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ICMS calculado por dentro da base de cálculo pelo adquirente quando a aquisição do produto tenha se sujeitado ao diferimento do imposto

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Agenda 12/12/2021 às 17:54

O presente artigo examina o método do cálculo do ICMS “por dentro” da base de cálculo, por ocasião da entrada do bem no estabelecimento adquirente, no caso em que a operação de compra tenha se realizado ao amparo do diferimento do imposto.

RESUMO

O presente artigo examina a previsibilidade jurídica do método de cálculo do ICMS por dentro da própria base de cálculo, nos casos em que o produto tenha sido adquirido ao amparo do diferimento e com substituição tributária do sujeito passivo na entrada do bem no estabelecimento adquirente. O método de referência foi o Constructivismo Lógico-Semântico. A conclusão obtida foi no sentido de que há no direito brasileiro previsão expressa para que o ICMS seja incluído na própria base de cálculo, quando ocorrer o recolhimento na entrada pelo substituto, independentemente de a operação de aquisição ter sido realizada ao amparo do diferimento.

Palavras-chave: Sucata; Aquisição de produtor; Substituição Tributária; Cálculo por dentro; ICMS na entrada.

 

INTRODUÇÃO 

O tema relativo ao dever de o destinatário, adquirente de mercadorias sujeitas ao regime jurídico do diferimento do ICMS, recolher o imposto no momento do ingresso desses bens no seu estabelecimento, voltou a ganhar importância nos últimos tempos, em especial por conta do chamado cálculo por dentro, realizado sobre o valor da operação de aquisição.

Não é recente a mencionada exigência, em especial quando se trata de aquisição de produtos naturais, como, por exemplo, leites, hortifruti, peixes para serem servidos nos restaurantes, assim como sucatas que ingressam no estabelecimento industrial, e uma série de outros produtos mais, todavia, o que causa espécie em inúmeros sujeitos passivos é o fato de o cálculo ser realizado com o imposto por dentro da base de cálculo.

No entendimento fazendário, o adquirente, pessoa jurídica, contribuinte do imposto, deve recolher o montante do ICMS por ocasião da entrada desses produtos no seu estabelecimento, de sorte que o tributo devido deve ser encontrado mediante o chamado cálculo por dentro da base de cálculo, a partir do valor da operação de venda praticado pelo fornecedor.[1]

O sujeito passivo, por sua vez, entende que o cálculo não poderia ser realizado tomando por base tais parâmetros, pois, diante da operação de aquisição realizada junto ao fornecedor, o preço do produto já foi efetivado, e a incorporação do imposto a esse valor implicaria oneração da operação final.

Diante da circunstância fática referida, e da necessidade de meditação sobre o tema, o presente trabalho será elaborado com base nas disciplinas que envolvem a Hermenêutica Jurídica, com interpretação do sistema nacional a partir da Constituição Federal, passando pelas noções normativas e princípios que norteiam a tributação do ICMS, sobre mercadorias, e demais instrumentos normativos infraconstitucionais, para, ao final, responder, em especial, a questão sobre a possibilidade de o imposto ser inserido na própria base de cálculo, no caso de operação antecedente, em que se exige o recolhimento da exação por parte do adquirente da mercadoria.

Antes, porém, mister se faz a delimitação tanto da amplitude do conceito da regra-matriz de incidência tributária-RMIT como dos critérios de tributação do ICMS, além da forma de tributação diferida do ICMS, em face da chamada substituição tributária antecedente, para, após, abordar o critério quantitativo representativo da base de cálculo do tributo, apresentando notas conclusivas.

 

2. CRITÉRIOS DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ICMS

Tomaremos, para o presente trabalho, o termo Regra-Matriz de Incidência Tributária tal como desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho, isto é, como instrumento metódico de organização lógica do texto bruto do direito positivo, que tem como pretensão a compreensão da mensagem legislada no contexto comunicacional do direito, concebido e racionalmente estruturado, consistente num subproduto da teoria da norma jurídica.

Trata-se, pois, de esquema que oferece ao sujeito um ponto de partida rigorosamente correto, sob o ângulo formal (sintático), possibilitando, assim, o ingresso nos planos semântico e pragmático da mensagem legislada, e que é decorrente de contribuição efetiva da Teoria Geral e da Filosofia do Direito.[2]

O termo critério, comumente utilizado no âmbito da Ciência da Lógica Jurídica, é expressão que antecede os elementos mesmos conformadores da regra-matriz de incidência tributária, pois conduz o estudioso a importantes noções sobre como deve funcionar a norma-padrão dos tributos, como ensina Robson Maia Lins.[3]

Segundo esse autor, cada um dos critérios (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo), deve oferecer os elementos necessários para que o aplicador do direito construa o seu juízo a respeito da viabilidade ou não da incidência da norma sobre o caso concreto.

Os critérios funcionam, assim, como fornecedores de elementos conceituais necessários para que a norma abstrata de tributação seja aplicada, se e quando ocorrido o caso concreto. Nesse esteira, destaca-se que tal expediente, de aplicação, se dá mediante a operação lógica de subsunção, e consequentemente, de implicação da relação jurídica, para fazer com que nasça a obrigação tributária.

Na linha de positivação, registra-se, à vista da regra geral e abstrata, passível de ser aplicável ao caso concreto, no mister de atingir as condutas inter-humanas, por meio da produção ilimitada de atos de fala, as manifestações do direito se dão através das chamadas normas individuais e concretas, produzidas pelo ser humano, e que são consistentes, no âmbito do direito tributário, no lançamento.

Nessa esteira, elucida Paulo de Barros Carvalho que, como elemento indissociável da obrigação tributária, o crédito tributário nasce no mundo jurídico no exato instante em que se opera o fenômeno da incidência, com a aplicação da regra-matriz do tributo.[4]

Desse modo, o crédito tributário nasce, portanto, no exato momento em que a norma individual e concreta é inserida no sistema normativo, pelo seu correspondente veículo introdutor de normas, da espécie geral e concreta, após aplicada a norma geral e abstrata ao caso concreto - evento efetivamente ocorrido no meio social, cujas características se subsomem àqueles critérios da regra-padrão.[5]

Especificamente em relação ao ICMS, a regra-matriz de incidência tributária encontra seu desenho insculpido no subsistema do direito tributário, especialamnte a partir do artigo 155 da Constituição Federal, de onde emana todo o feixe de proposições de competências para que os Estados e o Distrito Federal possam instituir o tributo.[6]

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) 

Embora o enunciado descritivo deste artigo Constitucional contemple mais de uma espécie de ICMS, para o presente trabalho, como num corte metodológico (ideal), realizado somente para fins didáticos, empreenderemos esforços no intuito de abordar apenas o ICMS sobre operações mercantis, exclusivamente no que diz com a operação de aquisição de mercadoria.[7]

Diante disso, mister se faz então, antes de prosseguirmos, fixar os conceitos do que venha a ser os termos operação, circulação e mercadoria.

Para tanto, se mostram oportunas as clássicas lições de Roque Antonio Carrazza, para quem:

Este tributo, (...) só pode incidir sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias (circulação jurídico-comercial). A lei que veicular sua hipótese de incidência somente será válida se descrever uma operação jurídica relativa à circulação de mercadorias.[8]

Assim, de ver está que o termo operação, enunciado pelo artigo Constitucional, só pode ser jurídica. Além disso, deve ser relativa àquela que compreende a circulação jurídica de mercadoria, é dizer, que faz circular juridicamente um bem do patrimônio de um para outro sujeito de direito. E, por fim, no tocante ao termo mercadoria, por sua vez, é vocábulo que consistente no produto de mercancia, não podendo ser considerado, como tal, o bem que não mais se encontre na fase pós industrialização para ser comercializado.

Diante disso, o bem que não mais se encontrar na condição de produto comercializável, como se dá, por exemplo, com o material de uso ou consumo, ou ainda com o bem classificado e registrado no ativo não-circulante, não pode mais ser tributado pelo ICMS, uma vez que suas características não mais se mantêm em relação de identidade de classe com as notas conotativas da materialidade do tributo descrito no plano Maior, que, para tanto, requer o bem ainda circulante na cadeia comercial.

Ademais disso, avançando um pouco mais o raciocínio, na análise da concepção das normas que delimitam o feixe de proposições que compreendem a competência tributária dos entes federados, verifica-se que é também da Carta Maior que decorrem os comandos a serem observados, tanto pelo legislador complementar, quanto pelo legislador ordinário, quando da instituição do imposto.

Entre tais enunciados prescritivos, Supremos, além dos dispositivos do artigo 146 que outorgam à legislação complementar o dever de: dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (I); regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (II); bem como estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...) d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do ICMS, sobre-elevam-se, outrossim, aqueles, de caráter específico desse imposto, dispostos no parágrafo 2º, XII, do art. 155 da CF/88, cujas diretrizes de competência são estritamente voltadas para que o legislador complementar disponha sobre várias matérias vinculadas ao ICMS.

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Nessa esteira, é também a partir do texto Maior que decorrem as regras, segundo as quais: o imposto será não-cumulativo, podendo-se compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro ente federado (i); a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores(ii); o imposto poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (iii); resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais e de exportação (iv); faculta ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros (v); salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais (vi); nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual, cabendo ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual (vii); a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto (viii); o imposto incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, cabendo o imposto ao Estado onde situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria; b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (ix); o imposto não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;  b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º (ix); o imposto não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do IPI, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos(xi).

Assim, é, pois, do altiplano constitucional que deriva todo o feixe de competência para que os entes federados, Estados e o Distrito Federal, possam instituir o tributo.

Não obstante, o veículo publicado para cumprir os comandos constitucionais, acima referidos, foi a Lei Complementar nº 87/96. Esta lei, em seu artigo 6º, além de outorgar ao legislador ordinário a possibilidade de instituição da substituição tributária, colocando a obrigação a cargo de outro contribuinte, hipótese em que este assumirá a condição de sujeito passivo, denominado de substituto tributário, possibilita ainda que a obrigação se constitua sobre as operações antecedentes, concomitantes ou subsequentes.

Por conseguinte, no seu artigo 7º, inclui também na possibilidade de cobrança do tributo do responsável, por substituição tributária, as operações de entradas de mercadorias ou bem no estabelecimento do adquirente.

E, assim, encerrando o preenchimento das variáveis da regra tributária padrão, esquema lógico, constitucionalmente desenhado, relativamente ao seu critério quantitativo, referida lei, em seu artigo 8º, inciso I, dispôs que a base de cálculo, para fins de substituição tributária, em relação às operações antecedentes, será o valor da operação praticado pelo contribuinte substituído.

Segundo Paulo de Barros Carvalho[9], como parte fundamental integrante da estrutura lógica da regra matriz de incidência tributária do ICMS, o critério quantitativo, conformado pela base de cálculo conjugada à alíquota, revela o quanto de tributo será devido.[10]

Para os fins deste trabalho, retenhamos, em especial, os critérios temporal e pessoal, da estrutura padrão, no que cinge ao sujeito passivo da obrigação, além do quantitativo, conforme será tratado.

 

3. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO ICMS

Substituição tributária é tema que sempre desafiou tanto a doutrina quanto a jurisprudência. Como destaca Andrea Medrado Darzé:

Talvez esteja na substituição tributária um dos temas que mais atormentam os estudiosos da sujeição passiva dos tributos. Dificilmente se encontra eixo temático que desperta tanta polêmica e incertezas. E as discussões tomam corpo em razão proporcional à expansão da sua aplicabilidade.[11]

No contexto de sua definição, inúmeras são as discussões a fim de saber se ela se constitui como norma na modalidade de responsabilidade tributária, ou se se trata de norma de sentido estrito que, como tal, se conforma mediante uma regra padrão de incidência tributária.

Para uma corrente doutrinária que entende a responsabilidade tributária como sendo norma de sentido amplo, o dever do sujeito passivo por substituição decorreria do art. 121, parágrafo único, incisos I e II, do CTN, que o classifica como sendo aquele que tem participação pessoal e indireta com o fato. Nesse contexto, por força do artigo 128 do CTN, haveria distinção entre a norma instituidora do tributo, que prevê como sujeito passivo a pessoa diretamente vinculada ao fato gerador e a norma de substituição tributária, de caráter instrumental, que imputa ao terceiro o dever de recolher o tributo.[12]

A responsabilidade tributária, desse modo, consistiria em norma tributária, de sentido amplo, que, ao se inserir na conformação da estrutura normativa padrão, alteraria a regra matriz de incidência tributária.

Todavia, para os fins deste trabalho, entendemos que a substituição tributária, na chamada modalidade regressiva (para trás), tem regra matriz de incidência tributária própria, tal como descrito por Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz:

A substituição tributária, nas modalidades para frente e para trás, não se enquadra nessa definição, por não se tratar de norma jurídica em sentido amplo que modifica a regra-matriz de incidência do ICMS e por não conferir ao contribuinte responsabilidade supletiva. A substituição tributária possui regra-matriz de incidência própria e o substituto figura no polo passivo da relação jurídica tributária de forma definitiva, respondendo totalmente pelo débito e pelos deveres instrumentais correlatos. Os deveres advindos do nascimento da obrigação tributária alcançam o substituto tributário, que, a partir de então, deverá defender suas prerrogativas administrativa e judicialmente.[13]

Assim, é também nosso entendimento no sentido de que a norma jurídica tributária da substituição tributária, tal como acima exposta, é dizer: na sua estrutura lógica do mínimo do deôntico (H → C), constituída de hipótese e consequente, em nada afronta o sistema jurídico tributário vigente, inclusive no que diz com a sua constitucionalidade, uma vez que, como visto, o artigo 155, II, §2º, XII, b, da CF/88 atribui à lei complementar a competência para dispor sobre as regras relativas à substituição tributária, em detrimento daquelas dispostas nos referidos artigo do CTN, com todo o contorno jurídico necessário a ser observado pelo legislador ordinário no ato da instituição da obrigação.

 

3.1. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ANTECEDENTE E SUA POSSÍVEL IDENTIDADE COM O DIFERIMENTO

Tanto a doutrina como a jurisprudência firmam entendimento no sentido de que a substituição tributária antecedente guarda intima relação jurídica com o instituto do diferimento.[14] Segundo essa concepção, o sujeito passivo fica obrigado pelo ICMS diferido, relativamente à operação anterior, a partir do momento em que prescrito pela norma instituidora da relação.[15]

Nesse sentido, não se trata, portanto, de critério normativo temporal estabelecido para que se dê o pagamento do tributo, mas, sim, de prescrição que estabelece o momento a partir do qual o tributo deve ser constituído, pelo sujeito passivo, na condição de substituto tributário.

O enunciado normativo prevendo o prazo de pagamento, entretanto, segundo afirmam, poderá vir a ser definido por outra norma de sentido amplo, que não, necessariamente, faça parte daquela estrutura da regra-matriz de incidência do imposto diferido.

Nessa esteira, Hugo de Brito Machado leciona:

Diferir significa adiar. Passar para um momento ou data posterior, deixar para outra ocasião. Existem situações de fato, geralmente relacionadas aos impostos plurifásicos não-cumulativos, que configuram hipótese de incidência do imposto, mas a lei estabelece o diferimento da incidência para situação futura.[16]

No entender de Paulo de Barros Carvalho, o diferimento apresenta configuração tanto de isenção como de substituição tributária, a depender do modo de atuação da regra-matriz, sendo que sua identificação dependente da análise de cada caso concreto. O diferimento, nesse contexto, teria feição de isenção quando a regra-matriz de incidência tributária sofresse mutilação de um ou mais de seus critérios, impedindo-a de alcançar determinadas situações, casos em que, em momento algum da cadeia efetivar-se-ia a exigência tributária relativa à operação diferida, por não ocorrência do fato e, consequentemente, sua aplicação. Será substituição tributária, por outro lado, a hipótese de diferimento quando houver postergação do instante para o pagamento, no sentido de constituição, do tributo. Nesse caso, a regra-matriz permanece intacta em todos os seus aspectos, incidindo e dando nascimento à obrigação tributária. Apenas a exigibilidade do cumprimento dessa relação jurídica é que será adiada, verificando-se em momento posterior da cadeia.[17]

Sinteticamente falando, na substituição tributária sobre as operações antecedentes, que entendemos ser a regra aplicável ao tempo do presente trabalho, tem como efetivado o evento previsto na hipótese da regra padrão tributária, com todos os seus contornos. Não obstante, o legislador, por deliberação, em virtude de comodidade, entende que esta ocorrência não é suficiente para irradiar a incidência normativa. Daí a necessidade da inserção no sistema de regra cuja natureza impede a positivação do tributo no momento da realização do evento, postergando a exigência para operação subsequente, como assevera inclusive Andréa Medrado Darzé.[18]

Assim, nessa esteira de entendimento, por força de lei, o sujeito passivo, chamado de substituto, recebe a total responsabilidade pelo tributo devido, de modo que sobre ele recai todos os deveres, na condição de sujeito passivo, tanto no que diz com a obrigação principal, quanto em relação às obrigações instrumentais, também chamadas de obrigações acessórias, como assevera Paulo de Barros Carvalho. Em decorrência disso, também cabe a ele todos os direitos advindos do surgimento da obrigação, podendo defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, impugnando ou apresentando recursos, assim como pode postular em juízo suas pretensões.[19]

 

4. (RE)PERCUSSÃO JURÍDICA DA NORMA SOBRE A OPERAÇÃO ANTECEDENTE

Uma das problemáticas que envolvem a tributação do ICMS na operação anterior, diz exatamente com a possibilidade, ou não, de se constituir a norma jurídica tributária aplicável, de modo que ela contemple também o encargo do tributo em relação à operação de aquisição, em que o imposto ficou diferido, mesmo a despeito de já ter sido efetivada a operação com o preço já determinado entre as partes.

A ideia, no sentido da impossibilidade de inclusão do imposto na operação em momento subsequente, se mostra, desse modo, arraigada à noção de que a base de cálculo do tributo deve corresponder ao preço da operação. E, assim sendo, a base de cálculo do tributo não comportaria outros valores que não fossem aqueles já ajustados para aquisição da mercadoria. 

Trata-se, pois, de análise a ser realizada sob o ponto de vista dos critérios que envolvem a estrutura da norma padrão de incidência tributária, e que, necessariamente, deve voltar atenção, não apenas para o critério pessoal, enquanto sujeito passivo (substituto) da obrigação, mas também para o temporal, e, em seguida, o quantitativo.

Isso porque, a depender do momento em que situado o processo de positivação do direito, será a conjugação dos critérios da norma padrão aplicável ao caso concreto.

 

4.1. CRITÉRIO TEMPORAL DAS NORMAS DE POSITIVAÇÃO NA OPERAÇÃO ANTECEDENTE

Como visto, a norma que prescreve o diferimento do ICMS na operação de aquisição de mercadorias apresenta critério temporal que adia, para momento posterior, a aplicação da norma de constituição do tributo.

Trata-se, pois, de critério estabelecido que desloca para momento posterior, específico, o comparecimento do sujeito passivo, o substituto, para, na condição de responsável, tanto pelo objeto principal da obrigação como pelos deveres instrumentais, lançar e arcar com o objeto da prestação.

A norma aplicável, desse modo, deve ser interpretada e, assim, composta de seus respectivos critérios, levando-se em conta cada um dos específicos momentos da operação, ou seja, conforme o tempo no fato e o tempo do fato, na linha do que leciona Paulo de Barros Carvalho. Deste modo, o primeiro, consiste no tempo em que, vigente a norma aplicável, se dá a ocorrência do evento por ela descrito, ao passo que, o segundo, configura-se no momento em que, aplicada, saca-se e insere no ordenamento o enunciado protocolar denotativo do lançamento, consistente na norma individual e concreta.[20]

Assim, a depender da fase de positivação em que se encontra a operação, é dizer: de aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto, com a consequente expedição da norma individual e concreta, será sua composição (no tempo do fato) pelos demais enunciados normativos.

Para melhor visualização desses momentos de aplicação das respectivas normas tributárias, observemos a seguinte ilustração, tomando por base os sujeitos que figuram tanto na posição de vendedor (normalmente, realizada pelo produtor, pescador, sucateiro, etc.) como na posição de adquirente (industrial/restaurante, etc.), que, no caso desses últimos, são colocados legalmente na condição de devedores do imposto diferido, com efetivação da tributação por ocasião da entrada da mercadoria no estabelecimento.

Diante da figura acima, verifica-se que a norma padrão a ser constituída pelo intérprete difere em três momentos e formas, sendo que: (i) no “T1”, ocorre a operação de venda da mercadoria pelo fornecedor, ao abrigo da norma de diferimento, (ii) no “T2”, em que há o ingresso da mercadoria no estabelecimento industrial, opera-se a norma jurídica da tributação, com toda sua pujança, para que o tributo seja lançado e recolhido; e, por último, (iii) no “T3”, tem-se o curso normal da etapa subsequente, quando então se obedecerá a tributação aplicável ao caso concreto. Nesse momento, independentemente da forma de tributação, é dizer: estando ou não o produto sujeito à substituição tributária; a tributação obedecerá a regra aplicável a esta específica operação de saída, nada tendo a ver a forma de tributação, nesse momento “T3”, com a obrigação imposta sobre a aquisição, indicada como momento “T2”.

Vista desta maneira, nota-se que a possível norma jurídica padrão, constituída pelo intérprete no momento “T1”, aplica-se em virtude da verificação da ocorrência do critério material que expressa uma efetiva “operação de circulação de mercadoria”, num específico lapso de tempo-espaço (antecedente).

De outra banda, na implicação do consequente, a relação jurídico-tributária, instalada entre os sujeitos ativo e passivo, é de não permissão da exigência do tributo nesse momento, à vista do comando consistente no operador deôntico intraproposicional-relacional obrigatório, que difere a aplicação, e, portanto, o lançamento do imposto, para outro momento (futuro), qual seja: o da entrada da mercadoria no estabelecimento industrial.

Desta forma, não há a possibilidade jurídica de aplicação da norma padrão de tributação no momento “T1”, uma vez que, por conta do comando do diferimento, a aplicação da norma, para fins de constituição do crédito, somente será permitida no instante pelo direito determinado.

É apenas no momento “T2” que se tem, na sua plenitude, a conformação da regra-matriz de incidência tributária aplicável. Nesse momento é que, além de satisfeitos todos os critérios do antecedente normativo, se faz possível identificar também o sujeito passivo, na posição de substituto tributário, e o valor da operação passível de tributação, e assim compor o critério quantitativo, com todos os elementos que caracterizam a grandeza da base de cálculo.

Por último, no “T3”, por não ser objeto deste trabalho, deixaremos registrado, uma vez mais, que é apenas a partir desse momento que se dá a operação própria subsequente, sendo que a sua tributação deve observar a legislação aplicável a cada caso concreto, é dizer: conforme o produto esteja ou não sujeito à substituição tributária.

4.2. CRITÉRIO QUANTITATIVO DA NORMA DE TRIBUTAÇÃO APLICÁVEL À CHAMADA OPERAÇÃO ANTECEDENTE

A concepção no sentido da não tributação do ICMS no momento da entrada da mercadoria no estabelecimento adquirente (“T2”), a despeito da aplicação da norma de substituição tributária por diferimento na operação antecedente, assenta entendimento na teoria econômica, que tem a base de cálculo do imposto como a expressão do preço de aquisição da mercadoria.

Tomando como referência as reflexões de Amílcar Falcão, já lecionava Geraldo Ataliba que, segundo aquele autor, a base de cálculo consistiria na “verdadeira e autêntica expressão econômica da hipótese de incidência”.[21]

Daí a conclusão a que chegaram alguns, no sentido de que, uma vez definida a extensão monetária da operação pelas partes (fornecedor e adquirente), este preço seria o único elemento suficiente para compor o critério quantitativo na incidência tributária. E, deste modo, o imposto deveria ser calculado tomando-se por base exatamente aquela dimensão valorativa, sem a necessidade de reunir outros elementos na base de cálculo. 

Todavia, não nos parece ser esta a melhor interpretação para o caso atualmente em tela. Isto porque, além da característica de afirmar ou confirmar o núcleo material da hipótese de incidência da norma, a base de cálculo comporta também outras propriedades recortadas do fato e que se colocam como necessárias para dimensionar quantitativamente aquela materialidade descrita.

Nesse ponto, Paulo de Barros Carvalho assevera que:

Debuxados os contornos genéricos do acontecimento, inicia o político por fixar a fórmula numérica de estipulação do conteúdo econômico do dever jurídico a ser cumprido pelo sujeito passivo. É aí que escolhe, dentre os múltiplos atributos valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte mensurador do êxito descrito, e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota.[22] (Destacamos.)

Deste modo, vê-se que, ao pretender, por decisão puramente política, mensurar o êxito daquela materialidade, o legislador define as notas conotativas de cada atributo que devem compor o critério quantitativo da regra padrão de incidência.

E é exatamente isso que se verifica quando o legislador originário, no artigo 155, §2º, XII, “i” positivou norma de competência que outorga ao legislador complementar o dever de fixar a base de cálculo, de modo que o montante do ICMS a integre.[23]

Diante do comando normativo constitucional, não é permitido ao legislador infraconstitucional não contemplar na base de cálculo do ICMS o próprio imposto, tendo em vista que, tratando-se de norma impositiva, o seu dever obrigacional legiferante decorre da própria estrutura relacional da norma de competência, em função do operador deôntico intraproposicional modalizado na forma de obrigatório.

Ao interpretar a norma padrão de incidência tributária do ICMS devido na entrada da mercadoria adquirida, cuja operação anterior se deu ao amparo do diferimento, não apenas o valor da operação pago ao fornecedor deve integrar a base de cálculo, mas também o próprio imposto.

Segundo essa linha de entendimento, vê-se que não se sustenta o argumento no sentido de que, por desconhecimento do encargo do tributo, ao tempo da aquisição da mercadoria, pelo seu não destaque no documento fiscal, tal valor não poderia, posteriormente, vir a ser incluído na base de cálculo da operação.

Isso porque, o próprio direito, ao criar mecanismos de controles capazes de nortear a sua interpretação e aplicação, põe em evidência um deles como sendo o princípio da não alegação da própria torpeza, segundo o qual a ninguém é dado o direito de alegar o desconhecimento de suas regras.[24]

Por esse princípio, muito embora sabendo-se impossível o acompanhamento de todas as regras publicadas diariamente nos veículos oficiais para inserir novas normas no sistema normativo, ainda assim, como numa espécie de ficção jurídica, o direito presume que todos o conhecem, ou pelo menos têm o dever de conhecê-lo, na respectiva seara de atuação.

 

5. CONCLUSÃO

Ante as noções fixadas, respondendo objetivamente à questão inicial colocada, no sentido da possibilidade de se realizar o cálculo do ICMS diferido, em relação à operação antecedente, de modo que o imposto componha a sua própria base de cálculo, conclui-se que o sistema jurídico tributário brasileiro define momentos distintos para aplicação das respectivas normas tributárias. No primeiro momento, que chamamos de “T1”, quando o imposto fica diferido para o momento em que a mercadoria entrar no estabelecimento industrial, não se pode falar em constituição do crédito tributário, em virtude do comando que impede a aplicação da norma padrão de tributação, porquanto, não se efetivando a positivação do lançamento do ICMS. Por conseguinte, no momento “T2”, quando se tem a aplicação da norma padrão de tributação, com toda sua força jurídica, é que se dá o lançamento do crédito tributário. Por conta da aplicação, que constituir o lançamento do ICMS, a base de cálculo a ser conformada deve contemplar, além do valor da operação de aquisição da mercadoria, também o próprio imposto, como determina o artigo 155, II, §2º, “i”, da Constituição da República.

 

Referências Bibliográficas

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência tributária. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998.

BRAZ, Jacqueline Mayer da Costa Ude. Substituição tributária no ICMS: construção de sentido e aplicação. São Paulo: Noeses, 2020.

BRITTO, Lucas Galvão de. Tributar na era da técnica: como as definições feitas pelas agências reguladoras vêm influenciando a interpretação das normas tributárias. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2018.

CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

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Sobre o autor
Valter Gonçalves Carro

Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET/SP. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor Seminarista do Curso de Especialização em Direito Tributário pelo IBET. Advogado.

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