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Uma análise jurisprudencial e doutrinária das divergências que cercam a tutela provisória antecipada antecedente

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Para obstar a estabilização da tutela provisória antecipada antecedente, a lei exige a interposição de recurso. Contudo, o STJ vem aceitando outras formas de impugnação.

Resumo: O presente trabalho é resultado da percepção geral dos operadores do direito acerca da insegurança jurídica que envolve a tutela provisória de urgência de natureza antecipada em caráter antecedente. Por meio deste, buscou-se conceituar, de maneira sucinta, as diversas figuras normativas e doutrinárias que cercam o tema, tendo como norte as lições de grandes pensadores contemporâneos e julgados recentes, que serviram para aclarar as omissões e contradições que se abstrai da leitura texto legal. Como tema central, foi esmiuçada a principal divergência jurisprudencial nos tempos atuais, que é se a mera demonstração de irresignação do requerido frente a uma decisão concessória de tutela provisória antecipada antecedente pode evitar a estabilização e manutenção de seus efeitos. A abordagem se justifica em razão de haver dois posicionamentos conflitantes, ambos emitidos pelo Tribunal da Cidadania. A diretriz metodológica científica utilizada foi a dedutiva, tendo sido concluído que, ainda que respeitando as opiniões contrárias, o legislador foi claro ao utilizar-se da expressão recurso como única forma de obstar a estabilização da tutela.

Palavras-chave: Tutela provisória. Cognição sumária. Tutela antecipada antecedente. Estabilização da tutela provisória.


1. Introdução

A tutela provisória foi regulada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Livro V do Código de Processo Civil de 2015, tendo os posicionamentos divergentes quanto a sua aplicação perdurado até os dias atuais, tanto na jurisprudência quanto na doutrina.

Diferentemente do antigo Código de Processo Civil, atualmente as formas de concessão de medidas antecipativas ou cautelares foram reunidas em torno de uma única figura, não mais existindo, por exemplo, o procedimento cautelar apartado do feito principal, como antes previa o artigo 796, do regramento processual de 1973.

As novas modalidades foram definidas como tutelas provisórias de urgência e de evidência. Dentro da ramificação das tutelas de urgência, insta salientar a existência de divisão entre as medidas que visam assegurar a efetividade de um eventual comando condenatório, também chamadas de cautelares, e as que pretendem antecipar os efeitos de uma futura ordem judicial, também chamada de tutela antecipada.

De forma inovadora, foi previsto pelo legislador a figura da tutela antecedente, que, em apertada síntese, pode ser definida como o deferimento de uma medida cautelar ou de uma medida antecipada antes mesmo da existência da ação principal. Contiguamente, inseriu-se também a possibilidade de estabilização da medida antecipada antecedente, desde que preenchidos os requisitos legais.

Desde a sua vigência, o tema da estabilização vem sendo cotidianamente esmiuçada pelos operadores do Direito, mas, em diversos pontos, ainda verifica-se a inexistência de consenso no meio jurídico.

Promovendo uma pesquisa quantitativa e bibliográfica, o presente trabalho tem o fito de realizar a análise das divergências jurisprudenciais e doutrinárias acerca da estabilização da tutela provisória antecipada antecedente, expondo os principais pontos de contato entre os conflitos, sobretudo acerca dos posicionamentos diferentes exarados nos REsp 1.760.966/SP e REsp 1.797.365/RS pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, quanto ao termo “recurso” empregado no texto legal.


2. Tutela jurisdicional e sua a modalidade precária

A ideia de tutela jurisdicional está intrinsecamente ligada a função incumbida ao Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, enquanto seus membros investidos da jurisdição estatal, sendo, no conceito utilizado pelo ordenamento jurídico brasileiro, a substitutividade1 do interesse individual pelo comando emanado pelo Estado-juiz uma das características principais que regem a jurisdição.

Sobre o tema, Marcus Vinicius Rios Gonçalves2 bem elabora:

Nas sociedades modernas, o Estado assumiu para si, em caráter de exclusividade, o poder-dever de solucionar os conflitos. Desde então, compete-lhe a elaboração das regras gerais de conduta e a sua aplicação aos casos concretos. Ele é suficientemente forte para impor a qualquer membro da coletividade o cumprimento da norma jurídica concreta. A solução dos conflitos é dada pelo Estado mesmo quando ele próprio é um dos envolvidos, por isso há divisão de funções das atividades estatais. Compete ao Estado-juiz a solução dos conflitos de interesses, que, desde então, passou a ser imparcial. O Estado substituiu-se às partes, incumbindo a ele dar a almejada solução para o litígio.

Releva realçar que para a concretização da jurisdição por meio da tutela jurisdicional é necessário, além de outras premissas, que situação seja submetida a um rito processual específico e previsto anteriormente. Em nosso ordenamento jurídico, as regras procedimentais vigentes na seara cível estão previstas, em sua grande maioria, na Lei n° 13.105/2015, também chamada de Código de Processo Civil.

Em que pese os avanços e atualizações trazidas pela nova legislação, é cediço que um dos grandes problemas que ainda permeia o Judiciário brasileiro é a demora na prestação jurisdicional efetiva. O presente trabalho não busca discutir ou mesmo encontrar métodos para incentivar a celeridade processual, mas a constatação torna-se fundamental para o entendimento da função da tutela provisória.

No sistema processual vigente, a tutela jurisdicional é proferida observando-se princípios basilares e constitucionais, a exemplo da isonomia, do contraditório e do devido processo legal. Findo o rito procedimental previsto, a autoridade judicante proferirá sua decisão em análise ao conjunto de provas colacionadas ao processo. Essa decisão tem, por sua natureza, a característica de exaurimento da matéria levada a apreciação, uma vez que foi submetida ao conhecimento e possível atuação da outra parte para influir na convicção do magistrado.

A cognição exauriente da matéria, em teoria, deveria ser o objetivo de todo aquele que bate às portas do Judiciário, uma vez que esta, após a sua definitividade, é a concretização da tutela jurisdicional na sociedade.

Entrementes, ao respeitar os requisitos necessários para a formação da cognição exauriente, é válido ressaltar que o lapso temporal tende a ir em desfavor daquele que pretende a obtenção da tutela judicial, ficando desguarnecidas as situações jurídicas que não podem, em razão de sua urgência ou sua evidência factual, suportar o ônus da demora.

Para tanto, foi criado o instituto da tutela provisória no ordenamento jurídico brasileiro. Ao abordar a tutela provisória como função de dar efetividade ao processo, Marcus Vinicius3 pontua que “sem ela, o ônus da demora seria sempre do autor, podendo o réu sentir-se estimulado a fazer uso dos mais diversos mecanismos para retardar o desfecho do processo.”.

No microssistema processual, o magistrado poderá conceder por meio de decisão apenas em cognição sumária, desde que presentes os requisitos autorizadores, a tutela pretendida ao fim do processo, também chamada de antecipada, ou mesmo meios que assegurem o cumprimento de uma possível e futura ordem judicial exauriente, também chamada de cautelar.

O professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves4 afirma ainda que:

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É inequívoco que ela é uma espécie de tutela diferenciada, em que a cognição do juiz não é exauriente, mas sumária, fundada ou em verossimilhança ou em evidência, razão pela qual terá natureza provisória, podendo ser, a qualquer tempo, revogada ou modificada. Sua finalidade é ou afastar o perigo a que está sujeita a tutela jurisdicional definitiva, o que ela alcança por meio da antecipação dos efeitos da sentença ou pela adoção de uma medida protetiva, assecurativa, que visa não satisfazer, mas preservar o provimento final, ou redistribuir os ônus da demora na solução do processo, quando o direito tutelado for evidente.

Ressalta-se que o instituto da tutela provisória também poderá ser utilizado mediante cognição exauriente, uma vez que sua concessão em sentença obstará o efeito suspensivo de eventual recurso de apelação, conforme preleciona o inciso V, do §1°, do artigo 1.012, do Código de Processo Civil. Tal tema foi esmiuçado por Vitor Paiva Fiorindo5, tendo sido concluído que, quando concedida em sentença, a tutela provisória também será um meio de efetividade judicial, desde que respeite a sistemática adotada pelo ordenamento jurídico pátrio.

2.1. A revogação ou modificação da tutela provisória

Sendo essa uma medida, em regra, proferida em sede de cognição sumária, o legislador teve a cautela de prever expressamente que, uma vez deferida, a medida poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, conforme depreende-se do artigo 296, do Código de Ritos.

Todavia, como bem elabora Guilherme Sarri Carreira6, o dever de motivação inerente a atuação judicante também se faz presente nessa situação, devendo o juiz expor os motivos fáticos e legais que o levaram a mudar o entendimento antes exarado.

Ao ser proferido decisum que não obedece ao dever legal de motivação, tal ato estará fadado a pecha de teratológico.

O jurista Alexandre de Freitas Câmara7 afirma, ao se referir a possibilidade de reavaliação da motivação da tutela, que:

A modificação ou revogação da tutela provisória poderá ocorrer por conta do possível surgimento de novos elementos, não considerados no momento da decisão que a deferiu, o que se revela possível dado o fato de que a cognição a ser exercida pelo juiz ao longo do processo tende a aprofundar-se, tornando-se exauriente (isto é, uma cognição capaz de permitir a formação de decisões fundadas em juízos de certeza).

Em uma breve análise a esclarecedora referência, cumpre ressaltar que o avanço da cognição em um determinado processo judicial torna pleno o princípio do contraditório, ante a real existência da possibilidade do réu influir na convicção sumária do magistrado, e modificá-la, expondo as razões pela qual a pretensão deve ser revista.


3. Tutela provisória de urgência e evidência e seus requisitos.

O legislador ao pensar a estrutura da tutela provisória no ordenamento jurídico promoveu sua divisão em duas ramificações principais: a tutela provisória de urgência e a tutela provisória de evidência.

A tutela provisória de urgência encontra-se fundamentada nos artigos 294 a 310 do Código de Ritos, dividindo-se nos dispositivos entre as normas gerais, as de natureza antecipada antecedente e as de natureza cautelar antecedente. Já a tutela provisória de evidência está contida apenas no artigo 311, do mesmo Codex.

A principal característica que diferencia a tutela fundada na urgência da tutela fundada na evidência são os requisitos autorizadores para sua concessão. O periculum in mora, como é comumente chamado o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, é um dos pressupostos concessivos da medida de urgência, ao passo que para a tutela de evidência não se requer tal demonstração.

Em que pese não constar expressamente como perigo na demora no texto legal, Marinoni, Arenhart e Mitidiero8 defendem que seria a expressão correta para melhor entendimento:

O perigo na demora é suficientemente aberto, ademais, para viabilizar tanto uma tutela contra o ilícito como uma tutela contra o dano. Há perigo na demora porque, se a tutela tardar, o ilícito pode ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente ou pode o dano ser irreparável, de difícil reparação ou não encontrar adequado ressarcimento. Daí que “perigo de dano” e “risco ao resultado útil do processo” devem ser lidos como “perigo na demora” para caracterização da urgência.

O requisito estará satisfeito quando elaborada argumentação factível das razões em que se vislumbra o possível perecimento do direito, ineficiência da atuação judicial quando prolatada a tutela apenas ao fim do processo, ou mesmo quando necessário assegurar, de forma cautelar, um cumprimento legal.

Ao mencionar o periculum in mora, torna-se necessário também citar, ainda que en passant, a sua modalidade inversa.

O perigo na demora inverso é um dos requisitos da forma antecipada da tutela provisória, e pode ser conceituado como a impossibilidade de reversão dos efeitos gerados pelo deferimento de uma tutela em cognição sumária. O magistrado ao analisar o pedido de tutela provisória deve ponderar a exteriorização dos efeitos da medida, não podendo, em razão do disposto no §3°, do artigo 300, do CPC, adotar diligências as quais não podem ser revertidas após o seu cumprimento.

Tal limitação é fundamental para que o instituto da tutela provisória não ganhe força o suficiente para se comparar a uma decisão exauriente, esta sim produzindo seus regulares e ilimitados efeitos.

Em que pese a existência de limitação dos efeitos da tutela, parte da doutrina entende que esta deve ser relativizada.

A relativização dessa limitação é chamada por Athos Gusmão Carneiro apud. Marcus Vinicius Rios Gonçalves9 como irreversibilidade recíproca, senão vejamos:

Com certa frequência, o pressuposto da irreversibilidade ficará ‘superado’ ante a constatação da ‘recíproca irreversibilidade’. Concedida a antecipação de tutela, e efetivada, cria-se situação irreversível em favor do autor; denegada, a situação será irreversível em prol do demandado.

Para a solução de um eventual impasse entre uma irreversibilidade recíproca, a saída apontada por Marcus Vinicius, em complemento ao raciocínio acima elencado, seria “...o juiz valer-se do princípio da proporcionalidade, determinando a proteção do interesse mais relevante, e afastando o risco mais grave.”.

Noutro prumo, também é requisito para concessão para concessão de tutela provisória a presença do fumus boni iuris, comumente chamado de fumaça do bom direito. Por meio desse requisito, incumbe ao sujeito processual que pleiteia a tutela, seja na sua modalidade de urgência ou de evidência, a demonstração da verossimilhança de suas alegações, fazendo prova robusta capaz de influir na convicção do magistrado. Ressalta-se que, para a tutela de evidência, a prova deverá ser, de certa forma e em sede de cognição sumária, inequívoca.

Acerca da tutela de evidência, releva realçar que esta só poderá ser concedida nas situações que estão elencadas nos incisos do artigo 311, observando-se, ainda, a vedação para concessão de medida sem a oitiva da outra parte, o usualmente chamado inaudita altera parte, que consta expresso no parágrafo único do artigo 311.

Ao revés da possibilidade legal de deferimento sem o contraditório prévio que consta nos incisos II e III do artigo 311, Streck, Delfino e Sousa apud. Guilherme Sarri Carreira10 defende a existência de latente inconstitucionalidade da norma, vez que a preterição do princípio constitucional do contraditório se demonstra desarrazoada ante a inexistência de urgência para deferimento da medida, não havendo prejuízo, portanto, caso a análise seja postergada para após a triangularização processual.

Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero11, as hipóteses arroladas no texto legal supradito deveriam ter sido resumidas em uma noção de defesa inconsistente, uma vez que o lastro fático probatório é tão desfavorável ao requerido que as eventuais defesas apresentadas serviriam apenas para a concretização dos temidos conceitos de abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório, o que justificaria o deferimento da medida antes de eventual intervenção do demandado.

3.1. A natureza antecipada e a natureza cautelar

Não obstante os conceitos já apresentados, a tutela provisória de urgência também se divide em duas naturezas, a antecipada e a cautelar. A natureza da tutela será definida conforme o caso concreto e a finalidade que se busca com o provimento judicial provisório, podendo o juiz, inclusive, apreciar a tutela antecedente na forma que julgar necessária, tornando-a fungível, ante a disposição legal do parágrafo único do artigo 305, CPC.

O jurisdicionado ao postular por uma tutela de natureza antecipada terá como objetivo uma medida satisfativa, que antes só poderia ser alcançada em sede de cognição exauriente, mas que uma vez dotada dos requisitos necessários, o periculum in mora e o fumus boni iuris, poderá ser concedida como forma de antecipação dos efeitos da tutela judicial.

O professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves12 assim preleciona: “O que há de mais característico na tutela antecipada é que ela, antecipadamente, satisfaz, no todo ou em parte, a pretensão formulada pelo autor, concedendo-lhe os efeitos ou consequências jurídicas que ele visou obter com o ajuizamento da ação”.

Uma situação que comumente bate às portas do Judiciário, e que é de fácil visualização da aplicação do instituto processual em sua forma antecipada, é o caso da negativação indevida em cadastro de inadimplentes referente a débito já pago. A probabilidade do direito de ter o débito declarado como quitado estará suficientemente satisfeita pelo comprovante de adimplemento da obrigação, ao ponto que o perigo da demora se justificará em razão dos problemas ocasionados pelo ato ilícito cometido, que terá seus efeitos perdurando enquanto não cessar a inscrição. Neste caso, estando suficientemente comprovada a presença dos requisitos autorizadores ao pensar do magistrado, a retirada da inscrição no cadastro de inadimplentes seria a medida imperante para que o demandante não arcasse com o ônus da demora do processo.

Em outro prumo, encontra-se a tutela de urgência cautelar, que é assim diferenciada pelo jurista Elpídio Donizeti13:

A diferença fundamental entre a tutela antecipada e a tutela cautelar é que naquela o juiz vai satisfazer no todo ou em parte o direito do postulante, de forma a permitir-lhe que desse direito usufrua, recaindo o ônus da demora sobre a parte adversa. Na tutela cautelar, ao contrário, não há satisfatividade do direito substancial postulado; a tutela se restringe ao acautelamento desse direito ou enquanto for útil à realização dele. Não se olvida que, em certos casos, a linha entre a satisfação e o acautelamento é tênue, razão por que se admite a fungibilidade, em mão dupla, entre tutela cautelar e tutela satisfativa.

Enquanto a tutela antecipada persegue uma melhor distribuição da demora processual, a tutela cautelar busca garantir a efetividade da tutela jurisdicional.

Como sabido, um dos grandes problemas do Poder Judiciário é a ineficácia de suas medidas, que acaba descredibilizando-o perante a sociedade. Contudo, muita das vezes a ineficácia não é ocasionada por motivos de seu domínio, mas sim pelas relações jurídicas levadas a sua tutela. Por um infortúnio, o chamado “ganha, mas não leva” é comumente visto entre as demandas judiciais.

Para tanto, o legislador, inspirando-se no artigo 796 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973, criou a figura a tutela de urgência em sua forma cautelar.

O estudioso Eduardo Lamy14 em seu livro dedicado ao estudo da tutela provisória assim define o instrumento processual sub examine:

A técnica cautelar é aquela que objetiva assegurar o resultado útil da demanda principal a qual é apenas acessória. A noção de cautela liga-se à ideia de garantia do bem jurídico objeto de outra ação. Por isso mesmo, o provimento urgente, oriundo de técnica cautelar propriamente dita, sempre se refere a uma demanda – outra – principal, possuindo as características primordiais da referibilidade e acessoriedade.

Ouso, ainda, acrescentar o princípio do sincretismo processual na ideia do nobre doutrinador, pois, apesar de aceita na doutrina a separação técnica entre as demandas, sendo a principal definida como o direito em litígio e a acessória como os meios assecuratórios para efetividade de uma eventual tutela em caráter exauriente, o processo observará sua forma sincrética, sendo o pedido formulado no bojo de uma ação em trâmite, em sua forma incidental, ou por meio de sua forma antecedente, que observará o artigo 308, do NCPC, para formulação do pedido principal.

A título exemplificativo, a tutela cautelar é comumente vista nas ações que investigam atos ímprobos de agentes públicos no bojo da ação de improbidade administrativa, regida pela Lei n° 8.429/92, ante a expressa previsão legal da possibilidade de indisponibilidade de bens que garantam o ressarcimento do erário, comando esse extraído do artigo 7° da referida lei. Sem essa possibilidade de garantir o ressarcimento dos cofres públicos de plano, é grande a probabilidade do trabalho despedindo para tramitação e julgamento do feito ser inócuo.

3.2. Tutela provisória requerida em caráter incidental e antecedente

Aprofundando na temática, faz-se necessário explanar acerca do momento processual em que a tutela provisória poderá ser requerida.

O chamado caráter incidental da tutela pode ser assim definido quando o pedido é formulado no bojo processual em que a demanda está posta, podendo ser postulado em conjunto com a peça inicial ou durante todo o procedimento de tramitação, por meio de simples petição. Repisa-se, neste ponto, que a tutela poderá ser deferida também em sentença meritória, como forma de inversão do ônus da demora processual, afastando o efeito suspensivo de uma eventual apelação.

A forma incidental será utilizada tanto pelos pedidos fundados na urgência do caso, quanto pelos pedidos fundados na evidência, independente do pagamento de custas processuais quando formulada.

De outro lado, encontra-se o tema central do presente artigo: a tutela antecedente.

Ao unificar as formas de tutela jurisdicional provisória, o legislador entendeu necessário não deixar desguarnecidas as demandas que, por serem tão urgentes, sequer poderiam aguardar o manejo pelo advogado de uma ação própria para tutelar a relação jurídica, daí surgiu a tutela antecedente. Em proêmio, ressalta-se também que essa forma de tutela poderá ser utilizada por aquele que busca a estabilização da tutela proferida em cognição sumária, que será vista mais a frente, desde que a urgência seja contemporânea a demanda.

A tutela antecedente é o procedimento utilizado para buscar a prestação jurisdicional antes mesmo do ajuizamento da demanda principal, podendo ser requerida apenas fundada na urgência, seja para antecipação da tutela ou para medida cautelar, excluindo-se, assim, a tutela fundada na evidência.

Todavia, em que pese o texto legal não prever a tutela de evidência na sua forma antecedente, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves15 vislumbra a possibilidade de sua aplicação:

Não concordo com a opinião doutrinária de que o legislador acertou porque o pedido de tutela provisória em caráter antecedente está condicionado a situações de urgência. Na realidade é plenamente justificável que um pedido de tutela de evidência se faça de forma antecedente, sem qualquer exigência de urgência ainda mais pela possibilidade de estabilização da tutela provisória nos termos do art. 304. do Novo CPC. Admitindo-se a tutela de evidência de forma antecedente, mesmo sem o amparo de norma expressa nesse sentido, é preciso lembrar que seu cabimento está limitado às duas hipóteses previstas no art. 311. do Novo CPC, em que é cabível a concessão dessa espécie de tutela provisória liminarmente.

Dado o calibre do doutrinador, insta salientar que o posicionamento epigrafado diverge da boa doutrina e da jurisprudência, mantendo-se aceita, portanto, a tutela de evidência apenas em sua modalidade incidental.

3.3. A atabalhoada inserção da antecipação em caráter antecedente no Novo Código

Com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, diversas foram as críticas que sobrevieram acerca do procedimento de concessão de uma tutela proferida em caráter sumário que poderia ter força de estabilização e conservação de seus efeitos, tornando-se imutável até a sua revisão por nova decisão em ação ajuizada para esta finalidade.

O doutrinador Eduardo José da Fonseca Costa é um dos críticos ferrenhos quanto ao microssistema das tutelas provisórias trazido pelo Novo Código. Ao ser indagado sobre o tema, o douto professor declarou em entrevista que16:

[...] nós temos um dispositivo de lei muito mal redigido, muito infeliz, não poderia ser diferente a doutrina ao redor do tema é babeína e os debates mal existem porque você não tem um ponto arquimediano dogmático de apoio para sustentar um diálogo minimamente racional, tal é a vaguidão e a porosidade desse dispositivo [referindo-se aos artigos 303 e 304, do CPC] [...] – transcrição ipsis litteris

Tal irresignação é compatível com a situação. No Brasil, por uma grande desdita e em razão de como foi formado o ordenamento jurídico, os dispositivos legais, ainda que tenham sua vigência plena, padecem de um mal que é a sua aceitação pela sociedade, em especial pelos operadores do Direito.

Em que pese a famosa frase “lei (ou artigo) que não pegou” ser o epitáfio do Estado Democrático de Direito, esta encaixa-se perfeitamente ao caso do da tutela provisória requerida em caráter antecedente.

Acerca da importação do caráter antecedente, Fredie Didier Júnior, Paula Braga e Rafael de Oliveira17 afirmam que “esse instituto foi claramente inspirado em leis estrangeiras, sobretudo o référé do Direito francês. As peculiaridades do regramento brasileiro tornam o instituto único, porém.”

Ante a falha na adequação do instituto processual, a insegurança jurídica estacionou-se no tema, que sofreu e continua sofrendo quando levada a pauta nas páginas de doutrina ou nos anais das mais diversas cortes.

Em linhas gerais e utópicas, abstrai-se do artigo 304 a tentativa de simplificar o procedimento aos sujeitos processuais, prestigiando o contentamento das partes frente a uma decisão judicial.

Suponhamos a existência de uma pretensão resistida extrajudicialmente por B em face de A, quer seja por impossibilidade fática ou burocrática (a exemplo do fornecimento de um medicamento pela Fazenda Pública a um de seus cidadãos), quer seja por mera liberalidade momentânea, ao ser confrontado por ordem emanada pelo poder judicante, B deve sopesar se os motivos que antes o levavam a negar a obrigação são suficientes para ingressar em demanda judicial para que sua resistência seja atendida.

A ação judicial é onerosa o suficiente para espantar os sujeitos que a irão compor, além, é claro, de longa e exaustiva, motivos suficientes para que alguém, ainda que tenha sua resistência rompida por ordem judicial, não queira nela ingressar.

O Ministro Marco Aurélio Bellize18, no julgamento do REsp 1760966/SP, assim pontuou acerca do contentamento das partes com a decisão sumária:

Uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015.

Ainda que de bom grado, a intenção legislativa não se concretizou com a importação do instituto processual, uma vez que, além de não ter sido plenamente difundida e aceita no meio jurídico, o texto legal conta com imprecisões, tendo sido formulado de forma atécnica.

Sobre os autores
Matheus Henrique Silva

Sou bacharel em Direito com aprovação no exame de Ordem (EOU XXXII), todavia, em razão da minha atual função, ainda não realizei minha inscrição perante os quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente exerço a função de assistente (assessor) de Juiz de Direito lotado em Vara Cível e Fazendas Públicas, local no qual também fui estagiário por dois anos. No período trabalhado, adquiri grande experiência em Processo Civil, em Direito Público (com ênfase em processos executivos e judicialização da saúde) e em litígios privados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Matheus Henrique; CARREIRA, Guilherme Sarri. Uma análise jurisprudencial e doutrinária das divergências que cercam a tutela provisória antecipada antecedente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7635, 27 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95272. Acesso em: 18 out. 2024.

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