Não havendo, não é permitido ao intérprete realizar interpretação extensiva, sob pena de gerar confusão entre incidência do ISS e do ICMS, já bem equacionada pela Constituição e pela legislação complementar federal, salvo a situação prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN.
Já a Ministra Rosa Weber em seu voto aprofunda mais ainda a questão relativa à extensão interpretativa da lista de serviços:
Reconhecida a constitucionalidade da opção do legislador complementar de elaborar lista taxativa dos serviços, remanesce a indagação: essa lista poderia, de forma constitucionalmente válida, receber interpretação extensiva ou ampliativa, na direção do repetitivo do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que “é taxativa a Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, para efeito de incidência de ISS, admitindo-se, aos já existentes apresentados com outra nomenclatura, o emprego da interpretação extensiva para serviços congêneres”? Entendo que a resposta é afirmativa. Em primeiro lugar, observo que o § 4º do art. 1º da LC 116/2003 prevê que “a incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado”. Consabido que os efeitos jurídicos de um fenômeno dependem daquilo que ele é realmente, e não do nome a ele atribuído pelas partes. (g.n.)
Ora, se a própria mens legis é no sentido da adaptação da legislação às inovações de prestações de serviços, não há sentido em se limitar a interpretação de dispositivo legal que inclusive permite sua ampliação.
A d. Ministra inclusive propõe tese de Repercussão Geral mais ampliativa:
É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva.
A título exemplificativo, notam-se alguns serviços cuja definição da lista anexa dá margem à extensão do DL 406/1968 verbis:
1. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
16. Desinfecção, imunização, higienização, desratização e congêneres;
29. Datilografia, estenografia, expediente, secretaria em geral e congêneres;
Da lista da LC 116/03:
1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres.
3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.
6 – Serviços de cuidados pessoais, estética, atividades físicas e congêneres.
No mesmo sentido, o Ministro Alexandre de Moraes ao debruçar-se sobre o tema também entendeu que há muito o STF, quando tratou da pretérita legislação acerca do ISSQN, já admitia a interpretação extensiva.
Afirmou o Ministro:
Entendo que, embora haja vedação expressa quanto ao emprego da analogia, enquanto método de integração da norma, em casos nas quais sua utilização possa resultar em exigência de tributo não existente em lei, nada impede a interpretação extensiva com o escopo de determinar o alcance de cada item da lista anexa de serviços, dada a impossibilidade de o legislador discriminar nominalmente todos os serviços diretamente vinculados aqueles. (g.n.)
Conclusão
A tese definida pelo STF, portanto, atesta a possibilidade de se interpretar extensivamente a lista anexa da LC 116/03:
É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva. STF. Plenário. RE 784439, Rel. Rosa Weber, j. em 29/06/2020 (RG – Tema 296).
Em arremate, os eventuais abusos poderão ser apreciados pelo Poder Judiciário, tanto pelo contribuinte como pelo fisco.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A lista de serviços que podem ser objeto de ISS (atualmente prevista na LC 116/2003) é uma lista taxativa, mas que comporta interpretação extensiva, para abarcar outros serviços correlatos (similares) àqueles ali expressamente previstos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2c29d89cc56cdb191c60db2f0bae796b>.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 12. Ed. JusPodivm. Salvador. 2018
[1] Artigo 155, II da Constituição Federal de 1988.