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O direito fundamental à execução na Jurisprudência da corte européia de Direitos Humanos

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Agenda 08/10/2006 às 00:00

5. Conclusão

            A CEDH reconheceu expressamente o direito à execução como garantia do processo justo, conferindo-lhe uma dignidade semelhante ao acesso à justiça e às garantias processuais em sentido estrito.

            O texto que serve de base a esse reconhecimento – o aresto Hornsby – afirmou o dever de a Administração curvar-se diante das decisões judiciais proferidas contra o Estado. Tal dever deriva não somente do artigo 6º da Convenção, mas sobretudo do princípio da supremacia do direito, que permeia todo o seu texto.

            Afirmou a Corte, deste modo, a existência de um direito fundamental à execução dos julgados.

            A jurisprudência ulterior alargou o campo de aplicação do direito à execução, considerando seu destinatário qualquer pessoa beneficiada por um título ao qual a ordem jurídica outorgue força executória.

            Com efeito, trata-se de um direito fundamental autônomo, que não se confunde com a simples exigência de desenvolvimento do processo em um prazo razoável. Em outras palavras, o direito à execução não se esgota com a questão da celeridade no cumprimento das sentenças, mas impõe ao Estado prover os meios necessários e eficazes para que tais decisões sejam cumpridas.

            Disso resultam obrigações positivas para o Estado e seus agentes, com o fim de garantir aos titulares do direito representado pelo título a obtenção de sua concretização (efeito horizontal).

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            O Estado deve, portanto, prestar seu concurso à execução, editar regras processuais que tornem efetiva a realização do direito do exeqüente e oferecer ao credor meios para localização do devedor e dos bens deste.

            Mas não é só: deve também abster-se de qualquer comportamento que se possa interpretar como recusa em executar o julgado que lhe seja desfavorável.

            A transposição da jurisprudência de Estrasburgo, no tocante ao direito fundamental à execução, ao sistema pátrio é decerto desejável e possível, seja pela via da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cujo art. 8º ostenta redação semelhante à do art. 6º de sua congênere européia, seja pela via das disposições constitucionais consagradoras do Estado Democrático do Direito e da eficácia concreta do direito material.

            Deve-se assinalar outrossim que o direito à execução – como sói acontecer aos direitos fundamentais – não é absoluto, o que equivale a dizer que, diante de outros direitos fundamentais envolvidos no caso concreto (por exemplo, as garantias processuais componentes do estatuto mínimo do devedor), pode atenuar-se, conforme já estatuiu a Corte Européia de Direitos Humanos, que sopesa os direitos em confronto mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade.


Notas

            01

Mauro Cappelletti e Denis Tallon, Fundamental Guarantees of the Parties in Civil Litigation, Milano – New York: Giuffrè-Oceana, 1973, p. 665.

            02

Sobre o tema veja-se Sergio Coelho Jr., "O processo justo e a Constituição de 1988: breve reflexão acerca da cláusula do devido processo legal, in: Leonardo Greco e Fernando Gama de Miranda Netto (org.), Direito Processual e Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005.

            03

S. Guinchard et alii, Droit Processuel: droit commum et droit comparé du procès, 3 ed., Dalloz, 2005, p. 854/855.

            04

"O processo de execução na véspera do século XXI", trad. José Carlos Barbosa Moreira, in: Revista de Processo, ano 23, jun-set.1998, p. 211.

            05

Para um estudo aprofundado da crise do processo de execução e medidas para sua superação, veja-se Leonado Greco, "A crise do processo de execução", in: César Augusto de Castro Fiúza (coord.), Temas de Direito Processual Civil, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 211/286.

            06

Merece registro, como exemplo de inovação positiva para a efetividade do processo de execução a chamada penhora on line, pioneiramente utilizada na Justiça do Trabalho, mediante convênio (BACEN-JUD) firmado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central do Brasil.

            07

Sobre os métodos desenvolvidos pela CEDH, veja-se S. Guinchard et alii, op. cit., p. 97/109; C. Russo et P. Quani, La Convenzione Europea dei Diritti dell’Uomo e la Giurisprudenza della Corte de Strasburgo, Milão, Giuffrè Editore, 2000, p. 46-50.

            08

S. Guinchard et alii, op. cit., p. 844.

            09

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable in Le Droit Processuel & Judiciaire Européen, La Charte, (tiré à part), p. 475-476 et Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, in : Studi di Diritto Processuale Civile in Onore di Giuseppe Tarzia, Giuffrè Editore, 2005, (tiré à part), p. 656.

            10

F. Sudre et alii, Les Grands Arrêts de la Cour Europèenne de Droits de l’Homme, Thémis/PUF, 2003, p. 275.

            11

Em vernáculo: O que seria enfim o direito de acesso à justiça, se fosse possível ter acesso ao juiz, conseguir que o tribunal funcionasse com observância ao processo justo, mas se o julgamento não fosse respeitado, tornando-se uma patética exortação?

            12

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 477 ; Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 656 ; S. Guinchard et alii, op. cit., p. 846/847.

            13

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 477; F. Sudre, Les Grands Arrêts de la Cour Europèenne de Droits de l’Homme, p. 276; S. Guinchard et alii, op. cit., p. 845.

            14

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 477.

            15

F. Quilleré- Majzoub, La défense du droit à un procès equitable, Bruylant, 1999, p. 226.

            16

F. Sudre, Droit européen et international des droits de l’homme, 7ème éd., PUF, 2005, p. 373.

            17

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 477, et Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 657/658. Tal jurista questiona esse segundo limite, lembrando o reféré provision e reputa desejável a incorporação se não de todas as medidas de urgência, ao menos aquelas em que o juízo examina o mérito da causa. Sobre decisões obrigatórias em direito francês, veja-se S. Guinchard et alii, op. cit., p. 847.

            18

F. Sudre, Les Grands Arrêts de la Cour Europèenne de Droits de l’Homme, p. 277.

            19

Ibidem.

            20

Droit européen et international des droits de l’homme, p. 373

            21

S. Guinchard et alii, op. cit., p.849-850.

            22

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable,p. 480/481.

            23

J. van Compernolle, Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 663.

            24

Leonardo Greco, O Processo de Execução, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, v.I, p. 139-141.

            25

Sobre a margem de apreciação deixada aos Estados e seu controle, veja-se S. Guinchard et alii, op. cit., p. 106-107.

            26

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 479.

            27

J. van Compernolle, Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 664-665.

            28

Leonardo Greco,, "A crise do processo de execução", in: César Augusto de Castro Fiúza, Temas de Direito Processual Civil, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 217. No mesmo sentido, Roger Perrot, L’effetività dei provvedimenti giudiziari nel diritto civile, commerciale e del lavoro in Francia, in: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, dez. 1985, p. 849.

            29

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 478.

            30

«La Cour rappelle à cet égard que l´´administration constitue un élément de l´´Etat de droit et que son intérêt s´´identifie donc avec celui d´´une bonne administration de la justice. Si l´´administration refuse ou omet de s´´exécuter, ou encore tarde à le faire, les garanties de l´´article 6 (art. 6) dont a bénéficié le justiciable pendant la phase judiciaire de la procédure perdraient toute raison d´´être. »

            31

Vejam-se as decisões proferidas pela CEDH nos caso Sabin Popescu vs. Romênia (02.03.2004), Matheus vs. França (31.03.2005) e Immobiliare Saffi vs. Itália (28.07.1999).

            32

J. van Compernolle, Le droit à l’exécution: une nouvelle garantie du procès équitable, p. 478.

            33

J. van Compernolle, Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 665.

            34

Vejam-se, e.g., os casos Sabin Popescu vs. Romênia (02.03.2004): « 66.  La Cour rappelle que le droit à l´´exécution d´´une décision de justice est un des aspects du droit d´´accès à un tribunal (voir l´´affaire Hornsby c. Grèce précitée, § 40). Or, la Cour considère que le droit d´´accès au tribunal n´´est pas absolu (Golder c. Royaume-Uni, arrêt du 21 février 1975, série A no 18, p. 18, § 36, et Waite et Kennedy c. Allemagne [GC], no 26083/94, § 50, CEDH 1999-I), et qu´´il appelle par sa nature même une réglementation par l´´État. Les Etats contractants jouissent en la matière d´´une certaine marge d´´appréciation. Il appartient pourtant à la Cour de statuer en dernier ressort sur le respect des exigences de la Convention ; elle doit se convaincre que les limitations mises en œuvre ne restreignent pas l´´accès offert à l´´individu d´´une manière ou à un point tels que le droit s´´en trouve atteint dans sa substance même. Pareille limitation ne se concilie avec l´´article 6 § 1 que si elle tend à un but légitime, et s´´il existe un rapport raisonnable de proportionnalité entre les moyens employés et le but visé. Si la restriction est compatible avec ces principes, il n´´y a pas violation de l´´article 6 (Prince Hans Adam II de Liechtenstein c. Allemagne, [GC], no 42527/98, § 44, CEDH 2001-VIII) » ; e Matheus vs. França (31.03.2005): «56.  La Cour rappelle également que le droit à l’exécution d’une décision de justice est un des aspects du droit d’accès à un tribunal (Hornsby c. Grèce précité, § 40). Ce droit n’est pas absolu et appelle par sa nature même une réglementation par l’Etat. Les Etats contractants jouissent en la matière d’une certaine marge d’appréciation. Il appartient pourtant à la Cour de statuer en dernier ressort sur le respect des exigences de la Convention ; elle doit se convaincre que les limitations mises en œuvre ne restreignent pas l’accès offert à l’individu d’une manière ou à un point tels que le droit s’en trouve atteint dans sa substance même. Pareille limitation ne se concilie avec l’article 6 § 1 que si elle tend à un but légitime, et s’il existe un rapport raisonnable de proportionnalité entre les moyens employés et le but visé. Si la restriction est compatible avec ses principes, il n’y a pas de violation de l’article 6 (Popescu c. Roumanie, no 48102/99, 2 mars 2004, § 66).»

            35

« 74.  En conclusion, si on peut admettre que les Etats contractants, dans des circonstances exceptionnelles et, comme en l’espèce, dans le cadre de la marge d’appréciation dont ils jouissent en matière de réglementation de l’usage des biens, interviennent dans une procédure d’exécution d’une décision de justice, pareille intervention ne peut avoir comme conséquence ni d’empêcher, invalider ou encore retarder de manière excessive l’exécution, ni, encore moins, de remettre en question le fond de cette décision. »

            36

Veja-se Serge Guinchard et alli, op. cit., p 596-599, bem como a opinião dissidente do juiz Loucaides no caso Fogarty vs. Reino Unido, na qual se destaca o seguinte excerto: «Même si l’on considère que l’immunité invoquée s’applique aux faits de la présente cause, j’estime que dans la mesure où il s’agit d’une immunité générale qui fait automatiquement obstacle à l’accès à un tribunal sans que celui-ci ait aucunement la latitude d’examiner des intérêts concurrents par rapport aux faits de chaque espèce, y compris ceux afférents à la revendication elle-même, ne se concilie pas avec le droit d’accès à un tribunal tel que le consacre l’article 6 de la Convention.»

            37

Fogarty vs. Reino Unido, Al-Adsani vs. Reino Unido e McElhinney vs Irlanda.

            38

Sustenta autorizada doutrina (R. Perrot e T. Théry, Procédures civiles d´´exécution, Dalloz, 2000, n. 2000 apud J. van Compernolle, Les effectivités d’une nouvelle garantie du procès équitable: le droit à l’execution du jugement, p. 662/663), fazendo referência a acórdão do Conselho de Estado francês, a possibilidade de o credor ajuizar ação, perante os órgãos judiciais do Estado acreditante, pedindo a condenação deste ao pagamento de indenização, sob o fundamento de ter sido impedido de realizar o seu direito.
Sobre o autor
Sergio Coelho Junior

mestre em Direito pela Universidade Gama Filho, analista judicário do TRT da 1a Região, professor da pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO JUNIOR, Sergio. O direito fundamental à execução na Jurisprudência da corte européia de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1194, 8 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9012. Acesso em: 5 nov. 2024.

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