V - AS LEIS REFORÇADAS E SEUS LIMITES
Falo sobre o fenômeno das chamadas leis reforçadas consoante exposição do ministro Gilmar Mendes.
“Nesse aspecto, as relações estabelecidas entre o texto constitucional e as legislações financeiras amoldam-se com precisão ao chamado fenômeno da Leis Reforçadas, desvendado na doutrina constitucional portuguesa por Carlos Blanco de Morais que, ao se referir à existência de uma relação de ordenação legal pressuposta, implícita ou explicitamente na Constituição, aduz que: “As leis reforçadas pontificam num momento em que os ordenamentos unitários complexos são confrontados com uma irrupção poliédrica de actos legislativos, diferenciados entre si, na forma, na hierarquia, na força e na função, e cujas colisões recíprocas não são isentas de problematicidade quanto à correspondente solução jurídica, à luz dos princípios dogmáticos clássicos da estruturação normativa” (MORAIS, Carlos Blanco de.As leis reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos.Coimbra Editora, 1998, p. 21). Ainda em âmbito doutrinário, a propósito, a tese das Leis Reforçadas logrou franco desenvolvimento na obra de J. J. Gomes Canotilho ao explorar justamente a função parametrizadora que as leis de Direito Financeiro exerciam sobre a legislação ordinária do orçamento. Como destacado pelo autor, a contrariedade da atuação do legislador ordinário na edição da lei orçamentaria em relação às leis-quadro que extraem a sua validade da Constituição Federal suscita a inconstitucionalidade indireta da norma. Nesse aspecto, destacam-se as considerações do autor: Se considerarmos a possibilidade de a lei do orçamento poder conter inovações materiais, parece que o problema não será já só o de uma simples aplicação do princípio da legalidade, mas o da relação entre dois actos legislativos e quiordenamentos sob o ponto de vista formal e orgânico. A contrariedade ou desconformidade da lei do orçamento em relação às leis reforçadas, como é a lei de enquadramento do direito financeiro, colocar-nos-ia perante um fenômeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionalidade indireta. (CANOTINHO, J. J. Gomes. Alei do orçamento na teoria da lei. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. J. J. Teixeira Ribeiro. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, número especial, 1979, v. II, p. 554).”
E conclui o ministro Gilmar Mendes:
“A partir de uma leitura sistemática dessas normas, tem-se que a efetivação de despesas relacionadas a esses benefícios requer (a) demonstração da origem dos recursos para o seu custeio total; (b) instituição da despasse com a estimativa trienal do seu impacto; (c) demonstração de que o ato normativo não afetará as metas de resultados fiscais e (d) demonstração de que seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes serão compensados pelo auto permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 8ª Ed. São Paulo, Editora JusPODIVUM, 2019, p. 531). A jurisprudência do STF é uníssona em reconhecer a constitucionalidade dos requisitos de majoração de benefícios de assistência social contemplados nos arts. 17 e 24 da LRF. No julgamento da Medida Cautelar na ADI 2.238, de relatoria do eminente Min. Ilmar Galvão, em que se discutia se as limitações legislativas à majoração de benefícios continuados seriam aplicados ao benefícios de assistência social, o Plenário da Corte concluiu que “as exigências do art. 17, da LRF, são constitucionais, daí não sofrer nenhuma mácula o dispositivo que determina sejam atendidas essas exigências para a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço relativo à seguridade social”.
(ADI 2.238 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Dje12.09.2008).”
VI – CONCLUSÕES
É certo que não se está na hipótese da imposição de limites mínimos orçamentários para gastos públicos como se dá com a educação e saúde. Ai a questão muda de figura. Se o Legislador e o Administrador não atentam para esses limites a hipótese de inconstitucionalidade é manifesta. A Constituição ao estabelecer mecanismos voltados para a garantia de sua observância, não suporta mudanças infraconstitucionais orçamentárias.
Ademais, cabe ao Judiciário, outrossim, a magna missão de impedir afronta ao postulado impositivo da dignidade da pessoa humana caso seja o caso, dentro de uma justa ponderação de princípios.
Nessas hipóteses faladas acima, caberá a jurisdicialização.
Não se pode transferir ao Judiciário a possibilidade de formular políticas públicas. O Judiciário aí não estará invadindo a competência de outros poderes, mas impondo o mandamento constitucional.
Para o caso, entendo, data vênia, que há omissão do Estado em adimplir a necessária realização do censo, que é pressuposto para a realização de políticas públicas diversas. No entanto, entendo que tal adimplemento somente poderá ser realizado diante de recursos públicos para tal e ainda de obrigatórias condições de saúde para a devida operacionalização.