Não raras vezes, observo durante minha atuação na área de direito de trânsito essa questão: a substituição do escapamento original por escapamento esportivo, sobretudo em motocicletas, caracteriza infração de trânsito e exige que seja regularizada a situação junto ao órgão executivo de trânsito, com emissão de novo CRV? Há interesse na resposta a esse questionamento principalmente aos adeptos do tuning ou car tuning.
Os escapamentos de motos possuem modelos diversos, porém é certo que todos devem possuir silencioso, abafador ou ponteira, normalmente na parte traseira do escape.
São confeccionados com vários tipos de matéria prima como, por exemplo, feito em chapa de aço-carbono cromada ou pintada, de alumínio, aço inox, titânio e fibra de carbono, que são materiais mais leves, mais duráveis, mais resistentes à oxidação e mais bonitos esteticamente. Sempre devem conter miolo interno, seja metálico com câmaras (tipo originais) ou lã de vidro (esportivos), para abafar o ruído, mantendo-o dentro dos padrões permitidos, a compressão e bom funcionamento do motor.
Basicamente o que diferencia um escapamento esportivo de um escapamento original é que o primeiro possui um design externo diferenciado, seja devido ao formato, material de confecção e estilo, visando deixar a motocicleta com um toque esportivo, ou seja, por abafar menos o ruído, o escapamento esportivo proporciona ao motor um funcionamento mais livre melhorando de certa forma a performance da moto.
Daí advém a pergunta: A substituição do escapamento original pelo escapamento esportivo configura alteração de característica?
Para responder essa pergunta é preciso entender primeiro como é formado o cadastro dos veículos nos órgãos de trânsito.
O cadastro de um veículo nos órgãos executivos de trânsito é feito com as informações lançadas no RENAVAM pelo fabricante (art. 125 do CTB), chamada de pré-cadastro as quais são somadas às informações obtidas no primeiro registro (Art. 122 do CTB).
Todo veículo quando fabricado possui um cartão de identificação, também chamada de “ficha de montagem”, “carta laudo”. Esse cartão de identificação possui as características de fabricação do veículo (chassi, espécie, combustível, cor, cilindrada, peso, etc) e as peças que foram utilizadas para realizar sua montagem.
Quando o veículo tem sua montagem terminada, a montadora faz o cadastro das informações na BIN, esse processo é chamado de Pré-cadastro e todo esses dados são encaminhados ao DENATRAN.
Após feito o pré-cadastro somente o DENATRAN tem competência para modificá-lo. Se o pré-cadastro tiver algum campo incorreto a fábrica precisa solicitar formalmente ao DENATRAN as devidas alterações.
Quando há a venda do veículo, por ocasião do primeiro registro, são acrescentados os demais dados como PLACA, RENAVAM, nome, endereço, etc os quais serão cadastrados pelo DETRAN do estado onde está sendo feito o primeiro registro do veículo.
Ocorrendo alterações estruturais nos veículos, alterações mecânicas, essas devem ser precedidas de autorização da autoridade de trânsito, nos termos do art. 98 do CTB, uma vez que precisarão ser anotadas no cadastro do veículo para mantê-lo atualizado e condizente com o bem material registrado, espelhando-o perfeitamente. Nessa hipótese necessário também a expedição de novo CRV na forma do art. 123, inciso III do CTB.
Daí porque, se o proprietário promove alteração no veículo sem autorização prévia da autoridade de trânsito, no caso o DETRAN de registro do veículo, pode incorrer em multa de R$ 195,00 (cento e noventa e cinco reais) prevista no art. 230, inciso VII do CTB abaixo transcrito:
Art. 230. Conduzir o veículo:
VII – com a cor ou característica alterada;
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Medida administrativa - retenção do veículo para regularização;
A Resolução CONTRAN nº 292/2008, cujo anexo encontra-se estabelecido na Portaria do DENATRAN n. 038/18, traz as alterações que são permitidas mediante autorização prévia do DETRAN.
Do ponto de vista jurídico, fazendo uma interpretação teleológica e sistemática dos preceitos legais e normativos, pode-se entender como alteração de característica a mudança estrutural no veículo que afetem a sua segurança (espécie, tipo, carroceria ou monobloco, capacidade, potência, combustível, cilindrada, etc) ou sua aparencia visual que o torne diferente do veículo original (cor, ano, marca, modelo e versão, por exemplo). Essas mudanças, exigem averbação no registro do veículo e no certificado, precisando de autorização prévia e emissão de novo CRV.
Note-se que a lei (art. 98 do CTB) não proíbe que o proprietário modifique as características originais de seu veículo, apenas impõe, como condição para que o faça, a obtenção de autorização prévia para tanto, se não vejamos:
Art. 98. Nenhum proprietário ou responsável poderá, sem prévia autorização da autoridade competente, fazer ou ordenar que sejam feitas no veículo modificações de suas características de fábrica.
Essa assertiva é corroborada pelo artigo 106, também do CTB, que apregoa que, no caso de modificação de veículo, para licenciamento e registro, será exigido certificado de segurança expedido por instituição técnica credenciada por órgão ou entidade de metrologia legal, conforme norma elaborada pelo CONTRAN.
Da analise conjugada desses dispositivos, é fácil concluir que a Resolução CONTRAN nº 292/2008 regulamenta os casos em que as mudanças de características precisam de autorização prévia nos termos do art. 98 do CTB. As demais mudanças, ou seja, as não previstas na Resolução, não significam que estão proibidas. Significa que podem ser executadas sem essa autorização.
A Resolução regulamenta as modificações que dependem de um controle do Estado, a fim de averiguar se permanece as condições de segurança do veículo para manter a regularidade do registro. As demais modificações, não estão previstas na Resolução porque não necessitam desta autorização prévia prevista no art. 98 do CTB, podem ser feitas livremente.
Isso decorre do direito de propriedade. Ao proprietário do veículo assiste o direito de propriedade, podendo dele usar, gozar, dispor, reaver e inclusive modificá-lo no que quiser, já que o bem é seu. Ao particular, se não é proibido é permitido. Ao contrário da Administração que só pode fazer o que é permitido legalmente e expressamente.
Inclusive, corroborando esse raciocínio, observa-se que quando foi intensão da Resolução CONTRAN nº 292/2008 proibir alguma modificação ela o fez expressamente, como se vê do art. 8º:
Art. 8º Ficam proibidas:
I – A utilização de rodas/pneus que ultrapassem os limites externos dos para-lamas do veículo;
II – O aumento ou diminuição do diâmetro externo do conjunto pneu/roda;
III – A substituição do chassi ou monobloco de veículo por outro chassi ou monobloco, nos casos de modificação, furto/roubo ou sinistro de veículos, com exceção de sinistros em motocicletas e assemelhados;
IV – A alteração das características originais das molas do veículo, inclusão, exclusão ou modificação de dispositivos da suspensão.
É fácil ver que entre as proibições previstas expressamente no art. 8º acima transcrito, não consta prevista a proibição de substituição do sistema de escape.
Deste modo, é um erro acreditar que se a modificação a ser promovida no veículo não está prevista na Resolução CONTRAN nº 292/2008 é porque ela não é permitida ou é proibida. Quanto em verdade, se a modificação não está prevista na Resolução é porque pode ser feita livremente pelo proprietário sem autorização prévia. Essa é a interpretação correta.
O que temos então é a seguinte situação: a) mudanças permitidas com autorização prévia; b) mudanças proibidas e c) mudanças permitidas independente de autorização prévia. A primeira e a segunda situação estão previstas na Resolução 292/2008. A terceira situação decorre do direito de propriedade.
As mudanças permitidas independente de autorização prévia são as realizadas no veículo que, de tão insignificantes, não podem ser consideradas alteração de característica.
Neste sentido, trago à colação o ensinamento de JULYVER MODESTO DE ARAUJO1 se não vejamos:
O artigo 98 do Código de Trânsito prevê que “Nenhum proprietário ou responsável poderá, sem prévia autorização da autoridade competente, fazer ou ordenar que sejam feitas no veículo modificações de suas características de fábrica”; portanto, a primeira regra que podemos notar é que as modificações das características de fábrica dos veículos até podem ocorrer, mas desde que haja autorização da autoridade competente, que é a responsável pelo registro e licenciamento do veículo, isto é, o órgão executivo estadual de trânsito (Detran), do município de domicílio ou residência do proprietário.
Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução do Conselho Nacional de Trânsito nº 292/08 (alterada pelas Resoluções nº 319/09, 384/11, 397/11, 419/12, 450/13 e 463/13), que dispõe sobre modificações de veículos e estabelece as regras a serem atendidas para que os proprietários possam promover a personalização de seus veículos (além desta Resolução, o interessado deverá conhecer, também, duas Portarias do Departamento Nacional de Trânsito que a complementam: a nº 1.100/11, que estabelece o Anexo I da Resolução nº 292/08, com as modificações permitidas, e a nº 1.101/11, que estabelece a classificação de veículos, quanto à marca e espécie, bem como as transformações de veículos sujeitas a homologação compulsória).
A regulamentação voltada a este tipo de alteração do veículo justifica-se pela necessidade de se manter um nível de segurança automotiva, pois a indústria deve seguir padrões rígidos para produção dos veículos automotores e, portanto, não seria correto admitir que o proprietário fizesse, livremente, modificações, sem comprovar que o veículo mantém sua condição de um meio de locomoção seguro, tanto para os seus ocupantes, quanto para os demais usuários da via.
Por este motivo, pequenas alterações externas, que em nada afetam a segurança do veículo, não estão nem mesmo previstas nas normas apontadas, e podem ser promovidas pelo interessado, sem qualquer tipo de autorização do órgão de trânsito, como, por exemplo, a substituição de espelhos retrovisores (seja em relação ao tamanho ou ao formato), a instalação de antenas de teto ou a colocação de rodas especiais (desde que não se altere o diâmetro do conjunto roda-pneu).
Se, entretanto, forem realizadas modificações significativas, no para-choque, grade, capô, saias laterais e aerofólios, de forma que o veículo fique com características visuais diferentes daquelas do veículo original, exige-se a realização de inspeção veicular para emissão do Certificado de Segurança Veicular – CSV, expedido por Instituição Técnica Licenciada pelo Denatran (nos termos da Resolução do CONTRAN n. 232/07 e alterações), com anotação, nos documentos veiculares, da observação “veículo modificado visualmente”.
Em geral, além da autorização do órgão de trânsito e o registro da modificação nos documentos do veículo, para se garantir a segurança mencionada anteriormente, exige-se, na maior parte dos casos, que seja realizada esta inspeção, com a obtenção do CSV, cujo número, inclusive, deve constar do Certificado de Registro do Veículo – CRV e do Certificado de Licenciamento Anual – CLA, após a realização da customização.
Feita essas considerações, entendo que o fato de se colocar um escapamento esportivo numa motocicleta CG 125 não significa alteração de característica. Ela continua sendo uma CG 125. A instalação de um escapamento exportivo numa CG 125 não a transforma numa moto esportiva.
Inclusive, o prof. Julyver Modesto em análise ao artigo 230, XI no Código de Trânsito Brasileiro Anotado e Comentado, 7º Edição, pag. 428 fez a seguinte observação:
A utilização de escapamentos esportivos não configura infração de trânsito, sendo uma alteação de característica não regulamentada pelo CONTRAN e, portanto, possível de ser feita livremente pelo proprietário;
Cabe destacar que a Resolução CONTRAN nº 452 de 26 de Setembro de 2013 que “Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização das emissões de gases de escapamento de veículos automotores de que trata o artigo 231, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).” em seu parágrafo único do art. 6º prevê:
Art. 6º Nos casos de existência de irregularidades no veículo que impossibilitem a medição da emissão dos gases de escapamento e poluentes, a autuação será feita com base nos dispositivos aplicáveis do CTB.
Parágrafo único. Não configura infração a substituição parcial ou total do sistema de escapamento original por outro similar, desde que respeitados os limites de emissões de gases e poluentes e seja certificado pelo INMETRO.
Do artigo supratranscrito, observa-se que a substituição do escapamento pode ser feita, inclusive por escapamento esportivo, desde que respeitado os limites de emissões de gases, poluentes, ruídos; a peça substituta seja certificada pelo INMETRO e se encontre em perfeito estado de funcionamento. Observando esses aspectos não há caracterização da infração de trânsito de alteração de característica a simples troca do escapamento original por escapamento esportivo.
Destaco que, embora a substituição do escapamento original por esportivo, do ponto de vista jurídico, não configura alteração de característica e portanto não está sujeito a infração do art. 230, inciso VII do CTB, há que se diferenciar a situação em que escapamento estiver com descarga livre ou silenciador de motor de explosão defeituoso, deficiente ou inoperante, que pode caracterizar outra infração grave prevista no art. 230, inciso IX ou XI, como também a situação do escapamento substituto não ser um modelo certificado/aprovado pelo INMETRO que pode caracterizar infração do art. 230, inciso X do CTB, por uso de equipamento obrigatório em desacordo com o estabelecido pelo CONTRAN.
Conclusão
Do exposto, verifica-se que a substituição do escapamento por outro, mesmo que esportivo, não configura infração de trânsito se respeitados os limites de emissão de gases e poluentes e ruídos e a peça substituta seja certificada pelo INMETRO.
A troca do escapamento da motocicleta por escapamento esportivo mantém a mesma finalidade técnica que o escapamento original, ou seja, a passagem dos gases do cilindro e a compressão do motor, fato que não caracteriza alteração de característica do veículo.
Nota
https://www.ctbdigital.com.br/artigo-comentarista/344