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Desagregação familiar e delinqüência infanto-juvenil.

Uma reflexão acerca das implicações da ausência paterna no comportamento dos filhos menores

Agenda 16/02/2007 às 00:00

1. Introdução

A questão discutida neste trabalho reside na importância de se ter um conhecimento teórico mais aprofundado sobre as implicações da ausência paterna no comportamento infanto-juvenil, diante da intensificação do número de separações e/ou divórcios, e, principalmente, da pressuposição de que a carência do contato paterno pode induzir a mudanças no comportamento infanto-juvenil, ou seja, "a transmissão da autoridade vai se tornando então cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e recomposições conjugais aumentam". (ROUDINESCO, 2003:19)

A ausência da função paterna, que representa a simbologia da lei, da autoridade, tem sido constantemente relacionada com a violência infanto-juvenil. O pacto com a Lei do Pai prepara e torna possível o pacto social.

Essa questão merece ser refletida especialmente quando nos deparamos com o aumento da criminalidade por parte de crianças e adolescentes. O caso da morte do menino João Hélio Fernandes Vieites, de 6 anos, arrastado por 7 km pelos ladrões que roubaram o carro de sua mãe mostra a necessidade de se discutir as causas dessa violência desmedida.

Porém, antes da abordagem acerca da importância do pai na formação e desenvolvimento dos filhos, serão feitas breves considerações acerca do casamento, da separação, do divórcio, da guarda e das visitas.


2. Breves comentários acerca do casamento e da sua dissolução

Uma das formas clássicas para se constituir família é o casamento. Logicamente, não é, atualmente, a única forma de vida familiar. Inclusive, cabe relembrar que, como fato natural, a família precedeu o casamento. No entanto, dentre os institutos do direito de família, o casamento é o primeiro na ordem cronológica, pela sua importância, pela sua abrangência e pelos seus efeitos.

Nos termos do art.1.565 do Código Civil de 2002, "pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família". Assegura também que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. E, em seu art. 1566, o referido Código estipula os deveres dos cônjuges. Dentre eles, encontra-se o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. (BRASIL, 2002).

Não há duvidas acerca da finalidade de constituição de sociedade conjugal pelo casamento. No entanto, diante da previsão legal da separação e do divórcio, o compromisso assumido pelo homem e pela mulher de viverem juntos deixou de possuir um caráter de perpetuidade. Vale lembrar que a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial também findam-se pela morte de um dos cônjuges, uma vez que a morte põe termo a todas as relações jurídicas. Cabe ressaltar que, com a separação judicial só se extingue a sociedade conjugal, posto que o vínculo matrimonial permanece intacto, o que impede os cônjuges de contrair novas núpcias. Somente a morte, a anulação e o divórcio rompem o vínculo, autorizando os ex-cônjuges a contrair novas núpcias.

A conquista legislativa do direito de romper o vínculo matrimonial foi obtida, no Brasil, depois de muita luta. Uma das barreiras para a legalização do Divórcio no Brasil deve-se ao fato da forte atuação da Igreja Católica.

O Direito Brasileiro sempre adotou a separação de corpos e dissolução da sociedade conjugal, não se podendo dizer o mesmo quanto ao divórcio (dissolução do vínculo). Anteriormente à lei n.º 6.515 de 26 de dezembro de 1997, havia a previsão do "Desquite", hoje denominado "Separação Judicial". O Desquite configurava uma sanção para o comportamento de um dos cônjuges, contravenientes aos deveres fundamentais do matrimônio. O antigo "desquite litigioso" punia o adultério, a tentativa de morte, as sevícias, a injúria grave, o abandono do lar. Com o advento da lei 6.515/77, a denominação "desquite" foi substituída por "Separação Judicial Litigiosa ou Consensual".

A Constituição da República de 1988, por sua vez, trouxe um avanço ainda maior quanto à possibilidade do divórcio. Os prazos estabelecidos na Emenda Constitucional n.º 09, de 28 de junho de 1977 foram reduzidos. Assim, em seu art. 226, §6º, a CR/88 previu a possibilidade do Divórcio após um ano da separação judicial, ou comprovada por mais de dois anos a separação de fato. Com isso, ficou instituído o Divórcio direto. O casamento religioso com efeitos civis também foi protegido pela Constituição vigente, em seu art. 226, §1º, que assim versa: "O casamento é civil e gratuita a celebração", §2º: "O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei". Foi editada, em seguida, a lei n.º 7.841, de 1989 que alterou os arts. 16, parágrafo único, e 40 da lei 6.515/77, bem como revogou os arts. 18. e 40, §1º, da lei n.º 6.515/77.

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Ocorrendo o rompimento da sociedade conjugal, seja pela separação ou pelo divórcio, havendo filhos menores, o instituto da guarda será regulamentado, uma vez que os pais têm o direito de terem os filhos em sua companhia. O Código Civil de 2002 dispõe que no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial, por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos ou não havendo o acordo, o juiz decidirá a quem deve ser atribuída a referida guarda.

Nesta abordagem, não se adentrará no mérito acerca de qual genitor apresenta-se como o detentor de melhores condições para exercê-la. Assim, o foco de atenção será para os casos em que a guarda direta dos filhos ficou com a genitora para se avaliar as implicações da ausência paterna.

A conseqüência jurídica imediata da guarda indireta são as visitas. O art. 1.589. do Código Civil de 2002, dispõe que "O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação". (BRASIL, 2002)

Com a separação e/ou divórcio, nos casos em que a guarda direta fica com a genitora, ocorre uma inevitável ruptura do contato entre o pai e o filho, portanto, faz-se necessário a abordagem acerca da importância da função paterna para o desenvolvimento e socialização das crianças e adolescentes.


3. A importância do pai na formação e desenvolvimento dos filhos

A importância do pai é uma premissa já instituída em nossa sociedade, tanto que ela é relatada pelos meios difusores da cultura de cada sociedade. No cinema, por exemplo, existem várias abordagens da relação do pai com o filho, como o filme "Kramer vs. Kramer", da Columbia Pictures, produzido por Stanley R. Jaffe, escrito, adaptado e produzido por Robert Benton, premiado pela Academia, contextualizado na sociedade americana da década de 70.

Além desse exemplo, são vários outros os casos, no cinema, acerca da importância ou das implicações da ausência ou presença paterna.

Mitscherlich (1970) ilustra a situação do desaparecimento da imagem paterna ao comentar sobre o filme mexicano Los Olvidados. Constata-se pela abordagem dos dois casos do filme Los Olvidados, que a total ausência paterna ou a ausência parcial trazem implicações comportamentais para a criança e o adolescente. Por outro lado, evidencia-se a importância da presença paterna na formação e sedimentação do caráter dos filhos.

Um exemplo do cinema brasileiro é O filme Central do Brasil, de Walter Salles, que, além de mostrar com delicadeza, a brutalidade e a dura realidade de um povo brasileiro, remete à reflexão a fundamental e estruturante questão do pai.

Em comentários acerca do filme de Central do Brasil, Pereira (2004) esclarece que todo ser humano precisa de uma imagem (boa) do pai para conquistar a estruturação como sujeitos. No entanto, não vivemos somente dessa imagem. O filme Central do Brasil também mostra que só a imagem do pai não basta, uma vez que o filho deseja o tempo todo, principalmente após a morte de sua mãe, conhecer o pai falado por ela. Ao buscar o pai físico, o personagem se decepciona. No entanto, demonstra que não é possível viver só da imagem paterna. Nas palavras de Pereira (2004), "para a construção do mundo real é preciso também um pouco de carne. É necessário a presença viva do pai".

Roudinesco (2003) referindo-se a Jean-Louis Flandrin aborda a questão relativa à forma como a criança deve ser tratada. Assim, afirma que a criança surgiu para ser amada e educada e é na consciência desses deveres de amor e de educação, que a família moderna se constituiu como célula base de nossa sociedade. Nesse sentido, o casal deve sentir, em cada um dos seus atos, responsável pelo futuro da criança que trouxeram ao mundo.

A importância da presença materna e paterna para o desenvolvimento da criança também é entendimento uníssono na doutrina. A criança vive principalmente nas ligações afetivas e daí retiram o fortalecimento da própria existência. Tanto que o abandono psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção. é considerado pior que o abandono material (PEREIRA, 2004).

Vale ressaltar que a pessoa é formada quando ainda é criança, incluindo-se os traços de caráter. Assim, a ausência do pai ou da mãe retira um fator de referência da criança.

A importância da mãe é amplamente admitida por diversas áreas do conhecimento. A orientação da vivência feminina é demonstrada pela segurança outorgada ao filho e na segurança que este tem de si próprio. Todavia para o filho galgar e alcançar o mundo das vivências humanas e o do próprio ser precisa do encontro com o pai e com a mãe.

Segundo Juristsch (1970), a ausência do pai restringe o campo de vivência infantil, uma vez que, permanecem inexploradas muitas possibilidades psíquicas que influenciarão em maior ou menor grau na conduta infantil. Isto porque lhe falta a coragem e a segurança de si para encontrar-se com o mundo e com as outras pessoas.

Com a separação e/ou divórcio dos pais, permanecendo a guarda com a mãe, ocorre um esmaecimento da imagem paterna, na medida em que o contato com o pai torna-se restrito ou mesmo nulo.

Ao tratar da importância do pai para a formação e desenvolvimento do filho, necessário se faz entender as linhas básicas da abordagem psicanalítica acerca do assunto.

Os teóricos psicanalíticos acreditam que a interação entre as características inatas da criança e o ambiente desempenha um papel central na criação de diferenças de personalidade.

Como o complexo de Édipo é correntemente citado por diversos autores na abordagem da importância paterna/materna no desenvolvimento dos filhos, convém melhor explicá-lo nesse momento. Apesar de não estar completamente explicada a forma como ocorre, a teoria sugere que o menino se torna intuitivamente consciente de sua mãe como um objeto sexual. O ponto importante é que, por volta dos 4 anos, o menino começa a ter um espécie de apego sexual à mãe e a considerar o pai como um rival sexual, uma vez que este tem um contato corporal com a mãe que o filho não tem. Além disso, o filho vê o pai como uma figura poderosa e ameaçadora, com o poder supremo que é o poder de castração. Assim, o filho fica dividido entre o desejo pela mãe e o medo do poder do pai.

Bee (1996) explica que a maior parte desses sentimentos oriundos do complexo e o próprio conflito são inconscientes. O menino não apresenta comportamentos ou sentimentos sexuais claros em relação à mãe, mas, inconscientemente ou não, o resultado deste conflito é a ansiedade.

Quanto à menina, na mesma linha de raciocínio acima exposta, esta também vê a mãe como uma rival pelas atenções sexuais do pai com a mãe. Além disso, também fica com um pouco de medo da mãe, embora, em menor grau que o menino, já que ela pode supor que já fora castrada. Freud também considera que a solução para a ansiedade é o processo de identificação com a mãe. (BEE, 1996).

Quanto à importância da presença paterna na fase da adolescência, convém ressaltar que o perfeito desenvolvimento no período compreendido como infância é crucial para o enfrentamento da fase seguinte, que é a adolescência. Segundo Costa (2001), a adolescência é um período marcado por interesses especializados, ou no mínimo, pela busca deles, contextualizada numa época de grandes tempestades e perturbações emocionais. Acrescenta que "a adolescência transita nos extremos alternantes entre uma intensa generosidade e espírito de sacrifício e um acentuado egocentrismo, caracterizado mormente por reivindicações absurdas de direitos".

A necessidade de um referencial na adolescência é importante na medida em que se constata, naquele período, a busca desesperada pelos adolescentes de modelos, que traduzam uma imagem daquilo que se quer ser no futuro, enfim, que possam dar uma idéia da vocação a ser abraçada (COSTA, 2001).

Para Adorno e Horkheimer (1966:222), "os jovens manifestam a tendência a se submeterem a qualquer autoridade". Ressaltam que não importa o conteúdo da autoridade, pois, basta que ela ofereça proteção, satisfação narcisista, vantagens materiais e "a possibilidade de desafogar em outros o sadismo no qual encontram respaldo a desorientação inconsciente e o desespero".

A realidade vivenciada hoje, sob a forma de assaltos, roubos, assassinatos, estupros, ou seja, um aumento na criminalidade por parte de adolescentes, evidencia o reflexo da desestrutura familiar na sociedade. Quando esses adolescentes procuram o que lhes falta em casa, a rua, a sociedade não os acolhe, dando, também o rompimento do pacto social.

Pereira (2004) assegura que a ausência das funções paternas já se apresenta hoje, inclusive, como um fenômeno social alarmante, e provavelmente é o que tem gerado as péssimas conseqüências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinquência juvenil, menores de rua e na rua etc.


4. Considerações finais

Diante destas considerações, fica evidente a importância da presença paterna no período compreendido pela infância e adolescência.

No entanto, convém ressaltar que o significante paterno só tem importância se for constituído com base no amor. Isto porque a autoridade paterna às vezes se apresenta com um caráter despótico.

Dessa forma, a lei simbólica do pai não pode ser impingida sem um conteúdo de sustentação. O temor à lei, somente enquanto temor leva-nos às situações sombrias da violência, porque não há um outro propósito no ato cometido para além do infligir dor, coagir pelo medo. Assim, a simbologia paterna deve ser construída com base no afeto, aquele afeto que desenvolve nas crianças e adolescentes os atributos para o alcance da verdadeira emancipação.


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Sobre a autora
Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo

advogada em Viçosa (MG), mestranda em Economia Familiar pela Universidade Federal de Viçosa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Iglesias Fernanda Azevedo. Desagregação familiar e delinqüência infanto-juvenil.: Uma reflexão acerca das implicações da ausência paterna no comportamento dos filhos menores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1325, 16 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9502. Acesso em: 22 nov. 2024.

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