6. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Não raro o judiciário tem que se pronunciar a respeito de questões sociais. Na maioria das vezes as decisões envolvem questões de direito constitucionais, ora por infringir direitos fundamentais do ser humano, ora por ir contra princípios do direito constitucionalmente previstos, ora por contrariar fundamentos da organização do Estado.
O judiciário, através do controle de constitucionalidade coíbe práticas contrárias ao que vem disposto na carta magna.
O controle de constitucionalidade torna-se o meio mais freqüente que envolve o judiciário em questões políticas. Em que pese, com o advento da Constituição de 1988 aumentou demasiadamente a demanda por justiça na sociedade organizada. Em primeiro lugar pela descoberta da cidadania pelo povo, uma vez que saia de uma ordem autoritária se firmando numa democracia. Outra, por que esta nova constituição trouxe aos brasileiros, novas formas de se discutir o direito. Outrossim, esta constituição trouxe ao cidadão novos direitos e destruiu de vez paradigmas antigos que colocavam o estado acima de tudo, o qual não se questionava.
Assim, houve uma ascensão muito grande do Poder Judiciário. Este já não é mais visto como antes. Esta nova ordem constitucional trouxe ao país uma expressiva judicialização de questões políticas.
Destarte, o pronunciamento judicial se sustenta numa interpretação da norma e a hermenêutica tem que vir alicerçada tanto nos princípios constitucionais quanto a nova ordem social e até a intenção do legislador constituinte. Para Themistocles Brandão Cavalcante a decisão tem que se basear principalmente na intenção dos constituintes, contudo é um método de interpretação de difícil aplicação:
Nada mais difícil do que investigar qual a ratio legis, porque, se deve ser este um dos processos mais sadios de interpretação, é na prática, princípio de difícil aplicação, na observação de Carleton Allen, porque nem sempre as palavras representam a verdadeira intenção do legislador. (Cavalcanti, 1966, p. 39)
E continua:
Diremos, também, que as vezes a aplicação literal do texto conduz a situações inaceitáveis no momento e, por vezes, a injustiças que não estariam também na intenção do próprio legislador ao redigir o preceito. (Cavalcanti, 1966, p. 39)
Por fim especifica como deve ser o método de interpretação:
A investigação dessa ratio não pode ser apenas uma apreciação da letra da lei, mas do conjunto de circunstâncias, dos problemas da época da elaboração, enfim, de elementos vários que teriam orientado a elaboração da lei. (Cavalcanti, 1966, p. 39)
O que se observa é que nas discussões envolvendo o controle de constitucionalidade, o judiciário acaba por se tornar um órgão político. Ocorre que a jurisdição constitucional envolve a aplicação e interpretação da constituição e a forma como isto ocorre vem dos meios de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Evidentemente estas normas servem para regularizar alguma questão social de cunho político e daí quando confronta com a ordem constitucional se procura o pronunciamento jurídico a respeito, tendo este de julgar com base na interpretação da norma, contudo sem que consiga se esquivar da questão política.
6.1. A modulação dos efeitos da sentença
Destarte o que mais evidencia o ativismo judiciário, refere-se a hipótese de mitigação do princípio da nulidade no controle de constitucionalidade. No direito brasileiro, em sede de controle de constitucionalidade, se aceita a hipótese de se declarar os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para o momento da decisão ou momento futuro.
A isto se refere o artigo 27 da Lei nº 9.868/99, segundo o qual, pode o Supremo ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Isto na prática é bem usado pelo STF. Em recentes decisões o Supremo Tribunal, em razão do grave prejuízo ocasionado pela decisão de inconstitucionalidade decide pela modulação dos efeitos da decisão.
Destarte, a idéia de modulação de efeitos de sentença “pro futuro” não é pacífica mesmo dentro do Supremo, em decisão o Ministro Marco Aurélio em seu voto vencido asseverou:
Tenho o cuidado muito grande quanto à fixação de um novo termo inicial para vigência do pronunciamento do Supremo, por pensar que, toda vez que flexibilizemos nesse campo, salvando durante certo período – como se a Constituição Federal nesse período não tivesse estado em vigor – o diploma local, estimulamos as assembléias a elaborar leis que não guardam harmonia com a Constituição federal. ADI 3458/GO (BRASIL, 2008)
Contudo, em regra, o instituto é bastante usado na Suprema Corte. Exemplo recente foi a ADI 4125, referente ao alto quantitativo de cargos comissionados no Estado do Tocantins. O Supremo entendeu que a lei que criava os cargos no estado era inconstitucional. Ocorre que havia muitos servidores comissionados no estado e que a demissão em massa de todos os agentes públicos poderia trazer grave prejuízo a prestação de serviço público no estado. Então, a suprema corte resolveu conceder um prazo para o estado regularizar a situação e só demitisse os servidores no prazo de um ano. Sendo assim, a presente ADI só teria efeito a partir do final do prazo concedido pelo STF.
Outrossim, em que pese a modulação dos efeitos da sentença está prevista na lei que dispõe sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade, mormente, este instituto também é utilizado no controle difuso de constitucionalidade. Isto se dá porque também nesta forma de controle se observa que uma decisão poderá trazer graves prejuízos a coletividade.
O caso mais famoso a respeito do tema, refere-se a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público no Município de Mira Estrela.
Neste caso, o Ministério Público insurgiu contra o número de vereadores da Câmara do Município, composto por onze legisladores, para que se adequasse ao número mínimo previsto no artigo 29, IV, da Constituição Federal (9 vereadores). Razão assistia aos promotores, uma vez que o Município continha somente 2.651 habitantes, daí seria pouco razoável ser composto por dois vereadores a mais do mínimo constitucional.
Daí, na presente ação, o Ministério Público pedia a devolução dos subsídios indevidamente pagos e a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei com efeitos retroativos.
Realmente a lei municipal que previa o quantitativo de eleitores no município ia contra os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e feria o artigo 29, IV, da Constituição Federal, contudo caso declarasse a nulidade da lei, restaria prejudicado todos os atos emanados por aquela casa legislativa.
Sendo assim, brilhante ponderação do Ministro Maurício Corrêa, citado por Pedro Lenza que aduz:
“...a declaração de nulidade com os ordinários efeitos ex tunc da composição da Câmara representaria um verdadeiro caos quanto à validade, não apenas, em parte, das eleições já realizadas, mas dos atos legislativos praticados por esse órgão sob o manto presuntivo da legitimidade. Nessa situação específica, tenho presente excepcionalidade tal a justificar que a presente decisão prevaleça tão somente para as legislatura futuras, assegurando-se a prevalência, no caso, do sistema até então vigente em nome da segurança jurídica. (Lenza,
O que se infere da decisão do Supremo é que prevaleceu o interesse público em face da teoria da nulidade. Em decisão diferente, declarando nula a lei municipal, estaria todas as normas e demais atos do legislativo municipal inválidos, seriam atos emanados por agentes ilegítimos. Seria como se aquele município estivesse sem vereadores desde a aprovação da norma, ou seja, um caos total.
Daí, prudente que o STF julgue avaliando questões de segurança jurídica e interesse social para não se fechando aos interesses do povo.
6.2. A judicialização da política no controle difuso
Em sede de controle difuso de constitucionalidade, mormente se observa a interferência do judiciário em questões de cunho político, interferindo em políticas públicas auferidas pelos demais poderes.
Ressalte-se que quando se refere ao controle difuso, seus efeitos operam somente entre as partes e deve ser suscitada a inconstitucionalidade de uma norma de forma incidental a um processo principal, ou seja, a causa principal não é o questionamento de uma lei. Sendo assim, esta forma de controle é principalmente utilizada quando está em questionamento alguma atuação do Governo que atente contra os direitos do cidadão ou patrimônio público ou princípios da administração.
O controle difuso de constitucionalidade pode ser suscitado, por exemplo, na Ação Civil Pública, questionando incidentalmente, a validade de uma norma que atente contra o Patrimônio Público, objeto da presente ação. Desta forma, nunca se deve utilizar esta ação para se discutir de forma abstrata a constitucionalidade de uma norma, conforma jurisprudência do STF, citada por Pedro Lenza:
Exclui a possibilidade do exercício da ação civil pública, quando, nela, o autor deduzir pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo (RDA 206/267, rel. Min. Carlos Veloso – AG. 189.601-GO (AgRg), rel. Min. Moreria Alves) (Lenza, 2010, p. 236)
No caso da ação civil pública, na defesa do patrimônio público, assim como outros meios, como mandado de segurança coletivo e ação popular, estará o Judiciário se envolvendo diretamente em políticas públicas do governo anulando atos da administração pública e neste processo poderá declara nula uma norma tida como inconstitucional.
Pedro Lenza, se referindo a Alexandre de Moraes refere-se com mais exatidão um exemplo de ação civil pública com controle difuso de constitucionalidade:
Como exemplo, de maneira precisa, Alexandre de Moraes destaca determinada ação civil pública ajuizada pelo MP, em defesa do patrimônio público, para anulação de licitação baseada em lei municipal incompatível com o art. 37. da CF, declarando o juiz ou tribunal, no caso concreto, a inconstitucionalidade da referida lei, reduzidos os seus efeitos somente às partes. (Lenza, 2010, p. 237)
Na verdade quando o judiciário se dispõe a discutir a validade de uma norma, diretamente já está se envolvendo em questões políticas. Toda norma votada em qualquer casa legislativa sempre vem precedida de uma discussão política entre os legisladores, e não raro, principalmente quando se envolve questões polêmicas, muitas vezes de cunho social, estas discussões vêm acompanhadas de acalorados discursos ideológicos.
Então, o que se percebe claramente, é que nas ações judiciais que envolvem a Fazenda Pública, onde se discute a inconstitucionalidade de uma norma, sempre há uma discussão de cunho político, muitas vezes ideológicos. A parte impetrante vai aduzir que o poder público atentou contra algum princípio ou patrimônio público ou direito individual, ao passo que a Administração vai se defender asseverando que sua decisão teve um cunho social, alicerçado por seu projeto político.
Isto acaba obrigando o Magistrado a decidir não unicamente avaliando a interpretação fria e seca da lei, mas baseando-se em uma questão social que envolve a discussão dos direitos individuais, políticos e sociais.
6.3. A judicialização da política no controle concentrado
Em sede de controle concentrado de constitucionalidade é difícil imaginar o Supremo Tribunal pronunciar a inconstitucionalidade sem se envolver no campo ideológico, político e social. A suprema corte vem sendo chamada a se pronunciar a respeito dos mais diversos temas, através da impetração das medidas judiciais de controle.
Não podemos deixar de nos referir aos últimos julgamentos do Supremo como o que reconheceu a união civil entre pessoas do mesmo sexo ou as audiências públicas referentes ao aborto de fetos anencéfalos.
Outras discussões acaloradas também esperam o pronunciamento judicial, como, por exemplo, a política de cotas incentivada pelo governo, muito questionada pelos mais variados seguimentos sociais.
Quando o judiciário é chamado para se pronunciar a respeito destes temas não deve se orientar unicamente na letra fria da lei. Sua decisão tem repercussão social imensa e a população anseia por uma decisão que se amolde as novas tendências livres de preconceitos que não se resuma a um único pensamento.
Na decisão, o Magistrado deve se basear nos mais célebres princípios constitucionais, mais acima de tudo ter sua decisão alicerçada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Robert Alexy refere-se ao princípio da ponderação nas decisões judiciais, muito utilizado no direito constitucional alemão:
No direito constitucional alemão, a ponderação é uma parte daquilo que é exigido por um princípio mais amplo. Esse princípio mais amplo é o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade compõe-se de três princípios pariciais: dos princípios da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito. Todos os três princípios expressam a idéia da otimização. Direitos fundamentais, como princípios, são mandamentos de otimização. Como mandamentos, princípios são normas que ordenam que algo seja realizado em medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas. (ALEXY, 2008, p. 110)
Outrossim, Themistocles Cavalcanti refere-se aos princípios e método de interpretação da norma no julgamento de um caso concreto:
Não se deve, entretanto, negar que no direito constitucional deve ser dada especial ênfase a alguns princípios que decorrem da natureza da norma e dos efeitos de sua aplicação, muitas vezes no terreno político. Existem peculariedades no direito público que merecem ser consideradas.
Herman Pritchett dividiu os diferentes processos de interpretação da seguinte maneira, levando-se em conta:
a) A intenção do legislador;
b) O sentido e a significação das palavras;
c) O raciocínio lógico;
d) A experiência ou o sentido político da interpretação. (Cavalcanti, 1966, p. 38)
A idéia de se envolver em questões politizadas no controle de constitucionalidade está na ponderação de valores. Quando falamos, por exemplo em modulação dos efeitos da sentença, nos referimos a princípios de forma muito abstrata como segurança jurídica e boa fé. Ora, para chegarmos a interpretação da norma e trabalharmos estes princípios temos que avaliar a norma de acordo com os valores sociais.
Robert Alexy refere-se a estrutura da ponderação:
Mal é possível responder essas questões sem saber o que é ponderação. Saber o que é ponderação pressupõe conhecimento da estrutura da ponderação. A lei da ponderação mostra que a ponderação deixa decompor-se em três passos ou graus. No primeiro grau trata-se da comprovação do grau do não-cumprimento ou prejuízo do primeiro princípio. A isso segue, em um segundo grau, a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido contrário. Finalmente, é comprovado, no terceiro grau, se a importância do cumprimento do segundo princípio justifica o prejuízo ou não cumprimento do primeiro. Se não fosse possível cumprir sentenças racionais, primeiro, sobre a intensidade de intervenções, segundo, sobre o grau de importância e, terceiro, sobre sua relação uma com a outra, então as objeções feitas por Habermas seriam justificadas. Com isso, tudo termina na possibilidade de tais sentenças. (ALEXY, 2008, p. 158)
O que se infere do controle de constitucionalidade no Brasil, principalmente pela via principal, ou seja, concentrada, são as discussões políticas que exigem uma hermenêutica mais atenciosa por parte dos julgadores com o fito de se avaliar a repercussão social de suas decisões.
O que se percebe é que a atividade política do judiciário se alastrou bem mais com a promulgação da Constituição de 1988. Isto se deve principalmente com o aumento de legitimados para impetrar as medidas de controle concentrado de constitucionalidade. Exemplo disso é a possibilidade de partidos políticos serem legitimados para os meios de controle concentrado. O que vem ocorrendo é que, quando a oposição ao Governo se vê derrotada numa votação no Congresso, não raramente, aciona o Supremo Tribunal para que se pronuncie sobre determinada norma.
Percebe-se pelas estatísticas disponíveis no site do STF é que grande é o número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por parte de partidos políticos, entidades de classe e sindicatos e Governadores de estado. Destarte os Governadores são o grupo de legitimados que mais acionou o Supremo para que declare a inconstitucionalidade de uma norma, seguido de perto pelas confederações sindicais e entidades de classe conforme se observa:
Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Legitimado - 1988 a 2011*
Legitimados |
Quant. |
% |
Presidente da República |
7 |
0,2% |
Mesa do Senado Federal |
1 |
0,0% |
Mesa da Câmara dos Deputados |
0 |
0,0% |
Mesa da Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal |
52 |
1,1% |
Governador de Estado ou do Distrito Federal |
1.096 |
24,2% |
Procurador-Geral da República |
932 |
20,6% |
Conselho Federal da OAB |
194 |
4,3% |
Partido Político com representação no Congresso Nacional |
787 |
17,4% |
Confederação Sindical ou Entidade de Classe de Âmbito Nacional |
1.094 |
24,2% |
Mais de 1 legitimado ** |
3 |
0,1% |
Outros (Ilegitimados) |
358 |
7,9% |
Total |
4.524 |
100,0% |
* Dados de 2011 atualizados até 31 de março.
** Confederação Sindical ou Entidade de Classe e Partido Político
Fonte: Portal de Informações Gerenciais do STF.
Destarte os legitimados para impetração da presente ação almejam um pronunciamento da corte constitucional baseados em suas idéias. Quando uma entidade de classe ou sindicato acionam o judiciário, fazem isto na defesa de seus respectivos filiados ou membros. Normalmente, alguma norma foi contra as idéias desta entidade e por isto se insurgem contra a norma em questão. Da mesma forma age o Governador do Estado, este se baseia nos interesses do estado que representa.
De outra sorte, os partidos políticos, talvez seja os que mais trazem o cunho político em suas ações. Os partidos se formam do campo ideológico e quando um legislador é eleito, leva com ele todas as diretrizes ideológicas do partido. A partir do momento que uma norma é sancionada, quando vai contra as idéias partidárias, a entidade se vê na obrigação de discuti-la judicialmente. Isto dá azo para que almejem o pronunciamento judicial.
No campo das ações positivas, ou seja, quando o judiciário obriga os demais poderes a executar algum ato, tem-se por certo o envolvimento daquele poder nas funções do outro. De certo que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão se torne o meio de controle mais polêmico por isto.
Por este meio, o judiciário acaba por tentar obrigar o poder legislativo a legislar. Esta ação visa atenuar os graves problemas ocasionados pela omissão dos Poderes Executivo e Legislativo.
Canotilho se refere ao conceito de omissão legislativa:
O conceito de omissão legislativa não é um conceito naturalístico. Reconduzível a um simples “não fazer”, a um simples “conceito de negação – omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa, para ganhar significado autônomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de ação, não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão constitucional. (CANOTILHO, 1999. p. 967)
O que se percebe é que o Supremo nesta ação só poderá se pronunciar quando os demais poderes se omitirem de emitir uma norma prevista constitucionalmente. Não poderá, portanto, através dela, por exemplo, obrigar os poderes a implementar políticas públicas conforme aduz Manoel Jorge e Silva Neto:
De conseguinte, não está a ação direta de inconstitucionalidade por omissão vocacionada a efetivar-se conteúdo programático inserido na Constituição de 1988, não se podendo recorrer à medida para, por exemplo, implementar políticas públicas. (SILVA NETO, 2006, p. 172)
O mesmo autor refere-se às conseqüências em hipóteses de inconstitucionalidade omissiva no Brasil, as dividindo em duas formas a depender da inação promanar de Poder de Estado ou órgão administrativo:
... No primeiro caso, como ninguém poderá obrigar o legislador a editar a lei cuja omissão inconstitucional fora reconhecida judicialmente, ou mesmo obrigar o Presidente da República à emissão do ato de governo, o Supremo Tribunal Federal se reduzirá a dar ciência do fato a fim de que as providências sejam adotadas, cumprindo esclarecer que nenhuma sanção jurídica poderá ser dirigida ao Poder Legislativo ou Executivo em virtude de não adotada qualquer iniciativa no particular. No segundo caso, a decisão judicial é vinculativa, obrigando o órgão administrativo a implementar a medida no prazo de trinta dias. (SILVA NETO, 2006, p. 173)
Talvez pela sua pouca aplicabilidade prática, uma vez que o Poder Judiciário, em tese, não pode se envolver diretamente nas funções dos outros poderes, obrigando-os a legislar, por estar quebrando com o princípio da separação dos poderes, se percebe pelo quadro abaixo serem poucas ações a respeito:
ADO - Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão - por Legitimado - 2008 a 2011*
Legitimados |
Quant. |
% |
Presidente da República |
- |
0,0% |
Mesa do Senado Federal |
- |
0,0% |
Mesa da Câmara dos Deputados |
- |
0,0% |
Mesa da Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal |
- |
0,0% |
Governador de Estado ou do Distrito Federal |
1 |
8,3% |
Procurador-Geral da República |
- |
0,0% |
Conselho Federal da OAB |
- |
0,0% |
Partido Político com representação no Congresso Nacional |
4 |
33,3% |
Confederação Sindical e Entidade de Classe de Âmbito Nacional |
7 |
58,3% |
Mais de 1 legitimado ** |
- |
0,0% |
Outros (Ilegitimados) |
- |
0,0% |
Total |
12 |
100,0% |
* Dados de 2011 atualizados até 31 de março.
** Presidente da República, Mesa do Senado Federal e Mesa da Câmara dos Deputados
Fonte: Portal de Informações Gerenciais do STF.
Grande exemplo da omissão legislativa refere-se à regulamentação do artigo 18, § 4º da Constituição Federal4. Segundo o texto do artigo, o legislativo teria que criar uma lei complementar regulamentando o dispositivo e fixando procedimento para criação de novos municípios. Contudo passados mais de 10 (dez) anos que foi aprovada a emenda constitucional que inseriu o dispositivo na CF, a lei ainda não existe, demonstrando, portanto, a flagrante omissão.
A omissão legislativa foi discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 3.682, da qual se decidiu por unanimidade, procedente ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional, e, por maioria, estabeleceu o prazo de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao cumprimento da norma constitucional imposta pelo artigo 18, § 4º, da Constituição Federal. 5
Em razão da decisão, o Presidente da Câmara dos Deputados encaminhou ofício ao Presidente do STF, informando não ter tomado conhecimento de decisão que “obrigasse” o Parlamento a elaborar lei, e alertando sobre o risco da decisão do STF violar o princípio da separação dos poderes.
Em resposta, o Ministro Presidente do STF determinou que fosse oficiado o Presidente da Câmara dos Deputados “encaminhando o inteiro teor do acórdão de fls. 132-187 e esclarecendo que ‘não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs. 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios’”.
Ainda, nos referindo à regulamentação do artigo 18, § 4º da CF, o Partido dos Trabalhadores da Bahia ajuizou a ADI 2.240, que se questionava a Lei nº 7.619/2000, do Estado da Bahia que criava o Município de Luiz Eduardo Magalhães. Em sua decisão o STF, se sustentando no princípio da segurança jurídica, entendeu que a lei era inconstitucional, contudo sem pronunciar a nulidade do ato, fixando um prazo de 24 (vinte e quatro) meses mantendo a vigência da lei, até que o legislador estadual estabeleça novo regramento.
Em outra decisão importante, já em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, referindo-se ao envolvimento do judiciário no implemento de políticas públicas pelos demais poderes, asseverou o Ministro Celso de Melo que não se inclui, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário a atribuição de formular e de implementar políticas públicas pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. E continua informando que tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. 6
Para tanto, o referido Ministro, na decisão da ADPF se sustenta no princípio da reserva do possível, segundo o qual a implantação de políticas públicas, depende de disponibilidade financeira subordinada as possibilidades orçamentárias do Estado. Assevera o Ministro:
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.7
Sendo assim, de acordo com o Ministro, deve-se verificar no caso concreto a razoabilidade da pretensão e a disponibilidade financeira do Estado para implantação de políticas públicas, não devendo interferir nas atribuições dos demais poderes para substituí-los em juízos de conveniência e oportunidade. In verbis:
Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.8
O que se infere das declarações do Ministro na ADPF é que o judiciário não deve se envolver diretamente nas políticas públicas do Governo, uma vez que tais políticas serão realizadas de acordo com a conveniência e oportunidade e disponibilidade financeira. Todavia, em casos graves de omissões estatais e violações arbitrárias aos direitos mínimos fundamentais, como educação e saúde, percebendo que há desvio de verbas para outras finalidades não tão importantes, é admissível a intervenção do judiciário, se justificando em face da natureza constitucional de se investir prioritariamente nestas áreas.