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O contrato de seguro na Justiça do Trabalho

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III - Da Competência em Relação às Causas sobre Contrato de Seguro de Pessoas (Vida e Acidentes Pessoais)

Como adiantamos no item anterior, entendemos que estariam excluídas da competência fixada pela EC 45/2004 as causas de segurados ou de beneficiários de contrato de seguro de pessoas diretamente contra o segurador, muito menos em lide secundária que nem existe. O empregador não participa da relação obrigacional de seguro, mesmo quando for o estipulante. O interesse segurável do segurado é a sua integridade física e/ou vida. A questão se desenvolve entre segurado e seguradora, tratada pelo direito civil e a luz deste resolvida. A competência, às escancaras, é da Justiça Comum, sob pena de grave teratologia. Ainda que o acidente seja no trabalho (e não de trabalho) estamos no âmbito do contrato de seguro.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que, em tais contratos, não existe o caráter indenizatório, vale dizer, não se trata de seguro de dano, em que a cobertura securitária garante o ressarcimento do efetivo dano sofrido pelo segurado.

A lide tem, neste caso, como vínculo jurídico o próprio contrato de seguro e não a relação de trabalho. É necessário distinguir as diferentes questões securitárias para se ter, com destaque, a impossibilidade de se confundir as duas situações jurídicas. No primeiro caso, de competência da Justiça do Trabalho, existe um dano sofrido pelo trabalhador em decorrência da relação de trabalho, o que significa, em outro ângulo, um dever de ressarcir de seu empregador. Este empregador, por sua vez, é segurado no ramo de responsabilidade civil empregador, para garantir os efeitos da demanda movida pelo empregado. Duas relações jurídicas: a) empregado e empregador de caráter ressarcitório; b) empregador, segurado e seguradora, derivada de contrato de seguro para saber se existe cobertura para o patrimônio do empregador por aquilo que ele for obrigado a indenizar ao terceiro (neste caso, o empregado). Não é estruturalmente diverso do que se processa com o Responsabilidade Civil Automóvel, em que existe a relação entre o causador do dano e o ofendido, e outra relação entre o causador do dano e a sua seguradora, para ter ou não cobertura.

Aquela situação de RC Empregador não admite confusão com as situações em que uma pessoa contrata um seguro seu, mesmo que através de seu empregador, com uma seguradora. Existe aqui uma relação entre o segurado e a seguradora, que passa ao largo da matéria trabalhista e não tem sua competência deslocada. Exemplificando, uma grande empresa estipula uma apólice e os seus empregados aderem, passando a ser segurados da seguradora "X". Falecendo o segurado, surge um crédito de seus beneficiários em face da seguradora. A questão não envolve a empresa e não tem qualquer relação com a expressão acidente de trabalho. Não existe como se defender, com um mínimo de validade, o encaminhamento de tais ações para a Justiça Especializada, tratando-se de demanda envolvendo tão-somente matéria cível e relação de seguro.

Além disto, o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 45/2004, trata de ações de indenização por dano moral ou material (responsabilidade aquiliana), o que não se confunde com a ação que visa o recebimento de seguro de vida de acordo com a apólice (responsabilidade contratual). Questão basilar que indenização e cumprimento contratual são matérias diversas. Também evidente que seguradora, enquanto tal, não se obriga com seus segurados com influência do direito do trabalho. São afirmações que se configuram em verdadeiros truísmos.

A Apólice de Seguro de Vida em Grupo, mesmo quando o estipulante é o empregador, não tem sua natureza transmudada e não pode levar a confusão de competências de cada Justiça, misturando indevidamente as ações movidas pelo empregado (ou beneficiários), pleiteando indenização por dano moral e/ou material decorrentes de acidente do trabalho, com as ações decorrentes de contrato de seguro.

As garantias previstas nas Condições Gerais da referida apólice de seguro, repita-se, não se confundem com o dever de indenizar do empregador, caso o trabalhador venha a sofrer um acidente ou doença do trabalho. A responsabilidade da seguradora é estritamente contratual, estando limitada aos riscos efetivamente assumidos, quando da contratação da apólice de seguro.

Desta forma, o seguro privado cobre o acidente pessoal sofrido pelo segurado ou a doença, previstos no contrato, independentemente do mesmo ocorrer no desempenho das atividades laborativas, o que não ocorre com o seguro social, eis que este acoberta o acidente verificado no exercício do trabalho, que por sua vez também não se confunde com a possível responsabilidade do empregador no caso do acidente decorrer de culpa ou dolo.

Portanto, a legislação pertinente ao acidente do trabalho (Lei Federal nº 8.213/91) não é aplicável à apólice de seguro de vida em grupo, não se confundindo com a relação jurídica existente entre a seguradora e o segurado.

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Isto porque, os riscos cobertos são manifestamente distintos. A finalidade do seguro de acidentes é garantir ao segurado o pagamento de uma indenização caso venha a sofrer um acidente ou doença, de que resulte em invalidez permanente, que não se confunde com incapacidade laborativa, afeta ao seguro social, a cargo do Instituto Nacional da Previdência Social – INSS.

Normalmente, as condições gerais dos contratos de seguro de vida em grupo estabelecem ser indispensável a ocorrência de um acidente (evento externo, súbito, violento e involuntário), causador direto da invalidez permanente. Registram-se, ainda, disposições com previsão de invalidez por doença, fixando, porém, uma conceituação da invalidez total diversa da estabelecida pela previdência social.

Apesar de irrelevante pela notoriedade das diferenças de tratamento legislativo dado ao seguro social e ao seguro privado, principalmente com quanto a sua finalidade e objetivo, o conceito de "acidente de trabalho" para a previdência social é totalmente distinto do de "acidente pessoal" para fins de seguro privado.

Certamente, para efeito do Seguro Social, equiparou-se à figura do "acidente do trabalho" (que é uma expressão única) também as doenças profissionais, mas, para isso, necessitou-se que a Lei Federal nº 8213/91, em seus artigos 19 e 20, assim definisse.

A responsabilidade da Seguradora tem limite e regras preestabelecidas no contrato de seguro privado, que regem o relacionamento entre contratantes, sendo defeso ao intérprete socorrer-se dos conceitos fixados na legislação previdenciária, que tem outro escopo, procura garantir outros riscos e visa a proteção do trabalhador em seu campo de ação.

Conclui-se, assim, que, quanto à seguradora, a existência ou não de obrigação pecuniária dependerá de existir ou não enquadramento do fato nas coberturas oferecidas, ou seja, ter ocorrido sinistro. A sua responsabilidade é contratual e só surge se e quando ocorrer uma situação antevista e contratada.

Desta feita, a pretensão de recebimento de capital segurado, com fundamento em Seguro de Vida em Grupo ou de Acidentes Pessoais não decorre de relação de trabalho, mas sim da relação jurídica existente entre seguradora e segurado (Apólice de Seguro), tendo como estipulante o empregador.

Assim, a questão, como exaustivamente demonstrado, não se confunde com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, dada pela Emenda Constitucional n. 45, que introduziu o inciso VI no artigo 114 da Constituição Federal.

De tal forma que a conclusão acima apontada não contraria a Súmula 392 do TST, segundo a qual "Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho."

Isto porque, a garantia securitária decorre do contrato de seguro e não da relação de trabalho a que se reportam a referida súmula e o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 45/2004.

Enfim, sobre a competência quanto às questões envolvendo Seguro de Vida em Grupo e de Acidentes Pessoais, na hipótese de sinistro decorrente de acidente de trabalho, pensamos ser o caso de se defender a presente tese até a última instância, incumbindo ao Superior Tribunal de Justiça decidir os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (artigo 105, inciso I, letra "d", da CF), bem como ao Supremo Tribunal Federal proferir a decisão final, já que a questão envolve matéria constitucional.

Aliás, registramos que o Juiz de Direito da 2ª Vara Federal do Trabalho de Santo André, em 10.08.2005, suscitou conflito negativo de competência ao Superior Tribunal de Justiça em ação indenizatória securitária na qual o autor alega ter trabalhado para a empresa Bridgestone Firestone do Brasil (processo nº 1.265/2005).

O referido Conflito de Competência subiu ao Superior Tribunal de Justiça, onde recebeu o nº 56207/SP – registro 2005/0181355-2 e foi distribuído, em 03.11.2005, ao Min. Relator Jorge Scartezzini.

Porém, sobre a mesma questão aquela Corte Superior, ao decidir o Conflito de Competência nº 47.289/MG – 2004.0165656-1, definiu que "A Justiça Estadual é a competente para processar e julgar ação de indenização relativa a seguro de vida em grupo contratado pelo empregador em favor dos seus funcionários (Relator Min. César Asfor Rocha, DJ 23.09.2005).

Sustentou o Min. Relator, em seu voto, que a competência em razão da matéria é definida em função do pedido e da causa de pedir, sendo que, no caso, pretende o autor o recebimento da seguradora, em razão da sua invalidez por doença, valor correspondente ao seguro de vida em grupo contratado pela sua ex-empregadora, cuja recusa implica em inadimplência contratual, a ser examinada sob a ótica do direito civil.

Ressaltou, ainda, o Relator que a inclusão da empregadora no pólo passivo da lide para responder solidariamente pela obrigação, bem como a previsão do seguro de vida na Convenção Coletiva do Trabalho, não têm o condão de deslocar a competência do feito para a Justiça laboral, pois a única relação jurídica debatida nos autos é a securitária, decorrente da apólice de seguro contratada com a seguradora, que não participou do pacto laboral extinto.

Sobre a questão, decidiu a 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pela competência da Justiça Comum no julgamento do Agravo de Instrumento nº 905.376-0/6, j. 14.09.2005, ao examinar ação de indenização fundada em contrato de seguro em grupo, tendo reformado decisão que considerou incompetente a Justiça Comum Estadual e havia determinado a remessa dos autos à Justiça do Trabalho.

Também o Superior Tribunal de Justiça, em 26.10.2005, por sua Segunda Seção, concluiu pela competência da Justiça Estadual (5ª Vara Cível da Comarca de Santos), ao julgar Conflito de Competência nº 50.708-SP (registro 2005/0090179-9), entre o juízo de Direito Cível e o Juízo do Trabalho, quanto à competência para processar e julgar ação indenizatória (pelos prejuízos sofridos em decorrência de juros e multas no pagamento de suas dívidas pessoais) combinado com pretensão de perdas e danos morais (em virtude de a seguradora ter pago só parte da indenização), porque o autor foi aposentado por invalidez permanente em razão de acidente do trabalho que sofreu quando estava a serviço da empregadora.

Segundo entendeu o Relator, Min. César Asfor Rocha, não existe controvérsia entre empregado e empregador relativa à relação de emprego havida entre eles, não havendo, também, pedido acerca de verbas trabalhistas devidas ou indenização pelo acidente sofrido, o que deslocaria a competência do julgamento da ação para a Justiça do Trabalho, conforme a nova redação do artigo 114 da CF/1988, dada pela EC nº 45/2004. Argumentou que o pedido tem origem no inadimplemento contratual da companhia de seguros, que deixou de pagar ao autor a indenização firmada com a ex-empregadora (determinado em lei e na convenção coletiva da categoria), sendo assim, o pedido civil e a competência em razão da matéria é definida em função do pedido e da causa de pedir.

Como se vê, a construção pretoriana vem apontando corretamente a competência da Justiça Comum para o julgamento de ações que visam o recebimento de indenizações com base em Contrato de Seguro de Vida em Grupo.


IV - Da Denunciação da Lide

Como é sabido, antes da reforma do Judiciário, as ações dos empregados contra os empregadores, pleiteando indenização por danos decorrentes de acidente do trabalho, vinham sendo ajuizadas e julgadas pela Justiça Comum.

Processadas pelo rito ordinário (artigos 282 e seguintes do Código de Processo Civil), o ingresso na lide das empresas Seguradoras, para assegurar o regresso ao seu segurado, normalmente ocorria por denunciação à lide, espécie de intervenção de terceiro, prevista no artigo 70, inciso III, do CPC.

Com a denunciação à lide, estabelecem-se duas relações processuais distintas, normalmente julgadas simultaneamente. A lide principal, entre o autor e o réu; e a lide secundária, entre o réu-denunciante e a seguradora-denunciada. Ao julgar a primeira lide, a sentença cuidava de examinar os pressupostos da ação reparatória, atribuindo-se, ou não, a obrigação de indenizar, neste caso, ao empregado. Já na lide secundária, a decisão restringe-se ao campo das obrigações contratuais, examinando-se os riscos cobertos pela apólice de seguros, seus limites e suas exclusões, levando-se em consideração as condições gerais e especiais do contrato. Decide-se então se, de acordo com aquele contrato de seguro, há ou não direito de regresso.

Destaque-se que a Jurisprudência já se havia firmado no sentido "de que a denunciada que aceita e comparece ao processo unicamente para proteger o capital segurado não responde pela verba honorária da denunciação da lide (STJ – REsp n.142.796-RS, DJ 7.6.2004; REsp n. 530.744-RO, DJ 29.9.2003; REsp n.285.723-RS, DJ 8.4.2002; REsp n. 264.119-RJ; REsp n. 264.119, j. 1.9.2005).

No âmbito da Justiça do Trabalho, contudo, a Doutrina e a Jurisprudência não são uniformes quanto à possibilidade de utilização da denunciação à lide.

Sérgio Pinto Martins cita a opinião dos doutrinadores a respeito do tema:

"Discute-se o cabimento da denunciação da lide no processo do trabalho, inexistindo unanimidade de posicionamento a respeito do tema.

Na doutrina, Amauri Mascaro Nascimento (1991: 194), Carlos Coqueijo Costa (1977: 162) e Christóvão Piragibe Tostes Malta (1991: 228) admitem a denunciação da lide em casos em que se discuta a sucessão de empregadores, podendo o sucedido denunciar à lide o sucessor, se estiver obrigado pela lei ou pelo contrato a indenizar em ação regressiva o prejuízo decorrente da perda da demanda. José Augusto Rodrigues Pinto (1991: 193) entende cabível a denunciação da lide e a recomenda em razão da celeridade processual, todavia sob a forma voluntária. Seria, portanto, o caso da aplicação dos arts. 70 e ss.do CPC, em função da omissão da CLT sobre o tema e da compatibilidade da denunciação da lide com os princípios do processo do trabalho (art. 769 da CLT).

Wagner Giglio (1984:124) e Manoel Antônio Teixeira Filho (1991: 215/20) entendem ser inaplicável a denunciação da lide no processo do trabalho, principalmente pelo fato da incompetência da Justiça do Trabalho para resolver a controvérsia entre o denunciante e o denunciado."

Renato Saraiva entende que "a denunciação da lide, em algumas hipóteses, pode ser compatível com o processo do trabalho, não gerando a incompetência material da Justiça do Trabalho para julgar a segunda lide (ação regressiva), conforme acentuado pelos críticos do instituto."

Pensamos, assim, que a ampliação de competência da Justiça Obreira, contida no artigo 114, inciso VI, da CF, dada pela EC 45/2004, com a absorção das lides relativas às ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho, anteriormente da competência da Justiça Comum, levará, inevitavelmente, à revisão de posicionamento por toda a Doutrina e Jurisprudência trabalhistas que inadmitiam a intervenção de terceiros por denunciação à lide, de tal forma a acolher, de maneira mais adequada, as obrigações firmadas em contrato de seguro. A nova competência traz a necessidade de soluções novas, mormente dirigidas a garantir celeridade processual e efetividade à prestação jurisdicional.

E o primeiro passo foi dado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ao atualizar a sua jurisprudência, para adaptá-la à nova realidade introduzida na Justiça do Trabalho pela reforma do Judiciário, tendo cancelado a Orientação Jurisprudencial 227 da Seção de Dissídios Individuais (SDI-1), que apontava a incompatibilidade da denunciação da lide com o processo do trabalho (quando o autor ou o réu da ação requer a intervenção coativa de terceiros).

Sobre os autores
Luís Antônio Giampaulo Sarro

pós-graduado em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, procurador do Município de São Paulo, advogado especializado em Direito Bancário e Securitário, sócio-gerente da Giampaulo Sarro, Lopes e Advogados Associados

Marcio Alexandre Malfatti

pós-graduado em Processo Civil pela Universidade Paulista e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, advogado especializado em Direito Securitário em São Paulo (SP), superintendente jurídico de sinistros da Liberty Seguros

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARRO, Luís Antônio Giampaulo; MALFATTI, Marcio Alexandre. O contrato de seguro na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1338, 1 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9549. Acesso em: 23 dez. 2024.

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