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Filhos de Coimbra.

Uma história do ensino jurídico brasileiro

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Agenda 15/10/2006 às 00:00

4. A República e o Dogma Positivista

A República compreende um período significativo da história Brasileira, tem início em 1889 e, após ter passado por momentos democráticos e de intensa ditadura, perdura até hoje. Não interessam aqui fatos que adentrem por demais à contemporaneidade, pois eles desnaturariam a característica de uma analise histórica, por isso será dedicado maior estudo à primeira metade do século XX.

Os historiadores não são unânimes em apontar os fatores relevantes para o fim da monarquia. De qualquer forma: "Duas forças, de características muito diversas, devem ser ressaltadas em primeiro lugar: o Exército e um setor expressivo da burguesia cafeeira de São Paulo, organizada politicamente no PRP" (FAUSTO, Boris, Op. cit., p. 132). Embora o novo regime comece com militares no poder, Marechal Deodoro da Fonseca, na conhecida República da Espada (1889 - 1894), é a oligarquia cafeeira que dominará o Estado, sofrendo um abalo apenas no final da chamada República Velha (1894 - 1930).

Quais foram as modificações que o regime republicano trouxe às Faculdades de Direito tradicionalmente tão ligadas ao Estado? Em 14 de novembro de 1890, através do Decreto nº 1036A, tem-se a supressão da disciplina de Direito Eclesiástico tanto do Curso Jurídico de Recife quanto do de São Paulo, reflexo do rompimento oficial com a Igreja. Lembre-se que durante a monarquia a própria Constituição de 1824 reconhecia os laços do Brasil com a Igreja Católica.

Apesar de adotar o federalismo, na República continuou prevalecendo a política centralizadora quanto ao ensino jurídico (BITTAR, Eduardo C. B., Op. cit., p. 68). Em 1º de fevereiro de 1896, durante a presidência de Prudente de Moraes, passa a vigorar o Decreto nº 2.226 que aprova o Estatuto das Faculdades de Direito da República, trazendo várias disposições sobre o modelo a ser adotado por todas as Faculdades, independente de qual região integrassem. As Faculdades de Recife e São Paulo continuam sendo os pólos difusores do pensamento jurídico da época, porém, em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e em outros estados os cursos de Direito começam a se desenvolver, principalmente após a virada do século:

"O ensino livre propiciou a criação de muitas escolas de Direito e o conseqüente aumento do número de matrículas e de bacharéis, mas não alterou a mentalidade reinante no ensino jurídico, mantidas as deficiências do Império."

(GALDINO, Flávio. In: Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, p. 160)

O começo do século XX marca o declínio da Escola de Recife (WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 132). Sem dúvida, o Código Civil de 1916, fruto não só do ilustre Clóvis Beviláqua, aluno da Faculdade de Recife, demonstra a importância que sua Escola possuía na época, importância que foi perdendo-se, deixando com que São Paulo obtivesse certa hegemonia no quadro nacional:

"Nos começos do século, entretanto, o abandono da filosofia pela sociologia, de parte de Sílvio Romero e Artur Orlando, ou pelo Direito, no caso de Clóvis Beviláqua, marcariam o declínio e o desaparecimento da Escola do Recife como corrente filosófica."

(PAIM, Antonio Apud WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 129)

Além das questões internas, o fator econômico também contribuiu para o declínio de Recife. Boris Fausto afirma que já em 1870 estava consolidada a tendência ao desenvolvimento do Centro-Sul, quanto a São Paulo:

"[...] a cidade, que se convertia no centro de negócios cafeeiros e atraía cada vez mais imigrantes, começara uma arrancada de longo alcance, crescendo a uma taxa geométrica anual de 3% entre 1872 e 1886 e de 8% entre 1886 e 1890."

(FAUSTO, Boris, Op. cit., p. 135)

Em relação às outras repercussões da República no ensino jurídico, não houve alteração no corpo discente, mantendo-se o perfil existente no período imperial. O mesmo serve para os professores, que não perderam as características já traçadas: "A República Velha mantém o status da formação jurídica retórica e literária (não técnica), descompromissado com a realidade social e a transformação do país" (GALDINO, Flávio. In: Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, p. 160). Algumas alterações ocorreram em virtude do Decreto nº 2226, destacando-se mudanças na grade curricular.

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O ensino superior sofre mudanças significativas na década de 30 com a promulgação do Estatuto das Universidades, (Decreto nº 19.851 de 14 de abril de 1931), no entanto, "não opera efeitos relevantes no ensino jurídico quase hermeticamente fechado às mudanças substantivas" (GALDINO, Flávio. In: Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, p. 160). Assim, o que se vê com a República é a propagação de tudo aquilo que já existia no Império, com pequenas alterações superficiais.

No que pese esta dificuldade de renovação no ensino jurídico:

"No quadro filosófico, até aqui descrito, deve-se mencionar que o interior da formação social foi afetado profundamente na virada do século XIX para o início do século XX, por transformações decorrentes da modificação sócio-político (monarquia-república), do deslocamento no domínio da correlação de forças (senhores de engenho-oligarquia cafeeira agroexportadoras) e das novas estruturas jurídico-políticas, edificadas a partir da implantação do espírito positivista-republicano e da construção de uma ordem liberal burguesa."

(WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 128)

Esta é a principal transformação nas Faculdades de Direito, a corrente filosófica foi modificada, abandonou-se o jusnaturalismo e passou-se a professar o juspositivismo. Não foi só o Direito que cedeu a nova tendência, a doutrina comtiana se propagou por vários setores, não se restringindo apenas ao Brasil, alcançando amplamente a América Latina (FAUSTO, Boris, Op. cit., p. 130).

Para que não se perca o sentido desta nova doutrina, cabe aqui, citar um breve comentário sobre ela: "O positivismo jurídico, fiel aos princípios do positivismo filosófico, rejeita todos os elementos de abstração na área do Direito, a começar pela idéia de Direito Natural, por julgá-la metafísica e anticientífica" (NADER, Paulo. Op. cit., p. 370).

Em um primeiro momento:

"[...] é razoável aludir que, diante do conservadorismo projetado pelo jusnaturalismo tomista-escolástico, a nova proposição jurídica delineada pelo positivismo (tanto em sua vertente do monismo evolucionista, quanto na do sociologismo naturalista) representava uma forma de pensamento mais adequada às novas condições econômicas advindas das transformações trazidas pela República."

(WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 130)

Enfim, o positivismo significava renovação, fim dos dogmas ultrapassados que atravancavam o desenvolvimento nacional.

Esta postura filosófica sofre um abalo após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). No Brasil, o reflexo disto é a fomentação do Culturalismo Jurídico, defendido principalmente pelo professor Miguel Reale:

"O Culturalismo Jusfilosófico, que teve grande impulso no Brasil após a Segunda Grande Guerra, inspirando-se em Kant e considerando-se herdeiro de Tobias Barreto, busca reorientar as diversas tradições filosóficas nacionais rumo a uma interlocução centrada nos valores, na pluralidade e no mundo da cultura."

(WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 136)

Além disso, o próprio ensino jurídico é criticado nesta mesma época pelo professor San Tiago Dantas, em:

"[...] sua nova didática, coloca em segundo plano o estudo sistemático e descritivo dos institutos, e propõe a substituição das aulas expositivas pelo case system, estudos de casos orientados para a formação do raciocínio jurídico, voltando os olhos dos que trabalham o Direito para as relações sociais."

(GALDINO, Flávio. In: Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, p. 161)

Têm-se várias ofensivas na tentativa de oxigenar o Direito, e o seu ensino. Estas tentativas continuarão na outra metade do século XX, o que proporcionará uma ou outra alteração superficial, que, no entanto, não reformulará as bases do ensino jurídico.


5. Conclusão.

Quem segue uma visão dialética de mundo sabe que todos os elementos estão interligados. Somos hoje o reflexo de tudo aquilo que já foi. Olhando o passado do ensino jurídico acabamos tendo muito mais medo do que orgulho. Será que suas mazelas diluíram-se com o tempo, ou elas ainda estão em todos nós? Como se livrar de toda esta carga genética viciada? Aqui buscamos um racionalista, René Descartes, que sempre de tudo duvidou, e que disse: "[...] considerando que todos os pensamentos que temos quando acordados também nos podem ocorrer quando dormimos, sem que nenhum seja então verdadeiro, resolvi fingir que todas as coisas que haviam entrado em meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos" (DESCARTES, René, Discurso do Método, p. 38).. questione e critique, este é o caminho...


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Eduardo C. B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001.

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 2. ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2003.

DESCARTES, René, Discurso do Método, São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ENCICLOPÉDIA BARSA, Vol. 5, São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1989.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2002.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília, 1997.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei (ORG). Ensino jurídico: para que(m)?. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.

WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

Sobre o autor
Bruno Ponich Ruzon

advogado, especialista em Direito do Estado e Filosofia Moderna e Contemporânea, pela Universidade Estadual de Londrina, e professor de Filosofia Jurídica na Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUZON, Bruno Ponich. Filhos de Coimbra.: Uma história do ensino jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1201, 15 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9039. Acesso em: 22 dez. 2024.

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