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Interposição Fraudulenta de Terceiros: Contornos de sua aplicação no contexto do comércio exterior atual

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Agenda 18/11/2021 às 11:16

  1. A prova na interposição ilícita de terceiros

Dentre as modalidades de intervenção ilícita de terceiros no comércio exterior, a fiscalização aduaneira poderá constatar casos de interposição comprovada e interposição presumida em operações próprias, por conta e ordem ou por encomenda dissimuladas ou fraudulentas.

Na interposição fraudulenta presumida, há a prova indireta da ocultação dolosa de terceiros na hipótese de o importador não comprovar a licitude da origem, disponibilidade e transferência dos recursos aplicados na operação fiscalizada. A presunção em referência é aplicada para ajustar o ônus probatório pela dificuldade em localizar uma empresa de fachada (laranja) interveniente no comércio exterior e impor que o fiscalizado demonstre sua capacidade econômico-financeira na operação sob análise, sob pena de ser decretada presuntivamente a ação em favor de terceiro não declarado licitamente à Receita Federal como destinatário da mercadoria importada.

Assim, parte-se de um elemento indiciário e, considerando que a empresa sem capacidade operacional, financeira e econômica não fez prova de sua capacidade, há a configuração da interposição fraudulenta presumida no comércio exterior. Assim, cabe ao interessado refutar as alegações da autoridade aduaneira com provas de sua capacidade, por exemplo, por meio de extratos bancários, balancete (demonstrando patrimônio líquido adequado à operação), prova da origem por empréstimos e capital social constituído.

É nesse sentido que o Conselho Administrativo de Recurso Fiscais CARF sustenta que a interposição presumida independe da comprovação da intenção dos agentes na infração de interposição fraudulenta e pode ser aplicada sem a prova do dolo na operação.

Por outro lado, a interposição fraudulenta comprovada demandará a prova da ilegitimidade do interveniente em razão da demonstração da origem, disponibilidade e transferência dos recursos da importação originários de forma oculta de terceiros (verdadeiros destinatário da operação), porquanto demonstrando a identificação do real interveniente ou beneficiário oculto na operação de importação, assim como a comprovação de que sua ocultação ocorreu mediante fraude ou simulação. É nesse ponto que pesa sobre os ombros da fiscalização a prova do conluio (por fraude ou simulação) para constatação da infração.

Assim, evidencia-se que a interposição fraudulenta comprovada foge à regra geral de responsabilidade objetiva por infração aduaneira do parágrafo 2o do art. 94 do Decreto-lei 37/66. Nesse giro, a prova da fiscalização deverá repousar sobre a demonstração da interposição fraudulenta na importação por conta própria simulada, conta e ordem de terceiro e encomenda.

Em relação à operação por conta própria declarada simulada pela fiscalização, é necessária a demonstração da verdadeira operação ser por conta própria, conta e ordem ou encomenda com o objetivo de acobertar o fornecedor dos recursos utilizados na operação de importação. Assim, é possível a comprovação da utilização de recursos de terceiros ocultos para declarar que a operação por conta própria foi simulada.

Repise-se que a prova do fato fraudulento ou simulado de ocultação, ipso facto, quem é o real importador, se fechou o câmbio, pagou os tributos e despesas aduaneiras, é ônus da fiscalização aduaneira, na forma indicada no acórdão 3201003.646 da 2ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[2]. Assim, a infração em referência é punida com perdimento de bens, mas, em face do importador, este não responde diretamente pela multa de 10% por não ser considerado cedente do nome, mas adquirente da mercadoria em referência.

Quanto à interposição fraudulenta com recursos de terceiros na importação por conta e ordem e encomenda simuladas, destaquem-se as operações que se valem de empresas interpostas para acobertar o real adquirente da mercadoria. Cite-se o exemplo da Operação Dilúvio proposta pela Polícia Federal, em que há prova de que a operação por conta e ordem foi simulada com o objetivo de acobertar o destinatário da mercadoria e quem era a real operação de importação realizada (importação por encomenda).

É importante notar que o suposto adquirente e intermediário não apresentava capacidade operacional e econômico-financeira para realizar as operações de importação declaradas por conta e ordem, sendo o cedente do nome alvo da multa de 10% e o intermediário e destinatário ocultos responderam por perdimento de bens. No caso específico, ficou demonstrado que havia a revenda no mercado interno a um encomendante predeterminado, com a existência de preços subfaturados e pagamentos via doleiros ao exterior, frustrando a arrecadação tributária e o controle da operação em referência.

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2) Excessos na configuração da infração

No entanto, não é toda operação em que exista um descompasso entre a capacidade econômico-financeira que poderá conduzir a uma decretação de pena de perdimento e multas por interposição fraudulenta de terceiros, como relatam Gilberto C. Moreira Jr. e Maristela F. Miglioli:

"(...) é bastante comum, por exemplo, que empresas efetuem importações anuais em valores muito superiores ao valor de seu capital social ou, ainda, que haja transferências de recursos para fazer frente aos pagamentos das mercadorias importadas. Nestes casos, aplica-se a presunção de interposição fraudulenta, independentemente de qualquer outra circunstância."[3]

Por outro lado, a jurisprudência reconhece que é necessária a prova da ocultação que cause dano ao erário:

O que se reprime, através da drástica pena de perdimento, é a fraude, o artifício malicioso para a ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou responsável pela operação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. Entende que a infração deve ser grave em sua substância, e não sob o aspecto meramente formal. (TRF4 AI 2005.04.01.046205-1/PR)

Não há falar em ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador, ou responsável pela operação, mediante a interposição fraudulenta de terceiros, se todos os sujeitos envolvidos na importação estão perfeitamente identificados e não há qualquer dúvida quanto à realidade da operação mercantil (TRF4: 2006.72.08.001293-8/SC, Des. Antonio Albino. R. Oliveira)

Desde a introdução da figura da interposição fraudulenta no comércio exterior, é importante notar que as operações aduaneiras estão mais complexas e contam com fatores que alteraram a realidade existente nos pressupostos normativos considerados na reforma legal de 2002, especialmente pelos múltiplos recursos tecnológicos e relações multilaterais entre as empresas no globo. É nesse contexto que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que mais de 70% das operações internacionais de importação e de exportação envolvam partes relacionadas[4], sendo relevante na identificação do real importador e na correspondente precificação das mercadorias.

Não é inusitado que operações entre partes ligadas por vínculo societário ou grupo econômico realizem operações e antecipem recursos entre si ou mesmo dependeram de uma estrutura comercial com relação de dependência financeira entre as empresas ligadas no exterior e no Brasil. Por outro lado, a multiplicidade de fatores que permeiam a intermediação entre empresas nacionais e estrangeiras no complexo mundo globalizado pode ser fator relevante para entender que uma empresa interveniente no comércio exterior não é tangente à norma aduaneira e não pretenda realizar atos que configuram a presunção de interposição fraudulenta, na forma indicada na introdução acima.

Não é demais repetir que a demonstração do dolo e simulação são elementos nucleares da interposição fraudulenta e supedâneos lógicos para se impor a pena máxima na seara aduaneira (perdimento aos bens) e respectiva cominação em multas relacionadas ao respectivo regramento aduaneiro.

Não se pretende aqui defender ilicitudes, mas endereçar a aplicação normativa presente há duas décadas em um cenário multilateral e conectado por meio de empresas com atividade empresarial mais complexa e interdependente.

Os excessos devem ser medidos e afastados. É o exemplo de ação de perdas e danos por lucros cessantes proposta contra a União em relação ao perdimento de bens de empresa varejista que adquiriu peças de roupas por quilo, sendo sustentada a suposta aquisição ilícita pela autoridade fiscal (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível nº 5005352-59.2011.404.7002/PR, relator Joel Ilan Paciornik, sessão 31/07/2014)[5].

Assim, acusações que que refogem à razoabilidade devem ser afastadas pelo judiciário, impondo-se a análise casuística das circunstâncias afetas à aplicação a penalidade neste contexto complexo de comércio internacional na nova economia.

  1. Conclusão

É importante repensar a interposição fraudulenta no contexto do comércio multilateral moderno, sendo imperativo analisar a sua modalidade comprovada pela relevância do elemento subjetivo da operação fiscalizada, sendo relevante a demonstração da fraude ou simulação como elemento condutor para justificar a aplicação das severas penas afetas à sua tipificação.

A evolução sobre as considerações relacionadas à interposição devem ser sopesadas pela casuística indicada no exame dos documentos apresentados pelas partes fiscalizadas, especialmente ao se verificar que existam argumentos justificadores para que a operação tenha sido realizada por meio de interposição de terceiros e a mera evidência de incorreção na escolha da modalidade de intervenção no comércio exterior ou mácula na formalização da respectiva contratação, sendo imperioso notar que não sejam os únicos elementos decisivos para caracterização da infração de interposição fraudulenta.

Bibliografia

MARTINS. Jomar. Perdimento indevido decretado pelo Fisco gera indenização por lucro cessante. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-set-07/perdimento-indevido-decretado-fisco-gera-lucro-cessante. Acesso: 20.jun.2021.

MOREIRA JR, Gilberto de Castro e MIGLIOLI, Maristela Ferreira.  Interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior, in BRITO, Demes (coord.). Questões controvertidas de Direito Aduaneiro. São Paulo: IOB/SAGE, 2014.

SEHN, Solon. Interposição fraudulenta em operações de importação. in SEHN. Solon. Valoração aduaneira na importação. Gen. Disponível em: https://www.ibet.com.br/valoracao-aduaneira-na-importacao-por-solon-sehn/. Acesso: 16.jun.2021.

  1. Vice-presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Subsecção São Paulo. Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2020-1), Advogado e Contabilista no Estado de São Paulo.

  2. A interposição fraudulenta na operação de comércio exterior perfaz-se quando houver a ocultação do sujeito passivo da operação de importação, mediante fraude ou simulação. As demonstrações feitas pela fiscalização devem ser amparadas por documentação que atestam a ocorrência da conduta tal qual tipificada em lei. Ônus probatório da simulação é do fisco.Recurso Voluntário Provido.

  3. MOREIRA JR, Gilberto de Castro e MIGLIOLI, Maristela Ferreira. Interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior, in BRITO, Demes (coord.). Questões controvertidas de Direito Aduaneiro. São Paulo: IOB/SAGE, 2014. Págs. 381 a 412.

  4. SEHN. Solon. Valoração aduaneira na importação. Gen. Disponível em: assim, https://www.ibet.com.br/valoracao-aduaneira-na-importacao-por-solon-sehn/. Acesso: 16.jun.2021.

  5. MARTINS. Jomar. Perdimento indevido decretado pelo Fisco gera indenização por lucro cessante. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-set-07/perdimento-indevido-decretado-fisco-gera-lucro-cessante. Acesso: 20.jun.2021.

TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO EM https://www.comexdobrasil.com/interposicao-fraudulenta-de-terceiros-contornos-de-sua-aplicacao-no-contexto-do-comercio-exterior-atual/

Sobre o autor
Rodrigo Lazaro

Sócio da FCR Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2020/23), Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Mestre em Tributação Internacional pelo IBDT, Diretor Regional da ANEFAC, Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial, com MBA em Tributário e especialização em Business Law pela Concordia University.

Informações sobre o texto

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