Preliminarmente...
A promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) vem causando no Brasil grandes debates e gerando valorosas polêmicas. Publicada em agosto de 2018, em vigor desde setembro de 2020, e com a implementação de um órgão regulamentador com início de atividades previsto para agosto de 2021, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem provocado modificações na atuação de alguns tribunais. Entre doutrinadores e especialistas, surgem conversações e controvérsias relativas ao conflito entre os princípios da dignidade, privacidade, intimidade e honra versus os princípios da informação, liberdade de expressão e publicidade dos atos público, todos estabelecidos a partir da Constituição Federal Brasileira de 1998.
Na primeira semana de julho de 2021 foi publicado nas mídias jornalísticas do país informações[i] sobre levantamento recente realizado pela entidade Juit[ii] apontando que, entre setembro de 2020 (quando a LGPD entrou em vigor) e junho de 2021 (quando foi realizada a pesquisa) já ocorreram aproximadamente 600 decisões judiciais embasadas na Lei Geral de Proteção de Dados, a maioria tratando diretamente da proteção de dados pessoais e privacidade ou preocupadas com o nome exposto na Internet, inclusive sobre a divulgação de históricos judiciais. Segundo artigo publicado no jornal Folha de SP[iii] embasado no levantamento realizado pela Juit:
Nos processos iniciais, chama a atenção o receio com a exposição de informações pessoais em diários oficiais e documentos de tribunais visíveis em buscadores como o Google. Cidadãos não querem digitar o nome na internet e encontrar, de cara, um processo trabalhista do passado, seu endereço ou uma multa, por exemplo.[iv]
Ainda conforme aponta a referida matéria publicada na Folha de SP, algumas observações são essenciais para se compreender a judicialização em torno do tema LGPD, entre as quais: do total de aproximadamente 600 sentenças, 74% delas são decisões de primeiro grau e estão restritas à São Paulo; as sentenças demonstram que ainda não há uma compreensão consolidada sobre o tema, mas já apontam que o vazamento de dados na Internet não gera necessariamente indenização por dano moral, compreendendo também que as empresas não tem obrigação de excluir dados de funcionários desligados da instituição; será necessário a regulamentação sobre serviços privados, tais como Google, Yahoo, ferramentas de busca de informações processuais e judicias etc.; entre outras conclusões.
Portanto, das muitas análises e conclusões possíveis a partir do levantamento realizado pela Juit, é certo que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão que deve atuar a partir de agosto de 2021 ligada à Casa Civil do Governo Federal, terá muito trabalho, além da obrigatoriedade de observar diversas práticas de mercado, regulamentar a atuação de serviços públicos e privados na Internet, e, entre outros, juntamente à Justiça, lidar com um aumento no volume de reclamações e processos após agosto de 2021 com o início da aplicação das sanções previstas na LGPD.
Outras certeza é que, mediante as diferentes interpretações e sentenças identificadas pela Juit, certamente haverá vários recursos e discussões chegando nos tribunais superiores, sejam relacionados com muitos destes 600 processos com sentença já determinada, seja pela existência de muitas ações em andamento na primeira instância de tribunais brasileiros, aguardando decisão, mas principalmente pela infinidade de novas reclamações e ações judiciais que devem ser protocoladas com o começo das atividades da ANPD e com o início da aplicação de sanções com base na Lei nº 13.709/2018.
De fato, por ser uma legislação recente, em vigor há menos de um ano, cuja aplicação de sanções ainda não iniciaram, e que ainda depende do funcionamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANP) para implementação de regulamentações específicas, a atuação dos tribunais superiores será determinante na pacificação de jurisprudências e outras consolidações. Certamente todo este debate em torno da LGPD e o conflito que ela ressuscita em relação a diferentes princípios constitucionais que são divergentes entre si, serão objeto de muitos julgados e doutrinas futuras.
Esta divergência de decisões e sentenças já publicadas bem como a necessidade de teorias, doutrinas e novas decisões dos tribunais superiores para pacificar a interpretação dos vários juízos brasileiros é agravada pela decisão recente do Superior Tribunal Federal (STF), com repercussão geral, que, no Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ (sobre pedido para que não fosse mais divulgado informações e reconstituições referentes ao assassinato de Aída Jacob Curi, ocorrido no ano de 1958, na cidade do Rio de Janeiro), votou em 11 de fevereiro de 2021 contra o direito ao esquecimento.
Se observados os votos apresentados pelos doutros Ministro do STF em relação ao RE nº 1.010.606/RJ, tem-se que muitos deles trataram sobre a importância do respeito aos direitos à intimidade e à vida privada, condenaram práticas de exposição vexatória, e defenderam a condenação em casos de excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação. Todavia, considerando que o caso em questão se tratava de fato de reconhecimento nacional, notório, de domínio público e com relevância social, os Ministros defenderam a análise caso a caso, decidindo, in caso, que “não cabe passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”, de modo que deve ser respeitada a “memória coletiva”, considerando que o caso possui importância histórica.[v]
Noutras palavras: o STF, neste caso do nº 1.010.606/RJ, preferiu valorizar o princípio da historicidade, o princípio da solidariedade entre gerações e o princípio da liberdade de expressão, em detrimento do direito ao esquecimento e o direito à privacidade. Mas isto significa que o STF determinou que não cabe em momento algum o direito ao esquecimento? Esta decisão do órgão máximo do judiciário brasileiro afirmou que o direito à informação e liberdade de expressão deve sempre predominar sobre o direito à privacidade entre outros direitos personalíssimos?
A decisão do STF em relação ao RE nº 1.010.606/RJ vem sendo tratada por muitos como regra, inclusive sendo utilizada como argumento em processos fundados na LGPD e citada por juízes em muitas sentenças, acentuando a dicotomia e polêmica entre o princípio da informação versus o princípio à intimidade. Entretanto, esta polêmica e dicotomia não deveria existir, seja por tudo que está expresso na Lei Geral de Proteção de Dados, mas especialmente por todos os dispositivos legais e fundamentações que dão alicerce à Constituição Federal Brasileira de 1988, valendo observar que o próprio STF concluiu ser necessário a análise caso a caso.
O princípio da dignidade, privacidade, intimidade, honra e imagem versus o princípio da informação, da liberdade de expressão, da publicidade e da transparência na Constituição Federal de 1988: o caso do próprio Estado brasileiro
Desde a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF) muito se discute a dicotomia referente as previsões constitucionais do direito à privacidade, intimidade, honra, dignidade, outros direitos personalíssimos, versus os princípios da informação, da liberdade de expressão, da transparência, e da obrigatoriedade de publicidade dos atos processuais e atos públicos, entre outros princípios correlatos.
Por certo, não há nenhum direito fundamental que seja absoluto, e seguramente há momentos que é necessário deixar de lado direitos fundamentais individuais em detrimento da coletividade. Entretanto, não há razão para todo este debate e dicotomia entre tais princípios, pois a própria legislação brasileira traz conteúdo suficiente para a solução desta peleja hermenêutica, sem nenhuma necessidade de interpretações extensivas, exegeses abstratas, ou devaneios narrativos. A própria Constituição Federal é bem clara e rígida ao definir seus princípios fundamentais, e dar base para a conclusão dessa dicotomia e debate.
O direito à dignidade, privacidade, intimidade, honra, imagem, entre outros direitos personalíssimos, têm na Constituição Brasileira caráter de direito fundamental, com perfil de cláusula pétrea, incluído na carta magna entre os direitos civis, sociais, políticos e jurídicos, com função de garantir e perpetuar todos os direitos individuais e direitos coletivos alicerçados na Declaração Universal de Direitos Humanos entre outras recomendações e legislações que tem base nos direitos de primeira geração e na tríade da Revolução Francesa (qual seja: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”).
Não à toa, tais valores e princípios são apresentados já no Preâmbulo da Constituição Federal Brasileira de 1988, repetidos no artigo 1º, novamente citado nos artigos 3º e 4º, e, finalmente, referenciado no artigo 5º, um dos artigos mais importantes de nossa Carta Magna, e, não apenas, sequencialmente expresso em outros dispositivos do texto constitucional e legislações infraconstitucionais que tratam sobre Direitos Individuais, Transindividuais, Difusos e Direitos Coletivos.
Nesse sentido, o preâmbulo da Constituição Federal Brasileira anuncia que é objetivo do texto constitucional “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”. Noutras palavras: se há dúvida entre quaisquer princípios dicotômicos trazidos pela Constituição Federal, deve-se priorizar àquele destinado a assegurar o bem-estar e a justiça, visando a fraternidade, e impedindo a formulação de quaisquer tipos de preconceitos. Portanto, o princípio da dignidade, honra e imagem devem ser prioridade.
Esta anterioridade e superioridade dos direitos humanos fundamentais também está descrita no artigo 1º, incisos II e III, ao explicar que a República Federativa do Brasil deve ter como fundamentos “a cidadania” e “a dignidade da pessoa humana”. Igualmente, o artigo 3º, inciso IV, prescreve que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” ao passo que o artigo 4º, inciso II, determina que “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos”.
Assim sendo, partindo da compreensão que os princípios e fundamentos constitucionais estão previstos exatamente no preâmbulo e nos quatro primeiros artigos da Constituição Federal (com estes quatro artigos formando o Capítulo I da Carta Magna sob o título “Dos Princípios Fundamentais”), conclui-se como imperioso a proteção da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da erradicação dos preconceitos e desigualdades sociais (e quaisquer outras formas de discriminação) etc., bem como a construção de uma sociedade justa e solidária, que busca a solução pacífica dos conflitos, com prevalência dos direitos humanos (com todas essas expressões manifestadas taxativamente em diversos incisos distribuídos nos artigos 1º, 3º e 4º do texto constitucional).
E, finalmente, o Caput do artigo 5º da CF – ao introduzir os “Direitos e Garantias Fundamentais”, bem como os “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” – explica que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Para o artigo 5º, apesar de posteriormente apresentar incisos que definem princípios dicotômicos tais como o da liberdade de expressão, da transparência da informação, entre outros, o Caput reverbera e hierarquiza a dignidade da pessoa humana sobretudo ao garantir, entre outros, o direito à vida, igualdade, e segurança.
Nesta senda, com base em todos estes princípios e fundamentos constitucionais, o artigo 5º da Constituição elenca uma série de incisos listando direitos e garantias fundamentais, reforçando várias vezes os direitos personalíssimos, excepcionalmente o direito à dignidade, honra e imagem, decretando, por exemplo, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento degradante” (inciso III), que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V), que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, o sigilo da correspondência e comunicações telemáticas” etc. (incisos VIII, XI, XII), entre outros.
Ainda com este viés, o artigo 5º, inciso X, confirma o Princípio da Dignidade, Intimidade, Privacidade, Honra e Imagem das pessoas, admitindo tudo que fora atribuído entre os princípios e fundamentos constitucionais elencados no Preâmbulo, nos artigos 1º, 3º e 4º, e no Caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Vejamos o que diz o referido artigo 5º, X, da CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (lembrando que inciso V do mesmo artigo 5º aborda que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”).
Portanto, sob a óptica dos princípios fundamentais (expressos no preâmbulo e artigos introdutórios da Constituição Federal), decerto que o princípio da dignidade, intimidade, privacidade, honra e imagem (entre outros direitos personalíssimos definidos no Código Civil de 2002), mesmo que não sejam direito absoluto, devem se sobrepor sobre quaisquer outros princípios e direitos quando há dúvida ou dicotomia entre os princípios constitucionais, merecendo, com a análise caso-à-caso, conforme já estabeleceu o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Judiciário e protetor do texto constitucional.
Veja que a Constituição Federal Brasileira de 1988 também impõe outros princípios, listando entre eles: o princípio da informação (art. 5º, XIV e XXXIII), o princípio da transparência (art. 5º, XXXIII, XXXIV, LXXII, e art. 37), o princípio da liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX), o princípio da publicidade dos atos públicos, históricos judiciários e congêneres (artigo 37), entre outros. Entretanto, dentre tantos princípios constitucionais, somente o princípio da dignidade, privacidade, honra e bem-estar encontram suporte e guarida no preâmbulo e dispositivos introdutórios ao texto constitucional, ou seja, somente esses direitos personalíssimos são compreendidos com princípios fundamentais da Constituição Federal Brasileira de 1988.
Aliás, a doutrina jurídica, observando os artigos introdutórios da carta magna, considera que são 5 (cinco) os fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo esses os alicerces que devem reger o funcionamento do Estado e de toda estrutura legal e judiciária do país, sendo eles: Soberania; Cidadania; Dignidade da Pessoa Humana; Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa; e, finalmente, Pluralismo Político.
Assim, os princípios da informação, transparência, liberdade de expressão, publicidade entre outros, devem sempre se ater e/ou submeter aos fundamentos da cidadania e dignidade, baldrames da Constituição Federal e, consequentemente, da República Federativa do Brasil. Justamente por isso que o artigo 5º, LX, da CF, um dos pilares do princípio da transparência, traz como exceção à regra da transparência exatamente a necessidade de defesa da intimidade, senão, vejamos: “Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Mediante essas análises, por certo que não há motivo e nem sentido neste debate entre a prevalência do Direito Público ou Direito Privado, entre o direito de informação, transparência e publicidade versus o direito de privacidade, intimidade, honra, dignidade e imagem, por interpretação lógica da constituição federal. Aliás, há diversos exemplos recentes que demonstram que o próprio Estado questiona o princípio da transparência e sobrepõe a privacidade acima da informação, por exemplo, determinando ou decidindo contrário à publicidade dos atos processuais e dos atos públicos em diferentes casos.
Em episódio recente, por exemplo, após participação do ex Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em um evento político ocorrido no dia 23 de maio de 2021 na cidade do Rio de Janeiro (quando o ex Ministro apareceu ao lado do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro), foi iniciado um Processo Administrativo Disciplinar porque, enquanto militar da ativa, o General Pazuello é impedido de participar em atos políticos. Todavia, após a conclusão do processo disciplinar na Justiça Militar, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), o Exército decidiu contrário ao princípio da transparência, impondo sigilo de 100 ao processo.
Referente este mesmo caso do ex Ministro da Saúde, alguns partidos políticos de oposição ao atual Presidente impetraram no Superior Tribunal Federal (STF) uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF[vi]) questionando o sigilo de 100 anos atribuído pela Justiça Militar ao Processo Administrativo Disciplinar contra Eduardo Pazuello, mas, em defesa de seus argumentos, com previsão na Lei 12.527/2011 e no artigo 5º, LX, da CF, o Exército alegou que “o processo administrativo não tem interesse público” (mesmo tratando de um Servidor Público Militar e ex Ministro de Estado), e, por isso, deveria ser mantido em sigilo. A justificativa dada pelo Exército recebeu apoio da Procuradoria-Geral da República (PGR)[vii] e do Gabinete da Presidência da República.
Ou seja: tomando este caso como exemplo, levando-se em consideração que toda questão começou pelo requerimento de informações feito pela TV Globo para embasamento de material jornalístico, verifica-se que o próprio Estado (neste caso representado pelo comando Militar, pela PGR e pelo Gabinete da Presidência da República) defenderam o direito à privacidade, intimidade, honra, imagem e dignidade humana se sobrepondo ao princípio da liberdade de expressão (jornalística), ao princípio da transparência, e o princípio da publicidade dos atos processuais e das atividades estatais.
Deste modo, nesta dicotomia, decerto que os Direitos Pessoais e/ou Individuais devem se sobrepor aos Direitos Institucionais, do mesmo modo que o Direito Privado deve ter prioridade sobre o Direito Público. Esta certeza de que os direitos personalíssimos devem se sobrepor ao princípio da transparência e congêneres possui fundamentação não apenas nas mais variadas legislações civilistas brasileiras, mas também nos exemplos trazidos pelo próprio Estado, pelo Governo Federal e órgãos de Estado, bem como nos dispositivos que impõem os fundamentos da Constituição Federal Brasileira de 1988.
Portanto, se direitos fundamentais como o da dignidade, intimidade e privacidade não possuem caráter de direito absoluto, é correto compreender que princípios como o da transparência, liberdade de expressão, informação e correlatos também não são regras irrestritas. Outrossim, em consonância com o preâmbulo e com os artigos 1º, 3º e 4º da Constituição Federal, é essencial que sempre ocorra análise caso a caso, com a certeza de que, havendo dúvidas, divergência ou dicotomia interpretativa, os direitos personalíssimos devem sempre priorizar sobre outros, salvo quando houver interesse social e/ou interesse público, nos termos do artigo 5º, inciso LX.
A proteção da intimidade e privacidade na óptica do Código Civil Brasileiro e do Código de Processo Civil
Assim como a Constituição Federal Brasileira de 1988 tratou com profundidade o direito à dignidade, privacidade, honra, imagem, vida privada, entre outros valores congêneres, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) também tiveram a mesma preocupação, reproduzindo diversos dispositivos com o propósito de tratar especificamente desses direitos, passando a serem chamados na legislação civilista como parte daquilo identificado como Direito Personalíssimo ou Direito da Personalidade.
Veja que a garantia constitucional da dignidade e vida privada também encontra guarida no Código Civil (CC), tendo em vista que, por exemplo, a referida legislação positiva a proteção ao direito da personalidade em seus artigos 11, 12, 17, 20, 21, entre outros. Deste modo, o Código Civil compreende que “os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (art. 11). Além disso, a legislação civilista aduz que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória” (art. 17).
Outro importante aspecto regulamentado pelo Código Civil diz respeito à tutela do Estado (Poder Judiciário) na proteção aos direitos da personalidade: o artigo 20, por exemplo, prescreve que, caso não exista requerimento ou consentimento do titular dos direitos, ou não havendo necessidade de administração da justiça ou manutenção da ordem pública, dados como nome, imagem, produção intelectual entre outros, não poderão ser divulgados ou utilizados por terceiros, especialmente se esta exposição atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade do titular dos direitos, ou se a utilização dos dados se destinar para fins comerciais.
Consolidando esta proteção aos direitos de dignidade, intimidade, honra e demais direitos personalíssimos: o artigo 12 do Código Civil professa que qualquer um que se sentir lesado “pode exigir que cesse a ameaça ou lesão a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”; o artigo 21 aborda que “a vida privada da pessoa natural é inviolável”, havendo possibilidade de requerimento em juízo para impedir ou fazer cessar qualquer ato contrário a esta norma; e muitos outros dispositivos do Código Civil tratam sobre a aplicação de sanções e indenizações para qualquer ato que gere lesão aos direitos da personalidade e/ou dano moral.
Cabe observar que, diferente do que ocorre na Constituição Federal Brasileira, o Código Civil não utiliza termos tais como direito à privacidade, direito à intimidade e afins, empregando o termo direitos da personalidade. Entretanto, conforme aponta a doutrina jurídica, o direito da personalidade inclui uma série de valores e direitos subjetivos, individuais e sociais, incluindo entre eles o direito à dignidade, à cidadania, à vida, ao nome e imagem, à inviolabilidade da vida privada, à igualdade, ao justo processo, entre tantos outros direitos que se interseccionam e refletem a convergência entre direito público e direito privado, representado pelo necessário e incondicionado respeito da dignidade da pessoa humana.
Também é essencial conferir com atenção as previsões impostas pelo artigo 20 da legislação civilista, isto porque, numa possível divergência ou convergência entre o direito público e o direito privado, o Código Civil dá maior valor aos direitos humanos, aos direitos individuais e sociais, proibindo categoricamente “a divulgação, publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” ou no caso desta publicização “se destinar a fins comerciais”.
Nesta mesma senda, o Código de Processo Civil (CPC), em respeito aos princípios e fundamentos da Constituição Federal, alerta para a necessidade de cuidados aos se tratar de direitos personalíssimos, sempre ressaltando o direito à privacidade. Por exemplo: o artigo 11 da referida legislação processualista, em seu parágrafo único, ressalta que o caráter público dos atos processuais deve atingir somente às partes envolvidas na ação, seus advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, medida essa recentemente reforçada por meio da publicação da Lei nº 13.793/2019, em vigor desde 4 de janeiro de 2019, regularizando a publicidade processual e regulamentando o acesso dos advogados e do Ministério Público aos processos eletrônicos.
Entre outros dispositivos, o artigo 189 do Código de Processo Civil também trata sobre a dicotomia entre os direitos personalíssimos (Direito Privado) e princípio da publicidade (Direito Público), adotando o que está expresso pelo artigo 5º, LX, da Constituição Federal, e consequentemente, importando essencialidades e excepcionalidades à publicidade dos atos processuais, isto porque, assim como ocorre no artigo 5º, LX, da carta magna, o artigo 189 da Legislação processualista impõe a excepcionalidade do princípio da transparência e publicidade dos atos processuais quando “a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, determinando segredo de justiça em situações específicas (interesse social, ações que versem sobre casamento, divórcio, crianças e adolescentes, etc.).
Outro aspecto importante do artigo 189 do Código de Processo Civil refere-se às previsões trazidas em seus parágrafos 1º e 2º por reforçar o caráter sigiloso de alguns atos processuais ao mesmo tempo que reitera sua transparência, permitindo a possibilidade de requisição de informações por meio de certidões e afins, reforçando que qualquer um que tenha interesse pode requerer informações por meio dos canais ideais para acompanhamento de históricos processuais, quais sejam, certidões de sentença e outras informações acessíveis através dos cartórios nos Tribunais de Justiça e no Diário Judicial Eletrônico (DJe)[viii].
Não obstante, muitas outras legislações civilistas complementares e legislações correlatas também esboçam preocupação e respeito ao princípio constitucional da dignidade, privacidade, intimidade e honra, podendo citar como exemplo o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), a Lei do SAC (Decreto-Lei nº 6.523/2008), o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), entre tantas outras legislações, sendo a mais recente (e ampla) delas a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).
A proteção da intimidade e privacidade na óptica do Código Penal, Código de Processo Penal, e demais legislações penais
Seguindo a mesma linha da Constituição Federal, do Código Civil e do Código de Processo Civil, a legislação penal brasileira também impõe a obrigatoriedade de respeito à privacidade, intimidade, honra, imagem, dignidade, entre outros direitos personalíssimos do cidadão brasileiro.
Nesse sentido, o Código Penal (Decreto-Lei nº 2848/1940) apresenta uma série de dispositivos com o propósito único de proteger a honra, a imagem e a intimidade das pessoas, podendo ser citado, por exemplo: o artigo 93, que assegura ao condenado “o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação”; os arts. 138 a 140, que tratam sobre o desrespeito à honra alheia, tipificando os crimes de Calúnia, Difamação e Injúria; os arts. 150 até 152, que versam sobre violação de domicílio, correspondência e comunicação telefônica; o artigo 153, que aborda sobre a divulgação, sem justa causa, de documento, correspondência ou outra informação, podendo produzir dano a outrem; o artigo 154, que aborda sobre o ato de revelar, sem justa causa, informações e/ou segredos de que se tem ciência em função de função, ofício ou profissão, cuja revelação possa produzir dano a outrem; o artigo 154-A (incluído no Código Penal pela Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann), aventando sobre crimes informáticos que envolvem direitos da personalidade; o artigo 325, tratando sobre a violação do sigilo de informações pessoais por parte de agentes públicos; etc.
Igualmente, o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941) também traz previsões visando a garantia da intimidade e privacidade das pessoas. Nesse sentido: o artigo 20 trata sobre o direito à intimidade, impondo “sigilo sobre os inquéritos”; o artigo 201, § 6º, prescreve sobre a “preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, (...) para evitar sua exposição aos meios de comunicação”; o artigo 748 propõem proteção à honra, imagem, e principalmente a história pessoal dos cidadãos, mesmo quando condenados, determinando que investigações e condenações anteriores não devem constar na folha de antecedentes do reabilitado ou após o cumprimento de pena; entre outros.
Destaca-se que, do mesmo modo que o artigo 93 do Código Penal assegura ao réu o sigilo dos registros sobre seu processo, e que o artigo 748 do Código de Processo Penal prescreve que a condenação ou condenações anteriores do reabilitado não serão mencionadas na folha de antecedentes e nem em certidão extraída dos livros do juízo, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1994) observa os direitos da personalidade do apenado, sendo disposto no artigo 202 da referida Lei de Execução Penal que, depois de “cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões (...) qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”.
Deste modo, observando alguns dispositivos da legislação penalista tais como os referidos artigo 93 do Código Penal (CP), artigo 748 do Código de Processo Penal (CPP), e artigo 202 da Lei de Execução Penal (LEP), verifica-se que todos eles estão em consonância com a previsão constitucional da reserva à intimidade e privacidade, considerando que todo réu tem direito a essas garantias fundamentais, mesmo se condenado e já tenha cumprido sua pena, com possibilidade de interpretação extensiva para compreender que o mesmo direito deve se aplicar aos processos penais que resultaram absolvição do réu.
A proteção da intimidade e privacidade na óptica da Lei de Acesso à Informação, do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados
A recente promulgação da Lei nº 13.709/2018 – conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – trouxe combustível ao debate em torno da dicotomia entre o princípio da privacidade versus o princípio da informação, transparência e publicidade dos atos públicos, e renovou toda polêmica em torno do direito à intimidade, incluído nesta nova legislação a preocupação com a proteção de dados, tanto para a iniciativa privada como para o Poder Público, alterando e/ou reiterando aspectos antes abordados em outras legislações tais como a Lei de Acesso à Informação, o Marco Geral da Internet, etc., todas com fundamento nos princípios impostos pela Constituição Federal de 1988.
Adotando a ordem cronológica para analisar essas legislações recentes – anteriores a LGPD – que tratam sobre informação, publicidade dos atos públicos e direito de intimidade, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12527/2011) é uma legislação que “dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações” (conforme prescreve o artigo 1º da Lei), alcançando órgãos integrantes da administração direta e indireta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, entre os quais as autarquias, fundações e empresas públicas, sociedades de economia mista, entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos, tribunais de justiça, etc.
Deste modo, a Lei de Acesso à Informação (LAI) é uma legislação genuinamente de Direito Público, que define procedimentos para serem observados por todos os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e por todas as esferas do Poder Público, ou seja, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Seu principal objetivo é regular o acesso a informação previsto no artigo 5º, XXXI, no artigo 37, § 3º, II, e no artigo 216, § 2º todos da Constituição Federal Brasileira de 1988, assegurando o direito fundamental de acesso à informação.
Entretanto, com este objetivo de assegurar o acesso à informação e garantir a transparência dos documentos e atos públicos, a Lei de Acesso à Informação, também adota o princípio constitucional da privacidade e intimidade como princípio fundamental, e, portanto, estabelece restrição de acesso para diversas informações, públicas ou privadas, do Estado ou dos cidadãos, determinando que tais informações só poderão ser divulgadas antes de prazos previamente determinados e/ou mediante consentimento expresso da pessoa ou órgão a quem se referem.
Noutras palavras: a Lei de Acesso à Informação (LAI), baseada nos princípios da informação, transparência e publicidade dos atos públicos, se propõe a garantir o acesso a informações, tais como previsto em diversos artigos da Constituição Federal, mas, com fulcro nos princípios fundamentais estabelecidos pelo Preâmbulo e artigos 1º, 3º e 4º (além do artigo 5º, inciso X) da carta magna, a Lei nº 12527/2011 também determina que o Poder Público deve tomar todas as medidas necessárias para assegurar a confidencialidade de algumas informações e a privacidade de pessoas naturais envolvidas em questões públicas.[ix].
Como exemplo da atuação da Lei de Acesso à Informação defendendo o direito de privacidade, honra, intimidade, entre outros direitos personalíssimos, podemos citar o artigo 31 que diz: “O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais”. Em complemento, o parágrafo 1º do mesmo artigo 31 (e seus incisos I e II) dispõem que as informações pessoais (relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem) poderão ter acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo de até 100 (cem) anos.
Portanto, a Lei de Acesso à Informação (LAI) garante aos cidadãos completa proteção à sua intimidade, sua privacidade e sua honra, impedindo que o Poder Público divulgue de forma inoportuna as informações pessoais dos cidadãos, salvo em situações bem específicas.
Diferente da Lei de Acesso à Informação (que é genuinamente de Direito Público), o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) promulgado em abril de 2014, apesar de focar no estabelecimento de “diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria” objeto desta Lei (art. 1º), possui alcance amplo, atingindo pessoas físicas e jurídicas, público ou privadas, declarando princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Em vista disso, a Lei de Acesso à Informação é uma legislação de Direito Público e de Direito Privado.
Noutras palavras: o Marco Civil da Internet possui como um de seus objetivos principais o de regular o universo da Internet dentro do território brasileiro, visando garantir o princípio constitucional da privacidade. Os princípios da Lei nº 12.965/2014 estão elencados em variados incisos do artigo 3º, reiterando e reforçando fundamentos constitucionais relacionados com o princípio da privacidade e demais direitos personalíssimos, citando expressamente sobre a proteção da privacidade (art. 3º, II), a proteção dos dados pessoais (art. 3º, III), a preservação e garantia da neutralidade de rede em relação aos direitos da personalidade art. 3º, IV), entre outros, reiterando que a liberdade dos modelos de negócios jamais pode conflitar com os demais princípios estabelecidos por essa Lei nº 12.965/2014 (art. 3º, VIII).
Nesta mesma senda, o artigo 7º, inciso I, e os artigos 8º e 11 do Marco Civil da Internet, em completa consonância e respeito aos fundamentos da Constituição Federal e aos Direitos da Personalidade definidos pelo Código Civil, garantem a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção, a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, e ainda avaliza a inviolabilidade e sigilo do fluxo de comunicações pela internet, garantindo o direito de exclusão definitiva dos dados pessoais disponíveis na Internet ao término da relação entre as partes ou mediante requisição do titular das informações.
Portanto, o Marco Civil da Internet é firme em proteger o direito das pessoas em relação ao uso da Internet, especialmente no que se refere ao direito à privacidade, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, entre outros direitos personalíssimos congêneres, protegendo os titulares das informações de ter suas informações pessoais e vida privada divulgadas indevidamente na “rede mundial”, prescrevendo que todo cidadão têm o direito de “requerer, a qualquer momento, a exclusão definitiva dos seus dados expostos na Internet”, principalmente se divulgados sem seu consentimento, podendo exigir indenização pelos danos materiais e morais que tal divulgação possam causar.
Em cumprimento aos princípios estabelecidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, em consonância com o Código Civil, e em atualização e complemento ao Marco Civil da Internet, em agosto de 2018 foi promulgado Lei nº 13.709/2018, passando a ser conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados ou LGPD, tornando-se a legislação maior na tarefa de proteção de dados pessoais, informações pessoais sensíveis, e proteção à privacidade e intimidade das pessoas naturais.
Ressalta-se que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi criada e promulgada por meio da Lei nº 13.709/2018. Entretanto, mesmo mantendo seu texto base na referida lei de agosto de 2018, a LGPD recebeu atualizações por meio da Medida Provisória nº 869/2018 (de 27 de setembro de 2018) e da Lei nº 13.853/2019 (de 8 de julho de 2019), e, finalmente, passou a vigorar em 18 de setembro de 2020 com a sanção da Lei 14.058/2020 (de 17 de setembro de 2020, que, em verdade, dispôs sobre o pagamento de benefício emergencial e preservação de emprego no período e pandemia por Coronavírus, mas foi utilizada pelo Legislador para decretar a entrada em vigor da LGPD).
Outra observação importante refere-se ao fato de que a Lei nº 13.853/2019 incluiu o artigo 55-A (entre outros) na Lei Geral de Proteção de Dados, de modo que, em sua redação final, a Lei nº 13.709/2018 prevê a criação de um órgão da administração pública federal denominado Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), com perfil de órgão regulatório e vinculado à Casa Civil do Gabinete da Presidência da República, sendo responsável por regulamentar, fiscalizar e aplicar a LGPD, passando a vigorar em 1º de agosto de 2021 todas as sanções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados bem como as normatizações complementares definidas pela ANPD.
O artigo 1º bem como alguns aspectos inseridos no artigo 2º da lei Geral de Proteção de Dados esclarecem e afirmam o compromisso desta legislação com os princípios constitucionais da dignidade, privacidade, intimidade, honra e outros direitos personalíssimos, e, não obstante, resume seus objetivos principais. Vejamos:
Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, tendo como um de seus objetivos proteger os direitos fundamentais da liberdade e de privacidade previstos constitucionalmente, bem como o livre desenvolvimento da personalidade natural.
Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:
I - o respeito à privacidade;
IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
Deste modo, diferente do que ocorre com a Lei de Acesso a Informação (que é uma legislação genuinamente de Direito Público), e semelhante ao Marco Civil da Internet (que é uma legislação de Direito Público e Privado), a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados) atinge todos que realizam tratamento de quaisquer dados ou informações pessoais, abarcando pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, caracterizando-se como uma regulamentação legal de Direito Público e de Direito Privado, obrigando todos em território nacional a respeitá-la e segui-la, conforme rege o seu artigo 3º:
Art. 3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados(...).
Destarte que o art. 7º da Lei Geral de Proteção de Dados categoricamente expõe que o tratamento de dados pessoais[x] somente poderá ser realizado segundo hipóteses bastante específicas, sempre priorizando a proteção da individualidade, da intimidade, da vida privada e da dignidade humana. Não à toa, o art. 7º, inciso I, afirma que “o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado mediante o fornecimento de consentimento pelo titular”, havendo ainda outros dispositivos que reafirmam a obrigatoriedade do consentimento do das informações bem como a obrigatoriedade de respeitar a privacidade e intimidade alheia.
Aliás, a Lei Geral de Proteção de Dados dedicou um capítulo inteiro para tratar especificamente sobre a garantia aos direitos fundamentais, individuais e sociais, especialmente aqueles relacionados com o direito à privacidade, intimidade e vida privada. Nesse sentido, o Capítulo III (intitulado Dos Direitos do Titular), abrange os arts. 17 até 22, contendo ainda uma série de parágrafos e incisos, todos focados em assegurar a titularidade e proteção dos dados pessoais, precisamente como garantidos através dos princípios fundamentais da Constituição Federal brasileira promulgada em 1988.
Nesse sentido, o art. 17 da LGPD estabelece que “toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade”, enquanto o artigo 22 da mesma Lei esclarece que “a defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma do disposto na legislação pertinente, acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva”.
Por fim, vale destacar o art. 52 e seguintes da Lei nº 13.709/2018 que define as sanções administrativas e legais aplicáveis para quem violar qualquer artigo ou cometer infrações às normas previstas nesta legislação, incluindo entre as sanções a possibilidade de advertência (art. 52, I), multa (art. 52, II e III), suspensão parcial ou total de funcionamento ou do exercício de atividades relacionadas com o tratamento de dados (art. 52, X, XI e XII), e, entre outras sanções, a obrigatoriedade de “eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração” (art. 52, VI).
Entretanto, por ser uma legislação relativamente nova, e por ainda estar aguardando o início das atividades da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) bem como o início da aplicação das sanções previstas na Lei, ainda há muita controvérsia entre os julgados, como se verifica nas quase 600 (seiscentas) decisões levantadas pela Juit a pedido do jornal Folha de SP. De fato, em consequência da Lei, ainda é necessário a criação de regulamentações específicas para serviços privados na Internet, para provedores de busca (Google, Yahoo, Jusbrasil, Justiça Online etc.), e até mesmo para o modo como o Poder Judiciário passará a fazer a divulgação dos históricos processuais por meio do Diário da Justiça Eletrônico (DJe).
Certamente ainda haverá muitos recursos aos processos julgados ou em andamento, parte desses processos deverá ser discutida em tribunais superiores, e ainda será necessário o estabelecimento de decisões pacificadas e jurisprudências para definir parâmetros de utilização da LGPD. Logo, ainda há muito há se compreender sobre a efetividade da LGPD, mas certamente já é momento de implementar maior cuidado e proteção com os dados pessoais sensíveis das pessoas e cidadãos brasileiros, entre outros direitos da personalidade.
A Lei Geral de Proteção de Dados e o “direito de esquecimento”
Após a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) muitos temas jurídicos têm vindo à tona e se tornado objeto de debates dos mais amplos e variados, incluindo aí temas de natureza cível, penal, empresarial, administrativa etc., mas especialmente acerca do direito ao esquecimento.
Apenas para rememorar, o direito ao esquecimento foi aprovado e recomendado durante a VI Jornada de Direito Civil realizada pelo Centro de Estudos do Judiciário do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF) em março de 2013. Preocupado exatamente com os danos provocados pelas novas tecnologias de informação, excepcionalmente com o avanço da Internet, o CJE/CJF propôs uma interpretação extensiva ao artigo 11 do Código Civil[xi], definindo no Enunciado 531 que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”[xii].
Sobre este “direito do esquecimento”, recentemente, em análise de um caso concreto, o Superior Tribunal Federal (STF) negou provimento para o Recurso Extraordinário (RE) nº 1010606[xiii] que solicitava a aplicação do Direito ao esquecimento para um crime de grande repercussão, ocorrido nos anos 1950, no Rio de Janeiro, com efeito principalmente para impedir matérias televisivas como uma realizada pela TV Globo em 2004.
Deste modo, o STF concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos que sejam de grande relevância social ou histórica. Neste sentido, votando favoravelmente a possibilidade de manter a veiculação de informações relevantes, a Ministra Carmen Lúcia afirmou que “não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma geral e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão”, e, portanto, segundo a Ministra, não há “forma de coatar outros direitos à memória coletiva”[xiv].
O principal propósito da Ministra Carmen Lúcia com esse voto era fazer referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações, considerando que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. Defendendo este enfoque, refletiu a Ministra: “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”[xv].
Em contraposição a Carmem Lúcia, os Ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques votaram pelo parcial provimento do RE nº 1010606, reiterando a importância do direito constitucional à intimidade e à vida privada. Em seu voto, Gilmar Mendes, defendendo o direito à intimidade e dignidade, entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) deve ser levado em consideração, ainda que haja interesse público, histórico e social, de modo que essas informações devem ser respeitadas e preservadas. Com este raciocínio, Gilmar Mendes concluiu que, na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo[xvi].
Para o presidente do STF, Ministro Luiz Fux, é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Para o douto ministro, o direito ao esquecimento pode ser aplicado na legislação brasileira, entretanto, ele observou que os fatos tratados nos autos do RE nº 1010606 são notórios, assumiram domínio público, foram retratados na TV, em livros, em revistas e jornais, e, por este motivo, Luiz Fux votou pelo desprovimento do recurso, analisando que não caberia o direito ao esquecimento no caso concreto, o que não significa que o direito ao esquecimento seja inconstitucional na visão dele.
Portanto, no conjunto dos votos, o que o STF decidiu foi que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal Brasileira em se tratando de dados ou fato de notoriedade, de relevância social, com características históricas, em função dos princípios da transparência, da liberdade de expressão e o do direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações. Entretanto, observando as análises dos doutos ministros, também é correta a interpretação de que esta incompatibilidade constitucional existe apenas naqueles casos em que deve ser priorizado a expressão da informação de relevância social, o que não significa necessariamente desrespeitar o direito à privacidade, intimidade e dignidade e afins, até porque tais direitos estão presentes entre os princípios e fundamentos da Constituição Federal definidos nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º do texto constitucional, devendo ser respeitados nos casos em que não há priorização da expressão da informação por sua relevância social ou histórica.
A propósito: é fato que em 2020 o STF considerou que não cabe o direito ao esquecimento no caso do Recurso Extraordinário nº 1010606 (crime de grande repercussão), ou que anos antes os tribunais superiores (STJ e STF) decidiram que o Google (e outras empresas) têm o direito de, como no exemplo do Recurso Especial nº 1.316.921, divulgar informações regressas da (apresentadora, cantora atriz etc.) Maria da Graça Meneghel (mais conhecida como Xuxa); entretanto, há muitos outros casos envolvendo pessoas de menor relevância social onde diversos Tribunais de Justiça e o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram pelo Direito ao Esquecimento, defendendo o princípio da intimidade e privacidade como direito fundamental e constitucional.
E se há muitos casos envolvendo pessoas de menor relevância social em que os TJs e tribunais superiores (STJ e STF) decidiram por priorizar o direito constitucional de intimidade, privacidade, dignidade, vida privada e afins, também há muitos casos em que os tribunais tiveram compreensão similar mesmo em casos de grande repercussão social ou envolvendo pessoas públicas. Neste sentido, essencial lembrar e comparar casos como o ARE 739.382/RJ (2013), RE 662.055 RG/SP (2015), ARE 945.271/SP (2016), RE 1.057.258/MG (2017) etc., além dos famosos casos Cássia Kiss (2002), Glória Trévi (2003), Danuza Leão (2003), Law Kin Chong (2006), Rita de Cássia Corrêa versus Microsoft Informática Ltda (RE 1.630.851/SP, de 2017), Caso V.R. versus Gazeta S.A. (RE 1.036.296/ES, de 2017), Caso Matheus Teixeira da Silva versus Zero Hora Editora Jornalística S/A (R# 1.449.082/RS, de 2017) etc., todos no STJ e/ou STF.[xvii]
Ou seja, com base na diversidade de julgados existentes e nas previsões trazidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o que se pretende não é o cancelamento de todos os registros ou sumiço de todas as informações que podem ter interesse social. O que a Lei expressa é que se observe o sigilo sobre determinados dados e informações, preservando, com isso, o direito constitucional à reserva da intimidade, da honra e da vida privada da pessoa. Aliás, a própria LGPD não dispõe sobre o direito ao esquecimento, mas trata sobre a correta tutela do controle dos dados pessoais das pessoas naturais, como correção, anonimização, bloqueio, eliminação e revogação, e claramente defende o direito à intimidade, privacidade, dignidade e afins, excepcionalmente quando não há interesse social envolvido.
A recomendação do Conselho Nacional de Justiça referente à proteção de dados
Por fim, ainda tratando sobre as legislações que abordam sobre o direito à privacidade, intimidade, dignidade, honra e afins, bem como observando todas as legislações e/ou jurisprudências que versam sobre proteção de dados pessoais, é importantíssimo observar recomendações recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para adoção dos magistrados nos tribunais brasileiros em casos que tratem sobre proteção da intimidade e/ou privacidade.
Reconhecendo como competência do Conselho Nacional de Justiça a realização de diagnósticos, avaliações, projetos de gestão, bem como a proposição de medidas que objetivam a modernização, desburocratização e eficiência do Poder Judiciário, compreendendo ser necessário o desenvolvimento de políticas que promovam a efetividade e a unidade do Poder Judiciário para a construção de uma sociedade justa solidária, e, finalmente, considerando, entre outros aspectos, a edição da Lei nº 13.709/2018 (LGPD), a crescente utilização da Internet, a necessidade de proteção da privacidade e dos dados pessoais de jurisdicionados, o CNJ apresentou respectivamente em agosto de 2020 e fevereiro de 2021 as Recomendações de nº 73 e 89 propondo adequações à Lei Geral de Proteção de Dados.[xviii]
Em verdade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou em 20 de agosto de 2020 a Recomendação Nº 73, e, posteriormente, em 24 de fevereiro de 2021, reiterou a orientação anterior por meio da Recomendação Nº 89, aviltando à “todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro a adoção de medidas destinadas a instituir um padrão nacional de proteção de dados pessoais existentes nas suas bases” (conforme reza o art. 1º da Recomendação nº 73), entre as quais “elaborar plano de ação que contemple, no mínimo”, tópicos tais como “direitos do titular dos dados” e “gestão de consentimento”, entre outros, além de um “plano de respostas a incidentes de segurança com dados pessoais” com a criação de “medidas de segurança” e “políticas de segurança da informação”, constituindo ainda um Grupo de Trabalho para estudo e identificação das medidas necessárias à implementação da Lei Geral de Proteção de Dados no âmbito de cada respectivo tribunal.
Não obstante, a Recomendação nº 73 (e a Recomendação nº 89, que define o marco para aplicação da recomendação anterior) teve como principal objetivo garantir que todos os tribunais atuem visando o cumprimento da LGPD e avalizem a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade dos cidadãos, ou seja, mesmo que ainda não haja um conjunto de julgados para se falar em pacificação interpretativa ou jurisprudência, o CNJ já evidenciou que a LGPD deve ser respeitada em sua plenitude, com os julgamentos sempre priorizando a garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, dentre outros direitos da personalidade de todos os indivíduos.
Destarte que esta recomendação do CNJ já vem sendo objeto de citação em alguns julgados. Por exemplo: na Ação Pública Cível nº 0733785-39.2020.8.07.0001[xix], proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios em desfavor de Sidnei Sassi (em ação envolvendo o portal da internet conhecido como Mercado Livre), o Dr. Caio Brucoli Sembongi, Juiz de Direito na 17ª Vara Cível de Brasília (do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), citou a Recomendação CNJ nº 73/2020 e fundamentou sua decisão com base nos artigos 2º e 44, entre outros, da Lei 13.709/2018 (LGPD), confirmando haver violação à privacidade dos titulares dos dados em anúncio que comercializava banco de dados para ações de marketing divulgado naquele site de marketplace.
Em síntese: apesar da própria Constituição Federal de 1988 prever a autonomia dos Poderes, a independência do Judiciário, e a emancipação e soberania dos magistrados em suas sentenças, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão previsto constitucionalmente, de natureza administrativa, com atribuição de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura – demonstrou compreender a importância e valor constitucional dos princípios da dignidade, intimidade, privacidade, entre outros direitos personalíssimos, defendendo a padronização de ações e utilização de ferramentas de controle para garantir a proteção dos dados sensíveis e informações pessoais dos envolvidos em ações judiciais.
Aos finalmentes...
Os princípios da dignidade, privacidade, intimidade, honra e imagem tem natureza de direito fundamental, aparecendo no capítulo 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988 entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, com citações no Preâmbulo do texto constitucional bem como nos artigos 1º, 3º e 4º da carta magna, ganhando contexto também no artigo 5º, inciso X, entre outros dispositivos legais apresentados na Constituição brasileira.
Defendido também em outras legislações (tais como o Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Lei de Execução Penal, Código do Consumidor, Lei de Acesso à Informação, Marco Civil da Internet etc.), os princípios da dignidade, privacidade, intimidade, honra, imagem e outros direitos personalíssimos (ou da personalidade) tornaram-se objeto de legislação específica a partir da promulgação em 2018 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Apesar de promulgada em agosto de 2018, a Lei nº 13.709/2018 (LGPD) passou a vigorar apenas em setembro de 2020, e as sanções ali previstas só devem ser aplicadas a partir de agosto de 2021 com a consolidação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), autarquia da administração direta com perfil de agência regulatória, vinculado ao gabinete do Presidente da República, que deverá ser o órgão principal na fiscalização e regulamentação de todos os aspectos relacionados com a Lei Geral de Proteção de Dados.
De fato, em consequência do pouco tempo de vigência da Lei, ainda é necessário a criação de regulamentações específicas, especialmente no concernente aos serviços privados da Internet e provedores de busca, assim como para o modo como o próprio poder judiciário passará a lidar com as informações processuais, julgamentos e divulgação dos históricos judiciais por meio do Diário da Justiça Eletrônico (DJe).
Todavia, mesmo que ainda carente de regulamentação e jurisprudências, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já demonstra preocupação com o advento da LGPD, apresentando aos juizados brasileiros a Recomendação nº 73 (2020) e a Recomendação nº 89 (2021), visando garantir a proteção dos direitos fundamentais de privacidade e intimidade dos cidadãos e o cumprimento da LGPD por todos os tribunais do país.
Com base na diversidade de julgados existentes que tratam sobre o direito da privacidade ou intimidade, e mediante as previsões trazidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), certamente muitos aspectos jurídicos serão rediscutidos, principalmente aqueles relacionados com a dualidade entre os princípios da dignidade, privacidade, intimidade, honra, imagem, além do direito de esquecimento e afins, versus os princípios da informação, transparência, liberdade de expressão, historicidade entre outros. O próprio judiciário já apresentou decisões divergentes em relação a esses princípios, e a promulgação da LGPD representa novo fôlego nesses debates. Certamente haverá muitos processos que serão debatidos em tribunais superiores, e será necessário o estabelecimento de decisões pacificadas e jurisprudências para definir parâmetros de utilização da LGPD.
De qualquer modo, essencial avaliar que a Lei nunca pretendeu o cancelamento de todos os registros ou o sumiço das informações que podem ter interesse social E a LGPD também não surge com essa proposta. Aliás, a LGPD não dispõe sobre o direito ao esquecimento, e o que ela realmente propõe é tratar sobre a correta tutela do controle dos dados pessoais das pessoas naturais, defendendo o direito à intimidade, privacidade, dignidade e afins, excepcionalmente quando não há interesse social ou relevância pública em torno dos fatos ou titular dos direitos.
A tempo: enquanto caminhava-se para o final deste texto, o boletim Migalhas (informativo número 5.148, de 21 de julho de 2021[xx]) noticiou que o Dr. José Rodrigues Chaveiro Filho, juiz de Direito da 5ª vara Cível de Brasília/DF, nos autos da Ação Pública nº 0736634-81.2020.8.07.0001 (movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios compra a empresa Serasa S.A.), converteu julgamento em diligência para determinar que a Serasa Experian pare de comercializar dados e informações de pessoas físicas e jurídicas através de produtos tais como o Lista Online ou Prospecção de Clientes, fundamentando toda sua decisão na Lei Geral de Proteção de dados[xxi].
Este mesmo informativo Migalhas (nº 5.148, de 21 de julho de 2021) também traz notícia apontando que a Dra. Tais Helena Fiorini Barbosa, juíza de Direito da 2ª vara do Juizado Especial Cível de São Paulo (SP), conforme remetido em 19 de julho de 2021 e publicado em 20 de julho no Diário da Justiça Eletrônico (DJe), proferiu sentença contra o provedor de conexão à internet conhecido como Twitter (Tweeter Brasil Rede de Informação Ltda), condenando-o a prestar os dados cadastrais individualizados de seus usuários, identificando e apresentando informações dos responsáveis por publicação de vídeos íntimos de ex-participante do reality show A Fazenda que foram disponibilizados naquela rede social. Esta sentença teve como principais fundamentos a Lei de nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e “o direito assegurado na cláusula do art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988”[xxii].
Portanto, mesmo que compreendendo a necessidade de princípios tais como o da informação, transparência, liberdade de expressão, entre outros, a questão central em torno de todo debate que a recente Lei Geral de Proteção de Dados nos traz é que se observe o sigilo sobre determinados dados e informações, preservando com isso o direito constitucional à reserva da intimidade, da honra e da vida privada da pessoa.
Apesar de estarmos em 2021, será necessário grandes e polêmicos debates com base na LGPD que, na verdade, deverão se remeter aos princípios fundamentais já anteriormente apresentados no preâmbulo e artigos introdutórios da Constituição Federal Brasileira de 1988. Estes debates serão essenciais para definir os parâmetros de utilização da Lei Geral de Proteção de Dados no judiciário brasileiro e para avaliar o alcance dos princípios constitucionais da dignidade da vida humana, intimidade, privacidade, honra entre outros direitos da personalidade.