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Aspectos procedimentais da nova lei de tóxicos (Lei nº 11.343/06)

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Agenda 23/10/2006 às 00:00

5) A RESPOSTA PRELIMINAR

Oferecida a peça acusatória, diz o art. 55 que "o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § 1o Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas. § 2o As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. § 3o Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação. § 4o Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias. § 5o Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias."

Temos uma disposição absolutamente salutar, já prevista em nosso ordenamento jurídico (art. 514 do CPP, art. 4o. da Lei n. 8.038/90, art. 43, § 1º. da Lei de Imprensa e art. 81 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, além do art. 395 do Projeto de Lei nº. 4.201/01[24]) e também na lei revogada (Lei nº. 10.409/02). Há, efetivamente, uma defesa prévia, anterior ao recebimento da peça acusatória, dando-se oportunidade ao denunciado de contrariar a imputação feita pelo Ministério Público, rechaçando-a e tentando obstaculizar a instauração da ação penal.

O dispositivo determina, desde logo, que se efetive a notificação do denunciado; não se trata de citação, mesmo porque ainda não se pode falar, nesta fase, em acusado ou processo. Renato de Oliveira Furtado assevera que a "citação não pode ser confundida com notificação e não é possível se falar já em citação quando a denúncia nem mesmo foi ainda recebida."[25]

A notificação deverá ser feita pessoalmente ao denunciado e, se tiver, ao seu defensor constituído. A resposta deve ser dada em 10 dias, atentando-se para a Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal: "No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem." Logo, o prazo conta-se da data da intimação e não do da juntada do respectivo mandado aos autos.

Esta resposta preliminar consiste na defesa prévia propriamente dita, bem como na argüição de exceções. Como ensina José Frederico Marques, nesta hipótese "estabelece-se um contraditório prévio, para que o Juiz profira, com o despacho liminar, decisão semelhante ao judicium accusationis."[26] O denunciado poderá argüir em sua defesa qualquer matéria, seja de natureza estritamente processual (ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, por exemplo), como adentrar o próprio mérito da acusação, inclusive postulando a produção de provas que serão realizadas a critério do Juiz. Evidentemente que deve ser dada a esta disposição uma correta interpretação, a fim que não se lhe restrinja o alcance (prejudicando a defesa e o juízo de admissibilidade a ser feito pelo Magistrado), nem, tampouco, elasteça-se-lhe de tal forma o significado que se permita uma verdadeira antecipação da instrução criminal, nos moldes do Juizado de Instrução, preconizado na lei processual penal francesa (sistema bifásico ou misto) que, segundo Hélie (Traité, I, 178, § 539), é "la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond."[27]

Será nesta resposta prévia que o denunciado deverá, sob pena de preclusão, arrolar as suas cinco testemunhas. Esta resposta é obrigatória e deverá ser necessariamente subscrita por um advogado (constituído ou nomeado, ou pelo Defensor Público). Entendemos, inclusive, tratar-se de uma nulidade absoluta a sua ausência. Observa-se que em relação ao art. 514 do Código de Processo Penal (que contém disposição idêntica[28]), a jurisprudência, apesar de vacilante, assim já decidiu, inclusive o Supremo Tribunal Federal:

"Art. 514 do CPP. Formalidade da resposta por escrito em crime afiançável. Nulidade alegada oportunamente e, como tal, irrecusável, causando a recusa prejuízo à parte e ferindo o princípio fundamental da ampla defesa." (RT 601/409).

"Art. 514 do CPP. Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável, apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade do processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo." (RT 572/412).

O Superior Tribunal de Justiça da mesma forma:

"Recurso de habeas corpus. Crime de responsabilidade de funcionário público. Sua notificação para apresentar defesa preliminar (art. 514, CPP). Omissão. Causa de nulidade absoluta e insanável do processo. Ofensa à Constituição Federal (art. 5º., LV). (...) Nos presentes autos, conheceu-se do recurso e deu-se-lhe provimento, para se anular o processo criminal a que respondeu o paciente, pelo crime do art. 317 do CP, a partir do recebimento da denúncia (inclusive), a fim de que se cumpra o estabelecido no art. 514 do CPP." (RSTJ 34/64-5).

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Em decisão proferida no dia 13 de dezembro de 2005, a 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, "deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenado pela prática do crime tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12), cuja citação para oferecimento de defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 dias, não fora realizada. Entendeu-se que não se assegurara ao recorrente o exercício do contraditório prévio determinado pelo aludido dispositivo legal (Lei 10.409/2002: "Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias...;’). Vencida a Min. Ellen Gracie, que negava provimento ao recurso por considerar não demonstrado o prejuízo à defesa, uma vez que a matéria que se pretendia alegar naquela fase fora deduzida em outros momentos processuais. RHC concedido para invalidar o procedimento penal, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando a expedição de alvará de soltura" (STF, RHC 86680/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.12.2005. Informativo n.º 413).

A 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal também vem entendendo tratar-se de nulidade absoluta:

"Defesa - Entorpecentes - Nulidade por falta de oportunidade para a defesa preliminar prevista no art. 38 da L. 10.409/02: demonstração de prejuízo: prova impossível (HC 69.142, 1.ª T., 11.2.92, Pertence, RTJ 140/926; HC 85.443, 1.ª T., 19.4.05, Pertence, DJ 13.5.05). Não bastassem o recebimento da denúncia e a superveniente condenação do paciente, não cabe reclamar, a título de demonstração de prejuízo, a prova impossível de que, se utilizada a oportunidade legal para a defesa preliminar, a denúncia não teria sido recebida." (STF, HC 84.835/SP, 1.ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 9.8.2005, DJ 26.8.2005, p. 00028, Ementário Vol. 02202-2, p. 00366).

Repetimos: se o denunciado tem advogado constituído (e o fez, por exemplo, na fase inquisitorial), além de sua notificação, deverá também ser notificado este profissional contratado (afinal de contas, como se sabe, a ampla defesa inclui, além da autodefesa, a chamada defesa técnica ou processual[29]). A notificação deste advogado constituído obedecerá ao art. 370 do CPP. Ainda nesta hipótese, não sendo apresentada a defesa preliminar pelo profissional contratado urge que se notifique o denunciado para contratar outro advogado; caso não o faça, que se nomeie, então, um defensor dativo para o mister.


6) A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Também em cinco dias deve ser proferida a respectiva decisão, não recebendo, rejeitando[30] ou aceitando a denúncia. Se não se sentir suficientemente preparado, do ponto de vista probatório, para proferir esta decisão, o Juiz, poderá proceder à "realização de diligências, exames e perícias."[31].

Em seguida, dispõe o art. 56 que, "recebida a denúncia[32], o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado[33], a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais." Se se tratar dos crimes tipificados nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37, "o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo."[34] Inicialmente, observamos que mais uma vez o legislador descurou-se da diferença entre intimação e notificação[35].

Por outro lado, como se trata de crime contra a saúde pública[36], a coletividade é o sujeito passivo da infração, podendo ser considerados prejudicados, secundariamente, e em alguns casos, as pessoas que recebem a droga para o consumo que, então, poderão se habilitar como assistentes da acusação, na forma do art. 268 do Código de Processo Penal.[37] Neste sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Mesmo tratando-se de delito contra a fé pública, em que o sujeito passivo é, primariamente, o Estado, secundariamente será sujeito passivo aquele em prejuízo de quem a falsidade tenha sido praticada, tendo legitimidade, pois, para figurar nos autos como assistente do Ministério Público." (RT 552/308).

Esta audiência de instrução e julgamento "será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias." Entendemos que se tratando de acusado preso, em nenhuma hipótese deve ser adiada a audiência de instrução e julgamento que deverá ser realizada na data marcada, salvo se o réu for posto em liberdade. Como se disse acima, o acusado tem direito a um julgamento rápido (nada obstante seguro[38]) e sem dilações indevidas[39]. A recente "Reforma do Judiciário" (Emenda Constitucional nº. 45/04), acrescentou mais um inciso ao art. 5º. da Constituição Federal, estabelecendo expressamente que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." (inciso LXXVIII).

"Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento[40], após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante." Aqui, repetiu-se a disposição contida no art. 188 do Código de Processo Penal. Nos debates orais, havendo assistente, entendemos que o seu advogado terá a palavra após o Promotor de Justiça pelo mesmo período de tempo (art. 271, CPP), aplicando-se analogicamente o art. 539, § 2º. do Código de Processo Penal.

A lei certamente descurou-se de uma tendência moderna em considerar o interrogatório, também e principalmente, como um meio de defesa, realizando-o apenas ao final da colheita de toda a prova, como o fez a Lei nº. 9.099/95 e o Projeto de Lei nº. 4.204/01 que visa a reformar o Código de Processo Penal[41]. No interrogatório, deverá o Juiz questionar ao acusado sobre eventual dependência[42]. Neste aspecto, note-se que o Superior Tribunal de Justiça decidiu: "O texto do art. 19 da Lei nº. 6.368/76 é expresso no sentido de aplicar a isenção ou redução de pena, qualquer que seja o crime cometido, ao agente que o praticar em razão da dependência ou sob efeito de substância entorpecente. Comprovado mediante perícia médica que o réu, na data em que cometeu o crime de furto, tinha sua capacidade de autodeterminação diminuída por ser viciado em tóxico, deve sua pena ser reduzida de um a dois terços. A Turma, prosseguindo no julgamento, negou provimento ao recurso." (REsp 343.600-DF, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 19/8/2003).

"Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. § 1o Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso do processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, § 1o, desta Lei[43], preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar. § 2o Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e, ouvido o Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo toxicológico."

"Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória." Obviamente que esta disposição fere a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição[44] e o postulado constitucional da presunção de inocência; sobre este assunto, remetemos ao nosso trabalho intitulado "O Direito de Apelar em Liberdade".[45]


7) OS CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Observa-se que com o advento da Lei nº. 10.259/01 (e da Lei 11.313/06), o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo restou ampliado, fazendo com que dois dos tipos penais elencados na Lei nº. 11.343/06[46] passassem a ser considerados crimes de menor potencial ofensivo, cuja competência para o julgamento é indiscutivelmente dos Juizados Especiais Criminais, afastando-se, inclusive, o procedimento especial da nova Lei de Tóxicos. Neste caso, deverá ser tentada, antes da denúncia, a transação penal[47].

Portanto, tratando-se de crimes de menor potencial ofensivo, e tendo em vista que a competência para o respectivo processo é dos Juizados Especiais Criminais (art. 98, I da Constituição), indeclinável que em tais casos haverá, ao invés de inquérito policial, um termo circunstanciado, impossibilitando-se, a princípio, a lavratura do auto de prisão em flagrante (art. 69 da Lei nº. 9.099/95).[48]

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Aspectos procedimentais da nova lei de tóxicos (Lei nº 11.343/06). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1209, 23 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9075. Acesso em: 23 dez. 2024.

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