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Por uma reforma tributária social

Agenda 13/12/2021 às 19:14

O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. Sua estrutura é conhecida mundialmente por ser extensa e complicada, tanto na apuração dos tributos, como em sua carga tributária. É, portanto, um desafio compreender o funcionamento dele, bem como conhecer as leis e regulamentações que o regem.

Nas discussões atuais sobre a reforma tributária brasileira, há um ponto que é sempre convergente: a necessidade de simplificação do sistema tributário. A legislação é tão ampla, tão diversificada, que gera insegurança jurídica, tanto às pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas, sendo essa uma das principais preocupações destes.  O foco da reforma tributária deve ser a modernização e simplificação da tributação para um efetivo crescimento econômico-social.

Contudo, apesar da urgente alteração do sistema tributário, tem-se que levar em conta qual a medida e abrangência dessas propostas de reforma, a fim de que o discurso não se configure mera retórica.

Na câmara tramita a PEC 45/19; no Senado, a PEC 110/19 e foi apresentada pelo governo federal PL 3.887/2020.  Ambas não apresentaram um estudo de impactos setoriais, impactos nos preços ou sequer foi feito um diálogo profícuo entre o poder público e os contribuintes. Em apertada síntese, entendamos as três propostas; a PEC 45/2019: apresentada na Câmara dos deputados, propõe instituir o Imposto sobre bens e serviços (IBS), substituindo o IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS, além do imposto seletivo para cigarro e bebidas IS ( imposto seletivo). Prevê que o IBS terá competência Federal e que seja definido por lei complementar. Será constituído com base em três sub-alíquotas:  federal, estadual e municipal, e juntas formarão uma alíquota única.

A PEC 110/2019: também propõe a extinção de alguns tributos e a criação de dois. O IBS neste caso substituirá os seguintes impostos: IPI, IOF, PIS, PASEP, COFINS, CIDE - Combustível, Salário-Educação, ICMS e ISS, também terá a criação do  IS (imposto seletivo) o imposto  sob bens e serviços voluptuários. Nesta proposta, o imposto será estadual e será criado por intermédio do Congresso Federal, com participação basicamente dos entes municipais e estaduais. A alíquota do IBS será definida em lei complementar, havendo uma alíquota padrão.

Por fim, a proposta do Governo Federal apresentada em 2020, PL 3.887/2020. O projeto de lei monstrou uma reforma tributária a ser realizada em quatro fases. A primeira, que já foi apresentada, é a unificação PIS, PASEP e COFINS sobre operações de bens e serviços, que é a CBS. A alíquota seria 12% para todas as operações independentes da atividade econômica, exceto instituições financeiras, sujeitas à alíquota de 5,8%.

Faça-se uma explicação rápida quanto ao trâmite das propostas e os instrumentos legais utilizados para modificar regras constitucionais. Um projeto de lei (PL) é um plano para criação de uma nova lei ou alterar a já existente; o texto pode ser apresentado por qualquer deputado ou senador, comissão da câmara, presidente da república, procurador geral, os tribunais superiores e até cidadãos. Enquanto que a PEC é uma proposta de Emenda à Constituição, que é uma norma a ser retificada ou adicionada à lei já existente. Ou seja, ela atualiza um texto presente na Constituição. Para se propor uma PEC, pode ser por: Presidente da República, no mínimo um terço dos deputados federais ou dos senadores e mais da metade das assembleias legislativas dos estados. Vale salientar que não poderá ser objeto de deliberação de proposta de emenda constitucional: a forma federativa, o voto, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais (CÂMARA, 2021).

Percebe-se que não temos uma real proposta de reforma tributária. São todas parecidas. Nenhuma delas adentram nos verdadeiros problemas do sistema tributário brasileiro: nenhuma desonera a carga tributária, não se fala em obrigações acessórias, isso porque estamos só tratando do ponto de simplificação, que é um ponto convergente para todas as partes interessadas. O que é determinante nesse cenário é que as pessoas políticas querem uma reforma tributária para arrecadarem mais, devido ao alto custo das contas públicas.

Destarte, um ponto crítico das propostas de Reformas apresentadas é ferir o pacto federativo. Isso porque as propostas ofertam a criação de um imposto único, e assim  retiram dos estados e municípios a autonomia de gestão dos seus orçamentos, não respeitam os princípios da isonomia e capacidade contributiva; isso porque em todos os bens e serviços serão fixados de maneira igual.

É importante destacar que nosso sistema constitucional é bastante organizado, nada obstante que se precise de algum reparo constitucional tributário. No entanto, observam-se nas propostas de reforma tributária uma série de questões formais sendo tratadas a qualquer modo, como é o caso das cláusulas pétreas. Essas cláusulas são exceções quando se buscam propostas de modificação à Constituição, pois são as bases fundamentais que estabelecem a República Federativa do Brasil, quais sejam: a forma federativa do Estado, o voto, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Faz-se necessário fazer essa explanação para que os cidadãos brasileiros tenham maior conhecimento das propostas apresentadas, isso porque, ao banalizar a ordem Constitucional, tem-se um enfraquecimento da democracia e dos direitos constitucionais. 

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Em um dos países de grande desigualdade sócio-econômica entre estados e municípios, o Brasil deve levar em consideração na sua reforma tributária institutos que tragam uma real mudança em como tributar, modificando a excessiva carga tributária, reduzindo as exigências burocráticas e buscando a equidade na tributação. Ademais, observa-se que o Brasil é o país de maior disparidade econômica e não se tem uma proposta de mudança real, que interfira e traga redução na tributação no consumo, na renda e no patrimônio. Além do mais, as propostas citadas acima sequer citaram uma proposta de regulamentação para o imposto sobre grandes fortunas. Os projetos apenas fazem uma pseudo apresentação de desburocratização do sistema tributário, o qual se demonstra estar fadado a ser tão complexo quanto o atual e que, consequentemente, só trará aumento de arrecadação. Deve-se levar em consideração que não há nenhum estudo eficaz das propostas apresentadas. 

Contudo, para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, o sistema fiscal deve ser orientado por uma tributação que leve em consideração a capacidade econômica dos contribuintes, tributando-se aqueles que têm maior capacidade de contribuir, para que estes arquem de maneira justa na manutenção do custo de serviços públicos. Da mesma forma, tais serviços poderão ser mais eficazes, trazendo o retorno esperado para a sociedade, principalmente no que tange aos mais pobres.

É sabido que deve constar na reforma tributária ideal o fundamento basilar para uma tributação com eficiência: mecanismos de arrecadação, equidade, custos, incidências e combate à sonegação como prioridade no debate.

 Quanto às propostas de reforma tributária apresentadas, questionam-se as mudanças no sistema tributário nacional, quais os reais impactos na nossa economia e se tais propostas se coadunam com os princípios constitucionais da isonomia, capacidade contributiva, buscando equidade e justiça social. Essas são as questões propostas para reflexão desse estudo, ao tratar de uma reforma no sistema tributário brasileiro.

Destaca o autor Hugo Machado de Brito (1994) que é ínfima a utilização do termo proporcionalidade, pois para o direito tributário o critério de algo proporcional reside no uso capacidade econômica. Explica-se aí o fato de o constituinte de 1988 ter utilizado, além do principio da isonomia, o princípio da capacidade econômica em seu texto. 

Destarte, é imprescindível uma avaliação mais profunda sobre os instrumentos que permitam uma ampliação da participação dos cidadãos no processo construtivo de soluções para os conflitos do estado. Tributar pelo conceito clássico já não faz mais sentido.  Faz-se necessário um estudo sobre a capacidade contributiva, levando-se em questão não só a renda, sem dúvida, mas também a manifestação de riqueza, de maneira objetiva, ou seja, quem tem capacidade de possuir mais, tem a capacidade de contribuir mais (CF, 1988). Logo, é indispensável a introdução de novos conceitos no âmbito tributário, tais como a discricionariedade, o poder de decisão do ente público, compartilhando-se com o cidadão, que este deve ser, socialmente participativo.

Contudo, no processo de elaboração das propostas apresentadas como solução para os novos desafios da tributação, tem-se considerado, unicamente, os interesses públicos, em que deve ser contextualizado o interesse do bem comum. O princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, inciso II da Constituição Federal, proíbe tratamento desigual entre os contribuintes.

Discorre o autor Luiz Eduardo Schoueri (2005), na matéria tributária, o texto constitucional não obriga tratamento igual a pessoas que se estejam em situação análoga. No entanto, o que se leva em conta são os contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Compreende-se que o constituinte reconheceu que a igualdade será sempre algo relativo. Fazendo-nos refletir que o legislador deve fazer o uso da aplicação dos princípios, pautando-se na analogia de critérios econômicos para aqueles contribuintes que não se encontrem em situação equivalente.

Uma reforma desta importância deve ter seus detalhes amplamente discriminados e conhecidos por todos os agentes econômicos. Mais ainda, sua configuração final deve estar embasada em minuciosos estudos de impacto, elaborados tanto pelo setor privado, mas, principalmente, pelo poder público, e submetidos ao crivo de todos os setores da sociedade brasileira.

Conforme matéria publicada no Jornal da Paraíba pelo jurista Daniel Duarte (2021), a reforma tributária deve ser ligada à capacidade contributiva e à justiça social. Entretanto, a política de arrecadação de receitas adota como único objetivo a eficiência da tributação para satisfação do gasto público, o que gera um grande problema, pois conduz a atividade de tributar por caminhos que priorizam uma facilidade maior de arrecadação de tributos em detrimento do uso de modalidades que prejudicam a devida aplicação do princípio da capacidade contributiva e impõem um alto custo para os contribuintes.

A busca pela unificação do tributo é uma reprodução de algo ultrapassado, como o IVA (imposto sobre valor adicionado), imposto único europeu. As propostas apresentadas que correm no Congresso já não consegue acompanhar as questões básicas da modernidade. Isso porque as transações digitais quebraram paradigmas tributários, levando a questionamentos a respeito do local onde os lucros devem ser tributados. Tributar pelo conceito clássico já não faz mais sentido. 

Destarte, é imprescindível uma avaliação mais profunda sobre os instrumentos que permitem uma ampliação da participação dos cidadãos no processo construtivo de soluções para os conflitos do estado. Faz-se necessário um estudo sobre a capacidade contributiva  levando-se em questão não só a renda, sem dúvidas, mas também a manifestação de riqueza, de maneira objetiva, ou seja, quem tem capacidade de possuir mais, tem a capacidade de contribuir mais. 

É importante destacar que a sociedade brasileira nutre sentimentos negativos de rechaço às leis tributárias, uma vez que as imposições recaem sempre em face do contribuinte, tanto no custo, quanto na responsabilidade, além da constância de suas modificações. Quando se trata da relação jurídico-tributária entre as partes, há, de um lado, cidadãos hesitantes em cooperar financeiramente com o Estado, por suporem que não são atendidos de forma eficiente; e, de outro, tem-se a Administração, que parte da premissa equivocada de que a maioria dos cidadãos deseja burlar as obrigações tributárias. Desse modo, trata-se de uma relação pautada na falta de cooperação e de espírito de participação mútua, o que gera um clima de desconfiança recíproco, dominante e arcaico.

Alguns doutrinadores brasileiros entendem que o sistema tributário é, sobretudo, um conjunto de tributos que possui a incumbência de arrecadar recursos a fim de custear as atividades de competência do Estado, como educação, saúde, segurança, moradia, saneamento básico, infra estrutura, cultura, dentre outras (MARANHÃO, 2009). O sistema tributário brasileiro é considerado um sistema incongruente e ineficaz. O fato é que fica difícil encontrar uma coerência lógica, baseada em fundamentos teóricos, que justifique uma estrutura tributária como a atual. Mudar isso não é tarefa simples e depende de acordos políticos e federativos, mas um bom ponto de partida é atualizar o diagnóstico dos problemas que precisam ser enfrentados e as alternativas de soluções disponíveis à luz da teoria econômica e das experiências internacionais.

Segundo Meireles (2011), deve-se identificar regras de um sistema tributário que tenha diretriz para uma reforma tributária descomplicada e ajustada, sistematizando as várias opções e opiniões existentes, de forma a delimitar a partir de que ponto termina o julgamento técnico-econômico e inicia a escolha política e social. De modo semelhante, pretende-se confrontar um protótipo de sistema ideal com as deformidades da estrutura tributária vigentes, mas trazendo, adicionalmente, a preocupação de que seja um sistema apto para dar respaldo às políticas de crescimento econômico e social. A partir dessas perspectivas é que se podem extrair algumas diretrizes para uma proposta de reforma tributária no Brasil, com a intenção de se valer de um debate que oriente a conduta pública nessa temática. Assim, podem-se considerar dois caminhos: um primeiro, em que ela seria feita de forma enérgica, mas de mais difícil implementação, e um segundo, que seria um processo de mudança gradual.

De acordo com Varsano (2014, apud ORAIR e GOBETTI, 2018), as mudanças feitas de maneira fatiada ordenadamente tendem a incorrer em erro e não seguir a intenção a qual foram determinadas. Porém, entende-se que, quando é vislumbrada uma reforma parcelada, está implícita a existência de um determinado esboço de sistema tributário que se pretende alcançar no futuro, sendo a implementação fracionada para facilitar a transição e permitir algumas correções no caminho. Não obstante, o mais importante é que haja um ponto de convergência, aproximando a estrutura de um sistema tributário eficaz às necessidades do Estado e do contribuinte, de maneira que os vários pontos discutidos se ajustem apropriadamente e as distorções desnecessárias sejam eliminadas.

Além das dificuldades econômicas existentes no país, as diversas questões trazidas pelo Covid- 19 afetaram em geral toda vida humana. Assim, os impactos trazidos pelo isolamento social impostos pela pandemia, que certamente afetam a economia, e é sabido que os efeitos deletérios na economia podem perdurar para além da dissolução da crise sanitária. Pode-se concluir que quanto mais a população entender que o objetivo é comum a todos, qual seja superar a crise, com um pensamento de interesse comum, melhores serão a respostas para saúde e economia.

Nesse sentido, é imprescindível uma reflexão mais profunda sobre os instrumentos que permitem uma ampliação da participação dos cidadãos no processo construtivo de soluções para os conflitos. Uma reflexão que abordasse uma análise da importância da introdução de novos conceitos no âmbito administrativo, tais como os conceitos de discricionariedade compartilhada e de cidadão socialmente participativo. Assim, no processo de elaboração de soluções para os novos desafios da tributação, não devem ser considerados, unicamente, os interesses das partes diretamente envolvidas, mas também devem ser contextualizados os interesses públicos efetivamente postos em jogo.

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre os autores
Ana Clara de Melo

Doutora em Letras. Graduação em Direito e Letras. Especialista em Educação em Direitos Humanos, Métodos Adequados de Solução de Conflitos, Gestão Tributária e Empresarial. Professora de Direito Constitucional. Escritora e Pesquisadora. Assessora e Consultora Acadêmica. Advogada. @ana.claradv

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