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Vacinação obrigatória e a liberdade individual no Brasil.

Agenda 26/05/2021 às 20:55

Este artigo trata do confronto entre liberdade e a promoção da saúde pública através da vacinação compulsória.

1. INTRODUÇÃO

 A vacinação obrigatória tem como intento a preservação da saúde pública no Brasil. Contudo existe a percepção entre grande parte da sociedade, de que a compulsoriedade suprima direitos fundamentais inerentes à liberdade individual. Preliminarmente é de suma importância o entendimento do que se refere a liberdade individual, que é caracterizada por um conjunto de normas elencados na Constituição Federal pertinentes à pessoa humana, no entanto eles podem colidir entre si e consequentemente levanta-se um importante debate doutrinário, portanto para entender e retratar a obrigatoriedade da vacinação devemos diferenciar compulsoriedade de coercitividade de vacinação. Foi declarado no Brasil a obrigatoriedade de vacinação desde 1837, mas essa medida não era cumprida e então em meados de 1904 o Congresso aprovou um projeto para que pudesse promover a vacinação, esse projeto era caracterizado por sua compulsoriedade de forma que os indivíduos que não comprovassem ser vacinados sofreriam restrições de direitos. Portanto compulsoriedade trata-se de promover a vacinação por meios indiretos e não de forma coercitiva ou forçada, existe ao indivíduo a faculdade de se submeter a vacinação, contudo, ao não se vacinar se sujeita às consequências causadas por restrições de direitos fundamentais, afinal rejeitar-se a vacinação imunizante significa colocar diversas outras vidas em perigo. Mas qual seria então o limite para tais restrições, ou seriam ilimitadas as restrições aplicadas em caráter emergencial. Com intuito de preservar a saúde pública, o Estado pode submeter a população a medidas restritivas, contudo essas restrições tem o encargo de serem efetivas, razoáveis, proporcionais com meios adequados e portanto não causando resultado pior do que o esperado sem a sua aplicação. Pois bem, trata-se de um aparente embate entre liberdade e saúde, onde ambos devem perseverar na medida do possível em mutuo consenso, sendo assim a constituição tem o papel de promover essa conciliação em casos singulares onde pode haver um embate de normas constitucionais.

 

 

2. LIMITAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao analisarmos a teoria constitucional podemos conceber que não é cabível o entendimento de direitos fundamentais como direitos absolutos. Como direito absoluto podemos compreender uma contradição em termos, já que ainda que básicos não poderiam possuir esse caráter, uma vez que podem ser relativizados. Inicialmente, porque podem conflitar entre si e sendo assim necessária a análise casuística do caso concreto, possibilitando que sofram limitações ou restrições por outros direitos tão fundamentais quanto ele. Também não podem ser usados direitos fundamentais para pratica de atos ilícitos, reiterando-se o não absolutismo de tal. Portanto é necessário dizer que embora exista essa relatividade que possibilite a limitação de direitos fundamentais, essas limitações também não são ilimitadas, ou seja, devem respeitar termos de adequação, portanto os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (critério de ponderação).

 Sempre que houver restrição/limitação de um direito fundamental significa propriamente a intervenção direta em seu âmbito de proteção, todavia deve ser feita de forma legítima, ou seja, fundamentada em critérios equitativos analisados caso a caso, sendo assim, totalmente inerente à complexidade desses direitos auferidos, já que não podemos hierarquizar nem mesmo admitir direitos que sejam absolutos entre si, desse modo ela ocorre quando um direito fundamental ( constitucional ) é restringido diretamente por outra norma constitucional.

2.2 Formas de restrição de direitos fundamentais

 A teoria constitucional estabelece direitos fundamentais, dentre outras coisas, por serem direitos constitucionais, por conseguinte os mesmos só podem sofrer restrições por outras normas constitucionais ou em razão delas. Essas limitações podem ocorrer por cláusulas restritivas escritas e não escritas. As cláusulas restritivas escritas são determinadas por previsão expressa de restrição a determinado direito fundamental, descritas na própria norma, já as cláusulas restritivas não escritas compreendem grau maior de complexidade já que são determinadas regularmente quando ocorre eventual embate de princípios que consagram direitos fundamentais de terceiros, por exemplo atual, o direito de livre locomoção em todo território nacional sofrendo restrições graças ao aumento do índice de contágio pelo COVID-19 colidindo diretamente com o direito a saúde, sendo assim em um provável embate de normas resguardados os princípios consagradores de interesses coletivos, bem como o direito a igualdade, à honra, à imagem e a dignidade da pessoa humana. Entretanto existem ainda restrições que são indiretamente constitucionais, tratam-se de casos específicos em que a própria constituição autoriza expressamente/implicitamente que seja feita por lei, por meio de cláusula de reserva legal podendo ser simples qualificada ou implícita. Em sua forma de reserva simples o dispositivo constitucional não faz exigências quanto ao conteúdo e finalidades da norma restritiva. Na forma qualificada já temos o oposto, sendo assim necessário uma limitação no conteúdo da restrição infraconstitucional bem como o estabelecimento de condições especiais e até mesmo os objetivos e meios utilizados, trazendo assim circunstâncias específicas para sua utilização. Ainda temos a reserva legal implícita que ocorre quando não existe previsão propriamente expressa para que lei possa regulamentar o exercício de determinado direito, mas é perceptível a necessidade de sua existência, para diminuir controvérsias “em que pese a margem de atuação do legislador seja, a priori, menor fundamentando-se essas restrições em cláusulas restritivas não escritas, como a que se pode deduzir da cláusula de reserva legal subsidiária prevista no art. 5º, II, da CF/88” (SANTOS, 2021, p. 249)

2.3 Os limites dos limites

 Há basicamente duas formas de limitação que podem ocorrer nos direitos fundamentais, seja por normas de hierarquia constitucional de forma diretamente constitucional, ou em razão de normas infraconstitucionais que tenham como fundamento a proteção ou promoção de outro direito fundamental de forma indiretamente constitucional, entretanto essa só será possível ocorrer nos conformes constituintes legais, ou seja, a rigor da previsão constitucional, já que quaisquer intervenções que possam fugir desse rigor serão interpretadas como inconstitucionais.

 Os direitos fundamentais podem sofrer restrições, portanto reafirmando sua relatividade. Um grande exemplo é o direito à vida que embora seja tutelado pela constituição em seu artigo 5º caput, pode ser restringido quando por exemplo praticados em tempos de guerra declarada, sendo assim permitida a pena de morte (Art.5º XLVII, a) ou mesmo o aborto que em circunstâncias específicas previstas pelo art. 128 do Código Penal é autorizado.

Uma das grandes teorias sobre Direitos Fundamentais trazidas pelos países europeus foi a do Limite dos Limites (Schranken-Schranken) sua premissa é determinar até onde podemos limitar esses direitos para que não ocorra seu desvirtuamento ou até mesmo anulação. O primeiro limite que deve ser observado é o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, CF, ou seja, restrições feitas pelo chefe do poder Executivo, pelo Ministério da Saúde, pelo Governador do estado ou ainda pelo prefeito, tem que ser decorrentes de lei, portanto a LEI Nº 13.979 de 6 de Fevereiro de 2020 (Lei do Corona-Vírus), que trata sobre a restrição dos direitos fundamentais durante o período de pandemia, sendo assim lei excepcional que permite que as autoridades competentes quanto a saúde possam decretar medidas coercitivas aos direitos fundamentais e ainda segundo a própria portaria, o descumprimento das medidas previstas pelo art. 3º da Lei nº 13.979 acarretará a responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores .

 A competência para cuidar da saúde pública é de todos os entes federativos portanto responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, competência comum que é prevista no artigos 23, II, da CF todavia a competência para legislar é prevista no inciso XII do artigo 24 da CF, que determina a competência concorrente para legislar, ou seja, a União faz a lei geral e cada Estado faz sua Lei específica cabendo aos municípios apenas suplementar a lei federal e estadual no que couber as singularidades de interesse local. O STF ratificou em sua ADPF 672, onde por decisão cautelar o Ministro Alexandre de Moraes reafirmou a competência dos estados e municípios de legislar em matéria de saúde, sendo assim permitidas medidas restritivas que limitem direitos fundamentais, por exemplo a liberdade de locomoção em território nacional já que a primazia é pela saúde de terceiros, inclusive o descumprimento das medidas previstas no art. 3º da Lei nº 13.979 de 2020 podem acarretar em responsabilização penal para os agentes infratores, assim esclarece os artigos 267 268 e 330 do decreto-lei 2.848 :

· Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

· Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

 

· Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Desacato

Está claro que direitos fundamentais podem sofrer limitações e que essas tem suas devidas competências, mas essas limitações enfrentam limitações também (Schranken-Schranken), o primeiro e principal limite é o princípio da proporcionalidade que utiliza três critérios para aferição de proporcionalidade, quais sejam, adequaçãonecessidade e proporcionalidade em sentido estrito, portanto uma medida restritiva para ser constitucional precisa submeter-se a esse crivo. A adequação é uma relação linear de causa e efeito, ou seja, esse ato deve alcançar o resultado pretendido, temos também a necessidade onde deve ser feito a escolha da medida menos gravosa possível para alcançar o resultado desejado e a proporcionalidade em sentido estrito que determina a análise de benefícios e maléficos que portanto pondera juízo de valores onde os benefícios devem sobressair.

 Veja é possível que essas medidas restritivas tomadas pelo presidente, governadores e prefeitos possam ser levadas ao judiciário, que deverá analisar se essas medidas são constitucionais a luz do princípio da proporcionalidade e seus critérios. Outro critério a ser utilizado é o critério da razoabilidade, que deve impor dentro da discrição administrativa ou seja o agente público deve obedecer critérios quais sejam aceitáveis do ponto de vista racional em harmonia com o senso de pessoas moderadas. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello “as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada “(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo Malheiros, 2000. p. 79). Ademais os governadores podem ainda legislar sobre o interesse de seus estados em matéria de saúde pública mas essas normas estaduais não podem ferir a normatização federal, portanto existe competência concorrente norma geral x lei específica, mas ainda que exista essa competência de legislar em matéria de saúde pública pelos governadores, esta não pode colidir com norma federal, e o mesmo vale para os municípios que podem suplementar a legislação estadual no que couber (interesse público) mas não podem embate-las. Portanto se o governador do estado recomenda o fechamento dos estabelecimentos comerciais, cabe a cada município a depender de seu critério determinar o fechamento mas se o governador determina o fechamento dos estabelecimentos comerciais não pode o município contrariar as ordens do governador porque a função do município é suplementar a legislação estadual.

2.4 Núcleo essencial

 O ordenamento jurídico brasileiro é composto por diversas normas jurídicas, portanto podemos sistematizar esse ordenamento com uma organização de normas jurídicas pressupondo uma hierarquia e dentro desta hierarquia podemos atribuir a supremacia para as normas constitucionais as quais todas as outras normas devem se adequar.

Cita Kelsen (1934, pg. 155) :

"A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.”

 Pelo raciocínio até aqui traçado podemos interpretar portanto que normas fundamentais são direitos e garantias do ser humano com finalidade de consagração da dignidade, protegendo-as contra abusos do Estado e o estabelecimento de condições mínimas de vida e de desenvolvimento humano. Sendo assim quaisquer outras normas devem seguir uma conexão de dependência que se apoie em normas fundamentais, gerando um sistema harmônico e conexo, onde possíveis embates possam ser resolvidos a partir do próprio ordenamento. Posto isso qualquer norma infraconstitucional que possa ser instituída deve se sujeitar ao crivo da constituição e isso inclui suas permissividades e limitações, portanto qualquer norma que infrinja esses fundamentos será declarada inconstitucional.

 

2.5 Suporte fático

 

 Com a chegada da vacina contra o NOVO COVID-19 no fim de 2020 e início de 2021, muitas pessoas se questionaram sobre o tema de obrigatoriedade da aplicação do imunizante, debate que inclusive foi comentado pelo presidente Jair Bolsonaro que juntamente com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e Ministério da Saúde emitiram a mesma mensagem “Ninguém será obrigado a tomar vacina” fala essa que foi replicada em vários veículos de comunicação e redes sociais, além do desincentivo a vacinação contido na frase do presidente devemos relembrar que existem sim vacinas que são sim obrigatórias desde a década de 1970 no Brasil, além disso o próprio presidente no dia 6 de fevereiro de 2020 assinou a Lei. 13.979 conhecida como “Lei do Coronavírus” que outorga que as autoridades utilizem medidas coercitivas quanto a vacinação.

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 A desinformação e a propagação de inverdades como possíveis efeitos colaterais negativos na aplicação de vacinas prejudica muito o combate a doenças contagiosas, como por exemplo que a vacina contra varíola (1904) traria feições bovinas ou de que a vacina contra o coronavírus (2020) poderia transformar o imunizado em um jacaré. Isso tudo traz uma preocupação legítima para população que não tem fácil acesso a informação, fazendo-as acreditar em uma possível vacina que não possui eficácia e que ainda traria efeitos colaterais utópicos. A realidade é bem diferente, pois existem vários estágios de desenvolvimento que vão desde a criação da vacina, passando por testes animais e humanos, até a aprovação das agências reguladoras nacionais e internacionais que agem com responsabilidade no sentido de garantir a eficácia e segurança da vacina. Portanto nos conformes do Programa Nacional de Imunização que trata sobre a origem e desenvolvimento da vacina, é remetido esse imunizante a uma série de testes para que seja atestada sua eficácia e segurança, ou seja um crivo antes de sua aprovação, respectivamente:

· Identificação: Onde deve ser identificado o agente causador da doença

· Fragmentação: Utiliza o vírus inativo e fragmentado para produzir antígenos que irão estimular os anticorpos contra a doença

· Testes: Os testes podem ser iniciados em camundongos

 

· Testes em humanos:

 

1) Pequenos grupos de voluntários sadios: Intuito de avaliar a segurança e eficácia em gerar respostas no sistema imunológico

2) Centenas de voluntários escolhidos aleatoriamente, incluindo grupos pertencentes a grupos de risco. Teste de eficácia da vacina

3) Milhares de testes para avaliar eficácia em condições naturais de presença da doença

 

 

 Mesmo assim, depois de várias fases de testes aprovação da vacina e distribuição ela continua sendo monitorada em busca de eventuais reações adversas. Portanto não há no que se falar na não vacinação já que existe todo um crivo científico rigoroso para garantir a segurança e eficácia da vacina, sendo assim, acreditar em boatos que se opõe em face de pesquisas científicas garante um imenso retrocesso para sociedade, e se torna absolutamente egoísta se propor a não ser imunizado com fundamento de que se pode tornar um jacaré, já que além de totalmente lúdico, esse pensamento ainda reflete em risco a vida de terceiros.

 Portanto fica claro que o direito à liberdade individual não é absoluto se ele coloca em risco a saúde pública, não há razão para uma negativa com base em outros direitos como por exemplo a liberdade individual, colocando em risco todas as outras vidas de terceiros.

 A saúde é direitos de todos mas é dever do Estado, e esse direito deve ser garantido mediante políticas que visem dentre outros objetivos a redução do risco da doença, ou seja, existe uma obrigação do Estado de proporcionar informação de qualidade sobre a vacinação para garantir a compreensão popular de sua importância e garantir os meios necessários para que seja efetivamente distribuída. Naturalmente essas são premissas constitucionais e se o Estado pratica atos contrários a essa conduta, ele consuma ato inconstitucional e isso pode ser controlado pelo poder judiciário que possui mecanismos para promover o dever do Estado onde houver omissão, até mesmo podendo ocorrer em crime de responsabilidade em possíveis atos que violem os direitos individuais/sociais podendo assim ser submetido as sanções da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment). Para que não reste dúvidas sobre o assunto, podemos ainda consultar o artigo 196 da Constituição Federal que determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e que portanto deve ser garantido por medidas políticas sociais e econômicas de forma que reduza o risco de doença e de outros agravos e ao acesso total e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 Ademais em questão de obrigatoriedade ainda podemos analisar sobre a ótica da própria Lei. 13.979 que o governo federal enviou ao congresso, e foi aprovada e sancionada pelo presidente da república em Fevereiro, consolidando a obrigatoriedade da vacinação, ou ainda, no próprio ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no parágrafo 1º do artigo 14 onde existe a previsão expressa que a vacinação da criança e do adolescente é obrigatória em casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Portanto partindo desse pressuposto do dever do Estado de promover a vacinação, fica evidente o motivo da obrigatoriedade imposta ao cidadão já que não se trata de uma ótica individual já que ao prevenir a infecção em uma pessoa plenamente saudável podemos impedir a circulação de agentes infeciosos e proteger mesmo aqueles que não respondem bem a vacinação, pessoas que possuem doenças autoimunes, ou seja, é uma forma de proteger essas pessoas que se beneficiam indiretamente daqueles já vacinados que estão ao seu redor mas não transmitem a doença.

 

3. Restrições: quando deixar de tomar a vacina é ilegal no Brasil

 Inicialmente temos a perspectiva que diferencia a vacinação forçada da vacinação compulsória, portanto no Brasil não existe vacinação forçada, contudo existem mecanismos legais que tornam essa vacinação compulsória, e um dos aspectos relevantes quando falamos em vacinação obrigatória é vacinar crianças e adolescentes que são guarnecidas pelos pais que influenciam diretamente em fatores morais e filosóficos aos filhos e até ai o direito negativo prevalece, ou seja, existe uma abstenção do Estado em interferir nesses valores, mas o problema é quando esses valores colidem diretamente com fatores que podem causar a morte ou enfermidades aos filhos, nesses casos é dever do estado proteger o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes. Por mais que esse assunto esteja em evidência atualmente, ele já é debatido e normatizado desde a década de 1970 com a formulação do Plano Nacional de Imunização (PNI), onde é prevista a aplicação de vacinas desde os primeiros dias de vida dos bebês nascidos no país e se uma criança adoecer ou mesmo morrer por causa de doença que poderia ter sido evitada com a vacinação, segundo o próprio PNI, o responsável pode até ser indiciado por negligência ou ainda homicídio doloso. Ademais a falta de vacinação pode acarretar na volta de doenças consideradas já erradicadas, como por exemplo o sarampo que foi uma grande vitória para o Brasil em 2016 quando recebemos o certificado de eliminação do vírus pela Organização Pan-Americana de Saúde, contudo em 2018 dois anos depois, o país registrou um surto da doença. "É preciso ressaltar para a população que o Programa Nacional de Imunização é considerado um marco na defesa de direitos à saúde e ao desenvolvimento humano saudável, sendo um programa de saúde respeitado e elogiado por organismos internacionais", afirma o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR, Anderson Rodrigues Ferreira. Sendo assim, a única foram de manter doenças erradicadas no país, é essencial manter altos os níveis de vacinação, indubitavelmente é praticamente impossível imunizar toda população brasileira, 211 milhões de pessoas em uma extensão territorial de 8.516.000 km², mas os que não foram vacinados acabam sendo protegidos indiretamente pelo resto da população ao seu redor e isso ratifica ainda mais a importância da vacinação.

3.1 Responsabilidade de vacinação infantil

 

 Inicialmente é importante ressaltar que quando existe negligencia na vacinação de uma criança e a mesma vem a óbito por conta de uma doença que poderia ter sido evitada, os pais ou responsáveis podem ser penalizados nos termos do Código Penal, contudo existem casos excepcionais em que a não vacinação pode ser considerada legal mas apenas em casos em que atestado médico confirme que a criança ou adolescente não pode receber determinada vacina por motivos de saúde, como por exemplo alergia a algum componente da vacina, mas fora isso a vacinação do calendário do PNI é obrigatória e deve ser respeitada, inclusive podendo ser fiscalizada por escolas e creches que devem cobrar a carteira de vacinação, e no caso de negligencias essas instituições devem informar a situação dessa criança à Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, que pode levar o denunciado ao Conselho Tutelar e a depender do caso os pais podem ser advertidos, multados, ou até mesmo em casos mais extremos a perca da guarda da criança.

4. Vacinação compulsória

 

 No contexto de vacinação compulsória já firmou o STF entendimento que é plenamente constitucional, sendo assim, o critério quando a obrigatoriedade de imunização popular fica a encargo do Estado que pode sim nos conformes da legislação sanitária, obrigar a vacinação aos populares, mas é claro, isso não significa a autorização de medidas invasivas ou coativas, ou seja, devem ser respeitados os direitos de intangibilidade, integridade e inviolabilidade do corpo humano, isso porque, vacinação obrigatória e vacinação forçada são completamente diferentes. Em seu voto, o ministro Lewandowski deu ênfase a obrigatoriedade de vacinação, prevista na Lei 13.979/2020 e destacou que qualquer determinação legal regulamentar ou administrativa que venha implementar a vacinação sem o expresso consentimento da pessoa seria considerado “flagrantemente inconstitucional”, portanto, exige-se o consentimento do usuário para que seja aplicada a vacina mas isso não significa que o Estado não possa adotar medidas restritivas indiretas, como por exemplo o impedimento ao exercício de determinadas atividades ou frequentação de certos locais para quem optar por não receber a vacina imunizante. De certa maneira a compulsoriedade da vacina parece ser uma forma de proteger a vida da grande massa populacional da ignorância de quem se recusa a utilizar o vacina imunizante, que diga-se de passagem, é um dos fatores predominantes na sobrevivência da espécie humana, caso destoe, imaginemos a vida populacional a nível global sem a aplicação de vacinas imunológicas, seria razoável imaginar em números crescentes a morte de milhões de pessoas anualmente. Segundo estimativas da própria OMS “ as vacinas evitam 4 mortes por minuto e poupam R$ 250 milhões por dia” ou seja aparenta ser no mínimo prudente conceber que a vacinação compulsória quando adequada as normas sanitárias, é um mecanismo essencial para o desenvolvimento da saúde pública e por conseguinte economia de todo um país. Partindo desse pressuposto posicionar-se contra imunização utilizando a prerrogativa constitucional de liberdade individual, além de sem fundamento legal aparenta no mínimo um pouco egoísta já que estamos falando de vidas humanas de terceiros, que ainda na melhor das hipóteses onde não haja oposição popular contra a imunização, é praticamente impossível promover a vacinação de 100% da população, podendo ocorrer na volta de doenças consideradas já erradicadas, portanto se trata de um dever conjunto de Estado e população para que possamos ao menos minimizar essas mortes. Nesse mesmo sentido o ministro Luís Roberto Barroso, destacou que embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, morais, existências, e religiosas, os direitos da sociedade devem sim prevalecer sobre os direitos individuais sendo assim, a vacinação compulsória tem o intuito de promover a saúde pública protegendo as pessoas mesmo contra sua vontade. É necessário adotar medidas desse porte para que ocorra a chamada imunidade de rebanho, que basicamente consiste em vacinar parcela significativa da população e assim garantir a saúde de todos. Portanto podemos concluir com a própria Sustentação Oral - ADI 6586 6587 e ARE 1267879 feita pelo STF, que desde que o imunizante em questão esteja incluído e registrado pelo órgão de vigilância sanitária juntamente com a inclusão na PNI (Plano Nacional de Imunização), decretada em lei por União, estados, Distrito Federal ou dos municípios é constitucional a obrigatoriedade de aplicação da vacina.

4.1. Histórico

 Inicialmente devemos evidenciar que para garantir o Direito à saúde é necessário visualizar a implementação de políticas públicas de prevenção e assim veicular pela grande massa popular evidências científicas que promulguem formas corretas e prevenções que podem ser adotadas para dificultar a transmissão de doenças contagiosas bem como proscrever falácias que resultam de senso comum e desinformação.

 Campanhas de vacinação do Estado são promovidas desde o início do século XX, como exemplo famoso podemos citar a epidemia de varíola quando em 1904, Rodrigues Alves até então presidente da república à época, promoveu e coordenou juntamente com o higienista Osvaldo Cruz a vacinação na grande massa popular do Rio de Janeiro. Ocorre que a má gestão de políticas públicas e até mesmo a dificuldade de levar informação gerou grande alvoroço popular, o número de internações devido à varíola chegava a 1.800, mesmo assim a população rejeitava a vacina, induzidos por desinformação e boatos de que quem se vacinava ficaria com feições bovinas, já que a vacina era constituída de liquido extraído de pústulas de vacas.

 Em julho de 1904 o governo enviou ao Congresso projeto para instaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo território nacional, que já fora implementada anteriormente mas sem sucesso já que a resolução não era cumprida, mas desta vez apenas indivíduos que comprovassem ser vacinados conseguiriam contratos de trabalho, certidões de casamento, autorizações para viagens, matrículas escolares e etc. Nova lei aprovada, população desinformada e insatisfeita com os novos métodos adotados, resultando no episódio histórico conhecido como “A REVOLTA DA VACINA “caracterizado por grandes conflitos e manifestações populares que rejeitavam a medida sanitária estipulada pelo governo, reação popular essa que culminou com o caos total e resultou no fim da vacinação compulsória.

Contudo o Brasil tem importante histórico de vacinação, instituído pela Lei 66.259/1975 o PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO (PNI), versa sobre a política pública justamente na laboração igualitária e sistematizada da disponibilização de vacinas obrigatórias, de forma gratuita para toda população, bem como na fiscalização e regulamentação operacional diluídas pela União Estados e Municípios. Ainda sobre o PNI é importante ressaltar a rigidez de compatibilidade com os preceitos constitucionais de direito à saúde e a sintonia com as recomendações instituídas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Ademais ao levarmos em consideração a efetividade e tecnologia das vacinas produzidas atualmente, fica evidente seu alto grau de resolutividade para saúde pública, sendo assim uma ótima ferramenta para o controle de doenças infectocontagiosas, poupando tempo, vidas e dinheiro público. Trazendo toda disciplina legal descrita, para conduzirmos uma efetiva linha de combate contra doenças infectocontagiosas como a Covid-19 será necessário confrontar e elucidar todas as possibilidades. É fato que inicialmente se faz necessário boa gestão pública, com campanhas de prevenção e conscientização popular, haja vista que os governantes devem agir como espelhos para população e incentivar boas práticas comportamentais, ocorre que é exatamente o oposto que vem acontecendo nos dias atuais, e a resposta para eleger o melhor caminho a se trilhar talvez seja encontrada em experiências passadas, aderindo uma possível eventual obrigatoriedade de vacinação. Feito então o Estado poderia determinar a vacinação compulsória adequando e afastando medidas invasivas como o uso da força para exigir a imunização.

 O entendimento do STF sobre o assunto pode elucidar algumas dessas questões, o colegiado entende que a vacinação de forma compulsória pode sim ser implementada, sem utilização de força, como já usado no passado, mas por meio de medidas indiretas, como a restrição ao exercício de algumas atividades ou presença a determinados lugares. Em análise conjunta, duas ações indiretas de inconstitucionalidade foram tratadas, sobre a Covid-19, e prevaleceram os entendimentos dos relatores Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. Ao afirmar que o Estado é obrigado a proporcionar a toda população interessada o acesso a vacina que tem por intuito prevenir a Covid-19, disse ainda Lewandowski sobre a saúde coletiva “não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão egoisticamente beneficiárias da imunidade de rebanho”. Portanto deve-se reforçar que a vacinação compulsória, tema de debate no STF, não significa uma vacinação forçada, mas sim uma restrição para os mesmos que por desinformação ou por atitudes egoísticas se recusam a ser vacinados. O ministro Luís Roberto Barroso ainda defendeu sobre à saúde coletiva, particularmente das crianças e adolescentes, que devem sempre prevalecer sobre a liberdade de consciência e convicção filosófica, sendo assim ilegítimo qualquer direito que em nome do individual frustre-se o direito da coletividade. Portanto deve-se analisar se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade, com fundamentos filosóficos, religiosas, morais e existenciais. É fato que existem fatores filosóficos e morais seguidos pelos pais que dão norte aos filhos, mas este, segundo Barroso jamais poderia interferir de forma a colocar em risco a saúde dos filhos, sendo esse um dos excepcionais casos em que seria justificável o paternalismo do Estado.

4.2. Diferenciação entre vacinação obrigatória e vacinação forçada.

 É sabido que o direito à saúde é um tema já descrito em lei, e que a vacinação obrigatória já é uma realidade no Brasil, sua previsão foi promulgada em 1975 sob a lei 6.259 que instituiu o Programa Nacional de Imunizações (PNI) que já ressaltava a obrigatoriedade de vacinar, portanto por mais que não existam punições severas quanto a obrigatoriedade da vacina, ela já tem sim previsão legal, mas ao analisarmos o cenário brasileiro atual podemos verificar a judicialização de um direito já estabelecido em lei, ora questões que deveria ser competência das casas legislativas acabam se tornando atribuição do judiciário como se utilizassem o judiciário como um braço para tomar decisões que o poder legislativo não consegue resolver em plenário.

 A judicialização da saúde não deve ser desejável já que isso demonstra a ineficiência do poder competente para resolver esse tipo de questão, ou seja, esse tema deveria ser resolvido no Congresso Nacional, contudo essa judicialização se monstra extremamente necessária, por força constitucional ( art. 1º, III; art. 5º, XXXV e §1º, art. 6º, artº 196 a 200; e outros da CF/88) que compelem o poder judiciário a atuar para concretizar o direito à saúde, portanto uma forma de sanar a ineficiência do Executivo e Legislativo que demonstram-se insatisfatórios reiteradas vezes. Sendo assim o tema de vacinação obrigatória vem sendo debate atual no STF, em breve fala o ministro Ricardo Lewandowski esclareceu: “Conforme se constata a obrigatoriedade da vacinação mencionada nos textos dos normativos supra não contempla a imunização forçada “sendo assim a obrigatoriedade da vacinação é feita por meios indiretos, consubstanciadas basicamente em vedações de direitos seja pelo impedimento de determinadas atividades ou frequência em determinados ambientes. Veja a votação é um ato obrigatório mas não é por isso que os eleitores são capturados ou forçados a exercer o voto, contudo existem sanções aplicadas para aqueles que não comparecem de forma justificada as urnas. A vacinação obrigatória de forma alguma significa uma vacinação coercitiva, contudo quando existe um risco a saúde de uma coletividade, parece razoável que o direito individual ceda perante o direito coletivo.

 Em 1904 o Brasil enfrentava a varíola, e mesmo com a vacinação sendo obrigatória desde o século XIX, a medida não era efetiva, em razão disso, Oswaldo Cruz fez uma proposta para o governo para que encaminhasse ao Congresso Nacional um projeto de lei que pudessem obrigar a imunização com a vacina antivariólica, anos mais tarde o governo promoveu a PNI sancionada pelo Presidente Ernesto Geisel em 1975 essa proposta basicamente foi a concretização da concessão de amplos poderes para às autoridades sanitárias, como por exemplo a aplicação de multa aos refratários, exigência de atestados de vacinação para matrícula nas escolas, casamentos, viagens ou até mesmo para ingresso no serviço público, medidas essas que foram essenciais para preservar milhares de vidas já que infelizmente parece não existir uma cultura de preservação da vida de terceiros por parte de grande parte da população, situação essa que podemos observar em dias atuais onde mesmo com o enfrentamento de uma doença altamente infecciosa transmitida pelo ar, grande parte da população parece minimizar os ricos, inclusive influenciadas por falas emitidas pelo próprio presidente Jair Messias Bolsonaro que durante um discurso em um evento em Miami, nos Estados Unidos, afirmou a "questão do coronavírus" não é "isso tudo" e se trata muito mais de uma "fantasia" propagada pela mídia no mundo todo. Desta feita existem dados fornecidos pelo Portal da Transparência que indicam o número de óbitos em meio a pandemia da Covid-19 que reforçam o compromisso com a transparência e a verdade com a sociedade, nele podemos perceber a tal “fantasia propagada pela mídia” onde temos mais de 373 mil mortes em função do vírus Covid-19 causador do cornavírus.

 No âmbito do constitucionalismo brasileiro contemporâneo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 houve a promulgação do Estatuto da Criança e do adolescente que em 1990 em seu art. 11 §1º ratificou a obrigatoriedade da vacinação entre crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, e claro esse dispositivo foi objeto de debate do judiciário tendo sua constitucionalidade questionada, contudo o STF através da (ARE 1.267.879) declarou que era sim constitucional essa obrigatoriedade, desde que por meio de vacina registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações, ou tenha obrigatoriedade decretada por lei, sendo objeto de determinação dos entes federativos com base em consenso médico-científico, portanto não se caracterizando violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis nem tampouco ao poder familiar.

 Atualmente o debate de obrigatoriedade de vacinação veio à tona novamente durante a pandemia causada pelo Covid-19, e a vacinação compulsória foi judicializada perante o STF em ADI 6586 e 6587 que reafirmou que a vacinação compulsória não tem caráter coercitivo, ou seja, não significa vacinação forçada existindo portanto a faculdade de recusa do usuário, contudo podendo ser implementadas pela União, estados, Distrito Federal e municípios medidas que limitem ou restrinjam direitos individuais ou mesmo a restrição de exercício de certas atividades ou frequência de determinados lugares, desde que claro respeitando os limites dos limites, ou seja, deve ser feita uma análise pertinente à previsão legal ou dela decorrente, base em evidências científicas e análise de estratégias que possam trazer informação e segurança e claro que respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas atendendo os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e ainda que a distribuição de vacinas seja universal e gratuita.

4.3. Vacinação compulsória no enfrentamento da pandemia do COVID-19

 Em tempos de enfrentamento da pandemia causada pelo vírus COVID-19 muito se aguarda pela vacina que deve inicialmente garantir a imunização de grupos de risco, como idosos e profissionais da saúde que tem contato direto com o vírus diariamente, contudo a iniciação da vacinação traz consigo uma discussão de alta relevância sobre a obrigatoriedade ou não da aplicação da vacina imunizante. Em 6 de Fevereiro de 2020 com os primeiros casos de infecção pelo vírus da COVID-19 foi publicada a Lei nº 13.979/2020 assinada pelo atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, e com ela algumas medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública internacional decorrente do vírus coronavírus, responsável por causar infecção respiratória. A lei nº 13.979 trouxe medidas importantes, como por exemplo o isolamento social que significa a separação das pessoas que já estão contaminadas ou que possuem o vírus mas que não manifestam a doença das demais, tanto pessoas quanto bens, meios de transporte etc. Outra medida importante contida na lei 13.979 é referente a quarentena onde existe a restrição de atividades que possam separar o contato de pessoas com suspeita de contaminação ou ainda de locais que possam favorecer a proliferação do vírus, duas medidas muito importantes que podem ser determinadas pelo próprio ministro da saúde ou por autoridade gestora local competente. Algumas medidas ainda podem ser determinadas por autoridade gestora como por exemplo a realização de exames médicos, testes de amostragem e até mesmo de vacinação em caráter compulsório, temos ainda as investigações epidemiológicas que devem ser feitas em âmbito local para que possa ser constatada a fonte de infecção, o modo de transmissão, os grupos expostos a maior risco e os fatores de risco para que assim possa orientar medidas de controle e impedir a ocorrência de novos casos. Os entes federativos também podem requisitar bens e serviços particulares necessários para conter a pandemia causada, ou seja, se o SUS não tiver condições de alocar tantas pessoas doentes, os entes terão que utilizar-se de requisição, sendo que a própria norma legal dispõe a Lei 3.979 que determina a indenização posterior aos particulares que tenham seus bens requisitados para essa finalidade. Existe ainda uma grande preocupação com o manejo dos cadáveres, e uma medida muito importante a ser adotada é a cremação, que inclui o correto manejo dos cadáveres, exumação e necropsia. Outra medida importante a ser apresentada é a restrição excepcional a entrada e saída de pessoas do país, havendo a possibilidade de em ato conjunto dos ministérios da saúde, segurança pública e justiça no sentido de restringir a entrada e saída de pessoas por meios de portos aeroportos e rodoviárias, sendo necessário um parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que sejam adotadas essas medidas. Ainda outra medida relevante a ser notada é autorização excepcional e temporária para importação de produtos ainda que sem o registro da Anvisa, desde que tenha o registro da autoridade sanitária competente no exterior, essa medida existe com intuito de facilitar a entrada no país de vacinas e meios profiláticos para sanar ou atenuar a doença poupando tempo e burocracia sem que haja efetivamente um procedimento de registro, portanto essa medida parece ser um tanto quanto importante caso ato do ministro da saúde inclua entendendo como necessária a importação desse produto. Portanto entende-se que a legislação acaba sendo bem restritiva ao tratar-se de questões que envolvem a saúde pública, mas ela também promove direitos por parte das pessoas que acabam sendo submetidas a essas medidas, como por exemplo o direito de ser permanentemente informado acerca do seu estado de saúde e tudo que tange a assistência familiar em relação a essa situação, temos também o direito ao tratamento gratuito que compreende a distribuição de vacina e todo o tratamento necessário em caso de infecção, e evidentemente o respeito à dignidade humana aos direitos fundamentais estabelecendo assim limitação aos limites que podem ser impostos pelos entes federativos de forma harmoniosa com a constituição federal. É importante que exista de fato uma uniformidade entre os governos, uma harmonia interorgânica com colaboração com a iniciativa privada para que possamos a partir dessas medidas sejam tomadas as melhores decisões em relação a pandemia do coronavírus para salvar vidas e preservar a saúde pública no nosso país.

 

5. Considerações finais

 O início de uma pesquisa traz consigo vários aspectos a serem percebidos durante seu desenvolvimento, portanto podemos ramificar o entendimento de um debate entre liberdade individual e a atuação de forma compulsória do Estado, de forma que o homem entende como liberdade individual tudo aquilo que seus valores intrínsecos os fazem perceber como direitos inatos a sua existência, por outro lado existe a norma legal que nada mais é a constante de um documento solene, que através de um processo de estudo qualificado elabora o texto normativo para organizar a sociedade. Portanto em muitos aspectos que envolvem moralidade é difícil determinar uma análise estritamente legal, como exemplo a permissividade de medidas restritivas como o “lockdonw” pelo dispositivo legal das Leis 13.874/19 e 13.979/20 que em casos de necessidade sanitária comprovada autoriza a tomada de medidas de fechamento de serviços não essenciais, mas determinar a não essencialidade de trabalhos ou prestação de serviços em alguns casos significa retirar o direito de prover recursos de subsistência mínima de sustento familiar, já que por sua vez o estado não consegue amparar todas as famílias que são atingidas de forma direta ou indireta por essa medida. Contudo também é dever do estado garantir a saúde pública, portanto talvez a solução esteja na própria simbologia do Direito que é a balança, ela se refere à necessidade de equilíbrio e justiça, de um lado podemos colocar os deveres do Estado enquanto guardião da saúde pública e organização social e de outro os valores morais e sociais individuais. As medidas restritivas podem sim ser adotadas, previsão que tem amparo constitucional já debatido pelo STF e reforçada pela Lei Nº 13.979 mas talvez nem todas tenham resultado razoável da medida tomada com o resultado obtido já que sem emprego e nem auxílio do Estado, o brasil provavelmente enfrentará a fome na contramão da recuperação do PIB, a falta de emprego e o fim do auxílio emergencial que por si só já não consegue suprir todas as necessidades básicas familiares, são fatores que compõe a formula que pode levar mais brasileiros a situação de extrema pobreza. Existe sim previsão legal elaborada e embasamento jurídico para tomada de medidas restritivas que devem restringir a liberdade individual para zelar pelo bem social, é fato que qualquer pandemia que tem gravidade de escala global é o pior dos cenários e notoriamente afeta a economia, todavia medidas que afetem diretamente a base estrutural financeira familiar por prolongado período também podem causar a “morte social” para pessoas em situação de pobreza, ou seja, a elaboração de medidas restritivas devem sempre ser baseadas em aspectos sociais de proteção à saúde pública mas em primazia deve se evidenciar as consequências que tais medidas podem trazer a todas as classes sociais inclusive as mais baixas, uma vez que enfrentar os dessabores causados pelo vírus já é um fardo pesado, que se cumulado com a falta de amparo do estado por insuficiência de verbas ou má gestão e ainda o desemprego pode produzir consequências ainda piores do que uma possível infecção, já que nessas condições a miséria deixa de se ser apenas uma possibilidade e se torna um fato. Sendo assim podemos concluir que direitos fundamentais podem e devem sim ser restritos em situações excepcionais, ainda assim, apreciando sempre a teoria do limite dos limites bem como a proporcionalidade, razoabilidade e consequências causadas por tal restrição, contudo, quase sempre que houver uma aparente antinomia com o conflito de normas principiológicas a própria ordem jurídica prevê critérios para sua solução, que deverão ser ponderados, atingindo um grau aceitável de previsibilidade e segurança jurídica, que são bases fundamentais de um Estado Democrático de Direito.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

Biblioteca virtual Oswaldo Cruz, Luta contra Varíola – Disponível em http://oswaldocruz.fiocruz.br/index.php/biografia/trajetoria-cientifica/na-diretoria-geral-de-saude-publica/luta-contra-a-variola

Eduardo dos Santos, Direito Constitucional Sistematizado, 2021

Ed Wilson Santos, Doutor em Ciências pela USP, Vida e Saúde, Disponível em https://www.revistavidaesaude.com.br/destaque/eles-nao-querem-vacina

Voto Relator Ministro Gilmar Mendes, https://www.conjur.com.br/dl/gm-acoes-vacinacao-obrigatoria.pdf

Anotações Ministro Luís Roberto Barroso, https://www.conjur.com.br/dl/anotacoes-barroso-acoes-vacinacao.pdf

Voto Relator Ministro Ricardo Lewandowski, https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-adis-obrigatoridade-vacina.pdf

ADIs 6.586 e 6.587

ARE 1.267.879

Orientador: Eduardo dos Santos

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