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Demanda contratada.

ICMS. Incidência. Legitimidade

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Agenda 29/11/2006 às 00:00

Base de cálculo do imposto

Algumas decisões, pouco preocupadas em sindicar a natureza jurídica da demanda de potência, optaram por dirimir a controvérsia em face da própria hipótese de incidência do ICMS, de que, entretanto, tanto ela como o consumo da energia são ambos meras medidas de sua expressão financeira, integrando, portanto, sua base de cálculo e não o núcleo da materialidade de sua hipótese descritiva.

Por outro lado, a correta determinação da base impositiva do imposto incidente sobre a energia elétrica pressupõe o exame da compatibilidade dos elementos considerados com a hipótese de incidência do ICMS, uma vez que se trata de inclusão, naquela, de um elemento utilizado para a formação do preço (tarifa) cobrado do consumidor de energia elétrica.

Nesse sentido, dispõe o art. 13, da Lei Complementar 87/96, que a base de cálculo do imposto é, na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do artigo 12, o valor da operação (inc. I), isto é, o valor do negócio jurídico de que resulte a venda da energia elétrica, que, consoante a esclarecedora dicção do art. 34, § 9º, do ADCT, corresponde ao preço praticado na operação final, por compreender todos os custos incorridos desde sua produção, pela empresa geradora, até sua entrega ao consumidor, e não o valor da quantidade de energia elétrica consumida, como muitas vezes se afirma, uma vez que o valor da operação pode comportar a inclusão de outros custos.

Aliás, o art. 9º, da Lei Complementar nº 87/96, contém idêntica previsão, quando autoriza a atribuição da responsabilidade pelo recolhimento do imposto à empresa geradora ou distribuidora de energia elétrica, hipótese em que o cálculo do imposto deverá também ser efetuado sobre o preço praticado na operação final.

Curioso é que, nesse sentido pronunciou-se, entre outros não menos eminentes pares, o Min. Luiz Fux, em voto proferido no AgRg no REsp 797.826 (inter plures), muito embora deixando antever que, a seu juízo, o preço praticado na operação final corresponderia ao valor agregado da última operação – o que constitui um inexplicável equívoco pois, como professa Ricardo Lobo Torres, "O ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica incide, a rigor, sobre o preço final correspondente a toda a cadeia do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição), em simetria com a unicidade do aspecto material do seu fato gerador. O tributo estadual não recai apenas sobre o valor adicionado na última etapa, como acontece com os impostos plurifásicos não-cumulativos, mas sobre o valor agregado em todas as etapas anteriores, unificadamente, ...".

Diante do cuidado do legislador em estabelecer a grandeza econômica do fato gerador do ICMS, sua base de cálculo não pode, por construção jurisprudencial, sofrer limitações que a restrinjam ao mero valor da energia elétrica consumida, como se o fornecimento do insumo não implicasse custos outros que se incorporam naturalmente ao preço da tarifa cobrada pela concessionária, de que constitui exemplo típico o valor da demanda contratada.

Com efeito, o "valor da operação" é bem mais amplo que o valor da quantidade de energia elétrica consumida, a revelar, portanto, a existência de uma relação entre o continente e seu conteúdo.

Em hipótese assemelhada, o Supremo Tribunal Federal reputou ilegítima a exclusão do encargo financeiro incorporado ao valor de venda mercadoria da base de cálculo do imposto, pois, para a Suprema Corte, sendo único o negócio jurídico, o valor da operação, para o propósito da determinação da obrigação de pagamento, haverá de considerar o encargo financeiro compreendido no preço da mercadoria (ADI 84/MG, Relator MIn. Ilmar Galvão). A jurisprudência do STJ, no particular, não discrepa (AgRg no AG 862.500; AgRg no REsp nº 818.173, entre outros).

Ora, se a base de cálculo do imposto é o valor da operação, o valor da energia consumida, isoladamente considerado, revela-se então insuficiente para traduzir o valor real do negócio jurídico subjacente, que pressupõe a incorporação de todos os elementos que são adicionados ao custo da mercadoria, para formação do preço final.

Assim, somente a inclusão de ambos os custos do fornecimento da energia elétrica na base de cálculo do imposto atende a correlação lógica que deve existir entre o fato gerador e o montante sobre o qual deve incidir o imposto, o que permite possa a base imponível resultar de ambos os elementos que integram o mesmo e único elemento material, de modo a afirmar, com isso, a objetividade do critério adotado.

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Sendo assim e como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor outro não poderá ser, por conseguinte, senão aquele que constituir objeto da fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto, residindo aí o motivo pelo qual a base de cálculo deve ser o quantum destacado na nota fiscal/fatura, eis que "O ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor" (AgRg/REsp nº 625.001, Relator Min. Castro Meira).

No caso, a expressão financeira da base impositiva do ICMS, real dimensão da materialidade da sua hipótese de incidência, é naturalmente revelada na fatura de venda do produto, documento representativo da mudança da titularidade da energia elétrica e versão documental, que a operação subjacente tem por forma de materialização, onde são discriminados os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes do consumo e do fluxo da potência utilizada, elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica.

Por outro lado, há que se afastar,insista-se, o entendimento de que a hipótese comportaria a incidência do imposto sobre a mera aquisição de energia elétrica para formação de uma reserva, contratada que seria pelo consumidor com o único propósito de prevenir-se do risco de ser surpreendido pela eventual insuficiência de energia, como equivocadamente já se afirmou alhures, deixando entender, com isso, que a energia elétrica poderia ser adquirida para ser armazenada, o que, para Ricardo Lobo Torres, constitui um nonsense, pois a energia não se estoca.

Como a tarifa binômia adotada para fins de determinação da remuneração devida à concessionária comporta dois componentes distintos, conclui-se pelo desacerto do entendimento que procura excluir o componente de demanda de potência de energia da base de cálculo do imposto, embora considere legítima sua inclusão no preço da tarifa, como se a demanda de potência contratada não integrasse o valor da operação, como custo que é do fornecimento da energia elétrica consumida e ao próprio consumo não estivesse ela umbilicalmente associada.

Por conseguinte, a exclusão desse componente tarifário não se afeiçoa também à previsão inscrita no art. 13, I e §1º, II, da Lei Complementar nº 87, de 1996, devendo então o valor total do fornecimento de energia elétrica compor a base de cálculo do ICMS que, na hipótese, compreende o valor da potência contratada e o valor da quantidade de energia consumida, ambos cobrados na nota-fiscal/fatura, pois a nota fiscal entregue ao comprador é o documento onde se demonstra a ocorrência da operação de compra e venda, expressando o valor para fins de incidência do ICMS (REsp 137.783, Relator Min. Milton Luiz Pereira), eis que, somente assim, estará traduzindo o real o valor do negócio jurídico subjacente.


Conclusão

Pelo que se vê, a controvérsia acerca da incidência do ICMS sobre o valor contratado da demanda de potência utilizada pela unidade consumidora resolve-se, naturalmente, em face da correta compreensão de sua natureza jurídica, que, como visto, não se confunde com a simples garantia de suprimento ininterrupto da energia elétrica.

De resto, a exclusão do componente tarifário da base de cálculo do imposto, implicaria em dispensar aos grandes consumidores privilegiado tratamento, pois os demais consumidores arcam com seu pagamento sobre uma demanda estimada a partir de um fator de carga "típico", eis que, segundo esclarece a ANEEL, "As tarifas do "Grupo B" são estabelecidas somente para o componente de consumo de energia, em reais, por megawatt-hora, considerando que o custo de demanda de potência está incorporado no custo do fornecimento de energia em megawatt-hora" (Cadernos Temáticos, nº 4, 2005).

Diante disso, observa Ricardo Lobo Torres, a jurisprudência formada "mostrou-se insensível à principiologia jurídica presente na problemática, desrespeitando: a) o princípio da capacidade contributiva, com o desigual tratamento dos contribuintes sujeitos às tarifas dos Grupos A e B, que em ambas se inclui a demanda de potência; b) a proibição de enriquecimento sem causa, que a tanto equivale minimizar a importância da verdade tarifária hoje predominante no sistema elétrico brasileiro, com a translação para o Estado (=população) do ônus de subvensionar indiretamente parte substancial dos custos causados pelos grandes consumidores de energia"

Sobre o autor
José Benedito Miranda

procurador do Estado em Belo Horizonte (MG), ex-procurador-geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, José Benedito. Demanda contratada.: ICMS. Incidência. Legitimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1246, 29 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9227. Acesso em: 30 abr. 2024.

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