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Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos

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Agenda 23/10/2006 às 00:00

Em boa hora vem a lume a Lei nº 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). Trata-se de um diploma sintonizado com o nosso tempo, seja no campo penal, seja no processual.

Sumário: I INTRODUÇÃO. II – DOS CRIMES. 2.1 – Abolitio criminis 2.2 – Normas penais em branco. 2.3 – Ação Pública incondicionada. 3 – Art. 28 – Do crime de porte de entorpecentes. 4 – Crimes de tráfico de entorpecentes. 4.1 – Art. 33 – Tráfico de Entorpecentes. 4.2 Figuras Equiparadas (art. 33, § 1º). 4.3 – Causa de diminuição de pena nos crimes de tráfico de entorpecentes. 5 – Art. 34 – Maquinário e aparelhos destinados ao tráfico. 6 – Crimes de Associação para o tráfico (art. 35 e parágrafo único). 7 – Crime de financiamento ou custeio ao tráfico de entorpecentes (art. 36). 8 – Colaboração com o tráfico (art. 37). 9 – Modalidade culposa (art. 38). 10 – Conduzir embarcação ou aeronave sob o efeito de droga (art. 39). 11 – Causas de aumento de pena nos crimes de tráfico e equiparados (art. 40). 12 – Delação premiada (art. 41). 13 – Cálculo das penas (arts. 42/43). 14 – Benefícios prisionais. 15 – Isenção e redução de pena (arts. 45/47). III – DO PROCEDIMENTO PENAL (ARTS. 48/59). 17 – Rito no crime de porte de entorpecentes (art. 48 e §§). 18 – Rito procedimental nos demais crimes da lei 11.343/06. 19 – Da instrução criminal. 20 – Do recurso em liberdade.

I – INTRODUÇÃO. Em boa hora vem a lume a Lei 11.343/06 que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD – prescrevendo medidas para prevenção, uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define os crimes respectivos.

          Trata-se de um diploma sintonizado com o nosso tempo, seja no campo penal, seja no processual, vez que a Lei 6.368/76 era antiquada nos dois aspectos. Por sua vez, sua sucessora, a Lei 10.409/02, foi mutilada por vetos presidenciais que lhe expurgaram por completo o direito material, transformando-a num diploma amorfo e incompleto, o que impunha ao operador do direito valer-se de suas regras processuais e das regras de direito material da 6.368/76.

          Com o novo texto que passou a viger em 45 dias da publicação, mais precisamente, dia 08 de outubro de 2.006, relevantes modificações serão sentidas.

          No âmbito penal sobressaem tipos penais que penalizam com maior severidade o crime de tráfico de drogas, punem-se os investidores, por financiar e custear o comércio de drogas, os asseclas e colaboradores do crime organizado com penas mais elevadas. Ao mesmo tempo, as penas pecuniárias foram exacerbadas, tornando-se mais proporcionais e razoáveis à realidade do comércio ilícito. De forma salutar, diferencia os diversos degraus na hierarquia da criminalidade comum e organizada, cada um respondendo na medida de sua culpabilidade. Assim, se o gravame mostra-se leve, a pena guarda correspondência com a sanção. Do mesmo modo, se o traficante for novato no crime, primário e portador de bons antecedentes, gozará de benesses jamais vistas, contudo harmonizadas com a realidade, porquanto longe está, por exemplo, o usuário-traficante, do verdadeiro mercador.

          Outra proeminente novidade reside no crime de porte de entorpecentes, que não mais pune com pena privativa de liberdade o usuário ou dependente. Mesmo que, na fase de execução descumpra a medida educativa imposta.

          No campo processual, igualmente o rito é de melhor técnica, de vez que, a defesa preliminar antecederá o recebimento ou rejeição total ou parcial da denúncia, para somente então, passar-se à instrução criminal com interrogatório e oitiva de testemunhas. Felizmente, aboliu-se o interrogatório que entremeava a defesa preliminar e o recebimento da denúncia preconizado pela Lei 10.409/02.

          Uma das lamentáveis omissões no novel diploma foi a não conceituação de crime organizado ou organização criminosa. Destarte, competirá ao intérprete adotar as soluções doutrinárias e jurisprudenciais oriundas do conceito de quadrilha ou bando ou do crime associação para o tráfico.


II – DOS CRIMES. Diferentemente da Lei 6.368/76, o atual diploma inicia a tipificação de condutas ilícitas com o crime de porte de entorpecente, um dos focos centrais da novel legislação. Em seguida, tipifica as modalidades de tráfico de entorpecentes, a associação, o financiamento, custeio e atividades correlatas, a forma culposa e a condução de aeronaves e embarcações após o uso de droga.

          2.1 – Abolitio criminis. Foram abolidas as condutas descritas no art. 12, § 2º, III e no art. 17, ambos da Lei 6.368/76. Aquela referente ao agente que contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; esta concerne à violação de sigilo, ou seja, de segredo de justiça durante o inquérito policial em crimes de tráfico ou associação para o tráfico. Pode-se dizer que o primeiro delito foi substituído pelo crime de oferecimento eventual de droga (art. 33, § 3º), infração de menor potencial ofensivo, adequado aos usuários contumazes que acabavam não sendo punidos, vez que não se descobria o proprietário da droga. No que tange ao segundo crime, malgrado a antiga previsão e a atual, sempre adotamos no cotidiano forense, o decreto do segredo de justiça em todos os processos de tráfico de entorpecentes, visando resguardar, especialmente, a integridade física das testemunhas.

          2.2 – Normas penais em branco. Norma penal em branco é aquela cuja definição contida no preceito primário da norma incriminadora é indeterminada e necessita de complemento. Os tipos penais previstos na Lei Antitóxicos são considerados normas penais em branco heterogêneas, de vez que recebem complemento de fonte ou órgão diverso do Poder Legislativo. O Ministério da Saúde, através de Portarias da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – relaciona quais substâncias são entorpecentes ou causadoras de dependência física ou psíquica. O art. 66 da atual lei prevê que a lista das drogas, substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial estão dispostas na Portaria SVS n. 344/98, de 12 de maio de 1.998.

          2.3 – Ação Pública incondicionada. Salvante os crimes considerados de menor potencial ofensivo, os demais exigem pronta ação ministerial, diante do princípio da indisponibilidade da ação pública.


3 – DO CRIME DE PORTE DE ENTORPECENTES (art. 28)

          Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

          I – advertência sobre os efeitos da droga;

          II – prestação de serviços à comunidade;

          III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

          § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

          § 2º. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

          3.1 – A objetividade jurídica é a proteção à saúde pública, e esse bem jurídico é atingido com o mero porte da droga, independente de sua quantidade. É crime de perigo abstrato, sendo prescindível a ocorrência de dano. Nem se olvide que existe consenso científico mundial quanto aos malefícios causados pelas substâncias entorpecentes, especialmente, à juventude.

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          Objeto material do crime é a droga, substância entorpecente ou que determina dependência física ou psíquica. Sua ausência ou não previsão na Portaria da Anvisa conduz à atipicidade da conduta.

          3.2 – Sujeitos do crime. Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma condição especial do agente. O sujeito passivo primário é o Estado, a coletividade. Secundariamente, o próprio agente que provoca prejuízo a si próprio.

          3.3 – Elemento Objetivo. Os verbos-núcleo previstos no tipo penal são cinco: adquirir, no sentido de obter, conseguir através de compra; guardar significa ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar; ter em depósito é o mesmo que conservar ou reter a coisa à sua disposição; transportar é conduzir, levar ou carregar; por fim, trazer consigo se dá quando o agente transporta a substância entorpecente junto ao corpo, ou no próprio corpo. Cada conduta é praticada com o fim exclusivo de consumo pessoal, jamais se admitindo qualquer desvirtuamento, sob pena de se transmudar em tráfico. Infelizmente, os toxicômanos tornam-se traficantes para poderem sustentar sua dependência. A lei oferece parâmetros para que o magistrado distinga no caso concreto entre usuário, dependente e traficante (§ 2º do art. 28).

          3.4 – Elemento Subjetivo. O dolo é o genérico, consistente na vontade livre e consciente de praticar cada ação com o especial fim de agir de consumo pessoal. Daí, dizer-se que o tipo é incongruente.

          3.5 – Elemento Normativo. Consistente na expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Vêm incorporados ao tipo penal para retratar a licitude ou não da conduta. De modo que havendo a autorização ou a determinação legal, a conduta será atípica.

          3.6 – Consumação e Tentativa. Consuma-se o crime quando o agente pratica qualquer das condutas descritas no tipo fundamental, vez que se trata de crime instantâneo ou de mera conduta que se consuma de pronto. Não se admite a forma tentada como regra. A doutrina admite a tentativa na modalidade adquirir, de vez que a conduta pode ser fracionada e o agente, por exemplo, acaba sendo surpreendido ao adquirir a droga.

          3.7 – Tipo equiparado. Responde pelas mesmas penas, segundo o § 1º.

          3.8 – Penas. As penas têm caráter eminentemente educativo e (res)socializador, não repressivo e de inserção social, tanto que o tipo não prevê, em nenhuma hipótese, a imposição de pena privativa de liberdade. Denominadas de medidas educativas consistem em:

          I – advertência;

          II - prestação de serviços à comunidade; e

          III - comparecimento a programa ou curso educativo.

          Visam à conscientização do usuário do mal que a droga causa a si próprio, buscando sua inserção social e procurando afastá-lo das drogas.

          Interessante notar que as penas restritivas de direitos sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro, aqui, contudo, adquiriram natureza autônoma.

          3.9 – Prazo e Execução. A pena de advertência consiste na admoestação verbal decorrente do uso da droga e suas conseqüências para o agente e para a sociedade. Certamente, será a primeira a ser aplicada ao agente primário e sem mácula em seu passado.

          Já, as penas de prestação de serviços e medida educativa têm prazo máximo de 5 meses. Em caso de reincidência, independente do crime antecedente, as penas podem ser dobradas, chegando ao patamar máximo de 10 meses.

          A prestação de serviços será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

          O descumprimento de qualquer das penas impostas e previstas nos incisos I, II e III, do caput, facultam ao juiz submeter o agente a uma nova admoestação (advertência) verbal que, se não for suficiente, a pena de multa. Para o cálculo desta pena de multa, o juiz levando em conta a reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a quarenta e nem superior a cem. Levará em conta, em um segundo momento, a capacidade econômica do agente para fixar o valor do dia-multa entre um trinta avos até três vezes o valor do maior salário-mínimo vigente. Os valores pagos serão creditados ao Fundo Nacional Antidrogas.

          Crítica. Na fase de execução da pena, submeter sucessivamente o condenado relapso à admoestação verbal e multa chega a ser risível. Não descriminalizando a conduta, o legislador criou embaraços intangíveis ao Poder Judiciário. Não bastasse o volume excessivo de trabalho dos Juízes das Execuções, deverão, a partir de agora, advertir o "condenado" já advertido ou submetido a outra pena alternativa para, então, aplicar-lhe pena pecuniária. O juiz de direito, responsável pela execução das penas, não é agente de saúde, psicólogo ou psiquiatra para se imiscuir na realidade de cada usuário ou dependente de entorpecente. A iniqüidade latente da determinação traz a sensação de que o legislador buscou a inaplicabilidade desses gravames, por via oblíqua. A despeito da crítica, pode-se dizer que a pena de multa é razoável para o usuário ou dependente renitente, de vez que fica entre 40 (cerca de R$ 466,40) e 100 (cerca de R$ 1.166,00).

          3.10 – Prazo prescricional. A prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória ocorrem em dois anos. Os marcos interruptivos são os mesmos previstos no Código Penal (art. 117).


4 – CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES.

          Ao tratar da repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas, em cinco capítulos no Título IV, o legislador, no capítulo I, após exigir a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, autoriza e disciplina a destruição de plantações ilícitas por parte da polícia judiciária (arts. 31 e 32 e parágrafos).

          No capítulo II, tipifica as ações correspondentes à traficância de entorpecentes ou drogas afins e condutas equiparadas e assemelhadas, nos artigos 33 a 39.

          4.1– Tráfico de Entorpecentes (art. 33)

          A redação que, praticamente, repete a anterior constante do art. 12 da Lei 6.368/76, é a seguinte:

          Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

          Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

          4.1.1 – Objetividade Jurídica. O bem jurídico tutelado é a incolumidade pública, mais particularmente a saúde pública.

          4.1.2 – Sujeitos do Crime. Crime comum, que, em regra, pode ser praticado por qualquer pessoa. Na conduta prescrever, o crime é próprio, por exigir uma especial qualidade do agente, médico ou dentista.

          No pólo passivo, o sujeito passivo primário é a coletividade, o Estado. Secundariamente, a família e, especialmente, o usuário. A despeito de posições contrárias, admite-se a assistência à acusação (CPP, arts. 268/273), justamente porque os familiares, ao lado do dependente, são vítimas diretas do crime.

          4.1.3 – Tipo Objetivo. O tipo prevê os mesmos dezoito verbos da Lei 6368/76, sem nenhuma adição. Tipo misto alternativo ou de conduta mista pune o agente com uma só sanção ainda que incorra em mais de um verbo-núcleo. Como já se decidiu, é congruente ou congruente simétrico, esgotando-se no dolo, desnecessitando de especial fim de agir; daí entender-se que não é somente o comércio ou a prática de atos onerosos que tipificam a traficância, trazer consigo e guardar ou fornecer gratuitamente também são condutas típicas.

          Importar e exportar é a introdução ou a saída do território nacional de substância entorpecente. Tipo especial em face do contrabando (CP, art. 334), que se consuma com o ingresso ou a saída de substância considerada entorpecente de nosso território, por via aérea, terrestre ou marítima.

          Remeter tem o significado de enviar, despachar, expedir. Como na venda realizada via correio.

          Preparar é aparelhar, organizar, dispor a droga para ser servida. Distingue-se da modalidade produzir que significa fabricar, criar em qualquer quantidade substância entorpecente. Enquanto na preparação, as substâncias existem e são conjugadas para o surgimento de uma nova, como no exemplo de Greco: a transformação de cocaína bruta em cloridrato de cocaína, solúvel em água, para ser injetada; na produção, a ação exige maior técnica, pois o agente criará a substância entorpecente para futuro consumo, tal qual plantar, extrair e em seguida fabricar a maconha.

          Fabricar distingue-se da preparação e da produção, por abranger a preparação por meio mecânico industrial. Inexiste rigidez para a adequação típica, assim qualquer das três modalidades serve para tipificar a conduta delituosa, como ao preparar/produzir/fabricar o crack diretamente da cocaína.

          Adquirir tem o sentido de obter, conseguir através de compra. Vender é o dispor a droga de forma onerosa.

          Expor à venda é exibir a droga a eventuais adquirentes. Oferecer é o mesmo que ofertar doando ou emprestando ou, ainda, para provocar interesse no entorpecente. Ter em depósito é o mesmo que conservar ou reter a coisa à sua disposição. Transportar é conduzir, levar ou carregar. Trazer consigo se dá quando o agente transporta a substância entorpecente junto ao corpo, ou no próprio corpo. Guardar significa ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar.

          Prescrever é a atividade de receitar, indicar o uso de substância entorpecente. Crime próprio, somente pode ser praticado por médico ou dentista, os quais têm autorização para prescrição de medicamentos. Ministrar é subministrar, abastecer, inocular droga no organismo de alguém por qualquer meio como ingestão, aspiração, injeção, objetivando a produção do efeito entorpecente. A prescrição culposa é crime autônomo (art. 38).

          Entregar a consumo era a norma de encerramento no art.12 da Lei 6368/76 que visava alcançar toda e qualquer conduta que não se enquadrava nas demais hipóteses. No novel diploma, é somente uma das demais condutas típicas que significa fazer chegar, dar, passar às mãos de alguém a droga.

          Fornecer é dar, prover ainda que gratuitamente o entorpecente. Pune-se a cessão gratuita e eventual, sem diferenciar o fornecedor profissional do eventual. Aliás, nada impede que o usuário seja traficante ou vice-versa. A ação nuclear de fornecer distingue-se do oferecimento eventual sem objetivo de lucro (infração de menor potencial ofensivo), como no exemplo do casal de namorados, em que um deles adquire cocaína para uso de ambos (§ 3º, art. 33).

          4.1.4 – Tipo Normativo. Tal qual o porte de entorpecente a elementar normativa reside na expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar que vem incorporada ao tipo para retratar a licitude ou não da conduta, de modo que havendo a autorização ou a determinação legal, a conduta será atípica.

          4.1.5 – Tipo Subjetivo. É o dolo genérico, não se podendo, in concreto, igualar o desvalor de ação entre quem fornece gratuita e livremente a droga com aquele que faz com ela comércio. Ambos cometem o crime do art. 12, mas, in concreto, a resposta penal deve considerar as motivações. No segundo caso, o desvalor é acentuado (STJ - RESP nº 259.562 - RS - 5ª T. - Rel. Min. Felix Fischer - DJU 18.03.2002).

          4.1.6 – Consumação e Tentativa. Com a prática de qualquer das condutas descritas no tipo. Não se admite a forma tentada como regra. De se lembrar que boa parte dos crimes tem natureza permanente e a tentativa na modalidade adquirir é aceita pela doutrina, como no exemplo do agente que é surpreendido ao tentar comprar grande quantidade de droga. O vendedor responde por tráfico de vez que embora os atos executórios da venda tenham sido obstados, já estava consumado o crime em condutas anteriores (guardar, trazer consigo etc.). Já, o comprador, sim, responde por tentativa.

          4.1.7 – Classificação doutrinária. Crime de conduta mista ou misto alternativo ou de conteúdo variado. As diversas ações típicas versam crimes de mera conduta ou instantâneos. Mas é crime permanente, nas modalidades guardar, ter em depósito, trazer consigo e expor à venda, ensejando a prisão em flagrante.

          4.1.8 – Flagrante preparado e esperado. Muito se tem questionado acerca de flagrante preparado nos casos de simulação de compra de droga por parte de policiais. Não há flagrante preparado ou provocado quando o agente policial simula ser usuário de droga, para aquisição fictícia, porque não induz o acusado à prática do crime, na modalidade antecedente de guardar, ter em depósito ou trazer consigo entorpecente destinado a consumo de terceiros. Crime permanente que preexistia à ação policial. A configuração não exige ato de tráfico, bastando o agente trazer consigo a substância entorpecente. Neste sentido: (STF: HC 81970/SP; Relator Min. Gilmar Mendes; j. 28/06/2002, 1ª Turma, v.u.; TACrimSP - Ap. 1.449.759/1 - Rel. Wilson Barreira - j. 05.07.2004 - v.u).

          4.1.9 – Distinção com o art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O tipo do ECA é expressamente subsidiário, pune quem vende, fornece ou entrega produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica a outrem. Sabido é que a venda de entorpecente seja para quem for criança ou adolescente caracteriza o crime de tráfico. No entanto, se o produto não estiver listado em Portaria do Ministério da Saúde, mas puder causar dependência será o crime em estudo, como no caso de venda de bebida alcoólica, "cola de sapateiro" etc.

          4.1.9 – Pena. A pena privativa de liberdade foi significativamente majorada, passando o agente a ser punido de cinco a quinze anos de reclusão. A pena pecuniária, igualmente, foi elevada para patamares entre 500 (quinhentos) e 1.500 (mil e quinhentos) dias-multas, sensivelmente mais adequados à vida fácil dos que se comprazem com a desgraça alheia.

          4.2 – Figuras Equiparadas (art. 33, § 1º)

          Nas mesmas penas incorre quem:

          I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

          O conceito de "matéria-prima" fornecido pela doutrina é de toda e qualquer substância da qual podem ser preparadas, produzidas ou fabricadas substâncias entorpecentes ou psicotrópicas que causem dependência física ou psíquica. Aquela(s) substância(s) não precisa(m) estar relacionada(s) na Portaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Exemplo: o éter e a acetona constituem matéria-prima indispensável à preparação e refino da cocaína.

          O crime se consuma com a realização de qualquer dos verbos-núcleo, admitindo-se a tentativa, como no exemplo da compra citado acima. Crime de ação múltipla ou conteúdo variado, de mera conduta, instantâneo e permanente em algumas modalidades. A expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar constitui elemento normativo do tipo.

          II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

          Semear é lançar a semente ao solo caracterizando um crime instantâneo. Cultivar é crime permanente, pois o agente mantém a plantação por ele semeada ou por outrem. Fazer a colheita consiste na retirada da planta do solo, caracterizando outro crime instantâneo. As plantas que servirão para futura preparação da droga vêm previstas na Portaria n. 344/98 da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

          Distingue-se este crime do constante no art. 28, § 1º - porte de entorpecente equiparado – que pune a semeadura, plantio ou colheita de pequena quantidade de plantas destinadas à preparação de substância entorpecente. Obviamente, o quantum caracterizador de pequena quantidade será aferido em cada situação concreta, como por exemplo, se o acusado é dependente químico crônico, sempre tendo em mira o disposto no § 2º, do art. 28.

          III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

          Da anterior redação do § 2º, II, do art. 12, da Lei 6368/76, o dispositivo atual acrescenta a expressão bem de qualquer natureza e exclui a expressão uso indevido. Assim, pune-se o agente que se vale de local ou de um bem móvel ou imóvel do qual é proprietário, possuidor, administrador, guardião ou vigilante ou consente que deles se utilize para o exercício do comércio ilícito de entorpecentes. Trata-se de crime próprio, vez que o agente exerce direito sobre o bem móvel ou imóvel (casa, apartamento, ilha, trailler, barco, ônibus, carro etc.). Em regra o bem é particular, mas nada obsta seja público, do qual o agente seja administrador ou vigilante e tenha o dever de impedir a mercancia ilícita.

          Confronto. Punia-se o agente que permitisse a terceira pessoa fazer uso de droga em sua casa ou dependência dela, agora esta conduta não mais se equipara à traficância.

          A punição do que estimula, auxilia, fomenta outrem ao uso de entorpecente em local do qual tenha propriedade, posse etc. será feita com base no § 2º, do art. 33, cuja pena é detentiva entre 1 e 3 anos, além de multa de cem a trezentos dias-multa.

          4.3 – Causas de diminuição de pena nos crimes de tráfico de entorpecente (art. 33, § 4º). Os crimes previstos no caput e § 1º poderão ter as penas reduzidas de um sexto a dois terços, no caso do agente primário, de bons antecedentes e que não se dedicar às atividades criminosas e nem integrar organização criminosa. Embora o parágrafo utilize a expressão poderão indicativa de faculdade judicial, sabido é que se trata de dever judicial, de direito público subjetivo do acusado e o juiz não pode negá-lo. Para a concessão há de ser reconhecido na sentença todas as circunstâncias favoráveis ao agente referidas.

          Como a redução máxima é a que deve prevalecer, chegar-se-á a uma pena definitiva de um ano e oito meses de reclusão. No entanto, impõe-se o regime fechado, único adequado aos crimes de tráfico, consoante se extrai do contido na Lei de Crimes Hediondos. A decisão do STF considerou inconstitucional o regime integral fechado, contudo o regime fechado permite a regular progressão de regimes e é o que melhor se amolda a crimes tão graves e atrozes contra a saúde pública. Qualquer outro regime prisional não se coaduna com o tráfico, diante de tantas mazelas que sabidamente a droga provoca.

Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1209, 23 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9074. Acesso em: 22 nov. 2024.

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