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Lei 13.874/19 e a desconsideração da personalidade jurídica

A Lei 13.874/19 trouxe esclarecimentos importantes ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica para reduzir a discricionariedade dos magistrados a respeito do tema exposto, a fim de garantir proteção ao agente econômico e diminuir os riscos do empreendimento.

Em 20 de setembro de 2019, a Medida Provisória nº 881/2019, a MP da Liberdade Econômica, foi convertida na Lei 13.874/19. A citada lei visa instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece normas de flexibilização à livre iniciativa, bem como o livre exercício da atividade econômica.

Nesse ínterim, em seu Capítulo V, que trata das alterações legislativas e disposições finais, o artigo 7º modificou as regras para desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do ordenamento jurídico. Incluiu o artigo 49-A e alterou a redação do artigo 50, ambos dispositivos do Código Civil de 2002. Em uma intepretação teleológica, é notório que as modificações intentam inviabilizar flexibilizações indevidas do instituto, presentes na Jurisprudência e largamente criticadas pela Doutrina.

Leonardo Netto Parentoni retrata a importância da limitação da responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica:

A criação de sociedades empresárias, dotadas de personalidade jurídica própria, nas quais há limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios, foi instrumento muito importante na evolução histórica da humanidade, contribuindo para estimular o ingresso de novos agentes no mercado, reduzir custos de transação, facilitar a circulação de riquezas e, consequentemente, favorecer o progresso. (PARENTONI, 2014)

É inequívoco que a limitação patrimonial possibilita menor risco àquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. A limitação evita que os seus bens pessoais sejam atingidos mediante responsabilidades assumidas pela pessoa jurídica. Assim, a atividade econômica torna-se mais atrativa, o que permite o desenvolvimento econômico de um país.

Ante a necessidade de recuperação e satisfação de créditos, surgiu o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Teve seu advento, historicamente, na Inglaterra e nos Estados Unidos por meio de construções jurisprudenciais, ainda no século XIX. O objetivo do instituto era afastar a limitação da responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas. Esse afastamento possibilitava adentrar na esfera patrimonial dos sócios em situações de desvio de finalidade da pessoa jurídica, como fraudes e abuso de poder.

Posteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica atravessou fronteiras e passou a ser discutida e aplicada em inúmeros países do mundo. No âmbito brasileiro, segundo a doutrina, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica chegou ao Brasil com Rubens Requião, na década de 60, que defendia a teoria diante da ausência do tema na legislação (COELHO, 2014). Após larga discussão doutrinária, foi vinculada a diversas áreas do Direito, como está presente no artigo 50 do Código Civil de 2002.

Nesse contexto, deu-se força normativa à possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma grande novidade ao prever o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em seus artigos 133 a 137. A construção de um procedimento geral de aplicação da desconsideração no CPC foi de extrema importância, uma vez que pacificou diversas questões que estavam sendo debatidas pela doutrina e pela jurisprudência, possibilitando maior segurança na aplicação do instituto.

Dessa forma, algumas dúvidas suscitadas ao longo do tempo foram, ou melhor, deveriam ter sido respondidas com a previsão na lei federal. Entretanto, apesar do dispositivo tratar a instauração do instituto apenas por requerimento da parte ou do Ministério Público, muitos magistrados ainda aplicam a desconsideração “ex officio”. Ademais, frequentemente, surgem dúvidas acerca da abrangência do instituto.

Em meio aos rumores, a MP 881/2019, atual Lei 13.874/19, trouxe esclarecimentos importantes ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A lei acrescentou dispositivos ao artigo 50 do Código Civil com o objetivo de elucidar as diferentes interpretações.

Com efeito, a nova redação objetiva reduzir a discricionariedade dos magistrados a respeito do tema exposto, a fim de garantir proteção ao agente econômico e reduzir os riscos do empreendimento.

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Segundo Fábio Ulhoa, é de extrema relevância a proteção patrimonial oriunda da personalidade jurídica. Vejamos:

Em virtude de sua importância fundamental para a economia capitalista, o princípio da personalização das sociedades empresárias e sua repercussão quanto à limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios não podem ser descartados na disciplina da atividade econômica. Em consequência, a desconsideração deve ter necessariamente natureza excepcional, episódica, e não pode servir ao questionamento da subjetividade própria da sociedade (COELHO, p. 64, 2016).

Diante disso, a Lei 13.874/19 busca garantir o caráter excepcional da desconsideração, outorgando assim, a redução da margem de interpretação do Poder Judiciário e conferindo maior segurança jurídica aos agentes econômicos.

É indiscutível a pertinência do instituto da desconsideração da personalidade jurídica ao coibir os atos ilícitos dos empresários sob o véu da personalidade jurídica.

Nesse contexto, posterior ao Código Civil, o novo Código de Processo pôs fim a muitas discussões na doutrina, por exemplo, descartou a hipótese de aplicação do instituto “ex officio”. Contudo, ainda é presente na jurisprudência o arbítrio do Poder Judiciário no tocante à abrangência do instrumento.

Portanto, as mudanças provocadas pela Lei 13.874/19 ao artigo 50 do Código Civil são de suma importância ao mitigar a discricionariedade dos magistrados e conferir estabilidade às relações jurídicas.


Referências

PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração Contemporânea da Personalidade Jurídica – Dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira (Jurimetria/Empirical Legal Studies). São Paulo: Quartier Latin, 2014.

SANTOS, Arthur Andrade. Os procedimentos da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito brasileiro. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2019.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 18º ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2014.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direiro comercial, volume 2 : direito de empresa / Fábio Ulhoa Coelho. – 20. Ed ver., atual. E ampl.. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016.

Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Novo Código de Processo Civil. Disponível: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.> Acesso em: 11 de outubro de 2019.

Lei10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 de outubro de 2019, às 11h.

Lei 13.874, de 20 de Setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm.>Acesso em: 12 de outubro de 2019, às 10h.

Sobre os autores
Marilza Muniz

Advogada Empresarial com expertise em Compliance e Gestão de Riscos.

André Luís Tabosa de Oliveira

Mestre em Direito. Faculdade Luciano Feijão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Marilza Muniz; OLIVEIRA, André Luís Tabosa. Lei 13.874/19 e a desconsideração da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6527, 15 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90423. Acesso em: 18 dez. 2024.

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