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Weber no mundo real/virtual:

o direito à liberdade sem censura

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Agenda 30/12/2006 às 00:00

Modelo Totalitário Stalinista da Tecnologia

Vimos como o liberalismo-consumista foi e está sendo incapaz de proteger e/ou de trazer mais autonomia à rede. Agora veremos como o controle estatal proposto para a rede é ainda mais nocivo e nefasto à liberdade da comunicação real/virtual.

Esta época atual de controle burocrático e policial das comunicações e expressões (individuais e políticas) da sociedade de controle é, no fundo, uma atualização do Estado Totalitário ou fascista — estes, por sua vez, não passam de uma velha invocação da Razão de Estado ("tudo em nome da soberania e da segurança").

É preciso recordar que a Razão de Estado é base da formação do Estado Moderno e, desse modo, religamos a idéia de controle aos primórdios do Estado Moderno, de Maquiavel e de Hobbes:

A filosofia social moderna pisa a arena num momento da história das idéias em que a vida social é definida em seu conceito fundamental como uma relação de luta por autoconservação; os escritos políticos de Maquiavel preparam a concepção segundo a qual os sujeitos individuais se contrapõem numa concorrência permanente de interesses, não diferentemente de coletividades políticas; na obra de Thomas Hobbes, ela se torna enfim a base de uma teoria do contrato que fundamenta a soberania do Estado. Ela só pudera chegar a esse novo modelo conceitual de uma "luta por autoconservação" depois que os componentes centrais da doutrina política da Antiguidade, em vigor até a Idade Média, perderam sua imensa força de convicção (Honneth, 2003, p. 31).

Por Razão de Estado, então, entenda-se uma teoria do poder em que a força das idéias, sucumbe ante a idéia da força. Nesta trilha, o modelo totalitário não passa de uma alegação ou invocação estatal (e não-pública), normalmente em nome da segurança do próprio Estado (e nem sempre da sociedade), para se acabar com a própria liberdade.

A razão no modelo controlativo do século XXI se apresenta como ornitorrinco, uma forma surreal, disforme, ortodoxa apenas no apego ao primitivismo do uso de forças mais austeras. O modelo controlativo também retira sua força do medo que se expande apenas com a visão de uma performance aterradora. Este conjunto disforme e aterrador é portador de um ecletismo que não o torna mais heterogêneo, porque acena com a simples ausência de conjunto, como um amontoado em que simplesmente não há divergência e nem autonomia.

O modelo, então, atua como sistema remontado, de partes aparentemente não-naturais, mas antes forçadas a uma certa naturalização, aprimorando o acabamento para esconder a falta de conjunto e de articulação.

O modelo controlativo quer se tornar a censura natural introjetando em cada cidadão virtual o "desejo de dominação" (como queria Weber). É, então, uma ficção, uma deformação grotesca de uma outra forma (esta sim, muito mais elaborada) e que certamente seria mais heterogênea, autônoma, e pró-ativa, a exemplo da Justiça, da democracia e da liberdade.

O modelo controlativo, no entanto, é mero recurso de retórica que quer camuflar o uso/abusivo da força e da repressão, atuando como um amálgama deformado, atrofiado, hipossuficiente em certas áreas, ações ou noções (quer sejam políticas, quer sejam pessoais). Portanto, o uso da força bruta (cercear, censurar a liberdade de comunicação política) é uma forma degradada de primitivismo, ao revés do próprio processo civilizatório e emancipatório, que há no nicho especulativo da ciência e da tecnologia.

No modelo controlativo, entende-se, é óbvio, que a tecnologia é uma graça exclusiva do capitalismo — como revela certa leitura stalinista do próprio processo histórico (porque desconhece a ontologia, ou melhor, prevê como ontologia unicamente os insumos advindos do capitalismo).

Para retomar este curso do totalitarismo tecnológico,veja-se o argumento clássico de que Stalin produziu a Bomba A em pouco mais de duas décadas, onde antes havia um sistema feudal — o que está certo. Mas, a que custo, milhões de vidas?

Será uma coincidência o fato de que os cientistas nazistas, "presos nos EUA" (no pós-Segunda Guerra, sob a proteção da Operação Paperclip), foram os reais inventores dessa mesma Bomba A – e que o sorex plagiou? E mais, este seria o modelo tecnológico/civilizatório do socialismo?

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Construir armas que ameaçam a humanidade de extinção é um legado de Marx? Marx concordaria ou isso seria apenas o veio míope do socialismo realmente existente (e que, aliás, tem reflexos bem vivos, por exemplo, na política nuclear da Coréia do Norte)?

E em que sentido o modelo do passado se junta aos desmandos do presente? A alucinação pelo controle de hoje, tem um sincretismo com a autofagia de ontem.

Wernher von Braun foi o cientista nazista mais reconhecido pelo mundo: das bombas voadoras V1 e V2 (1935-1945) ao foguete Saturno V, que levaria os americanos à lua (1969). Todavia, a autofagia nazista, por exemplo, literalmente consumiu a Alemanha — além disso, sua "revolução legal" (1933-1945) procurou abolir a lógica, quando incluíram elementos de total exclusão de possibilidades da vida (a "solução final"), sob a máscara de que estavam reformando/atualizando a Constituição de Weimar (democrática, socialista).

Sob outro ângulo, mas complementar ao raciocínio, o Estado Cientificista sob o stalinismo conduziu-os aos gulags e a uma impiedosa reversão da "lógica jurídica marxista": em razão do progresso tecnológico, poder-se-ia abdicar da perspectiva jurídica da Justiça. Para Pasukanis, o maior jurista socialista:

O direito não nasce do Estado; ele nasceu das relações sociais. O Estado lhe confere a clareza e a estabilidade, mas suas premissas enraízam-se nas relações materiais, nas relações de produção [...] Pasukanis vincula, então, o Direito à economia; a ordem jurídica à organização das classes sociais. Disso ele pode tirar a conclusão política esperada, ou seja, que o desaparecimento dos antagonismos de classe permitirá ao enfraquecimento do direito acompanhar o enfraquecimento do Estado (Pisier, 2004, p. 498).

Nisto, Pasukanis seguia o jovem Marx à risca. Mas o que houve depois disso, sob o comando do Estado Totalitário e do seu modelo controlativo?

O Estado stalinista não declina. A Constituição de 1936 diz que [o Estado] é "inteiramente do povo", ao mesmo tempo que o fortalece. Pasukanis é eliminado em 1937. Vichinski torna-se o teórico soviético do Direito. O Direito positivo deixa de ser um mal necessário em vias de desaparecimento, uma sobrevivência do Direito burguês, mas torna-se um Direito de tipo novo [...] Para coroar o todo, a força: "Ambos [são] garantidos pela força coercitiva do Estado [...] O gulag encontrou seu direito (Pisier, 2004, p. 499).

Esta é a estrutura do modelo controlativo stalinista. Do passado do Estado Cientifiscista e totalitário de Vichinski, para o presente, sob o codinome de sociedade de controle,ao se instituir o controle de tudo e de todos, o que fazemos é burlar a liberdade com a criação de dublês das instituições públicas. Portanto, as proposituras de controle comunicacional da rede equivalem a um tipo de Estado de Sítio virtual, uma vez que as tecnologias de comunicação passam a ser substituídas gradualmente pelo próprio sentido de controle – como processo introjetado, naturalizado, de que o controle traz segurança. O que não se pensa é nas formas de insegurança trazidas pelo Estado que tudo vê e a todos dirige.


Estado de Sítio virtual

Vimos que o modelo totalitário ou controlativo é inerente à apropriação tecnológica por parte do Estado que nega a liberdade, até mesmo formalmente. Por isso, vamos denominá-lo Estado de Sítio virtual — para os adeptos dessa leitura míope da própria história, a tecnologia serve apenas à dominação, sendo-lhe contraditória a utopia.

Conceitualmente, Estado de Sítio significa um regime jurídico excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente submetida. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal situação são geralmente de ordem política, podendo também advir de acontecimentos naturais, como terremotos, epidemias etc. O Estado de Sítio pode resultar em simples "medidas de polícia" (por exemplo: suspensão de reuniões) ou outras medidas cautelares. O Estado de Sítio assume configurações diversas, mediante as condições reais em que tem lugar: distinguem-se sobretudo os casos de guerra explícita (externa ou guerra civil) de outras situações de emergência interna (até mesmo de ordem econômica: "estado de emergência econômica"). Os problemas de Estado de Sítio se inserem no problema mais vasto dos poderes de guerra, enquanto que a idéia de Estado de Sítio civil ainda carece de uma referência melhor apostada. Nos ordenamentos anglo-saxões, por exemplo, não há diferenças claras quanto aos tipos de Estado de Sítio bélico e civil. Por isso, têm-se consagrado a expressão Estado de Sítio Político, uma vez que a simples soma do substantivo com o adjetivo já revelariam seu sentido mais recôndito: há suspensão dos direitos em nome do poder (Bobbio, 2000).

Então, como expressão política real/virtual desse modelo totalitário, o Estado de Sítio virtual nada mais é do que um sonho aterrador que se sustenta à base das partes e de peças de um mecanismo plantado pelos mais "inferiorizados" (seres políticos incapazes de lidar com a grandeza da utopia da liberdade).

Na vigência prolongada do Estado de Sítio virtual, os agentes políticos agem como se não houvesse comunicação entre o "sistema nervoso" ("evolução" ou processo civilizatório, em que também se insere o comando do Estado) e o "sistema sanguíneo", como forma de comunicação e de escoamento dos interesses sociais das classes, das camadas, dos grupos, das células e dos indivíduos dominados ou que lutam por seu reconhecimento. O Estado de Sítio virtual atua, assim, como parasita de si mesmo, especialmente quando seus sistemas entram em colapso, em curto-circuito, uma vez que a negação mantida por muito tempo gera muita entropia social e não nutre o sistema com novas fontes de energia e de produção de sentidos.

O Estado de Sítio virtual desinformou e desformatou o Estado de Direito assentado na liberdade real/virtual, com o agravamento de que tornou informal a própria Justiça [14]. Há, neste caso, uma funcionalidade do medo, que cerceia a confiança e relega qualquer expectativa de saída por fora (do sistema totalitário) da exceção: a Matrix ensimesmada só conhece a força centrípeta e, assim, no lugar da própria Justiça deve privilegiar-se a segurança (como se houvesse segurança sem Justiça). É o canto rouco da opressão e que, de estrondoso, só encanta e cativa aos mesmos incautos que postergaram a "luta por reconhecimento da liberdade". A tautologia da equação está em que, neste espírito de exceção não há saída e, portanto, não há saída em meio às regras.

É uma expressão macabra do Estado de Direito que melhor serve ao próprio terror do Estado, no mundo real/virtual. É a ilusão da Razão de Estado, gerada a partir de intervenções do próprio Estado desestabilizado e que apregoa a segurança necessária à igualdade de todos ao medo. (O "terrorismo de Estado" gera incertezas, atentado contra si mesmo, para poder legitimar-se). Portanto, esse terrorismo de Estado é a atualização do modelo controlativo e este congrega e carrega em si toda a virtualidade ("iminência do mal") presente na Razão de Estado. O que se vê é uma verdadeira obsessão pelo controle do tráfego de informações — com bloqueios e embargos descarados:

A Al Jazira estreou nesta quarta-feira (15) seu novo canal de televisão em língua inglesa, que, segundo a direção do grupo de televisão árabe sediado no Catar, levará seu sinal a 80 milhões de residências, principalmente nos países árabes e na Europa. Ela tem centros de transmissão em Doha, Londres, Kuala Lumpur e Washington [...] Mas tudo indica que - diante do interesse que haveria nos EUA por acesso a mais fontes de informação sobre a guerra no Iraque, tema principal das eleições de 7 de novembro - a decisão das grandes empresas de televisão a cabo corresponde a "uma censura de fato", segundo Norman Solomon, autor de "War Made Easy" [A guerra explicada]. "Milhões de pessoas gostariam de ver a programação da Al Jazira em inglês, mas há grupos influentes que não querem ofender o governo ou os anunciantes", disse [15].

Esta anormalidade do modelo controlativo ou Estado de Sítio virtual permanente (como censura sem fim e sem limites) é, então, uma atualização da Razão de Estado — daí o sentimento comum de permanência da exceção: a opressão se torna regra, como na era stalinista e fascista.

Da anomalia do claro-escuro que, per si, já ronda todo o Estado, passa-se às sombras totais com esta nova (quer dizer atual [16]) fase do Estado de Sítio virtual. Agora, o incrível é que, para os que não-enxergam (porque o processo tem baixa visibilidade), as sombras permanecem inebriantes.

Por isso, o modelo controlativo da rede se assemelha ao golpe de Estado, mas como um golpe desferido na cultura (e, se prevista em lei, é ainda pior, pois equivaleria a um "golpe de Estado legal"). No Estado de Sítio virtual oculta-se severamente (força, coerção, violência) o fato de que os sitiados (inebriados) se opõe ao controle, mas oculta-se sutilmente que os não-sitiados também estão imersos nas sombras da exceção. Basta-nos pensar se algo que está tão submerso, escondido, que é a pura exceção de uma regra que beneficia a todos (liberdade), poderá conter algum germe benéfico em si mesmo? Basta-nos também ouvir a cantilena de que o controle da rede vai trazer liberdade e segurança ao usuário do sistema: no auge da ingenuidade, diz-se que, com o controle, os hackers serão punidos (sic).

Toda e qualquer subjetividade do mito do Estado [17], portanto, acaba radicalmente na objetividade das forças excessivas da exceção. Nesta dinâmica ilógica, tenta-se regrar a exceção, e nada poderia ser mais incoerente do que levar a regra lá para dentro da exceção (como também não foi lógico imiscuir a exceção à regra). É como se nos dissessem que "o positivo é somente o negativo tornado positivo" (assim, o positivo e a regra não poderiam ser em si mesmos, uma vez que só se apresentariam pela ausência).

Não é difícil ver que a exceção à regra provoca anormalidades, daí que os salteadores das regras da liberdade é que são os anormais. Nesta dimensão analógica, a coerção é direta, mas não é fixa, pois as próprias regras da coerção são volúveis, transitórias, intermitentes (para melhor servir aos caprichos do poder) e, na verdade, a própria noção de regra fixa se torna inconveniente. Por ser analógica, a regra da exceção é só uma exacerbação da regra aplicada à negação — sempre que possível, questiona-se a regra para legitimar a exceção.

O Estado de Sítio virtual toma sua força deste não-lugar, mas não da utopia, visto que é a própria negação da utopia, da liberdade, da interação. Na verdade, o Estado de Sítio, como um todo, sacrifica a fluidez da interação e da solidariedade social em troca da fixidez da intervenção e da soberania.

Por isso, esse novo modelo controlativo é uma fantasmagoria da segurança e da soberania (Hobbes já pressupunha a soberania no Estado Livre: uma espécie de liberdade antes dos liberais). No modelo, o grande herói é, (in)justamente, o anti-herói (hacker), porque o medo elevado ao grau de pavor tende a imobilizar, a desintegrar, a desagregar as narrativas socialmente integradoras e libertadoras. A modernidade, como modelo controlativo, e a pós-modernidade, como Estado de Sítio virtual, são exemplos reiterados dessa desrazão: que transformou a exceção em regra.

No passado mais remoto, a necessidade de se afirmar o status político e as posições da soberania (além de um patrulhamento da vida privada) forjou o título Estado de Polícia. Trata-se de uma expressão criada pela historiografia indicando um fenômeno histórico e político preciso e circunstanciado. Mas remonta aos historiadores constitucionais alemães da metade do século XIX. Já a origem epistemológica da palavra "polícia" vem do termo grego "politeia" e do latim tardo-medieval "politia". Para Aristóteles, "politeia" significava a sua Constituição e para Santo Tomás de Aquino, o ordenamento global da vida humana. A importância operativa e sistêmica do termo polícia, pela ação estatal, só foi aparecer nos Estados da Renascença, na Itália e, principalmente, na França, no Ducado de Borgonha — momento em que a expressão implicava claros fins políticos e cumprimento dos deveres públicos e cívicos dos súditos. Da Borgonha passa para a Alemanha, obtendo aí difusão e grande sucesso, mas já não tinha mais a intenção de segurança na esfera pública:

Foi radicalmente diverso o papel desempenhado pela Polizei nos territórios alemães. Aqui ela tornou-se o instrumento de que se serviu o príncipe territorial para impor sua própria presença e autoridade contra as forças tradicionais da sociedade imperial [...] Na transição de uma estrutura constitucional formada tipicamente "por castas", como a imperial do século XVI, para uma organização do poder concentrado em cada um dos Estados territoriais, como se verificou em alguns dos territórios alemães durante o século XVII, é fácil entender que o problema central para o príncipe territorial, que se apresentava historicamente como fulcro dessa passagem, fosse o da necessidade de criar para si um espaço autônomo, uma esfera soberana própria, tanto em relação ascendente como descendente (Bobbio, 2000).

Por tudo isso, não seria demasiado pensar que o Estado de Polícia alemão, do século XIX, tornou-se o Estado Total, sob o nazismo, no século XX. O Estado de Sítio virtual é, portanto, uma atualização desse antigo lapso da soberania do Estado Totalitário. Mas quem são os agentes ou usuários desse modelo controlativo do passado-presente?

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Weber no mundo real/virtual:: o direito à liberdade sem censura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1277, 30 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9337. Acesso em: 19 nov. 2024.

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