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A discutida liberdade de expressão

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Agenda 10/08/2021 às 20:41

Engana-se quem acredita que liberdade de expressão não tenha limites e nem tenha que respeitar o outro. Por isso, o Twitter bloqueou indefinidamente Trump por suas mensagens insidiosas contra a democracia norte-americana.

Palavras-Chave: Liberdade de Expressão. Democracia. Discurso de Ódio. Responsabilidade Civil. Marco Civil da Internet. LGPD.

 

 

 

Com a invasão de manifestantes que ocorreu em Washington (DC) no Capitólio (EUA), o mundo estarrecido assistira à depredação do Congresso norte-americano e a democracia, logrando êxito em interromper a sessão que somente posteriormente veio validar os votos do colégio eleitoral que consagrou a eleição para Presidente da República de Joe Biden. No episódio, o saldo final foi de quatro óbitos e tantas outras pessoas feridas e, mais os presos.

Enquanto isto, Trump instigava os invasores[1] por meio do seu Twitter. Então, imediatamente o Twitter suspendeu a conta por doze horas e, fora acompanhada por Facebook e Instagram. A princípio era uma suspensão provisória que depois se efetivou definitivamente.

Com a medida, as opiniões polemizaram a respeito da questão da liberdade de expressão.  A premissa é que a natureza jurídica[2] das redes socias define-se como sendo serviço de mercado, de consumo e de que os termos de uso e políticas de conteúdo que estão a rigor atreladas às cláusulas contratuais às quais, o usuário leu, compreendeu e concordou mediante mero clique. É claro que é uma presunção.

Os que se opuseram à suspensão do Twitter argumentam que segundo o artigo 19 do Marco Civil da Internet[3], cuja constitucionalidade é ainda questionada, somente será responsabilizado uma vez notificado judicialmente de que o conteúdo seria ilícito[4] e que a opção legal se estabeleceu justamente para proteger a liberdade de expressão. Assim, a conduta do provedor de retirar unilateralmente os conteúdos, poderia até ser considerada como abuso de direito (artigo 187 CC)[5], propiciando inclusive responsabilidade civil.

Por outro viés, aos que apoiaram a decisão das redes sociais salientam que tanto no Brasil como nos EUA onde vige suposta cultura de liberdade de expressão mais permissiva do que a existente em países europeus, a regra de responsabilidade civil na internet (regida pela Seção 230 do US Code[6]) adota o princípio do notice and takedown[7], o que desobriga a vítima de procurar a Justiça, bastando a prova da comunicação extrajudicial ao provedor para que retire o referido conteúdo impróprio e ilícito em tempo hábil[8].

Os críticos argumentam que a lei brasileira in casu seria inconstitucional, pois considera como lícitos presumivelmente todos os conteúdos, mesmo os que contenha ilegalidade flagrante, que violam não apenas os termos do uso do sítio, mas são criminosos, ou ao menos trazem um conteúdo tóxico que demandaria um outro tratamento legal mais adequado.

É o caso dos perfis falsos, casos em que as vítimas vivenciam um autêntico calvário, a ponto de ter que ajuizar várias demandas contra os provedores, indicando os links específicos para a retirada dos conteúdos e, para eventualmente tentar conseguir alguma indenização, com a requisição judicial de fornecimento de dados do criador e o IP[9] de quem postou, sendo obrigados posteriormente ajuizar outra série de demandas contra os provedores de conexão para assim por ventura obterem dados pessoais ligados a esses IPs, identificando o verdadeiro causador do dano.

Quando então os IPs não são disfarçados por softwares[10] facilmente encontrados na internet, ou ainda, esbarra na falta de capacidade financeira do autor do dano e, o ilícito resta não ressarcido a vítima. Enquanto isto, gera cliques, likes, e dados para o provedor que lucra bastante com isso.

Outro caso que esbarra na liberdade de expressão[11] é sobre o discurso de ódio[12], como aqueles de conteúdo racista, sexista, homofóbico[13] e, tantos outros preconceitos indecentes. Apesar de se reconhecer o busilis de se fixar limites prévios sobre o que seja lícito ou não em discursos considerados preconceituosos.

Assim, a doutrina mais balizada entende que o rigor da lei deve ficar reservado para o discurso de ódio extremo, que é aquele que tem o propósito de lesar direitos dos integrantes do grupo discriminado ou busque incitar à violência ou à lesão desses direitos[14]. (In: ANDRADE, André Gustavo Côrrea de. Liberdade de expressão em tempos de cólera. Rio de Janeiro: GZ, 2020).

Lembremos que o artigo 21 do Marco Civil da Internet[15] que disciplina sobre a pornografia de vingança de forma diversa, adotando a sistemática da responsabilidade civil do provedor pela notificação extrajudicial, levanta-se a possibilidade de se usar a sistemática da exceção aos perfis falsos e ao discurso de ódio extremo como meio de se interpretar o artigo 19 do mesmo diploma legal à luz da Constituição Federal vigente, e, desta forma, evitar-se uma declaração de inconstitucionalidade[16], optando-se por um interpretação conforme a Constituição.

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Conclui-se, portanto, que o provedor poderá retirar o conteúdo e bloquear posts e usuários com postagens dessa natureza, com o fito não apenas de resguardar a própria responsabilidade[17] como também mitigar os danos que atingem não apenas uma ou outra pessoa vitimada, mas, enfim, toda a sociedade.

De qualquer forma, poderão existir abusos, de sorte que as redes sociais deverão sempre moderar o conteúdo de acordo com o que interpretam como escorreito, exercendo igualmente o poder de polícia derivado das cláusulas contratuais existentes.

O Marco Civil da Internet garante a privacidade e proteção de dados pessoais, mas garante a disponibilização de dados mediante ordem judicial. A Lei 12.965, de 23/4/2014, conhecida como “Marco Civil da Internet”, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

A Lei 12.965, de 23 de junho de 2014 que estabeleceu diretrizes para o uso da internet no Brasil. O Marco Civil da Internet foi projetado a partir de três fundamentos essenciais os quais norteiam a relação das empresas prestadoras de serviços de internet com os seus clientes. São estes: a neutralidade da rede, a privacidade e a fiscalização.

Os provedores de aplicação de internet são as empresas que fornecem um conjunto de funcionalidades que são acessadas por meio de um terminal conectado à internet que são os famosos serviços online.

Pelo princípio da neutralidade da rede tem a função de coibir ações abusivas praticadas pelas empresas na prestação do serviço de internet e telefonia, por exemplo, limitando que os seus clientes acessassem alguns sites ou serviços. Um dos objetivos foi proporcionar um tratamento igualitário entre os consumidores, gerando conformidade com suas expectativas de volume e velocidade de dados.

Apesar de não ter sido recebida a lei com entusiasmo por uma parcela de empresas, sobretudo, as dominantes do mercado, a neutralidade da rede também teve consequências positivas para estimular a competitividade, pois a regulamentação assegura condições similares na oferta dos seus produtos.

De acordo com a legislação, as empresas podem desconsiderar a neutralidade para: manutenção da estabilidade, funcionalidade das redes, priorização de tráfego aos serviços de emergência, gerenciamento de redes, desde que comunicado ao usuário, segurança, integridade e priorização de tráfego em situações de risco.

O princípio da privacidade é mais que a garantia de inviolabilidade das comunicações dos usuários. Nesse sentido, a Lei atribuiu o dever de sigilo de suas informações ao provedor do recurso de internet.

A quebra de tal garantia somente pode ocorrer através de ordem judicial, quando forem imprescindíveis para investigação de ações ilícitas, bem como na tentativa de identificação de seus respectivos responsáveis.

Além disso, cumpre sublinhar que as empresas estrangeiras deverão adaptar as suas diretrizes do ordenamento jurídico brasileiro, o qual envolve não somente o Marco Civil da Internet, mas também todas as legislações que cuidam desses direitos.

O princípio da fiscalização dos acessos que impôs a regulamentação do processo de armazenamento de registro de dados de conexão. É uma responsabilidade da empresa provedora do serviço cujo prazo mínimo da obrigação é de um ano. E, se necessário, as autoridades poderão exigir de um provedor dados cadastrais que qualifiquem seus usuários, tal como o nome completo, estado civil, profissão, filiação e endereço.

A referida lei igualmente realiza a distinção entre os conceitos de dados pessoais que são informações para identificação de pessoa física, tais como CPF e RG, dados de sua localização e identificações eletrônicas e, quais as formas que eles serão tratados, tais como a coleta, classificação, a produção e a utilização. E, a determinação de quais órgão são os responsáveis por fiscalizar o cumprimento do Marco Civil.

São estes, a saber: Anatel: órgão encarregado pela regulação, fiscalização e apuração das infrações relacionadas à infraestrutura dos serviços de telecomunicações, ou seja, encarrega-se de acompanhar a atuação das prestadoras de serviço; Secretaria Nacional do Consumidor: como o próprio nome já sugere, esse órgão se incumbe de fiscalizar os atos praticados pelas empresas para verificar eventuais violações aos direitos de seus consumidores; Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: cuida da apuração de infrações à ordem econômica, como tentativas de restringir a concorrência no mercado.

As regras do Marco Civil da Internet disciplinam especificamente a relação de consumo na internet, os princípios e disposições elencados no Código de Defesa do Consumidor continuam válidos e eficazes e, devem ser regiamente respeitados. Algumas de suas providências para disciplinar as relações de consumo continuam com a mesma relevância, como a possibilidade punições atribuídas às empresas infratoras, tais como, a saber: aplicação de advertência e indicação de prazo para medidas corretivas; aplicação de multas; suspensão temporária das atividades.

Evidentemente, a liberdade de expressão na web fora tema contemplado na lei. Principalmente porque o ambiente virtual tem se tornado ativo, e nem sempre é utilizado de forma positiva e lícita.

O direito dos usuários de se expressarem livremente continua garantido. Mas, cumpre esclarecer que não se trata de um direito absoluto. Porém, assim como ocorre no mundo real e físico, as pessoas permanecem responsabilizadas por suas ações nas redes sociais.  A internet não é uma terra sem lei e sem limites.

A Lei Geral de Proteção de Dados, já alcunhada de LGPD[18], também estabeleceu um conjunto de diretrizes para disciplinar a administração desses dados, isto é, a forma como estes são coletados, utilizados, repassados e, inclusive, comercializados.

A propósito, as novas regras da política de privacidade do WhatsApp desrespeitam a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei 13.709/2018, pois não oferecem aos seus usuários o direito de discordar destas e seguir utilizando o aplicativo, essa é opinião de advogados ouvidos pela ConJur. A nova regra também abrange informações como número de telefone do usuário, marca e modelo do aparelho celular e foto de perfil. Segundo o WhatsApp, o objetivo da medida é "fornecer, melhorar, entender, personalizar, oferecer suporte e anunciar nossos serviços". Vide in: RODAS, Sérgio. Nova Regra do WhatsApp sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd  Acesso em 14.1.2021.

Por isso, aguarda-se uma adequação no que tange à política de privacidade. Nesse documento, a empresa tem obrigação de comunicar, de forma objetiva quais os tipos de dados que são colhidos e de qual forma serão utilizados.

O sigilo de informações privadas deve ser privilegiado para as empresas atuantes no ambiente virtual, pois é a base para transmitir credibilidade e respeito ao seu público, além de evitar nefastas consequências jurídicas negativas, tais como sanções por parte de autoridades administrativas e até obrigações de indenizar os prejudicados.

Por isso a criptografia foi empregada em vários serviços como no caso de WhatsApp, Instagram e Telegram. A legislação determina a obrigatoriedade de expresso consentimento dos usuários para a coleta de dados, existe um grupo de informações técnicas que independem do preenchimento dos clientes para que as empresas tenham acesso, entre estas: o endereço do IP, browser[19] e páginas acessadas e respectivo tempo de visita.

Sem dúvida, a gestão dos dados financeiros tais como conta bancária, cartão de crédito entre outro, é uma das maiores preocupações dos clientes e também deve ser das empresas. No sistema de pagamento[20] adotado pela empresa é essencial que haja garantias robustas e rigorosas, para que não exista acesso por terceiros.

O projeto de lei das Fake News[21], o PL 2630/2020 contém mecanismos que defendem visão mais permissiva até mesmo aos discursos mais ortodoxos, e, em teoria, à liberdade de expressão como a necessidade de guarda de metadados em caso de comunicação de massa e a criação de conselho ligado ao Congresso Nacional para que possa dirigir a conduta de usuários privados com tamanho poder informacional no objetivo de diminuir os danos causados pelas fake news.

Além dos contornos conceituais de desinformação, não é tênue a linha divisória sobre o lícito e ilícito, certo é que a responsabilidade civil das redes sociais precisa passar por uma regulação uniforme para enfim se obter uma dimensão coletiva e mais justa, pois os métodos tradicionais têm se mostrado insuficientes no combate à desinformação digital.

Aplicando uma interpretação conforme a Constituição[22] ao artigo 19 do Marco Civil da Internet deveria pelo menos posicionar-se sobre a pertinência de se considerar qualquer conteúdo como legítimo exercício da liberdade de expressão e, deve manter a notificação judicial como regra para combater as fakes news e os discursos de ódio. Mas, ainda, por enquanto, nosso país posiciona desinformação no lugar comum da notificação judicial.

É possível afirmar, realmente, que o artigo 19 do Marco Civil estabelece uma responsabilidade subjetiva por omissão do provedor quando este não retira o conteúdo ofensivo, após notificação judicial específica. Cabe ao Judiciário a definição de eventual ilicitude do conteúdo questionado e a construção de limites para a livre expressão na rede, o que, inegavelmente, traz maior segurança para os negócios desenvolvidos na internet.

Lembremos que nazistas e fascistas e, mais recentemente, os neonazistas marcharam em Charlottesville[23], o fizeram justamente em nome da liberdade de expressão.

Em resumo, são as três seguintes conclusões, a saber: 1) o provedor de aplicação não pode ser responsabilizado pela publicação do conteúdo propriamente dito, pois não pode haver censura prévia; 2) salvo a hipótese prevista no artigo 21 no Marco Civil da Internet, o provedor de aplicação não pode ser responsabilizado pela permanência do conteúdo enquanto não houver ordem judicial determinando sua remoção; e 3) o provedor de aplicação será responsabilizado por omissão, nos casos em que não atender à ordem judicial de retirada de conteúdo, de forma imediata.

Há alguma esperança que o Ministério Público no Brasil diante da violação cometida pelo WhatsApp à LGPD promova a ação competente para que o aplicativo venha respeitar a legislação brasileira.

 

Referências:

ANDRADE, André Gustavo Côrrea de. Liberdade de expressão em tempos de cólera. Rio de Janeiro: GZ, 2020).

Conheça os grupos de extrema-direita que marcharam em Charlottesville (EUA) CONIB - Confederação Israelita do Brasil. Disponível em https://www.conib.org.br/conheca-os-grupos-de-extrema-direita-que-marcharam-em-charlottesville-eua/  Acesso em 14.1.2021.

MAIA, Lorena Duarte Lopes. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/colisao-de-direitos-fundamentais-visao-do-supremo-tribunal-federal/#:~:text=Uma%20das%20principais%20caracter%C3%ADsticas%20dos,um%20sobre%20o%20outro%20para  Acesso em 14.1.2021.

MARTINS, Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti. Liberdade de expressão e redes sociais: a que ponto chegaremos? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-13/martins-longhi-liberdade-expressao-redes-sociais  Acesso em 14.1.2021.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009.

NORTHFLEET, Ellen Gracie. O Marco Civil da Internet sob o prisma da constitucionalidade parte I. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-19/ellen-gracie-constitucionalidade-marco-civil-internet  Acesso em 14.1.2021.

RODAS, Sérgio. Nova Regra do WhatsApp sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd  Acesso em 14.1.2021.

SCHMIDLIN FILHO, Carlos. Redes Sociais e o Tratamento Jurídico Brasileiro. Disponível em: http://betoschimidlin.jusbrasil.com.br/atigos/180346661/redes-sociais-e-o-tratament-juridico-brasileiro  Acesso em 14.1.2021.

SOARES, Kely Francelino; GÊNOVA, Leonardo de. Redes Sociais: Aspectos Jurídicos. Disponível em: https://cepein.femanet.com.br/BDigital/arqPics/1311401298P647.pdf   Acesso em 14.1.2021.

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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