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A teoria de perda de uma chance, origens e afluentes

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Resumo: O presente trabalho propõe-se a debater, mediante abordagem teórica, a discussão acerca da teoria da perda de uma chance, passando por vários casos ensejadores da teoria e como vem sendo construída ao longo do último século, abordando como vem sendo elaborada e aplicada tendo em vista a ausência normativa, conhecendo, assim, os critérios de aplicação, sua caracterização, suas balizas e todos os afins que circundam a teoria da perda de uma chance. O trabalho apresentará os casos práticos e reais que foram marcos para a aplicação da teoria, conhecendo os posicionamentos doutrinários e seus possíveis desdobramentos dentro da sociedade.

Palavras-chave: Responsabilidade. Direito Civil. Perda de uma chance. Dano. Construção Jurisprudencial.


1. INTRODUÇÃO

Ao analisarmos o código civil, é possível perceber a sua extensão, pois há 2.046 (dois mil e quarenta e seis) artigos e incontáveis incisos, parágrafos dentre outros, divididos em 5 (cinco) livros, além de normativos específicos fora do código civil, mas que visam igualmente regular as relações civis.

Diante de extensa e complexa legislação são inúmeras as situações vividas no cotidiano da vida civil que têm relevância no mundo jurídico, por ser uma área de imensuráveis possibilidades e mutações constantes, além disso, a vida civil tem inúmeras nuances que devem ser analisadas constantemente e com um olhar amplo e atento, não bastando a extensão e complexidade do diploma normativo.

Há teorias e construções jurisprudenciais amplamente aceitas no nosso ordenamento jurídico, sendo difundidas e debatidas nos tribunais, e este presente trabalho aborda uma delas: A teoria da perda de uma chance.

Como explanado acima, a teoria é uma construção jurisprudencial que vem sendo elaborada no decorrer do último século, de origem francesa, ela vem sendo apreciada em diversas nações, tendo grande incidência nos tribunais brasileiros.

Na tentativa de viabilizar uma compreensão mais adequada e certeira, foram selecionados casos e jurisprudências de modo estruturado, com indicações bibliográficas, permitindo o aprofundamento da pesquisa.


2.ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

De origem francesa, (la perte d'une chance), a teoria da perda de uma chance tem sua primeira ocorrência histórica no dia 17 de julho de 1889 (SILVA E DIAS, 2016), pela Corte de Cassação. Tal julgamento ficou conhecido como Chambre de Requêtes (HIGA, 2011), onde foi reconhecido o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um funcionário que impediu que certo procedimento prosseguisse e, assim, tirou da parte autora a possibilidade de êxito (SANSEVERINO, 2020).

Segundo os ensinamos de ROSENVALD, FARIAS E NETO (2020, p.657), cuida-se de construção doutrinária e jurisprudencial do direito francês - perte dune chance -, sem esquecer da contribuição da Common Law, ao estabelecer parâmetros estatísticos que possam auxiliar na fixação da reparação pela perda de uma chance.

Um dos grandes nomes da teoria da perda de uma chance, Daniel Carnaúba (2013, p.110), nos traz a informação de que no ano de 1932, a Corte de Cassação elaborou o primeiro acórdão, concedendo reparação pela perda de uma chance.

Segundo Flávio da Costa Higa. (2011, página 25)

Tratava-se do caso em que um notário, Sr. Grimaldi, provocou um duplo prejuízo aos seus então clientes, o casal Marnier, em consequência de suas falhas e de sua conduta dolosa, que fez com que eles perdessem a chance de adquirir o imóvel que desejavam, e, ainda por cima, tivessem de arcar com o pagamento de despesas de diversos atos notariais completamente inúteis. Ante tal quadro, o Tribunal de Aix condenou o Sr. Grimaldi a indenizar os prejuízos do casal Marnier.

Outro caso de grande relevância ocorreu na primeira metade do século XX, na Grã-Bretanha, datado de 1911, o loss of a chance doctrine, tratando de um concurso de beleza, Chaplin v. Hicks,segundo Higa (2011,página 36) in comento:

Concurso era, assim, para aspirantes a atrizes, inicialmente com 12 prêmios para três anos de contrato como atriz (4 contratos a 5 libras por semana, 4 contratos a 4 libras por semana e 4 contratos a 3 libras por semana). O Sr Hicks promovedor do concurso dividiu o país em 10 distritos e as fotos das candidatas seriam anexadas aos jornais locais distritais, por meio de escrutínio os leitores dos periódicos votariam nas candidatas que receberiam os prêmios. Após a conclusão da votação, o Sr. Hicks iria marcar um encontro com as 5 finalistas de cada distrito e, dentre as 50 finalistas, iria selecionar as 12 vencedoras, mediante uma audição ou, pelo menos, uma entrevista. O nome da Sra. Chaplin apareceu em 1º lugar no seu distrito. Ela, então, recebeu uma carta para comparecer à fase final de seleção no Aldwich Theatre, em Londres, às 16h do dia 06.01.1909. Entretanto, a carta foi remetida para o endereço errado e, posteriormente, encaminhada à Dundee, onde ela estava, porém, no próprio dia 06.01.1909, o que impossibilitou seu comparecimento a tempo. O júri entendeu que o Sr. Hicks não proporcionou meios razoáveis para dar à Sra. Chaplin uma oportunidade de se apresentar à seleção, e avaliou os danos em 100 libras.

No decorrer do século passado, ocorreram diversos julgamentos que consolidaram a referida teoria, especialmente na segunda metade do século XX. Outro exemplo que merece relevância e destaque, é a teoria que trata de assuntos da área da medicina. Em 1964, um médico teve sua condenação proferida pela Primeira Câmara da Corte de Cassação Francesa por um erro no parto. Na tentativa de facilitar o procedimento, amputou todos os membros da criança (PÊGAS E SANTANNA, 2018),

No Brasil, o primeiro caso registrado ocorreu no Rio Grande do Sul, com a seguinte ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL.MÉDICO. CIRURGIA SELETIVA PARA CORREÇÃO DE MIOPIA, RESULTADO NEVOA NO OLHO OPERADO E HIPERMETROPIA, RESPONSABILIDADE RECONHECIDA, APESAR DE NÃO SE TRATAR, NO CASO, DE OBRIGAÇÃO DE RESULTADO E DE INDENIZAR POR PERDA DE UMA CHANCE.

(APELAÇÃO CIVIL N:589069996, QUINTA CÂMARA CÍVIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: RUY ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, JULGADO EM 12/06/1990).

Com é claro o julgado acima, não houve a condenação na teoria da perda de uma chance, mas sim a sua apreciação diante do caso, sendo justa a citação do Desembargador que assim explicou em seu voto:

É preciso esclarecer, para efeitos de cálculo de indenização, que não se trata de perda de uma chance, a que em certa passagem se referiu o apelante. Na perda de uma chance, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa do agente.

Assim, com a efetiva entrada nos tribunais pátrios, a teoria estava consolidada e, em questão de tempo, ganharia várias formas de aplicação ao caso concreto.


3.CONCEITO

Um dos maiores expoentes do tema, Rafael Peteffi da Silva elaborou um importante enunciado da V Jornada de Direito Civil:

A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

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Sabe-se que o patrimônio pode ser composto de bens materiais e imateriais. Na perda de uma chance, apesar do benefício ser incerto, o dano é certo. (ROSENVALD, FARIAS E NETO, 2020, p.657).

Ressalta-se que por não ter previsão legal no ordenamento jurídico pátrio, há muita controvérsia a respeito da natureza deste dano, tendo posições distintas no sentido de espécie de lucro cessante, de dano emergente, de dano moral e dano autônomo (COSTA,2010).

Tal situação ocorre, pois, a teoria da perda de uma chance somente veio a ser estudada mais a fundo e julgada pelos tribunais na última década do século XX. Dessa forma, tal conceito poderia sim ser enquadrado nos lucros cessantes através de um dos grandes expoentes no direito no século passado sobre o tema.

Pontes de Miranda lecionava: o dano pode consistir em diminuição do patrimônio no momento do fato que o causou, ou em impedimento de elevação do patrimônio; ali, o dano é emergente, damnum emergens; aqui, lucro cessante, lucrum cessans. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: p.213).

Não se pode condenar posicionamentos passados, tais preceitos como apresentados supra são anteriores à constituição de 1988, por mais que a perda de uma chance hoje seja uma espécie de dano claro e límpido, nem sempre foi assim, sendo opacos os institutos. Felizmente, atualmente, a diferença é clara entre os institutos de perda de uma chance, lucros cessantes e dano emergente.

Para melhor visualização, é importante recorrer a doutrina para entender as três espécies de danos apresentados:

Os danos emergentes (dano positivo)

Os danos emergentes são o montante indispensável para eliminar as perdas econômicas decorrentes da lesão reequilibrando o patrimônio da vítima.

Os lucros cessantes (dano negativo)

Os lucros cessantes traduzem aqueles ganhos que, seguindo a ordem natural das coisas, provavelmente afluiriam ao patrimônio da vítima se não tivesse havido o dano.

A perda de chance

A perda de uma chance consiste em uma oportunidade dissipada de obter futura vantagem ou de evitar um prejuízo em razão da prática de um dano injusto. (ROSENVALD, FARIAS E NETO, Manual de Direito Civil, 2020, página 656).

Segundo Cristiano Vieira Sobral Pinto:

Dano emergente e lucro cessante

Dano emergente é aquele que atinge o patrimônio presente da vítima. O lucro cessante atinge o patrimônio futuro da vítima (ganho esperável) impedindo seu crescimento. Lembre-se, aqui, de que não pode ser realizado pedido de lucro cessantes de atividade ilícitas.

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Perda de uma chance

A perda de uma chance consiste na destruição de uma possibilidade de ganho, a qual, embora incerta, apresente contornos de razoabilidade. O benefício não era certo, era aleatório, mas havia uma chance- e essa tinha um valor econômico. Em síntese: Uma privação. O magistrado deverá se valer da proporcionalidade para fixar a indenização. (Direito Civil Sistematizado 2016, página 540-541).

Conforme os entendimentos doutrinários avançam, é importante não deixar de observar como os tribunais estão julgando tal tema. A posição interessante da ministra Nancy Andrighi pode ser destacada no REsp 1.750.233 interposto por uma empresa que pleiteava lucros cessantes, alegando que o estabelecimento comercial (shopping Center), no qual alugaria uma loja, não foi entregue:

A perda de uma chance não tem previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, tratando-se de institutos originários do direito francês, recepcionados pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a idéia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar.

Para a Eminente Ministra, a perda de uma chance é algo intermediário entre dano emergente e os lucros cessantes, Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem, esclareceu.


4. CARACTERIZAÇÃO DO DANO

Conforme apresentado, não resta dúvida de que existe um dano, mas qual seria esse dano? O que a teoria pretende proteger? Como fica caracterizado o dano? De acordo com os ensinamentos de GARCIA e GRAGNANO (2015,p.277), a responsabilidade civil por perda de uma chance tem ganhado força e espaço em alguns assuntos e temas específicos, porém, estes temas têm elementos em comum que caracterizam e distinguem a situação fática da perda de uma chance.

  1. Falhas cometidas por advogado que privaram o cliente da chance de obter êxito na demanda judicial (STJ, Resp n. 993.636/RJ, j. 27.03.2012, Rel. Min. Luis Felipe Salomão) - GRIFO NOSSO

  2. Erro médico por força do qual foram subtraídas ao paciente chances de cura ou sobrevida (STJ, REsp 1.254.141/PR, Rel. Min. Nancy Andighi, j. 4.12.2012);

  3. Falha em sistema antifurto que reduziu as chances de evitar a subtração de bens (TJPR, Apelação Cível n. 551308-0-, Rel. Des. Albino Jacomel, j. 15.10.2009);

  4. Indevida exclusão de concorrente de sorteio, eliminando as chances de ser contemplado (STJ, EDcl no AgRg no AI 1.196.957/DF, Rel. Min. Isabel Galloti, j. 10.04.2012);

  5. Formulação de pergunta sem alternativa de resposta correta na última fase de competição de perguntas e respostas, eliminando as chances de êxito

do concorrente (STJ, REsp n. 788.459/BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 8.11.2005).

Podemos notar que a chance é o bem jurídico em guarda que pode ser definido como a oportunidade de se obter uma posição melhor ou mais favorável, mas a chance é um conceito aberto e abstrato que muitas vezes é de difícil mensuração, devendo ser feita a proteção a chance. Agora, quando a chance deve ser levada em consideração para a obtenção de uma melhor posição, sem previsão legal, é ainda mais subjetiva a discussão.

Adentrando na seara constitucional, atualmente, o direito não pode ser entendido como um conjunto de regras positivadas e que não valem mais que as ponderações. Um processo em que a inicial tem mais de cinco mil folhas, não seria justo/equânime e razoável conceder o prazo legal para a resposta, mesmo tendo o prazo fixado em norma.

Hoje, o direito é ponderação, uma celebre frase que representa o pensamento aqui exposto é atribuída a Eduardo Couture: Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça. Nos ensinamentos da ministra Nancy Andrighi no REsp 1.254.141, A chance em si - desde que seja concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo - é considerada um bem autônomo e perfeitamente reparável.

Ao adentrarmos no conceito e pensamento de Chance, é importante e elucidativo dizer que a chance pode ser interpretada como um bem jurídico autônomo, logo, passível de tutela, não resta dúvida que a chance dever ser clara e real.

Na esteira deste pensamento, no REsp 1.220.911-RS, tendo como Relator o Ministro Castro Meira, j.17.03.2011, a Turma decidiu não ser aplicável a teoria da perda de uma chance ao candidato que pleiteia indenização por ter sido excluído do concurso público após reprovação no exame psicotécnico. De acordo com o Min.Relator, tal teoria exige que o ato ilícito implique perda de oportunidade de o lesado obter situação futura melhor, desde que a chance seja real, séria e lhe proporcione efetiva condição pessoal de concorrer a essa situação No entanto, salientou que, in casu, o candidato recorrente foi aprovado apenas na primeira fase da primeira etapa do certame, não sendo possível estimar sua probabilidade em ser, além de aprovado ao final do processo, também classificado dentro da quantidade de vagas estabelecidas no edital.

Segundo os ditames de GARCIA e GRAGNANO (2015, p.277), são quatro os elementos que caracterizam a situação de perda de uma chance:

1 - A preexistência de um interesse sobre um resultado aleatório é o primeiro elemento necessário para a configuração da situação subjetiva. Esse resultado aleatório, pode ser positivo (chance de se obter vantagem) ou negativo (chance de se afastar um prejuízo) e há, quanto à sua ocorrência, uma incerteza intrínseca ao processo fático em curso e não criada pelo autor do ilícito.

2 - A perda da chance, ocorre a eliminação, subtração ou diminuição da chance de se obter um resultado favorável em virtude de conduta de um terceiro, tal conduta pode ser (comissiva ou omissiva).

3 - Exige-se uma conduta comissiva ou omissiva de alguém que interfere no regular curso do processo fático aleatório, subtraindo ou diminuindo as chances do interessado. O efeito direto da conduta é a privação ou diminuição das chances.

4 - A conduta do lesante tem por efeito direto apenas inviabilizar o conhecimento sobre se a vantagem seria ou não obtida - INCERTEZA CONTRAFATUA, expressão cunhada por Daniel Carnaúba.

Outro ponto que merece destaque é o quantum debeatur, quando se está diante do instituto da perda de uma chance, no REsp 1.254.141-PR, a rel.Min. Nancy Andrighi, j.04.12.2012, entendeu que não é possível a fixação pela perda de uma chance no valor integral correspondente ao dano final experimentado pela vítima, mesmo na hipótese em que a teoria da perda de uma chance tenha sido utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico. Isso porque o valor da indenização pela perda de uma chance somente poderá representar uma proporção do dano final experimentado pela vítima.

Neste mesmo diapasão, é importante lembrar o talvez mais famoso e celebre julgado sobre a perda de uma chance, que é o caso do Show do Milhão, onde a participante ANA LÚCIA SERBETO avançou de forma espetacular nas respostas e se deparou com a famosa pergunta do milhão, com quinhentos mil reais já garantidos, a resposta certa à pergunta lhe garantiria o prêmio milionário, porém, a resposta errada lhe retiraria parte do prêmio já conquistado e somente iria para a casa com trezentos mil reais decorrentes das perguntas respondidas acertadamente.

A estudante de Direito Ana Lúcia se deparou com a seguinte pergunta:

"A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?

Resposta:

1) 22%

2) 02%

3) 04%

4) 10% (resposta correta)

Mister salientar que a constituição não faz esta divisão, não tendo qualquer estatística no dispositivo questionado, em seu capítulo VIII, temos os direitos dos índios, vejamos:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Como é possível se observar na Constituição da República, nada se fala sobre a porcentagem de terras indígenas, assim, não haveria resposta correta para a pergunta final do show do milhão.

Neste entendimento, conforme extraído do REsp 788.459/BA, houve o entendimento pacífico de que não poderia haver este tipo de pergunta, tendo em vista a não previsão constitucional, não obstante, importante ressaltar a fixação do quantum debeatur:

Recurso especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. 1.O questionamento em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.2.Recurso conhecido.

REsp 788.459/BA, rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, j.08.11.2005, DJ - 13.03.2006, p.334)

O voto do Ministro Fernando Gonçalves merece relevante destaque, assim transcrevemos

(...) Como bem salienta a Magistrada na decisão: "... a pergunta foi mal formulada, deixando a entender que a resposta correta estaria na Constituição Federal, quando em verdade fora retirada da Enciclopédia Barsa. E isso não se trata de uma "pegadinha", mas de uma atitude de má-fé, quiçá, para como diz a própria acionada, manter a "emoção do programa onde ninguém até hoje ganhou o prêmio máximo." (fls. 53/54) REsp 788.459/BA.

(...) Resta, em conseqüência, EVIDENTE A PERDA DE OPORTUNIDADE pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta das verdadeiras condições do programa e sua regulamentação, reclama investigação probatória e análise de cláusulas regulamentares, hipóteses vedadas pelas súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com Desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra. (GRIFO NOSSO)

A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens) reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

Entretanto, tal decisão foi muito criticada por parte da doutrina. Rafael Peteffi da Silva assinala (2006, p 202):

Apesar de a decisão ser digna de aplausos, acreditamos que a quantificação do dano poderia sofrer majoração. É forçoso admitir que, no caso em tela, qualquer pessoa, mesmo uma criança em tenra idade ou um animal, teria, matematicamente, ao menos 25% de chances de acertar a derradeira pergunta do programa televisivo. Como a vítima havia mostrado, durante o próprio programa, impressionante conhecimento enciclopédico, acreditamos que, mesmo levando em conta o elevado grau de complexidade da pergunta do milhão, a indenização poderia ter ficado um pouco acima dos 25% concedidos pelo julgamento final .

Assim, o juízo deveria realizar um critério de ponderação, probabilidade e estimativa ao estabelecer o valor devido à vítima, ponderando a probabilidade da chance de fato.

Sobre os autores
Lucas de Souza Cardoso Brandão

Perícias Judiciais e afins.

Informações sobre o texto

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