Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

ATIVISMO JUDICIAL E DIREITO À SAÚDE

uma análise dos Poderes do Brasil

O objetivo desse estudo é abordar as mudanças na postura do Poder Judiciário brasileiro dentro do contexto dialogal das instituições, contextualizando com um caso concreto sentenciado no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

1      INTRODUÇÃO

     A “harmonia” entre os três poderes é proporcionada por uma divisão funcional delimitando os limites de cada esfera – Executivo, Legislativo e Judiciário. Desta forma, o exercício das funções estatais e atribuições destas são divididos tal que, de modo autônomo, as três instituições ajam reguladoramente entre si. (MONTESQUIEU, 2000). O controle institucional é incumbido pelos próprios órgãos do estado tendo em vista a garantia da regulamentação do exercício das atividades institucionais, porém, mais recentemente, há um crescimento extenso sobre os debates que incluem as ações do Poder Judiciário que excede seu papel jurisdicional.

Hoje, sob o amparo da Constituição da República Federativa do Brasil, a chamada constituição cidadã, referência esta feita por ser considerada a mais democrática de todas que a precederam, temos bem fundamentado este princípio da separação de poderes em corrente tripartite, inclusive como sendo fundamental resguardado pelo legislador constituinte originário com cláusula de barreira, impedindo assim, qualquer desavisado legislador derivado de tocar em suas determinações, que encontram razões históricas de existência, que não se fundamentaram da noite para o dia, como determinados instrumentos legislativos na atualidade, lançados ao alvedrio de quem quer que seja.

 A teoria da separação de poderes de Montesquieu possibilitou a redefinição do poder do Estado como poder limitado. Ao chamar a atenção para o perigo de se concentrar em um só órgão todos os poderes do Estado, afirmou que o mesmo deveria ser divido em funções distintas atribuídas a órgãos estatais diversos, propondo uma separação de funções equilibrada (MONTESQUIEU, 2000, p. 168).

Devido ao momento de grande turbulência institucional no Brasil a primeira coisa que se pergunta é como os Três Poderes, devem ou deveriam atuar. Há sempre um desbalanceamento e um dos Poderes acaba, como o Judiciário, atuando de forma ativista para a solução de conflitos existentes que vão além de sua competência. Como exemplificação, um caso exposto no Tribunal de Justiça do Maranhão, no qual, solicitava a concretização do direito à saúde, atendendo os parâmetros mínimos, entre os quais está qualificado o acesso da parte aos medicamentos solicitados.        

Em matéria de interpretação constitucional, a Corte, composta por interpretes humanos e falíveis, pode errar, como também podem faze-lo os poderes Legislativo e Executivo. É preferível adotar-se um modelo que não atribua a nenhuma instituição – nem do Judiciário, nem do Legislativo – “o destino de errar por ultimo”, abrindo-se a permanente possibilidade de diálogo, em lugar da visão mais tradicional, que concede a ultima palavra nessa área ao STF. (Revista Quaestio Iuris, 2013).

Neto e Sarmento deliberam sobre a posição dos Poderes dentro do contexto organizacional da Nação, defendendo a não “ultima palavra” pertinente a algum diálogo institucional. Não deve haver um protagonismo que é claramente identificado atualmente ocasionado por uma crise de legitimidade e representatividade do próprio poder legislativo. Ora, no momento que o poder legislativo deixa de cumprir com sua função primordial para com a sociedade que é debater, deliberar sobre os temas importantes e legislar para que depois o Legislativo seja o governo, a administração para que possa implementar pela lei as medidas públicas, sobra para o Judiciário uma série de questões, dentre eles os relacionados à saúde pública, que vão sendo judicializados e que chegarão para a apreciação dos julgadores.

Barroso, professor-doutor traz em recente análise a diferenciação entre os institutos da “judicialização” das questões políticas e o chamado “ativismo judicial” (2009, p.3):

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Dentro de desta mudança de paradigma, a solução mais “ousada”, cria-se uma postura sólida que é o ativismo judicial, sendo ligado ao Neoconstitucionalismo, assume um caráter decisivo e importante dentro dos sistemas jurídicos de “superação” e de crítica ao modelo tradicional de se fazer o direito. O movimento do ativismo judicial vem para fazer valer os direitos e preencher lacunas que o Legislativo, com sua crise de representatividade, deixou na lei. (BRANDÃO, 2011).

O forte avanço da supremacia judicial devido a uma crise de representatividade por parte dos demais poderes desperta questionamentos sobre os limites que devem ser impostos de forma que o equilíbrio tripartidarista seja mantido e as legitimidades nas quais as ações do Poder Judiciário se fundamentam. À luz dessa problemática, há o enfrentamento judicial à causas fora do seu âmbito de atuação, sendo uma intervenção significativa na área as saúde para assegurar garantias pressupostas positivamente na Constituição Federal.

 

2      DIREITO À SAÚDE

Fundamentada na Constituição Federal brasileira, a saúde é um dos direito direitos sociais registrados no caput do art. 6º, sendo, portanto, um direito constitucional de todos e dever do Estado, no sentido amplo de Poder Público. Sua aplicação tem eficácia imediata e direta, pois, na verdade, o que está em questão é o direito à vida, à sobrevivência do ser, e esse direito é superior a todos. (BRASIL, 2000). Portanto:

Art. 6 o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No entanto, não há uma regulamentação devida para com essa garantia constitucional, tendo em vista que a saúde pública brasileira é verdadeiramente abandonada e carente de inúmeros métodos assistencialistas. O Hospital de Urgência e Emergência Doutor Clementino  Moura, conhecido popularmente por “Socorrão II”, situado na cidade de São Luís – MA, é um exemplo do cenário caótico a qual os cidadãos estão sujeitos, no qual, pacientes são atendidos nos corredores do hospital, faltam medicamentos necessários para os atendimentos mais básicos, há um déficit significativo de profissionais necessários para o atendimento da demanda hospitalar, dentre outros problemas.

Segundo o artigo 4º e 6º, VI da Lei supramencionada, o Sistema Único de Saúde (SUS) é configurado como “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta” que possui como principais atribuições a “formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e participação na sua produção”.

E, não há a consolidação destas atribuições no atual cenário da saúde pública brasileira, tal ineficiência do órgãos devidos, representados pela figura do Poder Público, torna-se  um dos “reconhecedores” da atuação do Poder Judiciário de forma desequilibrada, ativista, tendo em vista a ausência de políticas públicas viáveis para garantir o acesso a uma saúde digna, resta, portanto, ao poder Judiciário, a função de corretor de desigualdades existentes em um Estado de Direito opressor para com os que não possuem uma outra alternativa, senão a da saúde pública.

 

3      ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO

 

A participação vasta e potencial do Poder Judiciário relaciona-se com as garantias constitucionais e principiológica no que se limita à concretização de direitos. No que diz respeito ao caso específico da saúde pública, observa-se que o número de demandas judiciais pleiteando o fornecimento de medicamentos, busca de leitos, concretização de procedimentos e/ou tratamentos terapêuticos vêm crescendo exponencialmente. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado no sentido de que a judicialização nessa área é necessária, muito embora, de acordo com o mesmo, "obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada" (STA AgR 175, Min. Gilmar Mendes).

A divisão funcional dos poderes busca a igualdade em uma corrente tripartidante na busca do equilíbrio social, o exercício do poder, só é possível dentro de uma organização social, logo o poder do Estado é o poder organizado pelo direito, através de sua eficácia de forma que o centro de todo o sistema jurídico é o equilíbrio do poder social. (FILHO, 2007.). No entanto, atuando de forma ativista para constituir garantias que, o defasado Poder Executivo, não contempla, o Poder Judiciário chama para si a responsabilidade de administrador do Estado, sem disciplina aos planos e previsões orçamentárias.

Segundo Barroso:

As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua grande maioria, em benefício da classe média. (2009, p. 26).

O desrespeito para com a estruturação estatal poderá ocasionar em um verdadeiro caos na Administração Pública, porque, haja vista a limitação dos recursos disponíveis, as verbas poderão ser cessadas para aplicação em outros programas previamente criados e aprovados, em privilégio de uma pequena minoria que venha a obter decisão judicial favorável, acarretando real prejuízo para toda a sociedade.

 

 

4      O PODER JUDICIÁRIO ATUANDO  NO SISTEMA DE SAÚDE DO MARANHÃO

 

Na cidade de São luís, capital do Maranhão, o Hospital Doutor Clementino Moura, o “Socorrão II”, exemplifica, na prática o descaso a qual a saúde pública se encontra.  A primeira imagem que se tem é de um ambiente superlotado, com a presença de pacientes alojados até mesmo em cadeiras improvisadas em corredores, ou alojados em alas que não dizem respeito às necessidades do indivíduos; sendo um dos maiores problemas, a grande busca por leitos.

Nos casos de mais urgência, em que o paciente de fato necessita de tratamento na UTI, quando não há vaga, a família se direciona a promotoria, que consegue provar que o paciente está em risco e que necessita de tratamento especial e vem a intimar a diretoria do hospital, exigindo uma vaga na UTI em determinado prazo, se não, o paciente é direcionado para uma instituição privada, na qual o Estado é quem irá arcar com as custas do tratamento. Quando surge uma vaga na UTI, ou por alta, ou por óbito, geralmente este paciente tem prioridade para preencher a vaga, independentemente de outras pessoas estarem na fila por uma vaga, e caso isso não aconteça, o hospital sofrerá sanções, e até seus administradores. (COSTA, 2001. p.1).

Levando em consideração a falta de opção dos moradores que não possuem renda para arcar com as custas de uma internação em algum hospital particular, há uma quantidade excessiva de busca por leitos no hospital, que mesmo com todas as deficiências que possui, ainda é uma referencia para a saúde pública do Maranhão. Acarretando assim, em um aglomerado de casos nos quais o Estado responde a processos relacionados à saúde pública.

No ano de 2015 o Ministério Público se manifestou e declarou que:

Se trata de hospital público, que fornece atendimento imediato para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), que estão em iminente risco de vida, deve-se ter como prioridade a necessidade de que o mesmo possua boas condições estruturais, funcionais e organizacionais para desempenhar satisfatoriamente suas atividades. Porém, o que se constatou é que o referido estabelecimento se encontra totalmente sucateado, com funcionamento precário e deficitário em diversos setores.

No pedido incluso no Agravo Regimental do Ministério Público Federal há a qualificação de reconsideração do atendimento para novos pacientes, e, a mesma interdição não diz respeito aos pacientes que já estão sendo atendidos pelo hospital, mas sim a proibição de novos atendimentos que possam exceder a capacidade limite. O Poder Judiciário atua de forma a suprir as lacunas deixadas pelo poder executivo, buscando assim, leitos alternativos para novos pacientes, para que a população não saia prejudicada nesta resolução.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4. Janeiro/Fevereiro 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 março. 2016.

BRANDÃO, Rodrigo. Diálogos constitucionais, capacidades institucionais, democracia deliberativa e separação de poderes. In. . Supremacia Judicial: trajetória, pressupostos, críticas e a alternativa dos diálogos constitucionais. Tese [Doutorado nas áreas de concentração: Estado, Processo e Sociedade Internacional] – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito. Rio de Janeiro, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república Federativa do Brasil. Organização de Alexandre Moraes. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria-Geral da República. Bibliografia dos membros do Ministério Público Federal. Brasília, 2005.

COSTA, Ana Clotildes Rolim. Ações Judiciais pleiteando leitos na UTI do Hospital Socorrão II. São Luís: 23 de maio de 2011. Entrevista concedida a Bruno Costa Lorêdo e Célio Rodrigues Dominices Filho.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33 Ed. Ver. e at. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 133.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000.

NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 401-410. 

NOTAS SOBRE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DEMOCRACIA: A QUESTÃO DA "ÚLTIMA PALAVRA" E ALGUNS PARÂMETROS DE AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL. Rio de Janeiro: Revista Quaestio Iuris, vol.06, n. 02, 2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/viewFile/11773/9225>. Acesso em: 15 Abr. 2016.

Sobre os autores
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!