4 Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade;
Os Princípios do Direito. Os Princípios são postulados que se encontram, implícita ou explicitamente, no Sistema Jurídico, contendo um conjunto de regras. Quando a Lei, a Analogia e o Costume falham no preenchimento da lacuna, o magistrado supre a deficiência da Ordem Jurídica, adotando os Princípios Gerais do Direito, que, às vezes, são cânones (regras ou preceitos) que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas, que estão contidos de forma imanente no Ordenamento Jurídico.
Os princípios apresentam a dimensão de peso ou importância, não sendo lógico falar em validade. Dentre os princípios aplicáveis ao caso concreto, será eleito aquele que apresentar maior peso relativo aos demais, em face da situação analisada. Nesse contexto, faz sentido o questionamento: qual princípio é mais importante nesse caso? Assim, será escolhido aquele que for eleito como sendo mais relevante. O princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo, e poderá ser evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua existência.
Geraldo Ataliba (1936-1995)[15] foi Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, e da Pontíficia Universidade São Paulo, PUC-SP, afirmava que os Princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do Sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do Governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da Administração e da Jurisdição. Por estas, não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas consequências.
José Joaquim Gomes Canotilho (1941)[16], jurista portugues, Professor catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal, e Professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, nos ensina que os princípios são normas compatíveis com vários graus de concretização, conforme os condicionalismos fáticos e jurídicos, enquanto que as regras impõem, permitem ou proíbem uma conduta, de forma imperativa, que é ou não cumprida. No caso de conflito, os princípios podem ser harmonizados, pesados conforme seu peso e seu valor em relação a outros princípios. Já as regras, se têm validade, devem ser cumpridas exatamente como prescritas, pois, não permitem ponderações. Se não estão corretas, devem ser alteradas. Isso demonstra que a convivência dos princípios é conflitual - coexistem -, enquanto a das regras é antinômica – excluem-se.
Sustenta ainda Canotilho[17] que a existência de regras e princípios permite a compreensão do Direito Constitucional, como um Sistema aberto. Se o modelo jurídico estivesse formado apenas por regras, estaríamos restritos a um Sistema fechado, com uma disciplina legal exaustiva de todas as situações, alcançando a segurança, mas, impedindo que novas situações fossem abarcadas pelo Sistema. Por outro lado, a adoção somente de princípios, seria impossível, pois, diante de tal indeterminação (sem a existência de regras precisas), o Sistema mostrar-se-ia “falho de segurança jurídica e, tendencialmente, incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema”.
Entende-se, então, que os Princípios Gerais de Direito são a última salvaguarda do intérprete, pois, este, precisa se socorrer deles para integrar o fato, ao Sistema Jurídico. Abrange o espectro das fronteiras do Direito, extremadas entre a dignidade da pessoa humana do indivíduo e a supremacia do interesse público do Estado. Entende-se por Princípios Gerais do Direito, as exigências do ideal de Justiça, a ser concretizado na aplicação do Direito, entre as quais, podem ser destacadas, como a equidade, que deve dosar a decisão, a ética, a moral, a solidariedade humana, a dignidade da pessoa, aos fins sociais da norma legal, na sua aplicação de determinada causa, e aos demais atributos que vigore no Ordenamento Jurídico.
É bem verdade que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, (LINDB), aprovada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, estabelece no seu art. 4º, que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. “A rigor, a jurisprudência e a doutrina não se configuram como fontes obrigatórias, prevista na LINDB, mas, indicam o caminho predominante em que os Tribunais entendem de aplicar a lei, suprindo, inclusive, eventuais lacunas desta última, embora, as consideramos, como fontes do Direito”[18]. Por exemplo, o que diz respeito à justa causa, a interpretação que se dá a cada caso, constitui valiosa forma de auxílio na análise do tema, pois, a lei não esclarece como é que se verifica a falta grave praticada pelo empregado. Defendemos que a jurisprudência e a doutrina se configuram como fontes complementares do Direito.
Inobstante aos princípios constitucionais explícitos atinentes à Administração Pública, e por aplicação aos entes da Administração Direta e Indireta, especificamente, listados no art. 37, da Constituição Federal (Princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) o Direito rege-se, igualmente, por princípios implícitos e não menos importantes, imprescindíveis para a atuação do Poder Público, como o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Estes, recebem o nome de princípios reconhecidos, por serem amplamente difundidos na doutrina e jurisprudência administrativista. Restringimo-nos aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.
Diga-se que os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, são cânones do Estado de Direito, bem como, são regras que tolhem toda ação ilimitada do Poder do Estado, no quadro de juridicidade de cada Sistema legítimo de autoridade.
4.1 Princípio da Proporcionalidade.
O Princípio da Proporcionalidade tem por finalidade precípua, equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade. Esse Princípio, foi adotado pela jurisprudência alemã do pós-guerra, e preceitua que nenhuma garantia constitucional goza de valor supremo e absoluto, de modo a aniquilar outra garantia de valor e grau equivalente.
Robert Alexy (1945)[19], que é um dos mais influentes filósofos alemães contemporâneos na Ciência do Direito, Professor da Universidade de Kiel, Alemanha, afirma que a solução da colisão entre Princípios, consiste antes em que, tendo em conta as circunstâncias do caso, se estabelece uma relação de precedência condicionada entre os princípios. A determinação da relação de precedência condicionada consiste em que, tomando em conta o caso, se indicam as condições sob quais, um princípio precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada da forma inversa. A colisão pode ser pela ponderação no caso concreto, mas, a lei da colisão, elaborada por Alexy, sustenta que, se as condições em dois casos diferentes são iguais, deve prevalecer em ambos os casos o mesmo Princípio. Porém, se as condições concretas são diferentes pode prevalecer no conflito dos mesmos princípios, o outro princípio. Assim, a solução da colisão de princípios, se dá no caso concreto, mediante a ponderação. Para avaliar, qual princípio é, no caso concreto, o mais justo, utiliza-se, para tanto, o princípio da proporcionalidade, como critério da ponderação.
Exemplo: no Direito Penal, as penas devem ser proporcionais à conduta perpetrada pelo agente infrator. Ou seja, alguém que furtou uma barra de chocolate no mercado, não pode ser julgado da mesma forma que, aquele que roubou celular, se valendo de ameaça com arma de fogo.
4.2 Princípio da Razoabilidade.
Por outro lado, impõe a coerência do Sistema. A falta de coerência, de racionalidade de qualquer lei, ato administrativo ou decisão jurisdicional gera vício de legalidade, visto que, o Direito é feito por seres e para seres racionais, para ser aplicado em um determinado espaço e em um determinado tempo. Através da análise da razoabilidade também se verifica, se os vetores que orientam determinado Sistema Jurídico, foram ou não observados.
O Princípio da Razoabilidade compete ao agir dos homens, sempre em consonância e em conformidade com a razão, com o senso de razoabilidade, nas questões pertinentes as condições e de meios para a consecução de resultados pretendidos. Portanto, o princípio estampa a congruência lógica entre o que dispor, para não afetar uma das partes, na relação jurídica, e não ser prejudicial, o pacto laborativo.
No Direito brasileiro, a razoabilidade manifesta-se na garantia do devido processo legal, mas, com ela, não se confunde. A razoabilidade, como princípio geral de interpretação que impede a consumação de atos, fatos e comportamentos inaceitáveis, penetra e constitui uma exigência, não apenas da garantia do devido processo legal, mas, de todos os princípios e garantias constitucionais autonomamente assegurados pela ordem constitucional brasileira.
Para Humberto Ávila[20], a razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras, notadamente, das regras. A razoabilidade é usada com vários sentidos. Fala-se em razoabilidade de uma alegação, razoabilidade de uma interpretação, razoabilidade de uma restrição, razoabilidade do fim legal, razoabilidade da função legislativa."
Nas lições de Luís Roberto Barroso[21], Ministro do Supremo Tribunal Federal, é possível depreender que esta razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz respeito à existência de uma relação racional e proporcional entres seus motivos, meios e fins. De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é, sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional. Se a lei contravier valores expressos ou implícitos no texto constitucional, não será legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o fosse internamente.
Exemplo: no Direito Administrativo, quando cabe ao agente público respeitar não apenas os dispositivos presentes em Lei (Princípio da Legalidade) como também tomar decisões e aplicá-las de modo razoável, dentro dos limites da Justiça, e daquilo que for razoável e condizente com o caso concreto.
Muitas vezes, é necessário quebrar paradigmas e as Súmulas podem e devem ser revistas, revisadas ou reinterpretadas, lembrando que na esfera do Supremo Tribunal Federal, STF, as Súmulas Vinculantes podem ser revisadas e canceladas, conforme preconiza o art. 103-A, § 2º, da Constituição Federal.
Nesta perspectiva, a Súmula 450, do TST, diz que é devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137, da CLT. Todavia, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho TST, em sessão realizada em 16/03/2021, decidiu, no Processo: E-RR-10128-11.2016.5.15.0088, que o atraso de dois a três dias, na quitação dos valores relativos às férias, não gera ao empregador, a obrigação do pagamento em dobro. Para a maioria do colegiado, impor a condenação por atraso considerado ínfimo, atenta contra os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.
Vale dizer, o TST, que tem como missão maior, uniformizar a jurisprudência trabalhista brasileira, neste julgamento, homenageia e prestigia e aplica ao caso concreto, os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.