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Uma proposta de aplicação prática da execução para a pacificação social

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Propomos uma releitura da fase de cumprimento de sentença e do processo de execução, a fim de se proporcionar maior efetividade ao direito do credor e a menor onerosidade ao devedor.

Introdução

A Constituição não é apenas um pedaço de papel. Esta é uma frase que denota o significado que Ferdinand Lassalle (1988) trouxe às constituições ao propor uma visão sociológica do constitucionalismo. Para o teórico, fatores reais de poder que não coincidissem com a Constituição escrita fariam com que ela sucumbisse, prevalecendo o que ele chama de “Constituição Real/Efetiva”. Se, por essa linha de intelecção, nem a integrante da mais alta posição na pirâmide normativa de Hans Kelsen pode ser interpretada como apenas um texto escrito, o que se dirá do que dela deriva. A Constituição só é Constituição quando vivida e sentida pela sociedade. Da mesma forma, o direito do caso concreto somente é percebido quando efetivado.

Vejamos um exemplo corriqueiro. Imaginemos que um advogado é constituído para pleitear, em juízo, pensão alimentícia. Pensemos que, depois de exaurido o devido processo legal, o causídico entrega para seu cliente a sentença condenatória impressa. Indaga-se: é possível afirmar que há efetivação do direito pleiteado? Por suposto que não, porque as partes litigantes não buscam apenas uma sentença. Convém notar que, atualmente, em muitos dos casos, a sentença é eletrônica e nem mesmo se materializa em um pedaço de papel. Na verdade, as partes querem ter seu problema resolvido. No caso hipotético, querem que, mensalmente, o valor atribuído a título de pensão alimentícia seja depositado ou efetivado in natura. A sentença, por si só, não proporciona a efetivação do direto material. Em termos diretos, um pedaço de papel não alimenta ninguém.

Para os operadores do direito, às vezes, é difícil ter a visão social do conceito de justiça. É dizer, a pretexto da utilização de teorias inovadoras, linguagem rebuscada e cumulação de pedidos, por exemplo, fica em segundo plano o interesse da parte envolvida, que é ter seu problema solucionado.

Imaginemos outro exemplo, este ligeiramente mais complexo. Um causídico é contratado por uma pessoa que estava a realizar obras na sua residência. Em virtude de um atraso injustificado do fornecedor do material de construção, teve a execução do serviço suspensa. Na conversa prévia ao ajuizamento de qualquer demanda, o patrono explica a seu cliente que é cabível uma ação consumerista em que se pleiteará a devolução do valor pago e indenização pelos danos materiais ocasionados pelo atraso da obra – diárias dos prestadores de serviço contratados, por exemplo –. Explica que pedirá a compensação pelos danos morais sofridos em razão do tempo que o consumidor perdeu tentando solucionar o problema – teoria da perda do tempo útil. O advogado, cauteloso, esclarece ao seu cliente que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, ele tem direito a devolução do valor e que os danos materiais estão comprovados em um montante de R$ 2.000,00. Ressalva que, quanto aos danos morais, o juízo e o Tribunal não têm reconhecido a compensação em situações similares.

Ao final do processo, o juiz determina a restituição do valor pago, entende não terem sido comprovados os danos materiais, mas condena o fornecedor a pagar R$ 2.000,00 a título de compensação por danos morais. Para o cliente, tudo transcorreu como previsto: ele terá seu dinheiro de volta e ainda receberá R$ 2.000,00, independentemente do título atribuído à quantia.

Todavia, remanesce uma preocupação para o causídico. O advogado sabe que, se a ré recorrer, provavelmente reverterá a condenação ao pagamento de danos morais no Tribunal. Lado outro, se ele não recorrer da improcedência atinente aos danos materiais, é provável que seu cliente tenha apenas restituído o valor que pagou. Mas recorrer implica recolhimento de custas. Como convencer o cliente a recorrer se, para ele, a sentença foi satisfatória?

Essa situação bem materializa que a percepção do direito para seus operadores é distinta daqueles que buscam, no Judiciário, a solução para conflitos cotidianos, sejam estes empresariais, familiares ou consumeristas. Por isso, deve se dar especial atenção à fase de efetivação daquilo que foi previsto na sentença condenatória. Isto é, a fase de cumprimento de sentença deve, efetivamente, entregar à parte aquilo que ela busca. Também assim na ação de execução extrajudicial, cujo procedimento se destina à efetivação de um direito já assentado em um título executivo.

Podemos traduzir essa percepção social em dados estatísticos. De acordo com o Relatório Justiça em Números de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que traz informações a respeito do fluxo processual na justiça brasileira no ano de 2019, é nítida a discrepância entre o nível de produtividade, tanto de magistrados quanto de servidores, se comparados os processos de conhecimento e os processos de execução[1].

Na comparação de indicadores feitas em primeiro grau, computados dados de juizados e varas e excluídas as turmas recursais, verifica-se que o quantitativo de processos baixados é sempre maior na fase de conhecimento do que na de execução[2]. Computando-se dados das Justiças Estadual, Federal, Militar Estadual, Eleitoral e do Trabalho, o índice de produtividade dos magistrados é o dobro nos processos de conhecimento se comparados à fase executória, proporção esta que se mantém no índice de produtividade dos servidores (CNJ, 2020).

Ainda de acordo com o relatório do CNJ (2020, p. 169), o índice de atendimento à demanda na fase de execução também é menor que nos processos de conhecimento. “Em todos os segmentos de justiça, a taxa de congestionamento da fase de execução supera a da fase de conhecimento, com diferença que chega a 24 pontos percentuais no total e que varia bastante por tribunal”.

Esses dados reforçam a necessidade de se enxergar com outros olhos o procedimento de efetivação das decisões judiciais, buscando implementar maior celeridade e praticidade. Afinal, o processo não é um fim em si mesmo, todo o rito processual deve servir para efetivar o direito material.

O atual Código de Processo Civil (CPC) fomenta a Resolução Adequada de Disputas, por meio de conciliações, mediações ou arbitragens, por exemplo, para a solução de contendas, práticas que contribuem para a efetivação da justiça e pacificação social. Contudo, este ensaio se envereda para as situações em que o Judiciário teve de intervir, porque, por razões históricas, culturais e estruturais, ainda é a principal via para a solução de desavenças[3]. Por isso, a resposta dada a quem o procura deve ser efetiva e eficaz, mas por eficácia não se entende uma sentença e sim a materialização daquilo que foi pedido.

Por mais que o sistema processual tenha avançado quanto ao cumprimento de sentença[4], há um sentimento coletivo de morosidade e engessamento, contrariando a lógica de que a execução se dá em benefício do credor. Não se nega que o êxito da execução depende, em larga medida, da própria disponibilidade financeira do devedor. No exemplo do devedor de alimentos, uma triste constatação: por mais que o Poder Judiciário se empenhe nas medidas executivas, a regra da experiência mostra que o adimplemento das pensões está diretamente relacionado à renda do devedor. Em tempos de crise econômica em um país subdesenvolvido, marcado por acentuada desigualdade social, o Poder Judiciário deve ter consciência de suas limitações.

Em outras palavras, o direito exerce um duplo papel dentro da sociedade: ativo e passivo. Ele atua como fator determinante da realidade social e, ao mesmo tempo, como um elemento determinado por essa realidade. Dentro desse contexto, identificam-se as pressões dos grupos de poder que podem induzir tanto para que se dê a elaboração de determinadas regras como para que as regras em vigor não sejam cumpridas, levando a um processo de anomia generalizado. Essa análise permite superar os ‘modelos de relação causal simples’ entre direito e sociedade (SABADELL, 2017, p. 90).

Posto isso, o presente estudo busca apontar boas práticas do Poder Judiciário. Para tanto, é necessário analisar, ainda que de maneira superficial, o sistema processual vigente, a fim de se apurar os instrumentos disponíveis. Também se propõe um rápido cotejo do papel dos operadores do direito na prática forense, especialmente o dos magistrados na efetivação de suas decisões, buscando analisar o quanto a praxe jurídica contribui para manutenção deste status quo. Por fim, questiona-se se, para efetivar a justiça e fazer com que o procedimento de cumprimento de sentença seja eficaz, a supressão de direitos do executado deve ser uma tônica ou se ele também pode se beneficiar de uma sistemática mais célere e funcional. É o que será estudado nos capítulos seguintes.

1. Do atual sistema positivado de cumprimento de sentença

Contextualizada a problemática sob a perspectiva prática, cumpre, agora, avaliar o arcabouço normativo e os instrumentos positivados para a tutela executiva. Em um país de tradição Civil Law, o direito positivo assume especial relevância na análise do sistema jurídico. Além disso, também são valiosas as contribuições doutrinárias para subsidiar os estudos e interpretação sobre o tema.

Outrossim, a força normativa da Constituição se faz presente no tratamento da matéria. Não obstante ausência de uniformidade quanto às visões sobre o neoconstitucionalismo, cujo aprofundamento extrapolaria os objetos deste estudo, há denominadores comuns. Dentre eles, cite-se a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova forma de interpretação constitucional (FERNANDES, 2017, p. 52). Esses aspectos trazem profundas influências no que se está aqui a propor: uma proatividade dos atores jurídicos na efetivação do direito no caso concreto.

Por meio da leitura constitucional do processo civil, na busca da efetivação de princípios processuais constitucionais para fazer valer o direito reconhecido no caso concreto, devem os advogados, defensores públicos, procuradores das Fazendas, integrantes dos Ministérios Públicos, partes e os magistrados cooperarem em busca desse resultado.

O próprio CPC ressalta a existência de normas fundamentais do processo civil ao dedicar o Capítulo I do Título Único do Livro I à positivação dos princípios constitucionais, reforçando o já citado viés neoconstitucionalista de interpretação das normas. De acordo com Alexandre Câmara (2020, p. 8):

O processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da República. É o chamado modelo constitucional de processo civil, expressão que designa o conjunto de princípios constitucionais destinados a disciplinar o processo civil (e não só civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil.

Vejamos os princípios mais caros. O acesso à justiça consubstancia garantia constitucional (art. 5º, XXXV, da Constituição – CRFB) e foi reproduzido na legislação (art. 3º, caput, CPC). Embora muito se discuta sobre a densidade dessa garantia, tem-se relativo consenso de que não se restringe ao direito de bater às portas do Poder Judiciário. Com efeito, há muito a doutrina ressalta a efetividade das decisões judiciais como aspecto dessa garantia.

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Aliás, a prova sensível de que o direito de ação não se exaure com a sentença que julga o mérito está na circunstância de que a ação, muitas vezes, continua a ser exercida depois do trânsito em julgado da sentença, exigindo, para tanto, as técnicas executivas idôneas, como a penhora on line ou as técnicas de indução, necessárias à efetiva e adequada concretização do direito afirmado. E isto pelo simples motivo de que o direito de ação não deseja uma simples sentença de mérito, porém a tutela do direito, que nesses casos se traduz na concreta realização da prestação devida. (MARINONI, 2016, p. 40)

O devido processo legal é outra garantia constitucional que, comumente, fundamenta a preocupação com a tutela executiva (art. 5º, LIV, da CRFB, e arts. 7º e 9º do CPC). Tido como princípio que sintetiza o complexo de garantias processuais, abarca a concretização dos direitos no plano fático.

O devido processo legal, cláusula geral processual constitucional, tem como um de seus corolários o princípio da efetividade: os direitos devem ser efetivados, não apenas reconhecidos. Processo devido é processo efetivo. O princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, que consiste ‘na exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual existem meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva’. (DIDIER JR., 2017, p. 65)

Das citações ora colacionadas, percebe-se a dialética circular do direito à certificação e do direito à efetivação. Daí a relevância de se apartar, no plano teórico, os processos de conhecimento e de execução. Assim, o processo de conhecimento “é chamado de declaratório em sentido amplo, porque o objeto é ‘declarar quem tem razão’” (PINHO, 2015, p. 382). Lado outro, o processo de execução é “aquele que permite a realização prática do direito no mundo dos fatos, sendo utilizado sempre que se quer dar um efeito concreto, mesmo contra a vontade do devedor” (PINHO, 2015, p. 382).

No âmbito legislativo, é nítida a preocupação com a efetividade da jurisdição. Deveras, ao explanar a solução integral do mérito em prazo razoável, o legislador cuidou de destacar a atividade satisfativa (art. 4º, CPC). Como não poderia deixar de ser, a força normativa da Constituição espraia pelas normas infraconstitucionais. Assim, mais que se preocupar com um processo célere, deve-se buscar um processo que entregue o bem da vida e que isso não extrapole o tempo adequado.

Tradicionalmente, elenca-se a substitutividade como uma das características da jurisdição, de modo que o Estado-juiz substitui a vontade dos litigantes para impor a solução de uma lide. Essa característica é corolário do monopólio da força pelos Estados e justifica o aparelhamento do Poder Judiciário. O Estado-juiz substitui a vontade dos contendores ao pronunciar o direito no caso concreto e ao tomar o bem da vida para entregá-lo a quem de direito. Promove-se a pacificação social, escopo político da jurisdição, pondo termo a litígios (DIDIER, 2017).

 Porém, cabe atentar para a distinção entre a execução indireta, de cunho intimidatório, e a execução direta, na qual a característica da substitutividade fica mais evidente. Em arguto resumo, temos:

Chegando a tal ponto, não se revela difícil agrupar os meios executórios em classes fundamentais: a sub-rogatória, que despreza e prescinde da participação efetiva do devedor; e a coercitiva, em que a finalidade precípua do mecanismo, de olho no bem, é captar a vontade do executado. (ASSIS, 2013, p. 145)

Exemplificando, há sub-rogação na penhora on-line, medida pela qual o juiz emite ordem de indisponibilidade de ativos à autoridade gestora do sistema financeiro (art. 854, CPC); há coerção com a imposição de multa cominatória (art. 806, §1º, CPC). Basicamente, distinguem-se os meios executórios pela dispensa ou não da adesão do devedor.

Por fim, princípio que dita os procedimentos de cumprimento de sentença e execução é o do desfecho único, o qual deve estar sempre em voga durante sua tramitação, para que não haja desvirtuamento. “Neste processo ou etapa, a atuação jurisdicional não busca reconhecer um direito, mas sim adotar as medidas necessárias para sua satisfação. Há, portanto, um mérito na execução (HARTMANN, 2016, p. 457), que se traduz na prática desses atos, os quais podem ser típicos ou atípicos.

Conforme se aprofundará nos próximos capítulos, os atos – ou meios – típicos de execução são os positivados no CPC e nas demais leis que tratam de cumprimento de sentença ou execução[5], v.g., penhora, protesto de pronunciamento judicial e prisão civil do devedor de alimentos (arts. 831; 528, §2º; e 528, §3º, respectivamente, todos do CPC). Já os atos atípicos são os não previstos pelo ordenamento jurídico, mas que o julgador pode, excepcionalmente, com base no seu poder geral de efetivação (art. 139, IV, CPC), deles se valer para atingir o único fim visado pela execução: a satisfação do interesse/crédito do exequente (art. 797, caput, CPC), como é o caso da apreensão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

2. O papel do magistrado e dos operadores do direito na construção de um procedimento executivo mais célere, funcional e eficaz

O atual CPC está prestes a completar cinco anos de vigência. Indubitavelmente, apresenta-se como legislação moderna e afinada com o escopo da jurisdição. Conforme se verá adiante, para os fins da proposta prática de procedimento executivo que aqui se está a apresentar, não são necessárias modificações legislativas. Basta que os diversos instrumentos já oferecidos pelo legislador sejam bem articulados, senão vejamos.

O cumprimento de sentença é fase procedimental. Inicia-se com o requerimento do credor e segue-se com a intimação do devedor para pagamento em 15 dias ou impugnação em outros 15 dias (arts. 523 e 525, CPC). Por sua vez, a execução de título extrajudicial é ação autônoma em que o devedor é citado para pagamento em 3 dias ou embargos em 15 dias  (arts. 829 e 915, CPC). Em ambos os casos, o contraditório é respeitado (art. 5º, LV, CRFB, e arts. 7º e 9º, CPC).

Sabe-se que, decorrido o prazo para pagamento voluntário, o juiz está autorizado a iniciar a execução forçada. Eventual pretensão de suspensão, por parte do devedor, depende da satisfação dos requisitos legais, a serem expostos na impugnação ou nos embargos à execução (arts. 526, §6º, e 919, §1º, CPC). Essas são as sedes adequadas para o contraditório e, se for o caso, para se pleitear a paralisação da execução forçada[6]. A iniciativa, pois, é do devedor.

Entrementes, nada impede – aliás, tudo recomenda – que o juiz já promova a restrição dos ativos financeiros para conversão em penhora on-line (art. 854, CPC). Normalmente, já consta requerimento do credor nesse sentido. Ora, o dinheiro em espécie ou depositado em instituição financeira é a forma prioritária de satisfação (art. 835, §1º, CPC). Nem se avista utilidade em aguardar a devolução do mandado negativo pelo Oficial de Justiça, tendo em conta que a maioria das pessoas não mantém consigo dinheiro em espécie (art. 829, §1º, CPC). Sem prejuízo da iniciativa do juiz, se o Oficial de Justiça lograr apossar alguma quantia após a citação ou durante a pré-penhora, caberá ao juiz liberar o excesso (arts. 830 e 854, §1º, CPC).

O que se propõe é o seguinte: decorrido o prazo para pagamento, havendo pedido já formulado nos autos, o juiz já pode iniciar a execução forçada pela famigerada penhora on-line. A regra da experiência mostra que o êxito dessa medida está diretamente relacionado ao elemento surpresa. Tanto assim que o próprio legislador o ressalvou: “sem dar ciência prévia do ato ao executado” (art. 854, CPC). Portanto, o juiz deverá avocar os autos para emitir ordem de restrição à autoridade gestora do sistema financeiro e, se apurar a pendência de recolhimento de custas pelo credor, somente então exigi-las.

Inclusive, há que sustente a prescindibilidade de pedido prévio:

Por outro lado, citado o executado e não sendo realizado o pagamento, entendo absolutamente dispensável o expresso pedido do exequente para a realização da penhora on-line, afinal, como já asseverado, esta modalidade de ato constritivo é uma mera forma procedimental de realizar a penhora em dinheiro, primeira classe de bem prevista na ordem do art. 835 do CPC. Cabe ao impulso oficial, previsto no art. 2º do CPC, a realização da penhora, não sendo razoável condicionar a utilização de um meio mais fácil, rápido, barato e eficaz ao expresso pedido do exequente. (NEVES, 2019, p.1253)

Mas não é só. Em um cenário de crise econômica, tal qual o experimentado pelo país nos últimos anos (LINDER, 2020), a realidade é que, muitas vezes, essa penhora resta frustrada.

A segunda proposta é que, incontinenti, o juiz diligencie os órgãos conveniados em busca de outros bens. Antes mesmo de devolver os autos para o Cartório, recomenda-se ao juiz que: averigue a existência de automóveis mediante consulta ao Departamento Nacional de Trânsito, o qual disponibilizada o sistema Renajud para tanto; reúna as declarações à Receita Federal pelo sistema Infojud; confira os eventuais registros do devedor na Junta Comercial, de sorte a apurar participação societária. No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por exemplo, há diversos órgãos conveniados que permitem a consulta instantânea a seu acervo[7].

Essa proatividade é imposição do processo cooperativo positivado pelo atual diploma adjetivo (art. 6º, CPC). Municiado o credor com os dados reunidos pelo juiz, poderá aquele adotar a medida que julgar mais conveniente, v.g. requerer a penhora do veículo identificado, dos imóveis constantes das declarações de imposto de renda, etc.

Há mais. Até o momento, as medidas abordadas referem-se à execução direta, a qual prescinde da vontade do devedor. O legislador, porém, não despreza a eficácia das medidas de execução indireta. No capítulo do cumprimento de sentença, prevê o protesto da sentença por iniciativa do credor, bastando, para tanto, que o cartório expeça a certidão confirmando o trânsito em julgado (art. 517, CPC). No processo de execução, prevê-se a inclusão do nome do executado nos cadastros restritivos de crédito, a requerimento do exequente e por ordem judicial (art. 782, §3º, CPC). Frustrada a tentativa de penhora de dinheiro, não havendo bens registrados nos órgãos conveniados, o juízo pode determinar tais providências de imediato.

Disciplina paradigmática é fornecida pelo TJRJ. O exequente pode formular pedido de protesto por meio do portal eletrônico do Tribunal de Justiça, independentemente de os autos serem físicos ou eletrônicos, classificando a petição como “solicitação de protesto”. Dessa forma, o Juízo procederá como dispõe o Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ 16/2016. Assinando digitalmente sua decisão, o juiz estará, a um só tempo, ordenando o protesto e a inclusão do nome do devedor nos cadastros desabonadores.

Note-se que todas essas providências são possíveis com o simples decurso do prazo para pagamento – 15 dias no cumprimento de sentença ou 3 dias no processo executivo –. Podem ser adotadas em uma única decisão, concomitantemente. Não há qualquer prejuízo para o devedor, pois o avanço nas etapas depende, fundamentalmente, do insucesso da medida anterior. Por exemplo, o juiz só consultará a propriedade sobre veículos se frustrada ou insuficiente a penhora de ativos financeiros. Logo, valendo-se apenas dos instrumentos legais postos a sua disposição, o juiz tem precioso arsenal para satisfação do credor.

Destaca-se que a tônica da análise aqui proposta girou em torno das obrigações de pagar quantia certa, mas nada impede que a hermenêutica utilizada seja implementada também nas demais modalidades executórias. Ocorre que na obrigação de prestar alimentos o legislador já propôs um rito mais célere e com medidas constritivas proporcionais à natureza da obrigação; e nas obrigações de entregar/fazer também já foi prevista uma autonomia aos magistrados para efetivarem a tutela específica ou obterem resultado prático equivalente, conforme art. 536, caput, do CPC e os exemplos do §1º do mesmo artigo.

Portanto, apenas quanto às obrigações de pagar quantia certa se verifica, pela leitura do CPC, a necessidade maior se promover essa interpretação sistemática do código, para que se evitem idas e vindas do processo do cartório para o gabinete, quando, por meio de uma única medida já é possível a fixação de astreintes, determinação de penhora on-line e, subsequentemente, consulta aos demais sistemas integrados ao Judiciário.

Tais práticas requerem maior cooperação entre os agentes processuais. Por cooperação se depreende conduta proativa do advogado do exequente para facilitar o trabalho do magistrado quando da determinação de medidas constritivas. Ao pedir a intimação do executado para que faça o pagamento ou apresente defesa, sempre que possível, já deve indicar os bens penhoráveis – os quais podem ser previamente consultados, por exemplo, por meio de busca no Cartório de Registro de Imóveis da localidade – e desde já solicitar a aplicação imediata das medidas citadas no parágrafo anterior. Ao Ministério Público, quando atuar como fiscal da ordem jurídica, deve ficar atento aos atos atentatórios à dignidade da justiça e colaborar para que a execução tramite da forma mais célere.

Essa é a proposta prática de um processo comparticipativo, concretizador do acesso à justiça em prazo razoável no âmbito da efetivação das decisões.

3. Benefício mútuo ao credor e ao devedor de boa-fé – a dignidade da pessoa humana como balizadora das medidas judiciais

Nos capítulos anteriores, bastante se enfatizou o foco na satisfação do interesse do credor. Busca-se o fim único da fase de cumprimento de sentença ou do processo de execução que é uma extinção típica, por meio de uma sentença que declara a obrigação satisfeita (art. 924, II, CPC). Todavia, isso não significa dizer que há um total descaso com o executado. Deve ser ponderado o princípio do melhor interesse do credor com o do menor sacrifício para o devedor (art. 805, CPC), medida baseada na regra da proporcionalidade.

Nas situações em que houver multiplicidade de bens no patrimônio é proporcional verificar qual é, dentre as que satisfaçam os interesses do credor, a forma menos gravosa para o executado. Isso pode ser exemplificado quando, por meio de uma consulta ao sistema Renajud, o juízo encontrar três automóveis registrados em nome do executado, todos com valor acima da obrigação devida. Nessa situação, uma vez lançada a indisponibilidade temporária sobre os veículos, deverá ser o executado intimado para, em prazo razoável, indicar qual dos automóveis será penhorado.

Além desse juízo de proporcionalidade em sentido estrito, busca-se também esclarecer que a proposta de interpretação da sistemática processual executória à luz da Constituição também traz vantagens para o executado.

O curso de um processo judicial acarreta insegurança para as partes, além de gastos com suas despesas. Um executado convive com a incerteza de, a qualquer momento, ter suas aplicações financeiras indisponibilizadas, seus automóveis e/ou imóveis penhorados, etc., além de ver sua dívida aumentar a cada dia com a incidência de juros moratórios. Por isso, para aqueles que estão de boa-fé, o quanto antes o processo se encerrar, melhor para suas finanças e para seu psicológico.

Mais uma vez, ressalta-se que a etapa processual que se está aqui a analisar é “destinada a fazer com que aquilo que deve ser, seja. [...] [É] uma atividade de agressão patrimonial” (CÂMARA, 2020, p. 321): já está definido que o executado deve e também, se não for o caso de liquidação, o que e quanto deve. O devedor já deve ter ciência que terá de adimplir com a obrigação e, com essa premissa, estará cônscio de que, quanto mais colaborar, maiores as chances de mitigar seu próprio prejuízo[8].

A referida mitigação não é possível somente se a pessoa for solvente. Cumpridas todas as etapas especificadas no capítulo anterior, constatado que o devedor não possui patrimônio que responda pela dívida e não havendo indícios de ocultação de patrimônio ou de má-fé, o ordenamento protege esse devedor por meio da suspensão da execução (art. 921, III, CPC).

Os processos não podem permanecer tramitando por prazo indeterminado no Judiciário, sob pena de perpetuar a incerteza inerente ao conflito. Essa suspensão visa a permitir que as partes transacionem ou a dar tempo para que o exequente busque patrimônio do executado por meios outros. Se, decorrido o prazo de um ano sem qualquer manifestação, começa a transcorrer o prazo prescricional (arts. 921, §§ 1º e 4º, CPC)[9].

Verifica-se, portanto, que a celeridade no andamento das medidas constritivas também beneficia o devedor insolvente de boa-fé, o que não paga porque não pode pagar. Quanto antes a busca patrimonial se encerrar, mais cedo se iniciará o prazo de suspensão do processo e, consequentemente, a contagem da prescrição intercorrente.

A sistemática da prescrição intercorrente adotada pelo atual CPC se inspirou na prevista no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF). Sugere-se aqui que os magistrados adotem a mesma interpretação para as execuções em face de devedores particulares que a conferida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) à prescrição intercorrente prevista na LEF. Os marcos previstos no art. 921, §§1º e 4º devem igualmente ter início automático, independentemente de manifestação judicial. Vejamos um trecho do acórdão cuja aplicação analógica se propõe:

[...] 2. Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei n. 6.830/80, e respectivo prazo, ao fim do qual restará prescrito o crédito fiscal. Esse o teor da Súmula n. 314/STJ [...].

4. Teses julgadas para efeito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973):

4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução; [...]

4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o  qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;

4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo - mesmo depois de escoados os referidos prazos -, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.

4.4.) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial - 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.

4.5.) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa. [...] (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2018)

Veja-se que, até o momento, não se cogitou das medidas atípicas. Isso se dá porque o regramento apresentado pelo legislador é, em tese, eficiente. O Judiciário deve ter a ciência das limitações materiais à sua função de substituir a vontade da parte quando não há patrimônio para honrar o crédito. Aqui impera a máxima conhecida na praxe forense do “ganhou, mas não levou”. O Judiciário não é capaz de fazer surgir dinheiro onde não existe, por isso não se pode imputar a um devedor insolvente medidas desarrazoadas. O que responde pela dívida é o seu patrimônio e não o seu corpo. A satisfação do credor não será atingida por meio de castigo ao devedor (CÂMARA, 2020, p.321).

Medidas não previstas em lei somente devem ter aplicação subsidiária e excepcional. É o caso dos processos que envolvam devedores de má-fé. Quando se identificar que o devedor está a ocultar patrimônio ou a dificultar o cumprimento das medidas constritivas de outras formas, pode o juiz, após exauridas as medidas típicas, valer-se das já citadas medidas atípicas, com fulcro no art. 139, IV, do CPC[10].

O poder geral de efetivação do magistrado, além de excepcional, não é amplo, deve respeito aos direitos e garantias fundamentais do executado, não podendo restringir direitos individuais[11].

Para o devedor de má-fé, e somente para ele, a metodização ora proposta é desvantajosa, porque tenderá a acelerar todas as etapas que devem anteceder medidas mais drásticas por parte do magistrado. Nesses casos em que se nota que há patrimônio suficiente para o adimplemento do débito, mas o executado está a se utilizar de métodos atentatórios à dignidade da justiça, recomenda-se que, após serem esgotados os meios executivos típicos, o exequente requeira a intimação da parte contrária para que indique bens passíveis de penhora, sob pena de multa de até vinte por cento do valor atualizado do débito (art. 774, V e parágrafo único, CPC).

Após devidamente punir a parte por não exercer seu dever de cooperação processual, deve o magistrado analisar, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e se adequando às peculiaridades da situação concreta, se é o caso ou não da imposição de medidas atípicas, como, por exemplo, o cancelamento de cartões de crédito.

O princípio norteador de todos os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), é também o norte do procedimento executório. A dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação sub-rogatória dos magistrados, porque uma pessoa não pode ter seus direitos básicos violados simplesmente por ser devedora.

A extinção da execução em razão da prescrição intercorrente (art. 924, V, CPC) é um freio à busca da satisfação do credor quando o devedor não tiver como adimplir seu débito. Para os devedores de má-fé, o Estado-juiz pode ir além, valer-se de medidas atípicas – sempre respeitando a dignidade do devedor – para encontrar o patrimônio escamoteado. Mas, se as buscas também se demonstrarem infrutíferas a consequência também deverá ser a extinção pela prescrição. O Estado deve reconhecer ser incapaz de efetivar o direito reconhecido em um título executivo e essa postura também tutela direitos fundamentais, notadamente a segurança jurídica emergente da pacificação social.

Conclusão

É uma constante a preocupação com a efetividade do ordenamento jurídico, seja das normas constitucionais, seja das normas infraconstitucionais. Compreendendo a decisão como a norma individualizada para um litígio concreto, essa preocupação se estende para a execução lato sensu. Não basta a decisão impressa. A desmaterialização proporcionada pelo avanço tecnológico converte o papel em algoritmos. Malgrados os benefícios do processo eletrônico, não se pode perder de vista que a maioria da população, ainda muito pobre, não tem acesso imediato às novas tecnologias. Para a parte, mais que vista, a decisão judicial deve ser sentida. Isso só é possível com a entrega do bem da vida.

No exemplo da pensão alimentícia, a parte precisa prover sua subsistência, ou seja, alimentar-se, vestir-se etc. No exemplo da obra, chamemos de danos morais, chamemos de danos materiais, a parte ficará satisfeita se for ressarcida do prejuízo econômico. Essa visão pragmática deve acompanhar o operador do direito. Para além da técnica – necessária, não se nega –, o processo precisa fazer sentido.

Como se demonstrou, os dados do CNJ escancaram a realidade muitas vezes desprezada pelos operadores do direito: a produtividade dos juízes e dos servidores é maior na fase de conhecimento; a taxa de congestionamento na fase de cumprimento é maior que na fase de conhecimento.

Há muito os sociólogos se perguntam se o Direito condiciona a realidade social ou se o influxo da vida real determina as normas jurídicas. Não há resposta única para essa indagação. Entretanto, há um consenso mínimo: a influência tende a ser recíproca, concomitante, mútua, e a prevalência do Direito ou da força dos fatos depende do momento histórico. Transportando isso para o processo executivo, vê-se que o Poder Judiciário jamais conseguirá transformar o devedor insolvente em solvente. Todavia, poderá dar uma resposta célere e prática. A proposta é incorporar boas práticas dentro do sistema legal e propiciar uma resposta que atenda a todos, credor e devedor.

O processo executivo lato sensu começa com o direito objetivo, como se espera no sistema do Civil Law. Mas, os influxos do neoconstitucionalismo refletem preocupações fundamentais no processo civil. Contribuições doutrinárias evidenciam tais preocupações: a efetividade densifica a garantia do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CRFB); devido processo efetivo é a reformulação prática do próprio devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB). Já a proatividade dos operadores do Direito, sobretudo dos juízes, é a tônica do processo cooperativo (art. 6º, CPC). A expansão constitucional mostra que o objetivo é “fazer justiça”, não só dizê-la.

A tradição teórica da processualística apresenta classificações indispensáveis para a boa técnica executiva. Apartar a atividade de certificação do direito – conhecimento – da atividade de efetivação – execução – é o ponto de partida para a incorporação das práticas idôneas a cada objetivo. Associar o monopólio da força estatal à substitutividade da jurisdição confere o substrato constitucional para a execução direta – sub-rogação – , mas deixa espaço para a execução a indireta – coerção.

Neste modelo constitucional de processo, a penhora on-line, a consulta aos registros públicos, o protesto e a inclusão do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito são alguns dos instrumentos a serviço do principal objetivo da execução, que é satisfazer o interesse do exequente. Com o indispensável lastro legal, tais instrumentos impedem qualquer margem de discricionariedade que afronte a esfera de dignidade mínima do devedor.

Paralelamente a isso, constata-se uma paulatina ampliação da atipicidade dos meios executivos, fundadas em um poder geral de efetivação. Os operadores do direito dispõem de subsídios para vencerem a recalcitrância injustificada do devedor de má-fé. De forma excepcional, amparado em um juízo de proporcionalidade, o magistrado pode decidir por medidas que não estão expressamente previstas na legislação e que proporcionem a satisfação do credor. Evidentemente, decisões dessa natureza requerem um grau de fundamentação ainda maior.

Conclui-se que a boa administração das medidas executivas beneficia, a um só tempo, credor e devedor.

Adotadas as medidas típicas ou recorrendo-se às medidas atípicas, as boas práticas por parte do Poder Judiciário possibilitam, ao menos, uma resposta satisfatória ao credor. Ainda que o seu crédito não venha a ser satisfeito, é importante que ele acredite na Justiça, reconhecendo que todas as medidas admissíveis foram adotadas. Quando muito, reconhecerá que não foi satisfeito em virtude da própria condição econômica do devedor. O que não se admite é que a frustração do credor decorra da utilização incipiente dos mecanismos processuais.

Já o devedor tem sua dignidade respeitada pela atuação jurisdicional no âmbito da legalidade e da Constituição. Caso desafortunado e de boa-fé, basta que exponha sua condição patrimonial nos autos do processo. Note-se que a postura colaborativa terminará por favorecê-lo. Lado outro, o devedor imbuído de má-fé acaba por dilatar o andamento processual, porquanto possíveis medidas atípicas. Agindo assim, o devedor de má-fé retarda a suspensão do feito e impede o início do prazo de prescrição. Nesse diapasão, sua recalcitrância é contraproducente.

Destarte, as boas práticas no âmbito do procedimento de execução conduzem à pacificação social.

Sobre os autores
Daniel Rodrigues Thomazelli

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Professor de Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Direito com Láurea Acadêmica pela Universidade Federal Fluminense.

Samara Fernandes Cardoso Lima

Técnica Judiciária. Pós-graduada em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THOMAZELLI, Daniel Rodrigues; LIMA, Samara Fernandes Cardoso. Uma proposta de aplicação prática da execução para a pacificação social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6656, 21 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93263. Acesso em: 23 dez. 2024.

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