A expectativa do consumidor no tocante à qualidade dos produtos que adquire e dos serviços usufruídos deve ser preservada.
É sabido que o prazo decadencial para se reclamar de vício de produto durável é de 90 (noventa) dias, nos termos do art. 26, II, do CDC:
"Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§1° - Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito."
Isso porque, cuidando-se de vício aparente é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual.
Porém, no que concerne ao vício oculto, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.
Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem.
Recentemente em decisão exarada pelo ministro Vilas Bôas Cueva no REsp nº 1.787.287-SP, o STJ reafirmou posicionamento acerca do assunto em questão.
Houve discussão quanto à verificação da responsabilidade da empresa fornecedora de produtos eletrodomésticos sobre vícios ocultos que somente foram notados pelo consumidor cerca de quatro anos após a compra, e três anos após o término da garantia contratual.
Eis o trecho do voto do eminente relator:
a dificuldade, no entanto, apresenta-se quando o defeito aparece após o prazo da garantia contratual, hipótese retratada nos autos. Nessas situações, em virtude da ausência de um prazo legal preestabelecido para limitar a responsabilidade do fornecedor, consagrou-se, a partir de valiosos provimentos doutrinários, o entendimento de que o fornecedor não é eternamente responsável pelos vícios observados nos produtos colocados em circulação, mas a sua responsabilidade deve ser ponderada, de forma casuística, pelo magistrado, a partir do conceito de vida útil do produto
Assim podemos concluir que, o vício apresentado no produto, conforme expresso no trecho do julgado supra, não é algo que decorre da utilização ordinária do bem, mas, sim, de uma anormalidade intrínseca a este, que somente será revelada com sua utilização a longo prazo.
Nasce daí, portanto, o direito do consumidor de ser reparado pelo prejuízo, dentro do prazo legal de 90 dias, mesmo que expirada a garantia contratual, pois, se o vício era até então desconhecido, jamais se iniciou a contagem do prazo decadencial
Bibliografia
REsp nº 1.787.287-SP, rel. ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 14/12/2021