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A fundamentação das decisões judiciais quando da aplicação de precedente judicial obrigatório

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Agenda 02/06/2021 às 11:10

Análise sobre a nova sistemática dos precedentes judiciais obrigatórios no CPC/15 e sobre como os magistrados devem proceder à fundamentação das decisões judiciais quando for o caso de aplicação de algum precedente obrigatório.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre a nova sistemática dos precedentes judiciais obrigatórios prevista no novel Código de Processo Civil Brasileiro de 2015, proceder a um breve estudo sobre a fundamentação das decisões judiciais em geral, e, por fim, tratar mais especificamente sobre como os magistrados devem proceder à fundamentação das decisões judiciais quando for o caso de aplicação de um precedente obrigatório, o que deve ser feito quando o julgador entender que não é o caso de aplicação e quais os impactos dessa nova sistemática para o sistema judiciário nacional e o jurisdicionado em geral.

Palavras-chave: Fundamentação. Decisões judiciais. Precedentes judiciais obrigatórios.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A NOVA SISTEMÁTICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS  NO BRASIL. 3 A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO CPC/15: UMA BREVE ANÁLISE DO ARTIGO 489, §1º. 4 A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS QUANDO DA APLICAÇÃO DE PRECEDENTE OBRIGATÓRIO. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO           

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma breve análise sobre o novo sistema de precedentes judiciais obrigatórios ou vinculantes introduzido no novel Código de Processo Civil de 2015, e, a partir daí fazer um estudo acerca da fundamentação das decisões judiciais, mais especificamente quando for o caso de aplicação de algum precedente obrigatório, demonstrando como o magistrado deverá proceder e quais as implicações práticas dessa nova sistemática para o Poder Judiciário pátrio e para o jurisdicionado em geral.

O estudo dessa temática surgiu diante da importância crescente dos precedentes judiciais em nosso país, especialmente após a edição do Novo Código de Processo Civil em 2015, que trouxe várias novidades sobre o tema, bem como do interesse em verificar qual o impacto dessa nova sistemática na eficiência do Poder Judiciário nacional.

A metodologia empregada neste trabalho é de cunho essencialmente bibliográfico, baseando-se na pesquisa em livros, jurisprudência e artigos consultados na internet.

Para propiciar um melhor entendimento, o trabalho monográfico foi dividido em três partes. Primeiramente, é feita uma análise sobre a nova sistemática dos precedentes judiciais obrigatórios no Brasil. Em seguida, passa-se a um breve exame do artigo 489, §1º do Código de Processo Civil de 2015, que trata sobre a fundamentação das decisões judiciais em geral. E por fim, analisa-se como deve ser feita especificamente a fundamentação das decisões judiciais quando se tratar do caso de aplicação de algum precedente judicial vinculante, esclarecendo como deve se dar o trabalho dos magistrados e os impactos dessa nova sistemática na eficiência do Poder Judiciário pátrio.


A NOVA SISTEMÁTICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS NO BRASIL

Apesar de o novo Código de Processo Civil ter sistematizado alguns mecanismos referentes ao sistema de precedentes judiciais, com vistas à uniformização e estabilização da jurisprudência pátria, é possível considerar, segundo ensinamento de Donizetti (2017), que há mais de vinte anos, pelo menos, o Direito brasileiro já vem adotando o sistema da obrigatoriedade dos precedentes, dependendo da hierarquia do órgão que tenha prolatado a decisão, não sendo os precedentes judiciais, portanto, uma criação de Código de 2015, mas um sistema que está em evolução há um tempo considerável e que ganhou bastante destaque na novel legislação em razão da sua inquestionável importância, especialmente na realidade do judiciário brasileiro.

O Direito brasileiro, como é sabido, adotou o sistema da Civil Law, mas, apesar da preponderância das leis, há espaço para os precedentes judiciais, sendo que no Civil Law, em regra, o precedente tem apenas a função de orientar a interpretação da lei, sem obrigar o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão.

Entretanto, cada vez mais, o sistema jurídico brasileiro vem assimilando a teoria do Stare Decisis, haja vista o intuito de respeito maior à igualdade, coerência, isonomia, segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais. O Stare Decisis corresponde ao sistema da força obrigatória dos precedentes, e ele pode ser horizontal, que é a ideia de que os tribunais devem respeitar seus próprios precedentes e à própria jurisprudência vinculante; ou vertical, que significa vinculação externa das decisões aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública (DONIZETTI, 2017), ou, segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 1006), o “[...] respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que submetidos os órgãos jurisdicionais”.

Para Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017), o Stare Decisis horizontal foi instituído no artigo 926 e o Stare Decisis vertical no artigo 927, ambos do novo Código de Processo Civil Brasileiro. Para eles, o Stare Decisis vertical decorre da necessidade de que o Poder Judiciário seja visto como uma unidade, um todo único; e o horizontal decorre do princípio da segurança jurídica, principalmente da necessidade de estabilidade do sistema jurídico.

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O novo Código de Processo Civil, em seu artigo 926, mencionou genericamente os termos “jurisprudência”, “súmulas” e “precedentes” sem fazer nenhuma distinção entre eles. Contudo, segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017), tais termos não devem ser confundidos, até porque o legislador teria ressignificado os conceitos de jurisprudência e de súmulas e introduzido o conceito de precedentes judiciais. Os referidos autores ensinam que, tradicionalmente, jurisprudência é a atividade de interpretação da lei realizada pelas cortes judiciais para a solução de casos concretos, cuja reiteração gera a uniformidade capaz de servir de parâmetro de controle, mas que não possui força vinculante.

A partir da ressignificação operada pelo Código de Processo Civil de 2015, pelo menos em alguns casos, o legislador outorgou outro sentido ao termo jurisprudência, pois, ao conferir força vinculante aos julgamentos de casos repetitivos e aos tomados em incidente de assunção de competência, e ao dispensar a múltipla reiteração de julgamentos como requisito para a sua configuração, bastando apenas um único julgamento mediante incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência, o direito brasileiro rompe com a tradicional conceituação de jurisprudência.

Para os mesmos autores, fenômeno semelhante ocorreu em relação às súmulas, as quais tradicionalmente são tidas como um método de trabalho, um meio utilizado para ordenar e facilitar a atividade jurisdicional de controle da interpretação e aplicação do direito, não gozando também de força vinculante. Contudo, após o Código de 2015, as súmulas foram reconhecidas como “guias para a interpretação do direito para o sistema de administração da Justiça Civil como um todo e para a sociedade civil em geral”, tendo sido previsto, assim, um dever de identificação e de congruência das súmulas com as circunstâncias fáticas dos casos que motivaram a sua criação.

Além dessa ressignificação dos conceitos de jurisprudência e de súmula, conforme já mencionado, o Novo CPC introduziu o conceito de “precedentes”, e, conforme explicação de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 1005), eles podem ser entendidos como “[...] razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais [...]” não se confundindo com estas últimas.

Sendo assim, para eles, o precedente é formado a partir de uma decisão judicial. O precedente, portanto, “[...] trabalha essencialmente sobre fatos jurídicos relevantes que compõem o caso examinado pela jurisdição e que determinaram a prolação da decisão da maneira como foi prolatada”. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 1005). Ademais, os precedentes emanam exclusivamente das Cortes Supremas e são sempre obrigatórios, diferentemente da jurisprudência e das súmulas.

Donizetti (2017, p. 1198-1199), por sua vez, ensina que “[...] precedente é a norma obtida no julgamento de um caso concreto que se define como a regra universal passível de ser observada em outras situações [...]” e que jurisprudência pode ser entendida como as “[...] decisões reiteradas dos tribunais, que podem se fundamentar, ou não, em precedentes judiciais” e que a jurisprudência é “formada em razão da aplicação reiterada de um precedente”.

É importante esclarecer que o que forma o precedente é apenas a razão de decidir do julgado, ou seja, a sua ratio decidendi, os fundamentos daquela decisão é que poderão ser invocados em julgamentos posteriores. Os argumentos acessórios que não tenham sido determinantes para a decisão, chamados de obter dictum, bem como as razões de voto vencido não podem ser utilizados com força vinculativa (DONIZETTI, 2017).

Ressalte-se que, ao contrário do que se possa imaginar, a adoção dos precedentes não significa “eternização” das decisões judiciais ou “engessamento” do Poder Judiciário, haja vista que o magistrado deverá continuar a exercer o seu livre convencimento, afastando determinada norma quando ela não for capaz de solucionar um caso concreto, desde que tudo seja feito de forma devidamente fundamentada (DONIZETTI, 2017).

Ademais, cumpre informar que os precedentes judiciais podem ser revogados ou superados, em razão da “[...] modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação”. (DONIZETTI, 2017, p. 1198), contudo, essa revogação só pode ser efetivada pelo órgão legitimado para tanto.

É importante esclarecer, por fim, o que podemos entender pela função de “uniformizar a jurisprudência por parte dos tribunais” que o legislador incluiu no caput do artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015.

Primeiramente, é fundamental distinguir as cortes voltadas à justiça do caso concreto - as chamadas Cortes de Justiça, que são os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça, os quais tem a função de controle da interpretação dos fatos levados a eles, da prova produzida e do direito aplicável ao caso concreto, bem como fomentar o debate acerca das possíveis soluções interpretativas por meio da jurisprudência – das cortes voltadas à unidade do direito – as chamadas Cortes Supremas, que são o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, que têm por função interpretar o direito a partir do caso concreto e dar a última palavra a respeito de como deve ser entendido o direito constitucional e o direito federal no Brasil. Contudo, é certo que as Cortes de Justiça, diante da existência de precedente judicial sobre o caso que devem julgar, têm o dever de aplicá-lo sem quebra da igualdade (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017).

Os referidos autores defendem que o artigo 926 do CPC/15 deve ser interpretado, em verdade, no sentido de que cabe ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça o dever de dar unidade ao direito, e que, a partir da existência de precedentes constitucionais e de precedentes federais, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça têm o dever de zelar pela uniforme aplicação desses precedentes, haja vista que as Cortes de Justiça e os juízes de primeiro grau são os responsáveis por fomentar o debate a respeito das melhores opções interpretativas, como já dito acima.

Assim, portanto, a função das Cortes Supremas é dar unidade ao direito e não uniformizar a aplicação do direito no nosso país, e essa unidade é alcançada a partir da solução de casos que sirvam como precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes, a fim de evitar a dispersão do sistema jurídico. Sendo assim, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, as quais possuem o dever de controlar a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos, o que inclui o dever de aplicação isonômica do direito (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017).

O artigo 927 do Código de Processo Civil de 2015, nos incisos I a V, trouxe um rol de precedentes judiciais obrigatórios ou vinculantes. No dispositivo ora em comento, em seu inciso I, o legislador previu que os juízes e tribunais deverão observar “as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade” (BRASIL, 2015), sendo que a vinculação se refere apenas aos fundamentos da decisão, a ratio decidendi, conforme já explicado anteriormente. O inciso II traz a obrigatoriedade de observância aos “enunciados de súmula vinculante” (BRASIL, 2015), demonstrando que o precedente obrigatório deve ter sido produzido por meio de enunciados de súmula vinculante, editadas na forma do artigo 103-A da Constituição Federal de 1988. (DONIZETTI, 2017, p. 1205 e 1206).

O inciso III do artigo 927 do Novo Código de Processo Civil, por sua vez, versa que serão observados “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos” (BRASIL, 2015), significando que a tese firmada em determinado incidente de assunção de competência deve constituir precedente de força obrigatória, cuja inobservância poderá ensejar a propositura de reclamação constitucional, na forma do artigo 988, inciso IV do Código de Processo Civil de 2015.

O mesmo ocorre em relação à decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas, conhecido como IRDR, cujo acórdão passará a ser o precedente que irá reger os processos em tramitação e os que venham a ser instaurados e que versem sobre idêntica questão de direito, na mesma área de jurisdição do respectivo tribunal, cabendo igualmente reclamação caso os juízos vinculados ao Tribunal no qual se julgou o incidente não aplicarem a tese jurídica definida no IRDR, conforme artigo 985, §1º do Código de Processo Civil. Da mesma forma, os precedentes produzidos no julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos também vincularão os juízes e tribunais, vinculação esta que já existia desde o Código de Processo Civil de 1973, em seus artigos 543-B e 543-C (DONIZETTI, 2017).

O inciso IV do dispositivo em análise, atribui força obrigatória aos “enunciados de súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional” (BRASIL, 2015), demonstrando que não apenas as súmulas vinculantes que devem ser respeitadas por juízes e tribunais, mas todas as demais súmulas.

Por fim, o inciso V do artigo 927 do Código de Processo Civil torna obrigatória a “orientação do plenário ou do órgão especial aos quais [os juízes e tribunais] estiverem vinculados” (BRASIL, 2015), em outras palavras, a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal vinculará todos os juízes e tribunais pátrios; a decisão do Plenário do Superior Tribunal de Justiça e do Órgão Especial deve ser observada pelo próprio STJ, pelos Tribunais Regionais Federais, pelos Tribunais de Justiça e pelos juízes a eles vinculados; as decisões do Plenário de Tribunal Regional Federal devem vincular seus membros e juízes federais e as decisões do Plenário e do Órgão Especial dos Tribunais de Justiça devem ser observadas por seus membros e juízes estaduais (DONIZETTI, 2017).

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Larissa Chagas. A fundamentação das decisões judiciais quando da aplicação de precedente judicial obrigatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6545, 2 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90704. Acesso em: 22 nov. 2024.

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