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Princípio da presunção da inocência.

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Agenda 17/06/2021 às 14:24

O presente Artigo aborda como tema central a importância do Princípio da Presunção da Inocência com relação aos julgados que abordam em qual momento deverá se dá o início do cumprimento da pena de prisão e as mudanças de paradigmas da Suprema Corte.

Resumo: O presente Artigo aborda como tema central a importância do Princípio da Presunção da Inocência com relação aos julgados que abordam em qual momento deverá se dá o início do cumprimento da pena de prisão. A abordagem principal se deu em torno de diversos pilares, como o papel da mídia frente a presunção de inocência do réu e sua repercussão no Poder Judiciário, o papel contramajoritário da Suprema Corte que tem o dever de defender as garantias e direitos fundamentais, além da constitucionalidade da norma processual penal frente as decisões da Suprema Corte tendo por base o princípio em questão. Para tanto, é abordado no artigo as decisões proferidas no HC 126292/SP, a respeito da possibilidade de início da execução provisória da pena, após decisão de segunda instância, e nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 43, 44 e 54) em trâmite no Supremo Tribunal Federal, a respeito da compatibilidade do art. 283. do CPP com o art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

Palavra-chave: Princípio da presunção da inocência. Garantia Constitucional. Papel contramajoritário. Controle de Constitucionalidade.

Sumário: Introdução; 1. A influência midiática sobre o princípio da presunção da inocência; 2. O papel contramajoritário da Suprema Corte; 3. A mudança de paradigma do princípio da presunção da inocência pelo Supremo Tribunal Federal; 4. As ações de controle de constitucionalidade e a nova mudança de entendimento do STF; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

A presunção da inocência é um dos princípios abarcados na Carta Magna e tem sua importância fundada na garantia constitucional de que o indivíduo acusado se torna sujeito de direitos, portanto, sendo responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, conforme enunciado na Constituição Federal de 1988, em seu inciso LVII, do art. 5º 2: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Este princípio, também conhecido como Princípio do Estado de Inocência ou de Presunção de não culpabilidade, ao longo da história foi sendo consagrado em variados diplomas internacionais. Ele teve sua origem na Revolução Francesa, em 1789, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e, posteriormente, se tornou marco na história da humanidade sendo consagrado no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos3 de 1948 onde estabeleceu que “Toda ser humano acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Mais adiante, em 1969, também foi consagrado o Pacto de San José da Costa Rica4, na Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, no qual tem como uma das garantias judiciais a que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”, sendo o Brasil um dos países consignatários do referido Tratado Internacional, o qual entrou em vigor no país com força de Emenda Constitucional. Assim, atualmente, a Constituição Federal abarca tal princípio e o dá uma garantia maior, uma vez que o estende até o transito em julgado da sentença penal condenatória, e não só até que se prove a culpa, além de ser considerado uma cláusula pétrea.

Diante do que foi dito, este artigo tem como objetivo o esclarecimento da importância do Princípio da Presunção da Inocência, sendo analisado as últimas mudanças de entendimento sobre o referido princípio pelo Supremo Tribunal Federal.

O Princípio da Inocência é de suma importância para a sociedade uma vez que coloca todo cidadão em pé de igualdade, garantindo que o indivíduo tenha a chance de comprovar sua inocência por todos os meios juridicamente possíveis. Trata-se, aqui, da Ampla Defesa, garantindo ao acusado a presunção de não culpabilidade ao longo de todo o processo penal, assegurando-lhe a oportunidade de recorrer das decisões prolatadas pelo Juízo.

O renomado autor Renato Brasileiro de Lima cita em seu Manual de Processo Penal que o Princípio da Presunção da Inocência (2014, p.49)5:

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

Neste ponto, deve ser mencionado relevante fator trazido por este princípio que se trata do dever de comprovar a culpabilidade do acusado. Cabe a quem acusa à prova da alegação. Neste sentido, em havendo dúvidas quanto a certeza da culpa, o juiz deverá julgar pela inocência, sendo consagrado o indubio pro reo.

Conforme leciona Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2012, p.194)6:

Essa garantia processual penal tem por fim tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente, cabendo ao Estado comprovar a sua culpabilidade. Dela decorre, também, o princípio de interpretação das leis penais conhecido como in dubio pro reo, segundo o qual, existindo dúvida na interpretação da lei ou na capitulação do fato, adota-se aquela que for mais favorável ao réu.

Segundo Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2015, p.51)7, com o princípio da presunção da inocência surgem duas regras fundamentais, uma de caráter probatório, no qual o ônus da prova é de quem acusa, e uma regra de tratamento, onde ninguém pode ser considerado culpado antes do transito em julgado da sentença condenatória.

Via de regra, o que se compreende do referido princípio é que o indivíduo permanecerá em liberdade no decorrer do processo criminal. Todavia, ele não tem caráter absoluto, existindo no direito pátrio uma regra de exceção, na qual admite-se a restrição da liberdade do indivíduo antes mesmo da sentença condenatória como medida cautelar, que é a chamada prisão preventiva, consagrada no artigo 312 do CPP8, o qual estabelece os seguintes requisitos:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública , da ordem econômica , por conveniência da instrução criminal , ou para assegurar a aplicação da lei penal , quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Vale ressaltar aqui, que o princípio não é violado diante da aplicação de medidas cautelares restritivas, real ou pessoal, se realizado por decisão fundamentada.


1. A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA SOBRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

A mídia é um dos meios de comunicação pelos quais se propagam informações, dando publicidades aos fatos mais importantes ocorridos em dada sociedade, exercendo, assim, a liberdade de expressão.

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Conforme leciona o professor Vinicius A. de Lima (2004, p.50)9:

A mídia, plural latino de medium, meio, será aqui entendida como o conjunto das instituições que utiliza tecnologias específicas para realizar a comunicação humana. Vale dizer que a instituição mídia implica sempre a existência de um aparato tecnológico intermediário para que a comunicação se realize. A comunicação passa, portanto, a ser uma comunicação midiatizada.

Ora, ao longo dos tempos, a mídia se tornou um instrumento de influência nos diversos meios sociais devido ao fato de que ela é detentora de um grande poder, o de persuasão. Especificamente em relação à prática de crimes, que são dotados de ampla repercussão, a mídia pode exercer grande influência perante seu público, causando clamor social e, por consequência, nas decisões dos julgadores.

Não é de hoje que a população demonstra interesse quando ocorre crimes de grande repercussão, o que aumenta ainda mais os medidores da audiência. Isso ocorre devido à comoção social, revolta e indignação da população.

Diante da massividade de informações liberadas ao público, pode se dizer que há a violação do Princípio da Presunção da Inocência quando, por meio da influência que a mídia exerce, ela libera notícia imputando a suspeita de um crime a uma determinada pessoa levando a sociedade a imediatamente ter como certeza tal imputação, o que pode causar danos irreparáveis a sua dignidade e honra caso seja julgado inocente.

Segundo Aury Lopes Junior (2012, p.778)10:

(...) a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatizarão (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção da inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático a abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.

Pensando nisso, põe-se em questão a colisão de princípios constitucionais, quais sejam, a liberdade de expressão e o direito à intimidade, à honra, à presunção da inocência, etc. Ora, faz-se necessário que a mídia respeite as garantias constitucionais dos acusados, principalmente o seu estado de inocência, antes de serem expostos precipitadamente como culpados.

Diante dessa situação, o que preocupa é se o perigo da influência que essa repercussão midiática causa perante a sociedade pode recair sobre o Poder Judiciário, haja vista que, os julgadores podem ser influenciados pelo clamor que a mídia provoca ao seu público e entender que o seja caso, por exemplo, de decretação de medidas cautelares, como a prisão preventiva, com o fim de garantir a ordem pública, baseada nos supostos indícios que a própria mídia imputa ao acusado.


2. O PAPEL CONTRAMAJORITÁRIO DA SUPREMA CORTE

O Princípio da Presunção da Inocência é de tamanha importância que ele tem gerado grandes debates, seja no mundo acadêmico jurídico, seja entre os cidadãos em geral. Esse debate ganhou força nos últimos anos diante dos julgamentos a respeito do cumprimento da pena que, por sua vez, tomou todas as emissoras de comunicação, causando grande clamor social para ver uma real punição à pratica de crimes.

Aqui, faz-se relevante pontuar algumas considerações a respeito do alcance e do significado das decisões do STF para melhor compreendê-las. Ora, a Suprema Corte não é representante do clamor popular, mas sim o interprete mais qualificado da Constituição da República. Cabe a ela garantir os Direitos Fundamentais e a Ordem Constitucional, sendo a última instancia de interpretação da Carta Magna. Esse é o chamado papel contramajoritário das Cortes.

O Ministro do STF, Luís Roberto Barroso11, em seu artigo, discorreu a respeito do papel contramajoritário do STF, senão vejamas:

A despeito de resistências teóricas pontuais, esse papel contramajoritário do controle judicial de constitucionalidade tornou-se quase universalmente aceito. A legitimidade democrática da jurisdição constitucional tem sido assentada com base em dois fundamentos principais: a) a proteção dos direitos fundamentais, que correspondem ao mínimo ético e à reserva de justiça de uma comunidade política, insuscetíveis de serem atropelados por deliberação política majoritária; e b) a proteção das regras do jogo democrático e dos canais de participação política de todos. A maior parte dos países do mundo confere ao Judiciário e, mais particularmente à sua suprema corte ou corte constitucional, o status de sentinela contra o risco da tirania das maiorias. Evita-se, assim, que possam deturpar o processo democrático ou oprimir as minorias. (BARROSO, Luís Roberto. 2019, p.15, grifo nosso)

Neste ponto, trago uma breve ressalva trazida na ADC 43/DF, pelo Ministro Alexandre de Moraes (2019, p. 52)12, quando ele fala justamente do papel da Suprema Corte frente aos desejos populares. Ele alega que o verdadeiro Estado Constitucional consagra a Democracia baseada na Soberania Popular e o Estado de Direito fundado no respeito às leis e à independência do Judiciário, e que nisso que deriva a legitimidade da Jurisdição Constitucional, e não no pseudo “clamor das ruas” que alimenta o perigoso “populismo judicial” baseado em agrada grupos de pressão ideologicamente majoritários, uma vez que não é possível agradar a todos e esse não é um compromisso do STF e nem é papel compatível com a judicatura.

Diante de todas essas considerações, fica claro que não cabe ao Supremo ter como fundamento de suas decisões o tal “clamor popular”, principalmente sendo verificado a restrição do alcance de um Direito Fundamental, além de que ele, o “clamor popular”, não é argumento jurídico válido, principalmente em ações de controle de constitucionalidade.


3. A MUDANÇA DE PARADIGMA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ao longo dos anos o Supremo Tribunal Federal vem alterando seu entendimento no que diz respeito a possibilidade da execução provisória da pena, ou seja, do cumprimento da pena já a partir da decisão em 2ª instância.

A grande repercussão sobre o tema veio à tona com a mudança de paradigma adotado pelo STF com o julgamento do Habeas Corpus 126292/SP, em 2016, onde o Plenário julgou por maioria que não ofenderia o princípio constitucional da presunção da inocência a possibilidade de dar início a execução da pena condenatória após a sentença de segundo grau.

Tal decisão modificou seu posicionamento anterior, que entendia que a execução da pena só poderia ocorrer com o trânsito em julgado da condenação, ressalvando a possibilidade das prisões preventivas, o qual já vinha sendo adotado desde 2009 com o julgamento do HC 84078.

Para o Relator do Habeas Corpus 126292/SP, o Ministro Teori Zavascki13, com a decisão de segunda instância, encerra-se a análise de fatos e provas que giram em torno da culpa do condenado, o que autorizaria a execução da pena:

Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637. do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990.” (ZAVASCKI ,Teori, 2016, p.6-7, grifo nosso)

O Ministro Teori Zavascki (2016, p.6-7)14 ao se manifestar em relação ao Princípio da Presunção da Inocência, destacou naquele momento que o mesmo tem natureza preponderante de norma de tratamento, principalmente no que diz respeito aos aspectos processuais. Aqui, aponta-o como ônus de prova da acusação vedando, por consequência, que o acusado deva provar sua inocência. Razão pela qual, concluído o julgamento de provas e fatos na segunda instancia, não haveria justificativa para manutenção das limitações impostas pelo princípio, mesmo enquanto pendente julgamento de recursos perante o STJ e STF.

No que diz respeito ao ônus da prova e o princípio da presunção da inocência, o Ministro fez menção ao entendimento que a Ministra Ellen Gracie emitiu no julgado do HC 84078 (2016, p.5-6):15

Com inteira razão, portanto, a Ministra Ellen Gracie, ao afirmar que “o domínio mais expressivo de incidência do princípio da não-culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova. O acusado deve, necessariamente, ser considerado inocente durante a instrução criminal – mesmo que seja réu confesso de delito praticado perante as câmeras de TV e presenciado por todo o país” (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010). (grifo do autor)

O Ministro ainda destacou em seu voto estudo realizado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mônica Nicida Garcia e Fábio Gusman que apontam que em nenhum outro país no mundo, após decisão do tribunal, observado o duplo grau de jurisdição, a execução fica suspensa, aguardando referendo da Suprema Corte, citando alguns países como os Estados Unidos, por exemplo. (ZAVASCKI ,Teori, 2016, p.9)16

O Ministro deixa claro em seu voto que a função do Poder Judiciário, sobretudo do STF é garantir o jus puniendi estatal, e que a retomada da jurisprudência tradicional é um mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção da inocência com o da efetividade da função jurisdicional do Estado.

Acompanharam o voto do Relator os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Contudo, houve divergência, com a ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, sendo vencidos por terem votado pela manutenção da jurisprudência do Tribunal que exige o trânsito em julgado para cumprimento de pena.


4. AS AÇÕES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E A NOVA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO STF

Diante da grande repercussão do tema e da não aceitação por parte significativa de representantes da sociedade em relação a esta última decisão tomada pelo STF, o Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) moveram Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADCs 43, 44 e 54, com o fim de que se jugue a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê, entre as condições para a prisão, o trânsito em julgado da sentença condenatória, em referência ao Princípio da Presunção da Inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), condicionando o início do cumprimento da pena ao esgotamento de todas as possibilidades de recurso.

O Partido Patriota foi o primeiro a dar entrada, e na ADC 43 sustentou que o STF, em 2016 no julgado do HC 126292/SP, proferiu Jurisprudência incompatível com o artigo 283 do CPP, uma vez que sequer julgou o mesmo como inconstitucional. Seguindo esse mesmo discurso, a OAB, na ADC 44 alegou que, mesmo que a jurisprudência não tenha caráter vinculante, todos os tribunais do país passaram a adotá-la, mesmo sem que o STF tem proferido a inconstitucionalidade do dispositivo da norma do CPP.

Em abril de 2018 o PCdoB ajuizou a ADC 54 e, apesar de a ideia ser a mesma das outras ADCs, eles reforçaram que as prisões após a confirmação da condenação em segunda instância se tornaram automáticas e imediatas. Portanto, houve um grande apelo nas três ações para que o STF declarasse a constitucionalidade do artigo 283 do CPP com efeito vinculante, ou seja, que sua aplicação seja observada de forma obrigatória por todas as instâncias.

Para dirimir toda a insegurança jurídica gerada desde a decisão prolatada no julgado do HC 126292/SP, no dia 07/11/2019, no bojo das ADCs 43, 44 e 54, por maioria, foi decidido pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, ou seja, que o início da execução só é possível após esgotada todas as possibilidades de recurso.

Ora, a constitucionalidade do art. 283. do CPP está diretamente baseada ao art. 5º, inciso LVII, da CF/88.

Estabelece o art. 5º, inciso LVII, da CF/198817 que:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Por sua vez, o art. 283. do CPP18 prevê:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Logo, não há dúvidas de que o enunciado do artigo 238 do CPP reproduz a ideia do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a qual exige o trânsito em julgado para que haja o cumprimento da sentença pelo cidadão, dando oportunidade de recorrer até a última instância em liberdade.

Seguindo essa linha, o Relator Ministro Marco Aurélio (2019, p.32)19, em seu voto, alegou:

O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A Constituição de 1988 consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória. A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do artigo 312 do Código de Processo Penal e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva.

Ou seja, como já dito em linhas anteriores, para garantir a ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, demonstrado o cumprimento de todos os requisitos do artigo 312 do CPP, o Magistrado pode aplicar a prisão preventiva, analisado caso a caso.

O Ministro Marco Aurélio (2019, p.36) ainda alerta para uma questão de grande importância que deve ser observada no julgamento das ADCs, pois se trata de uma cláusula pétrea20:

O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela Lei Maior, à preclusão, de modo que a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir. A determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se o trânsito em julgado como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores.

Para o Ministro Marcos Aurélio (2019, p.37)21, com a decisão de 2016, o Supremo se afastou do seu papel fundamental de tutelar um princípio tão caro ao Estado Democrático de Direito, pois, suprimiu, ao mesmo tempo, o direito de recorrer em liberdade, às instâncias superiores e o direito de vê-la tutelada, a qualquer tempo, pelo Supremo.

O Ministro continuou seu voto alegando o seguinte (2019, p.37)22:

A harmonia, com a Constituição de 1988, do artigo 283 do Código de Processo Penal é completa, considerado o alcance do princípio da não culpabilidade, inexistente campo para tergiversações, que podem levar ao retrocesso constitucional, cultural em seu sentido maior.

Para concluir, o Ministro ainda faz menção ao princípio do terceiro excluído, alegando que não há espaço para um meio termo (2019, p.37)23:

Ante o princípio do terceiro excluído – uma coisa é ou não é, não havendo espaço para o meio termo –, ou bem se tem título alcançado pela preclusão maior a autorizar a execução da pena, ou não se tem, sendo forçoso reconhecer a natureza provisória da execução daí decorrente – quadro discrepante, a mais não poder, do versado no preceito cuja redação não vai além de reproduzir o previsto no texto constitucional. Revela-se impróprio, presente a garantia estampada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, cogitar da existência de terceiro grupo a partir de argumentos metajurídicos, os quais não seduzem a ponto de suplantar, no controle objetivo de constitucionalidade, a literalidade da norma.

Pois bem, o Ministro deixa claro que não há previsão legal para que haja a aplicação de uma execução provisória, e mais, tem-se que é certo que a Suprema Corte não tem a função de legislar, criando uma nova modalidade de prisão, alterando o alcance do princípio da presunção de inocência e, por conseguinte, uma das funções do trânsito em julgado, que é estabelecer o início da execução da pena.

Aqueles que divergiram da maioria vencedora, permaneceram se posicionando a favor da prisão após decisão de segunda instância, e utilizaram diversos argumentos como a redução da criminalidade e da impunidade, a possibilidade da prescrição dos crimes pela demora do trâmite processual, direito comparado com outros país, a não apreciação de provas nos recursos para os tribunais superiores e a quantidade pequena de modificação das sentenças no STJ e STF.

Sobre a autora
Isabella Cristina Guilherme de Araújo

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Advogada OAB/PE - Subsecção Olinda-PE. Tem formação em Mediação Judicial pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) (2017) e atuação como Conciliadora Judicial Voluntária no TJPE (2016-2019). Pós-graduada em Direito Público pelo Instituto Pan Americano de Educação, Ciências e Cultura - Faculdade Novo Horizonte em (2019-2021). Membro da Comissão de Mediação, Arbitragem, Conciliação e Direito Sistêmico da OAB/PE Subsecção Olinda (2019-2020). Conciliadora Judicial – CNJ. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário UniDom Bosco em parceria com Meu Curso (2021-2022).

Informações sobre o texto

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