3. CONCLUSÃO
.O tema "Direito Penal do inimigo" deve suscitar profundas reflexões, ao invés de crítica e mais críticas, desacompanhadas de propostas alternativas de solução para um problema que só não enxerga quem não quer – o recrudescimento da criminalidade organizada, notadamente nos vetores do terrorismo, tráfico de drogas, corrupção etc.
Não importa a distinção "cidadão" ou "inimigo", o que se conclui não ser possível fazer, dentro de um Estado Democrático de Direito, do qual não pode destoar o Direito Penal.
Importa oferecer soluções racionais, proporcionais e efetivas para fatos graves, que se repetem à cada dia, semeando o terror na população mundial, com a disseminação do sentimento de impunidade que, a médio e longo prazos, acabam por ruir um dos pilares do próprio Estado de Direito Democrático, que é a segurança pública.
Foi o que se buscou neste ensaio, especialmente em seu item 3.
Discursos como o de que o Direito Penal é "etiquetador", promove a "exclusão social através da punição", "só existe para punir o preto, o pobre e a prostituta", "se preocupa mais com a propriedade do que com a própria pessoa" etc., ainda recorrentes na Doutrina, mostram-se, nos dias atuais, obsoletos e ultrapassados, não mais espelhando a realidade do mundo que nos cerca.
Os inimigos de hoje existem e são reais; não são mais imaginários. O público alvo do Direito Penal de hoje não é mais o contraventor, o boêmio, o jogador de ronda, o vadio, o artista, o "maluco beleza", como nos "saudosos" tempos dos Anos Dourados, na década de 60, em que este discurso experimentou seu apogeu. Os inimigos de hoje são traficantes de drogas, homicidas, terroristas, funcionários públicos corruptos, que se espalham feito metástases pelas células sociais e se reproduzem feito ratazanas.
Naquela época, o Direito Penal se dedicou a perseguir inimigos imaginários, com indisfarçável e hediondo viés político, como forma de controle social, o que muito envergonha o cultor do Direito Penal. No entanto, como já dito, os tempos são outros e não se pode mais viver de passado.
Quem insiste em não abrir os olhos à sociedade que o cerca, está fadado a perder o bonde da história, repetindo, obnubilada e psicoticamente chavões já corroídos pelas teias de aranha do passado.
Há quem já teve a oportunidade de colocar em prática, no governo de um Estado, essas idéias ultrapassadas. E até hoje a população deste Estado colhe os frutos dessas sementes talvez ingenuamente plantadas, talvez com a melhor das intenções, mas com resultados efetivamente desastrosos no plano da segurança pública.
O Acadêmico que insiste em viver, anacronicamente, o romantismo de uma década deslocado para o século seguinte, está fadado a devanear qual nefelibata, caminhando sobre cúmulo-nimbos, de mãos dadas com Alice nos País das Maravilhas.
NOTAS
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2005, p. 17/18.
- GRECO, Luís. Sobre o Chamado Direito Penal do Inimigo. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 56. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 81/87.
- Ibidem.
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. op. cit., p. 22/26.
- HOBBES, THOMAS. Do cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 233.
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. op. cit., p. 40.
- Cf. JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. op. cit., p. 48/53.
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio, op. cit., p. 42.
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio, op. cit., p. 59.
- JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. op. cit., p. 62/66.
- GRECO, Luís. op. cit., p. 112.
- Expressão que o autor prefere, ao invés de "Direito Penal do Inimigo", usada por Jakobs, segundo Canotilho em virtude do genitivo "de" sugerir sentidos contraditórios.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Justiça Constitucional e Justiça Penal. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 58. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 330/334.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 337/338.
- Cf. HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.127/128.
- HASSEMER, Winfried. op. cit., p. 145.
- "– Não sei como isso vai terminar. Mas, do lado de fora da janela, o céu está lindo". Honor Elizabeth (Liz) Wainio, 27 anos, a bordo do Boeing da United Airlines, vôo UAL93, que caiu num bosque da Pensilvânia, sem atingir seu alvo, que era o Capitólio, falando no celular com sua madrasta Esther Heymann; "– Só quero dizer que te amo. Estou num vôo para São Francisco, tem uns caras a bordo. Eles seqüestraram o avião e estão ameaçando a gente com uma bomba". Mark Bingham, empresário e ex-jogador de rúgbi, falando do mesmo vôo, através do "airphone" (telefone público existente em cada grupo de três assentos), com sua mãe, Alice Hoglan. Cf. SANT’ANNA, Ivan. Plano de Ataque. A história dos vôos de 11 de setembro. Rio de Janeiro: editora Objetiva, 2006, p. 14, 25/26 e 214/215
- Fatos públicos e notórios, amplamente repercutidos em todos os meios de comunicação, nacionais e internacionais.
- Sempre as mesmas hipóteses levantadas por Jakobs (crime organizado, terrorismo, delinqüência sexual etc).
- SILVA SÁNCHEZ, Jésus-María. A Expansão do Direito Penal. Aspectos da Política Criminal nas Sociedades Pós-Industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 150/151.
- Cf. BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, caput: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:".
- HASSEMER, Winfried. op. cit., p. 142.
- HASSEMER, Winfried. loc. cit.
- HASSEMER, Windried. op. cit., p. 143
- SCHÜNEMANN, Bernd. Palestra proferida no auditório do TRF/2ª Região, promovida pela EMARF (Escola de Magistratura Regional Federal da 2ª Região), no dia 02 de outubro de 2006. O texto ainda não está publicado em idioma diferente do alemão. Dados extraídos da INTERNET, no sítio www2.trf2.gov.br/noticias/materia.aspx?id=1308, acessado em 19 de janeiro de 2007, às 02:11h.
- REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 65/67 (os grifos são do original).
- Cf. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2001, p. 42.
- BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
- Cf. BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 232/233.
- Cf., dentre outros, COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. O papel do novo Juiz no processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 31/32.
- BATISTA, Weber Martins. loc. cit.
- Ibidem.
- Poder-se-ia objetar argumentando que o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992), ao tratar das garantias judiciais, em seu art. 8º, "2", estabelece que "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa...". E que esta regra teria assento constitucional, a teor do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal. No entanto, este dispositivo simplesmente se refere a outros direitos e garantias individuais não tratados expressamente no art. 5º. E, como demonstrado, o art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso LVII, trata da questão da culpa e da inocência do réu de maneira diversa da qual trata o Pacto, havendo de prevalecer, ao que se acredita, o Direito interno. Isto sem falar nas controvérsias que cercam o próprio status legislativo das normas decorrentes de tratados e convenções internacionais, maxime após a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, o que, por não ser o propósito deste ensaio, aqui não vai se abordar, para não se perder o fio condutor do trabalho. Continuando a divagar: a regra do Pacto, tal como concebida, sequer impede a gestão da prova pelo Juiz, porque, ainda que proclame o status de inocência do réu durante o processo, ressalva que este status perdura "enquanto não se comprove legalmente sua culpa". Ora, nos termos do vigente Código de Processo Penal, o Juiz possui amplos poderes de produção de prova no processo, consoante regra expressa de seu art. 156 dentre outros. Assim, usando esses poderes, o Juiz estaria comprovando "legalmente sua culpa", nos exatos termos do Pacto, ao que não é empecilho o proclamado status de inocência do réu. Nem se diga que a postura ativa do Juiz iria ofender o sistema acusatório, ao passo em que produzir prova não significa deduzir qualquer imputação, mas, somente, no uso dos poderes conferidos pela legislação, aferir a veracidade das imputações formuladas pela parte autora da ação penal. Muito menos se diga que isto iria comprometer a imparcialidade do Juiz, ao passo em que este não teria como adivinhar qual o resultado das provas que mandou produzir (neste sentido, cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do Juiz no processo penal acusatório. Artigo publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível na INTERNET, em www.ibccrim.org.br, acessado em 20/01/07, às 21:00h: "a - O processo penal acusatório, ou processo de partes (em contraposição ao inquisitório), deve ser entendido, sinteticamente, como aquele em que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, daí decorrendo os seguintes corolários: a1 - os elementos probatórios colhidos na investigação prévia servem exclusivamente para a formação do convencimento do acusador, não podendo ingressar no processo e ser valorados como provas; a2 - o exercício da jurisdição depende de acusação formulada por órgão diverso do juiz; a3 - todo o processo deve desenvolver-se em contraditório pleno, perante o juiz natural; b - O conceito de processo penal acusatório não interfere com a iniciativa instrutória do juiz no processo...").
- BRASIL, Lei nº 9.296/96, art. 5º: "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".
- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Habeas corpus nº 83.515, julgado em 16/09/04, Tribunal Pleno, Relator Min. Nélson Jobim, maioria (vencido o Min. Marco Aurélio): "É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei nº 9.296/96...". Julgado extraído da INTERNET, do sítio do Supremo Tribunal Federal, disponível em www.stf.gov.br, acessado em 20 de fevereiro de 2007, às 23:04h.
- BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
- BRASIL, Lei nº 9.034/95, art. 2º: "em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (...) IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial ".
- BRASIL, Código Penal, art. 288: "associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes".
- BRASIL, Código Penal, art. 29: "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".
- Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Direito em debate: a crise do sistema penitenciário: a experiência da vigilância eletrônica. Artigo publicado no Boletim nº 170, de janeiro de 2007, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
- Estes últimos fazem parte, inclusive, de projeto de reforma do Código de Processo Penal.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Justiça Constitucional e Justiça Penal. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 58. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2006.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. O papel do novo Juiz no processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FERRAJOLI, Lugi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.
GRECO, Luis. Sobre o Chamado Direito Penal do Inimigo. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 56. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do Juiz no processo penal acusatório. Artigo publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível em www.ibccrim.org.br, acessado em 20/01/07, às 21:00h
HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_______________ . Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2005.
JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. O Direito em debate: a crise do sistema penitenciário: a experiência da vigilância eletrônica. Artigo publicado no Boletim nº 170, de janeiro de 2007, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2001.
PIZÓN, José Martinez de. Las Transformaciones del Estado: del Estado Protector al Estado de Seguridad. Artigo publicado no livro La Tensión Entre Liberdad y Seguridad. Una aproximación socio-jurídica, coordenado por BENEITEZ, Maria José Bernuz, e CEPEDA, Ana Isabel Pérez, Colección Jurídica nº 22, da Universidade de La Rioja, 2006.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987.
SANT’ANNA, Ivan. Plano de Ataque. A história dos vôos de 11 de setembro. Rio de Janeiro: editora Objetiva, 2006.
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A Expansão do Direito Penal. Aspectos da Política Criminal nas Sociedades Pós-Industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.
SCHÜNEMANN, Bernd. Palestra proferida no auditório do TRF/2ª Região, promovida pela EMARF (Escola de Magistratura Regional Federal da 2ª Região), no dia 02 de outubro de 2006. O texto ainda não está publicado em idioma diferente do alemão. Dados extraídos da INTERNET, no sítio www2.trf2.gov.br/noticias/materia.aspx?id=1308, acessado em 19 de janeiro de 2007, às 02:11h.