Resumo: o presente artigo tem como objetivo principal o estudo acerca dos impactos da pandemia de COVID-19 no direito contratual brasileiro, perpassando pelas novas legislações editadas já durante o período pandêmico, bem como pela jurisprudência pátria. Foram aplicados os métodos de abordagem dedutivo e qualitativo, efetuando-se a pesquisa por meio da análise de legislações, jurisprudência e da doutrina especializada. Concluiu-se que, no que pese a impossibilidade de avaliar a totalidade dos impactos da pandemia no direito contratual, já é possível verificar-se grande intervenção da COVID-19 nos contratos realizados no país.
Palavras-chave: direito contratual. Pandemia. COVID-19. Onerosidade excessiva.
1. Introdução
No ano de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarava que a COVID-19, doença causada por uma espécie de coronavírus, havia se espalhado ao ponto de se tornar uma pandemia.
Em razão da necessidade de contingência da circulação do vírus, países por todo o mundo estipularam medidas sanitárias de isolamento social. Com isso, a maior parte dos estabelecimentos, como lojas, escolas e diversos outros, tiveram que fechar suas portas. Além disso, várias famílias perderam entes queridos com o avanço da doença pelo mundo.
Desse modo, surgiu-se a necessidade de observar os impactos da pandemia no direito contratual brasileiro, pois basta uma rápida análise para verificar-se que a situação pandêmica se reveste de características imprevisíveis e que impactam diretamente nas avenças realizadas entre pessoas.
Para tanto, o presente artigo busca estudar o que se define como contrato no direito brasileiro, bem como as maneiras que este pode ser revisto ou encerrado. Não obstante, serão estudadas ainda as legislações editadas durante a pandemia que se insiram nesse contexto e a jurisprudência pátria que tratou de casos já judicializados sobre o tema.
2. Contrato
Os contratos constituem-se como um importante ramo do Direito Civil, haja vista a vasta presença nas relações sociais e econômicas diárias. Dessa forma, não se pode imaginar a sociedade sem a ocorrência de contratos, visto que estes são a maneira mais comum e mais abrangente de negócio jurídico presente no cotidiano.
Para o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. (GONÇALVES, 2017, p. 15), dessa forma, como preleciona o autor, a participação de ao menos dois integrantes é condição precípua de validade contratual. Por conseguinte, os contratos serão bilaterais, quando ocorrer a presença de duas partes, ou plurilaterais, diante de três ou mais partes.
Eis o que diz o doutrinador, in verbis:
O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Com efeito, distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. Contrato é, portanto, como dito, uma espécie do gênero negócio jurídico (GONÇALVES, 2017, p. 15)
Nesse vértice, cumpre destacar que tais partes precisam estar em comum acordo de vontade, sob pena de invalidade do pleito contratual, isto porque, o fundamento principal do contrato é a vontade humana, manifestada de forma livre e cristalina, respaldada obviamente, pela legalidade jurídica.
Assim, constata-se em um panorama geral, que o contrato é um acordo de vontades com o fito de criar, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos e obrigações (GONÇALVES, 2017). Portanto, em virtude de tamanha abrangência de atuação e efeitos, o contrato não se limita ao Direito das Obrigações, mas a várias searas do Direito Privado e Direito Público (mormente aos contratos realizados pela administração pública com um particular).
2.1. Condições de Validade do Contrato
Como todo e qualquer negócio jurídico, o contrato possui critérios de validade que necessitam estar em harmonia para produzir efeitos. Na hipótese desses elementos figurarem presentes, o contrato produzirá efeitos válidos, ao passo que, diante de situação de ausência de tais requisitos, o contrato, bem como seus efeitos apresentarão como inválidos e infrutíferos.
De acordo com Gonçalves (2017), há duas formas de requisitos de validade dos contratos, sendo os requisitos de ordem geral, aqueles que se aplicam a todos os negócios jurídicos, e os de ordem especial, aqueles específicos aos contratos.
Os requisitos subjetivos são aqueles relativos às partes, quais sejam; o consentimento, a manifestação de vontade e capacidade dos contraentes e na aptidão para contratar. Todos esses requisitos necessitam estar presentes, sob pena de invalidade contratual.
Acerca do consentimento, ensina a doutrina:
O consentimento deve ser livre e espontâneo, sob pena de ter a sua validade afetada pelos vícios ou defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude. A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa (CC, art. 111). Expressa é a exteriorizada verbalmente, por escrito, gesto ou mímica, de forma inequívoca. Algumas vezes a lei exige o consentimento escrito como requisito de validade da avença. (GONÇALVES, 2017, p. 30)
Em que pese a capacidade das partes, percebe-se que esta se refere à capacidade civil comum, tão preconizada em legislação afim. Eis o que diz Carlos Roberto Gonçalves:
A capacidade exigida nada mais é do que a capacidade de agir em geral, que pode inexistir em razão da menoridade (CC, art. 3º), ou ser reduzida nas hipóteses mencionadas no art. 4º do Código Civil (menoridade relativa, embriaguez habitual, dependência de tóxicos, impossibilidade de manifestação da vontade em virtude de causa transitória ou permanente, prodigalidade). (GONÇALVES, 2017, p. 29).
No tocante à capacidade específica para contratar, esta, diferentemente da capacidade geral, possui maiores peculiaridades, conforme aduz o doutrinador, in verbis:
Além da capacidade geral, exige a lei a especial para contratar. Algumas vezes, para celebrar certos contratos, requer-se uma capacidade especial, mais intensa que a normal, como ocorre na doação, na transação, na alienação onerosa, que exigem a capacidade ou poder de disposição das coisas ou dos direitos que são objeto do contrato. Outras vezes, embora o agente não seja um incapaz, genericamente, deve exibir a outorga uxória (para alienar bem imóvel, p. ex.: CC, arts. 1.647, 1.649 e 1.650) ou o consentimento dos descendentes e do cônjuge do alienante (para a venda a outros descendentes: art. 496) Essas hipóteses não dizem respeito propriamente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimentos para a realização de certos negócios. A capacidade de contratar deve existir no momento da declaração de vontade do contratante (GONÇALVES, 2017, p. 29-30)
Assim, parece de salutar importância mencionar que, como o contrato pauta-se na pluralidade de partes, onde estas manifestam suas vontades de forma clara e livre, não há, portanto, a existência de autocontrato ou contrato consigo mesmo. No entanto, é válida a hipótese de ambos os contraentes definirem um representante legal em comum destinada à realização dos feitos contratuais, de modo que este representante não figurará no âmbito do negócio jurídico, realizando apenas, uma dupla representação.
Adentrando nos requisitos objetivos, estes versam acerca do objeto foco do contrato, de modo que deve ser lícito, possível, determinável ou determinado (GONÇALVES, 2017). Dessa forma, a validade do contrato está completamente relacionada com a licitude do objeto (pois contratos que versem sobre objetos ilícitos são inválidos), a possibilidade física e/ou jurídica do mesmo (o contrato necessita que os bens jurídicos tratados sejam possíveis, sob pena de nulidade), e a determinação (necessita-se de ao menos alguma determinação quando ao gênero do objeto contratual (GONÇALVES, 2017)
Os requisitos formais dizem respeito sobre a maneira de externar a manifestação de vontade dos contraentes, que se realizará sob forma prescrita e não defesa em lei. Em suma, cumpre relatar que no direito pátrio, a forma contratual, em tese, é livre, sendo permitido às partes definir o meio de realização, quando assim a lei permitir, haja vista que, o dispositivo legal pode exigir forma específica em certas situações, de acordo com artigo constante na legislação cível (GONÇALVES, 2017).
Assim, existem no cenário contratual nacional três formas: livre, especial e solene. A forma livre, como a literalidade vernacular já expõe, não predefine parâmetros de obrigatoriedade pela lei, podendo o contrato ser realizada por via escrita, oral, dentre outras formas. Imperioso citar que tal tipo de forma é o mais comum no direito pátrio. Já a forma especial possui exigência no próprio dispositivo legal, que obriga as partes a realizar o contrato de acordo com aquela solenidade constante em lei, com o fito de dar maior celeridade ao ato. Por fim, a forma contratual é aquela convencionada pelas partes, conforme dispõe o artigo 109 do Código Civil (CC), de modo que os contraentes podem decidir (GONÇALVES, 2017).
3. Causas supervenientes que afetam o contrato
Conceituado o contrato e tratado modo como se dá sua formação, cumpre tratar sobre a extinção contratual. No entanto, em virtude do assunto tratado no presente trabalho, serão estudadas apenas as modalidades de extinção contratual por causas supervenientes à formação do contrato, com especial atenção à Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva, a serem tratadas logo mais. Isso, pois no escopo do estudo dos efeitos causados pela pandemia de COVID-19 no direito contratual é preponderante o caráter de superveniência dos fatos.
Entretanto, para fins de esclarecimento, cumpre rapidamente destacar como se dá a extinção natural de um contrato. Gonçalves (2017), afirma que o contrato normalmente se extingue com a execução dos termos avençados, após isso, deverá o credor dar quitação ao devedor nos termos do art. 320. do CC.
No entanto, como dito alhures, visualizam-se pertinentes para o presente estudo as situações em que o contrato é extinto sem que sejam cumpridos seus termos. Verifica-se que a doutrina especializada divide a extinção contratual por causa superveniente em três gêneros: resolução, resilição e rescisão (GONÇALVES, 2017).
3.1. Rescisão
Gonçalves (2017) esclarece que devem ser extintos por meio da rescisão os contratos eivados de vícios, como a lesão ou o estado de perigo. Ambos tratam-se de defeitos do negócio jurídico, previstos no CC:
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. (BRASIL, 2002, s/n)
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1 o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2 o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. (BRASIL, 2002, s/n)
Em ambas as situações, o CC autoriza a anulação do negócio jurídico dentro do prazo de quatro anos, a contar da data em que se realizou o negócio jurídico, nos termos do art. 178, II (BRASIL, 2002).
3.2. Resilição
A resilição deverá ocorrer naquelas situações em que as partes contratantes, unilateral ou bilateralmente e por ato volitivo, decidem por fim ao contrato (GONÇALVES, 2017). À resilição bilateral dá-se o nome de distrato e este poderá ser realizado em contratos de qualquer natureza (GONÇALVES, 2017). O CC estabelece que o distrato deverá seguir a mesma forma exigida para o contrato: Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. (BRASIL, 2002, s/n).
Lado outro, a resilição contratual unilateral necessita especificidades para que produza seus efeitos. É necessário que a natureza do contrato possibilite a resilição unilateral, bem como necessário que se comunique ao outro contratante a extinção do contrato (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Gonçalves (2017) arrazoa que nos contratos personalíssimos, a morte daquele que foi contratado em virtude de sua peculiaridade é motivo suficiente para a resilição contratual, tendo em vista que o caráter intuitu personae da obrigação impede que esta seja cumprida por terceiro.
3.3. Resolução
Por fim, tratando-se da resolução contratual, estabelece Gonçalves (2017) que esta se dá em razão do não cumprimento dos termos avençados por uma das partes do contrato. No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2017) afirmam que o não cumprimento da obrigação poderá se dar de maneira culposa ou involuntária.
Quando a resolução se dá de maneira culposa, após ato voluntário de um dos contratantes, surge para o contratante que deu causa à resolução o dever de indenizar (GONÇALVES, 2017).
Por sua vez, quando adentramos ao estudo da inexecução contratual involuntária, verifica-se o cerne do impacto da pandemia no direito contratual brasileiro.
Na inexecução involuntária, o contratante deixa de cumprir com sua obrigação em virtude da ocorrência do caso fortuito e do motivo de força maior (GONÇALVES, 2017). Gagliano e Pamplona Filho (2017) estabelecem que ao caso fortuito relaciona-se à imprevisibilidade, ao passo que ao motivo de força maior, relaciona-se à inevitabilidade. Nessa toada, nota-se que Ainda não é possível dimensionar o tamanho do impacto na economia brasileira e os setores que serão mais atingidos, contudo, é possível afirmar que as relações contratuais serão inevitavelmente atingidas, o que já começa a ocorrer. (LEITE, 2020, s/n).
É nesse contexto que se destaca a resolução contratual pela onerosidade excessiva, tratada a seguir.
3.3.1. Teoria da Imprevisão e a onerosidade excessiva
Segundo Gonçalves (2017), originada na Roma Antiga e difundida na Idade Média, a cláusula rebus sic stantibus trata-se de uma cláusula implícita em nos contratos de trato sucessivo, consistente na previsão de que uma vez alteradas as condições de fato dos contratantes em virtude de acontecimento superveniente revestido de caráter extraordinário, será possível a resolução ou revisão da obrigação.
A partir deste antigo postulado, criou-se em nosso ordenamento jurídico a Teoria da Imprevisão, que visa o balanceamento da relação contratual a partir de fatos supervenientes revestidos de imprevisibilidade e alheios aos contratantes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Acerca da Teoria da Imprevisão, Gagliano e Pamplona Filho (2017) discorrem que há três fundamentos: a superveniência da circunstância imprevisível, a onerosidade excessiva para as partes e alteração da base econômica do contrato.
Gonçalves (2017) postula que essa teoria ingressou no ordenamento jurídico brasileiro definitivamente através do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que disciplinou expressamente a possibilidade de revisão contratual em caso de fatos supervenientes. No entanto, Gagliano e Pamplona Filho (2017) chamam atenção para o fato de que o CDC nada dispõe sobre a necessidade de imprevisibilidade do fato superveniente, razão pela qual argumentam ser mais adequado falar neste caso sobre a Teoria da Onerosidade Excessiva.
Gonçalves (2017) elenca como requisitos para a aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva a existência de contrato de trato sucessivo ou execução diferida, o fato superveniente, revestido de imprevisibilidade, a alteração da situação das partes contratantes e o nexo causal entre o fato e o aumento da onerosidade.
No escopo do CC, ambas as teorias são consagradas por meio de algumas previsões, como exemplo os arts. 317. e 478 do diploma em comento:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. (BRASIL, 2002, s/n)
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. (BRASIL, 2002, s/n)
Conforme se depreende dos textos legais acima, a legislação brasileira abrangeu as situações de revisão e resolução contratual por fato superveniente. Conforme Gonçalves (2017) a existência das duas previsões demonstra que, nas situações em que a revisão contratual não se mostrar medida adequada para o reequilíbrio da avença, a medida a ser tomada é a extinção do contrato.
Ressalta-se, ainda, a previsão constante do art. 399. do CC:
Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. (BRASIL, 2002, s/n)
Nesse sentido, afirma Gonçalves (2017) que não poderá ser levantado o fato extraordinário pelo devedor que já estava em mora anteriormente ao fato que gerou a onerosidade excessiva.
Ainda, em respeito ao princípio da conservação dos contratos, o art. 479. do CC estabelece que Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. (BRASIL, 2002, s/n). Dessa forma, assevera Gonçalves (2017) que a parte credora da obrigação que se tornara excessivamente onerosa em virtude de fato superveniente poderá oferecer alterações contratuais para facilitar ao devedor o adimplemento da obrigação e evitar a resolução contratual.
4. Legislações editadas no âmbito da pandemia que afetam o direito contratual
No escopo do surto de COVID-19, foram editadas várias legislações para tentar lidar com os efeitos diversos da pandemia no Brasil. Para o direito contratual, houve algumas legislações com considerável impacto, que serão tratadas adiante.
A primeira lei produzida nesse período inserida no contexto do direito contratual foi a Lei nº 14.046/2020. Surgida a partir da Medida Provisória (MP) nº 948, a lei em comento regulou questões relativas ao adiamento e cancelamento de serviços, reservas e eventos dos setores de turismo e cultura por força da pandemia (BRASIL b, 2020). Tartuce (2020) argumenta que tal lei tem como objetivo proteger as empresas atuantes nesses ramos:
A norma tem claro intuito protetivo das empresas, para "salvar" esses setores, em detrimento dos direitos e interesses dos consumidores. Entre as suas regras que devem ser destacadas, o art. 2º estabelece que, na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, em razão da pandemia, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: a) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou b) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas. (TARTUCE, 2020, s/n)
A referida lei viria posteriormente a ser alterada pela Lei nº 14.186/2021, que modificou, principalmente o art. 2º da Lei nº 14.046/2020, que dispõe acerca do reembolso dos valores pagos pelo consumidor em virtude do adiamento ou cancelamento de shows, eventos ou serviços (BRASIL b, 2020).
Tartuce (2020) também destaca a Lei nº 14.034/2020, que foi editada no intuito de tratar das regras aplicáveis à aviação civil. O autor esclarece que, ao contrário de outras leis editadas no período da pandemia, a Lei nº 14.034/2020 realizou alterações permanentes na legislação pátria, incluindo novas previsões no Código Brasileiro de Aeronáutica:
Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga. (BRASIL, 1986, s/n)
Tartuce (2020) ressalta as inovações no tocante aos contratos para transporte aéreo. O autor indica que a legislação foi modificada no sentido de criar um rol de situações supervenientes que serão consideradas como caso fortuito ou força maior:
Conforme o novo § 3º do art. 256. do Código Brasileiro de Aeronáutica, incluído pela lei 14.034/2020, constitui caso fortuito ou força maior, para fins de análise do atraso do voo, a ocorrência de um ou mais dos seguintes eventos, desde que supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis: a) restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas impostas por órgão do sistema de controle do espaço aéreo; b) restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária, podendo aqui ser enquadrado, por exemplo, o "apagão aéreo" que nos acometeu no passado; c) restrições ao voo, ao pouso ou à decolagem decorrentes de determinações da autoridade de aviação civil ou de qualquer outra autoridade ou órgão da Administração Pública, que será responsabilizada, podendo aqui também se enquadrar esse eventos; e d) a decretação de pandemia ou publicação de atos de Governo que dela decorram, com vistas a impedir ou a restringir o transporte aéreo ou as atividades aeroportuárias, hipótese essa, sim, que tem relação com a crise decorrente da Covid-19. (TARTUCE, 2020, s/n)
Por fim, temos a Lei nº 14.010/2020, que criou o Regime Jurídico Emergencial Transitório de Direito Privado (TARTUCE, 2020). Conforme assevera Tartuce (2020), a legislação em comento estabeleceu mudanças em relação aos prazos prescricionais e decadenciais, conforme se pode notar da redação da lei abaixo transcrita:
Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. § 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. § 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207. da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (BRASIL a, 2020, s/n)
Outra importante previsão da lei em comento se encontra no art. 6º, que trata dos efeitos das execuções contratuais: Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393. do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos. (BRASIL a, 2020, s/n). Tartuce (2020) esclarece que, por força da previsão retro, os efeitos dos contratos serão ex nunc, isto é, efeitos aplicáveis a partir dos eventos.