3 Conceito de Política Criminal
A palavra política deriva de polis, denominação atribuída à cidade-estado grega, e significa tudo o quanto se refira à cidade, seja em seu aspecto urbano, civil ou social. Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli [21] (1999, p. 132) conceituam a política como a ciência ou arte de governo. A obra de Aristóteles intitulada A Política é considerada o primeiro estudo a respeito da natureza do Estado e as formas de governo.
Na doutrina estrangeira, Franz v. Liszt, citado por Claus Roxin [22], afirma que a política criminal assinala métodos racionais, em sentido social global, no combate à criminalidade, o que na sua terminologia significava a tarefa social do Direito Penal. Enfim, a política criminal constitui nas expressões lisztianas "a idéia de fim no direito penal".
Mireille Demas-Marty [23] se inspira no conceito de Feuerbach, no qual a Política Criminal compreende ao "conjunto de procedimentos através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal", e se caracteriza como "a teoria e prática das diferentes formas do controle social". Dessa forma, a Política Criminal se tornou uma disciplina independente que, ao contrário da Criminologia e da Sociologia Criminal, implica uma pesquisa principalmente jurídica, mas não se limita unicamente ao Direito Penal, o seu estudo abrange outras formas de controle social.
Jorge de Figueiredo Dias [24] acentua que a Política Criminal, baseada nos conhecimentos da realidade criminal, naturalística e empírica oriundos da Criminologia, tem o objetivo de dirigir ao legislador recomendações e propor-lhe diretivas em tema de reforma penal. Para o autor [25], o objeto da política criminal não é constituído apenas pela infração penal, mas por todos os fenômenos de patologia social substancialmente aparentados com aquela, sejam de marginalidade social, sejam em último termo – numa palavra criada pela Criminologia americana – de deviance ou "desvio social". Nas suas conclusões, Jorge de Figueiredo Dias [26] assinala que a política criminal tem competência para definir, tanto no plano do Direito constituído, como do Direito a constituir, os limites da punibilidade. Afirma ainda que a dogmática jurídico-penal não pode evoluir sem atenção ao trabalho prévio de índole criminológica e mediação político-criminal. (Grifos deste trabalho).
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli afirmam que "a política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos". Em poucas palavras os autores resumem que "a política criminal seria a arte ou a ciência de governo com respeito ao fenômeno criminal" [27].
Por outro lado, Fernando Galvão [28] assevera que uma das preocupações da política criminal é dirigir o legislador à indagação sobre o que fazer com as pessoas que violam as regras de convivência social. Assim, no combate à criminalidade, a política criminal representa sempre uma investigação, sempre inacabada, sobre como realizar tal combate. O autor conceitua política criminal como "o conjunto de princípios e recomendações que orientam as ações da justiça criminal, seja no momento da elaboração legislativa, ou da aplicação e execução da disposição normativa" [29].
Com muita propriedade, João Mestieri [30] observa a importância da política criminal, partindo primeiramente da sua conceituação. Para o autor, a política criminal é a ciência que estuda a forma segundo a qual o Estado deve orientar o sistema de prevenção e repressão das infrações penais. O autor ressalta a importância da política criminal, pois esta representa a consciência crítica do Direito Penal vigente, indicando os caminhos que o legislador deve percorrer para o aprimoramento deste ramo do Direito.
4 As relações entre a Criminologia e a Política Criminal
Lola Aniyar de Castro [31] conceitua a Criminologia como a atividade intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante; os processos de infração e de desvio destas normas e a reação social formalizada, ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos.
Este é um conceito moderno de Criminologia, pois os conceitos positivistas sempre enfocam a Criminologia como "a ciência que visa a determinar e estudar as causas que levam alguém a cometer um delito" [32].
Afirma Lola Aniyar de Castro [33] que a Criminologia engloba três ramos: a) a Sociologia do Direito Penal e do comportamento desviante; b) a etiologia do comportamento delitivo e do comportamento desviante; c) a reação social (que compreende a parte da psicologia social que é relativa à mesma, a prevenção, a mal chamada penologia e a análise das respectivas instituições).
Nas lições de Alessandro Baratta [34], a Criminologia contemporânea, dos anos 1930 em diante, se caracteriza por superar as teorias patológicas da criminalidade de cunho biológico e psicológico que diferenciam os sujeitos "criminosos" dos indivíduos "normais". Tais teorias eram próprias do positivismo criminológico, inspirado na filosofia e psicologia do positivismo naturalista. A crítica de Baratta recai sobre as escolas positivistas por estas não apresentarem como objeto propriamente o delito, considerado como conceito jurídico, mas "o homem delinqüente, considerado como um homem diferente e, como tal, clinicamente observável". (Grifos do autor).
As relações da Criminologia e a Política Criminal, segundo Horst Schüler-Springorum, ocorrem de forma harmônica, pois as pesquisas criminológicas têm demonstrado "en su definición de la política criminal como ‘ciencia aplicada a la criminologia’" [35].
Também neste sentido, destaca-se o pensamento de Nilo Batista [36] que leciona a abertura do debate à realidade social. Afirma o autor que as novas tendências do Direito Penal provêm dos reflexos e influências de dados econômicos e sociais concernentes à questão criminal. Estes dados foram recolhidos e trabalhados em estudos criminológicos, mais tarde transformados em concepções político-criminais, que estão hoje introduzidas nas teorias da pena e do delito.
Fernando Galvão [37], ao abordar as relações entre a Criminologia e a Política Criminal, acentua que tais ciências são absolutamente autônomas, mas empenham esforços para a realização de um projeto comum e constituem duas facetas do que se pode chamar de ciência penal integral. A Criminologia é irrestritamente vinculada à realidade, enquanto a Política Criminal transcende essa realidade.
5 Criminologia Interacionista: questionamentos sobre a rotulação social
Antes de um breve relato sobre os principais fundamentos da Criminologia Interacionista ou da Reação Social, necessário se torna afirmar que esta é uma Criminologia que contrasta com a Criminologia Positivista.
O caráter ideológico da teoria positivista, segundo Juarez Cirino dos Santos [38], adota uma postura conservadora, completamente cega, diante dos problemas da estrutura social e das instituições políticas. Tal Criminologia é fundada na elaboração de etiologias do crime oriundas da patologia individual, em traumas, anomalias na estrutura genética ou cromossômica individual. Neste tipo de estudo, os criminólogos realizam uma tarefa neutra, independente do sistema de reação contra o crime.
Na opinião de Lola Aniyar de Castro [39], o positivismo é, possivelmente, o pior fardo que a ciência criminológica teve de carregar, porque retardou a sua evolução crítica em pelo menos 60 anos.
Tannembaum [40] e Sutherland [41] são os precursores da teoria da etiquetamento social ou labeling approach, que constitui um marco na Criminologia contemporânea. Tannembaum, em 1938, fez referência à estigmatização sofrida pelos delinqüentes, ao dizer que a rotulação é um processo de etiquetar, segregar e sugerir características que recaem sobre pessoas marginalizadas. Sutherland observa, em 1945, que o estigma do crime é imposto como sendo uma penalidade, pois este fato coloca o acusado na categoria de criminosos, com o estereótipo popular do "criminoso".
Edwin Lemert [42] escreveu sobre o método de "etiquetagem", estabelecendo a diferença entre delinqüências primária e secundária. A primeira seria um ato primário ou inicial de delinqüência a outra seria uma resposta à delinqüência primária.
Uma das questões que norteiam os estudos da Criminologia Interacionista é a problematização sobre o preconceito. Este, segundo o sociólogo Michael Löwy [43], não é formulado explicitamente, fica oculto nas profundezas do pensamento, que nem mesmo o próprio investigador não se dá conta da sua existência. Os estudos criminológicos voltados para o preconceito demonstram que os estigmas, os estereótipos, enfim, as etiquetas sociais, tornam o indivíduo diferente; o separam do grupo e o transformam em visível e invisível ao mesmo tempo, fatores que fatalmente o conduzirão à perda total da identidade.
Um dos maiores expoentes do labeling approach é Howard Becker [44], que formula a teoria segundo a qual o crime não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como criminoso por agências de controle social. O delinqüente é o indivíduo no qual a etiqueta foi aplicada com sucesso; o comportamento delinqüente é uma conseqüência da aplicação de regras e sanções pelos outros.
Austin Turk [45] assevera que a criminalização não se resume ao simples ato do criminoso, mas um fato no qual ocorre a interação de várias partes, incluindo os legisladores, intérpretes, os que executam as normas, os infratores e os cúmplices. Diz o autor que, no processo de criminalização, uma etiqueta de um criminoso pode ser fixada ao indivíduo tendo em vista atributos reais e imaginários.
Fritz Sack (apud Alessandro Baratta [46]) foi o pioneiro em consagrar a recepção alemã do labeling approach. Este autor avalia o papel das regras e metarregras (leis e mecanismos psíquicos atuantes na pessoa do intérprete ou aplicador do Direito). Tais mecanismos constituem peças fundamentais no processo de filtragem da população criminosa. Para Sack, a criminalidade não seria simples comportamento através do qual o indivíduo viola as leis penais, mas uma "realidade social" construída por juízos atributivos, determinados primeiramente pelas metarregras e, apenas secundariamente, pelos tipos penais. Juízes e tribunais seriam instituições da "realidade". As sentenças, portanto, teriam forte carga de estigmatização social, dando origem à mudança de status e de identidade social do condenado.
O autor frisava, ainda, que a criminalidade é um bem "negativo" semelhante aos bens positivos, como patrimônio, renda, privilégio; ou seja: a criminalidade é o exato oposto de privilégio. A distribuição do bem negativo, a criminalidade, ocorre da mesma forma que a distribuição social de bens positivos, conforme mencionado por Juarez Cirino dos Santos (apud Alessandro Baratta [47]).
O livro de Loïc Wacquant, intitulado Punir os pobres: uma nova gestão da miséria nos Estados Unidos, é fundamental para entender a questão criminal na atualidade. Num dos segmentos, o autor faz uma comparação histórico-analítica entre o gueto e a prisão nos Estados Unidos. Observa, ainda, que essas duas organizações pertencem claramente a uma mesma classe, ou seja, são locais de confinamento forçado, pois o gueto é uma forma de "prisão social", enquanto a prisão funciona à maneira de um "gueto judiciário". As duas instituições têm o propósito de confinar uma população estigmatizada, no sentido de neutralizar a ameaça material e/ou simbólica que ela faz pesar sobre a sociedade da qual foi extirpada. Wacquant recomenda um estudo sistemático dessas instituições, diante das similaridades que apresentam [48].
Não é demais afirmar que as teorias da Criminologia Interacionista são fundamentais para a construção de um Direito Penal humanista. Os pilares que sustentam o labeling-approach são as críticas sobre condições sociais do criminoso, o etiquetamento social, o preconceito, o medo do "outro" e os mecanismos de seleção que operam no sistema penal, principalmente, aqueles ligados às instâncias formais que controlam a criminalidade: a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário.
6 Vitimologia
A Vitimologia é o estudo da vítima. Esta área de conhecimento está umbilicalmente ligada à Criminologia. No entanto, ela não se limita somente ao campo penal, outras áreas do saber se entrelaçam com a Vitimologia, sobretudo a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. Alguns penalistas a consideram como um ramo da Criminologia, outros, uma ciência auxiliar da Criminologia.
Rogério Greco [49] destaca que a Vitimologia contribui de forma efetiva para averiguar se o comportamento da vítima estimulou de alguma forma a prática do crime.
O comportamento da vítima pode minimizar a reprimenda a ser aplicada no agente. Observe o artigo 121, § 1º, segunda parte do Código Penal (causa de diminuição de pena), que dispõe o seguinte: "cometer crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima, a pena poderá ser reduzida de um sexto a um terço" (grifos deste trabalho). Além da violência emocional, é fundamental que a provocação tenha sido da própria vítima e mediante uma provocação injusta; a reação tem de ser imediata, de pronto, sem intervalo entre a provocação e a reação. O artigo 59 do Código Penal também destaca o comportamento da vítima, o que demonstra que esta pode contribuir para fazer surgir no delinqüente o impulso delitivo. Estudos de Vitimologia assinalam que o comportamento da vítima, muitas vezes, são verdadeiros fatores criminógenos que, embora não justifiquem o crime, podem minorar a sanção penal.
Lúcio Ronaldo Pereira Ribeiro [50] leciona sobre a perigosidade vitimal, que é a etapa inicial da vitimização. O autor aponta o crime de estupro no qual a vítima estimula a sua vitimização, por exemplo, quando a mulher usa roupas provocantes, estimulando a libido do estuprador.
Fato importantíssimo que deve ser investigado nos delitos sexuais é referente ao consentimento do ofendido (a vítima). Diante deste fato, poderá o juiz declarar a atipicidade da conduta do acusado ou a sua antijuridicidade.
No estudo da Vitimologia pode ser destacada a variação de comportamento conhecida como a Síndrome de Estocolmo [51], que assim se manifesta: a) sentimento de simpatia do agressor por parte da vítima em relação ao agressor; b) sentimento de simpatia do agressor em relação à vítima. Alguns casos podem ser apontados nos quais a vítima passou por essa síndrome: com marcante repercussão na Europa, destaca-se o seqüestro em Estocolmo, em 1975 de um diplomata da Embaixada Alemã. Quando devolvido, ele declarou aberta simpatia pelos seqüestradores pertencentes ao movimento terrorista alemão Baader-Meinhoff; nos Estados Unidos a mídia noticiou na década de 70 o seqüestro de Patrícia Campebell Hearst, filha de Rodolph Hearst, importante empresário do ramo de comunicação. A jovem de 19 anos, após dois meses de cárcere privado, enviou uma carta a seus pais, dizendo que resolvera ficar com os seqüestradores, por isso, renunciava o nome, passando a chamar Tânia, pseudônimo utilizado pela companheira de Che Guevara. Enfim, Patrícia Hearst envolveu-se nas ações violentas do Exército Simbionês da Libertação até maio de 1976, quando foi presa e condenada pela Justiça da Califórnia a 10 anos de prisão, cumpriu somente 23 meses, graças ao indulto concedido pelo estão presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter. A estratégia de defesa da vítima foi a pressão de ficar isolada em um quarto por várias semanas.