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Breves comentários acerca da interpretação das leis processuais.

Análise do art. 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil

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Agenda 10/03/2007 às 00:00

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo precípuo o estudo, ainda que de forma sucinta, da interpretação das normas processuais, tendo como objeto principal a exegese do art. 14, Parágrafo Único, do Código de Processo Civil (CPC), parágrafo introduzido com a Lei 10.358/2001 no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, cumpre ressaltar que, de início, serão estudadas as técnicas de Hermenêutica, tendo-se com fulcro os ensinamentos da Escola da Exegese, de modo que se possa avançar numa análise mais moderna das técnicas de interpretação, mormente em relação à posição do juiz como aplicador e criador do direito.

Na seqüência, com o intuito de aplicar os ensinamentos estudados na prática, far-se-á uma interpretação do parágrafo único do art. 14 do CPC, de modo a deixar assente que certos dogmas da Hermenêutica tradicional não mais servem ao operador do direito hodierno.

Por fim, à guisa de conclusão, serão feitos alguns comentários ao artigo interpretado, confrontando-o com possibilidades interpretativas possíveis ao dispositivo, tudo isso com o intuito de se provar, de maneira peremptória, que a visão do juiz como mero aplicador da lei, encontra-se de há muito ultrapassada.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 – INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DE LEIS 1.1 Interpretação - Conceito. 1.2. Aplicação - Conceito 1.3 A Escola da Exegese. 2. – INTERPRETAÇÃO DAS LEIS PROCESSUAIS. 2.1 Natureza processual da lei. 2.2 A interpretação da lei processual. 3. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, PARÁGAFO ÚNICO DO CPC. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DE LEIS

1.1.Interpretação - Conceito.

É cediço que interpretar uma lei significa extrair o sentido e o alcance da norma, procurando analisar o conteúdo que o texto encerra com relação à realidade. Em outros termos, pode-se afirmar que a atividade de interpretação consiste em determinar o conteúdo da lei, fixando a precisa significação do enunciado legal. Na exata lição de Carlo Maximiliano, "interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado, mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém." [01] Assim, tal análise é feita sempre pelo intérprete que tem o papel de intermediário entre o texto e o mundo dos fatos.

Portanto, no âmbito das ciências jurídicas, a atividade de interpretação é sobremaneira significativa, consistindo, em verdade, na tarefa primeira, prévia e indispensável à aplicação do Direito. [02] Daí se dizer que "a interpretação é que caracteriza o provimento do juiz e o discurso retórico dos advogados e dos promotores, servindo, ainda, como objeto de exploração científica e/ ou filosófica para estudiosos desse setor do conhecimento humano." [03] Nesse contexto, percebe-se que a Hermenêutica, como ciência da arte de interpretar, está intrinsecamente relacionada como a filosofia do direito, pois busca fundamentar-se em proposições de tal ramo da filosofia.

1.2 Aplicação - Conceito

Tem-se que o objeto da aplicação é o direito propriamente dito, ou seja, estando o operador do direito diante de um caso concreto, deverá escolher qual a norma aplicável ao caso. É a busca e a indicação da norma adaptável ao fato determinado. Em outras palavras: a aplicação do direito consiste em submeter o fato concreto à norma que o regula. [04]

Ademais, imperiosos mais uma vez registrar que a atividade de aplicação pressupõe a hermenêutica. Logo, não há aplicação sem interpretação anterior.

1.3. A Escola da Exegese

Verificados os conceito de interpretação e de aplicação, forçoso tecer alguns comentários acerca da Escola da Exegese, a corrente tradicionalista por excelência, no que diz respeito à interpretação de leis. Toma-se aqui tal escola como marco inicial da ciência do direito moderno, porquanto nas épocas anteriores ao Código de Napoleão (1804), não se poderia falar em ciência do direito. É que apenas com o advento da codificação o direito assume nítidos caracteres de ciência, na acepção espistemológica da palavra, delimitando o seu objeto de estudo e seu campo de observação. [05]

Feitos tais esclarecimentos iniciais, passa-se à análise dos ensinamentos de tal escola de interpretação. Nesse diapasão, mister registrar de plano que o que caracterizava a escola da exegese era sua técnica de interpretação, fundamentada num exacerbado legalismo, segundo o qual a interpretação confundia-se com a mera exegese do texto legal.

Percebe-se, nesse contexto, que para os adeptos da escola da exegese, a tarefa do intérprete consistia, precipuamente, em descobrir, através da norma jurídica, a vontade, a intenção, o pensamento do legislador. [06]

Consoante afirmavam os adeptos da corrente em análise, o fim precípuo do jurista seria desvendar o significado da lei, segundo um método declaratório, porquanto era traço característico dessa escola a convicção que no sistema legal já estava implícito algo que competia ao intérprete tornar patente ou explícito. Explicar as palavras do legislador, buscando a manutenção da vontade deste era a função do jurista.

Ademais, verifica-se que a escola da exegese via na lei a única fonte do direito. Chega-se a afirmar que para tal escola "a lei e o direito constituem a mesma realidade, pois a única fonte do direito é a lei e tudo que estiver estabelecido na lei é direito."

Assim, o intérprete não precisaria buscar outros elementos além do próprio texto legal para realizar a interpretação, vez que a lei, exteriorizada na forma de códigos, era completa, pois previa todas as hipóteses factuais que ensejassem regulação pelo direito." [07]

Nesse contexto, a doutrina e os magistrados tinham uma importância menor, já previamente estabelecida na lei; os juízes seriam, dessa maneira, meros declaradores de direitos, aplicadores da lei, ou como já se afirmou alhures, "a boca da lei" (la bouche de la loi).

Demais disso, em virtude da crença que na letra da lei já estavam previstas todas as situações do cotidiano, mormente também em função do contexto histórico do surgimento de tal escola, qual seja, o apogeu do liberalismo e do racionalismo, época do surgimento das ciências com bases epistemológicas, conclui-se que a tarefa do magistrado consistiria num simples exercício silogístico.

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Sendo assim, diante do caso concreto, para se obter justiça, deveria o juiz partir de duas premissas para se chegar a uma conclusão, no caso, a sentença. Destarte, a premissa maior seria a lei, e a premissa menor a situação de fato, o caso concreto. Assim, a sentença seria a conclusão de tal silogismo: a aplicação da regra geral à situação fática.

"Se a codificação napoleônica foi a racionalização do direito, concebia-se o ato de julgar para repetir, já sem sabor, o esquema cansado e gasto: a premissa maior estava na lei; a premissa menor no caso concreto que se incluía na previsão legal; a sentença era a conclusão desse simplificado silogismo. Isso se teve como concepção e como tese política. A tese política: supremacia do legislativo, representante imediato da nação e redução do juiz à posição subordinada de aplicação da vontade geral, válida como vontade da nação. Na realidade outra coisa. A vontade geral imputável à nação era a vontade majoritária da nova classe que destruiu as estruturas aristocráticas." Percebe-se, desse modo, que a atividade do juiz não pode se resumir a incluir o caso concreto dentro da lei universal – como se verifica no conhecimento científico natural-, mas de ajustar a lei – que, aqui, é norma, regra, preceito – ao dado-de-fato, mescla de condutas e fatos naturais, a fim de solucionar com justiça. [08]

Acreditava-se, portanto, que a função do juiz reduzia-se a efetuar um silogismo, uma simples equação lógica: a subsunção dos fatos (premissa menor) aos preceitos normativos (premissa maior), com a conseqüente conclusão (sentença).

Entrementes, induvidoso que a arte de interpretar e aplicar a lei é ato assaz mais complexo que o referido silogismo. Isso porque, para obtenção de justiça, não pode o operador limitar-se a aplicar regras de lógica, conquanto o direito não é ciência exata, dependendo, portanto, de variáveis sociais, culturais, históricas e temporais.

Nesse diapasão, o tempo e a própria essência do direito se encarregaram de derrubar por completo tais teorias. Inconteste que é deveras débil a tese segundo a qual todas as possíveis hipóteses legais estavam previstas nos códigos. O desenvolvimento da sociedade e as diversas modificações nas relações interpessoais, sobretudo em função das revoluções industrial e tecnológica, exigiram modificação no modo de pensar o direito. Logo, não mais se aceita tal concepção clássica da atividade de aplicação, necessitando-se, por conseguinte, de maneiras e métodos mais eficientes e eficazes de solução dos conflitos. Há que se levar em consideração as matizes culturais, sociais, econômicas e políticas dos jurisdicionados. Apenas desta maneira poderão ser produzidas decisões mais justas e equânimes, com o fito de real pacificação social.

O mesmo se diga em relação à aplicação e interpretação das leis processuais. Isso porque, não é razoável acreditar o legislador processual tenha previsto todas as situações fáticas "endoprocessuais" ao elaborar os Códigos de Processo. Cediço que há situações que exigem inovações do magistrado, sob pena de perecimento do direito que se pretende tutelar. Bem assim, induvidoso que a sociedade evolui impondo mudanças também nas leis instrumentais, para que se obtenha uma prestação jurisdicional mais célere, capaz de dirimir os conflitos numa duração razoável do processo, conforme disposição contida no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional nº45/2004.

Examinadas as principais idéias da Escola da Exegese, passa-se, nos tópicos seguintes, a tratar da questão específica da interpretação das leis processuais, e, por último, far-se-á a exegese do art. 14, parágrafo único do CPC, de modo a quedarem comprovadas as idéias aqui defendidas.


2. - INTERPRETAÇÃO DAS LEIS PROCESSUAIS

2.1. Natureza Processual da Lei

De início, impende esclarecer que a natureza processual de uma lei não depende do corpo de disposições em que a norma está inserida, mas de seu conteúdo próprio. Assim, tal natureza instrumental consiste na regulamentação de fenômenos estritamente processuais, isto é, na programação do debate judicial, no que se refere ao seu fim, que é a decisão de um conflito de interesses levado a Juízo.

Com enorme propriedade obtemperou Couture: [09] "o que deve ser apreendido, em face de cada caso particular, é a essência processual ou não processual da lei. Se esta, por seu conteúdo, inclina-se a descrever esse tipo tão especial de relação contínua e dinâmica que é chamada de processo, revelada por uma noção de marcha que vai desde a petição inicial até a execução, se é encontrada na lei esta marca, se é encontrada na lei a descrição de como se deve realizar ou ordenar o conjunto de atos tendentes a obter uma decisão judicial suscetível de ser executada, coativamente, pelos órgãos do Estado, essa lei será processual e como lei processual deverá ser tratada".

Destarte, evidencia-se que a lei terá a natureza jurídica de norma processual quando regulamentar a atuação das pessoas no âmbito e no curso do processo. A esse respeito, impende trazer à colação esclarecedora lição do MOACYR AMARAL SANTOS:

"Mas, repita-se, as leis processuais, em sua essência, regulam as atividades dos órgãos jurisdicionais no exercício da função jurisdicional, isto é, aquelas atividades, não só dos juízes como das pessoas que com estes colaboram, destinadas à atuação da lei aos concretos e determinados conflitos de interesses." [10]

Ademais, imperioso destacar que as normas processuais possuem natureza de normas de direito público, porquanto, em geral, não podem ser derrogadas por vontade das partes envolvidas no litígio, sendo, portanto, normas cogentes, de aplicação obrigatória.

2.2. Interpretação da Lei Processual

Consoante acima explicitado, é sabido que interpretar é extrair um sentido, mas extrair um sentido dentro de uma ordem normativa da índole da que se acaba de se referir, própria da esfera processual, é não só descobrir a razão do texto, como também seu significado dentro do sistema de princípios.

Outrossim, a tarefa interpretativa constitui a tarefa de trazer à luz todos os elementos que uma idéia compreende, sendo, nessa esteira, a busca pelo conteúdo da norma, a fim de trazer à tona o que nela se contém. A vontade da lei, implica não só vontade do legislador, mas dos fatos e circunstâncias da época em que ela tenha de ser aplicada, das idéias então dominantes, o sentimento coletivo, do contexto no qual se dá tal aplicação. É sabido que tudo isso varia, fazendo variar, por conseguinte, o sentido da lei. Sendo assim, percebe-se que interpretar é determinar o valor, o significado e o alcance da lei em determinado momento. [11]

Ocorre que não obstante tais ensinamentos, a interpretação das leis processuais deve ser feita sempre com um elemento essencial em mente, qual seja, que a lei processual é, em verdade, instrumento para aplicação do direito material, e tem por escopo principal a obtenção de justiça.

Não seria excessivo salientar também que não há regras ou métodos interpretativos específicos para as normas processuais. Deve-se apenas, ao se efetuar a interpretação de lei processual, enxergar o ordenamento jurídico como um todo, realizando sempre uma exegese sistemática, considerando, sobretudo, os princípios informativos e constitucionais do processo, a exemplo do lógico, jurídico, da instrumentalidade, efetividade, ampla defesa, e contraditório.

Por outro lado, ainda no que tange à interpretação da lei processual e à guisa de arremate, mister trazer à baila as sempre elucidativas lições do mestre alagoano PONTES DE MIRANDA:

"A principal regra jurídica de interpretação do direito processual é a que se pode formular do modo seguinte: "A regra jurídica processual há de entender-se mera regra para que se realize o direito objetivo e, pois, no sentido de não atingir o direito material. Se, em algum ponto, há derrogação a esse, em vez de (ou) junto à regra jurídica processual está a regra de direito material, heteretópica, a que se deve tal derrogação". [12]

Inconteste, nesse toar, que às leis processuais não se aplicam regras próprias de interpretação. Isso porque, as peculiaridades da lei processual não são tais que sigam utilização de métodos especiais de interpretação; basta que sejam razoavelmente perquiridas e reveladas, levando em consideração as finalidades do processo e a sua característica sistemática. Daí o entendimento prevalente entre os processualistas de escol no sentido de acentuar a relevância da interpretação sistemática da lei processual. [13]


3. – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, PARÁGAFO ÚNICO DO CPC

Com o objetivo de coadunar os ensinamentos acima elencados com a atividade prática do hermeneuta, passa-se à interpretação do art. 14, Parágrafo único do Código de Processo Civil.

Procura-se, assim, demonstrar que as teorias defendidas pela escola da exegese não mais se aplicam à realidade do direito contemporâneo, bem como comprovar, com fulcro também em julgamento ocorrido no Supremo Tribunal Federal, que a interpretação das normas processuais dever ser, precipuamente, uma atividade de interpretação sistemática, levando em consideração, sobretudo, os princípios informativos e constitucionais do processo.

Com efeito, dispõe o art. 14 do CPC, in verbis:

"Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

I – expor os fato em juízo conforme a verdade;

II – proceder com lealdade e boa-fé;

III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito;

V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

          Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado".

Assim, cumpre repisar que o art. 14, V, estabelece: "é dever das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.".

Tem-se, portanto, que o legislador pátrio houve por bem introduzir em nosso ordenamento instituto assemelhado ao contempt of court do direito anglo-saxão.

Em relação ao contempt of court, para que quedem assentados os preceitos básicos de tal instituto, insta colacionar esclarecedora passagem de artigo da lavra da professora Ada Pelegrini Grinover, intitulado Paixão e Morte do "Contempt of Court" Brasileiro:

"O "contempt of court". A origem do contempt of court está associada à idéia de que é inerente à própria existência do Poder Judiciário a utilização de meios capazes de tornar eficazes as decisões emanadas. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar sua existência." [14]

Todavia, embora a alteração promovida pela Lei 10.358/2001 tenha sido significativa, sabe-se que o legislador perdeu grande oportunidade de avançar sobremaneira no campo da efetividade processual. É que a redação original do projeto que veio a ser convertido na aludida Lei não trazia a parte concernente à ressalva feita aos advogados.

Assim, pode-se dizer que o contempt of court brasileiro já nasceu ceifado da devida abrangência que se lhe poderia imprimir. Mas tal ressalva, registre-se, efetuada em atendimento ao corporativismo dos maus advogados, não foi aplaudida por grande parte dos processualistas de escol, os quais, cientes das necessidades e das deficiências do processo civil pátrio, aduzem que o nosso contempt of court, merece ser ainda mais prestigiado, defendendo, inclusive, que haja uma nova modificação do Parágrafo Único do art. 14 do CPC, de modo que quede suprimida a primeira parte de tal disposição.

A esse respeito, cumpre trazer à baila lição de RUI STOCO:

"A ressalva é frustrante e enfraqueceu o projeto e o objetivo precípuo colimado de impedir a chicana e a litigância de má-fé de alguns profissionais – por certo uma minoria – pois o advogado não se sujeita exclusivamente aos estatutos da OAB." [15]

Nesse cenário, inconteste que a mudança em comento proporciona avanço substancial em relação ao cumprimento das decisões de natureza mandamental. Sendo certo também, por conseqüência, que todas as demais decisões judiciais, de natureza antecipatória ou final, bem como as ordens expedidas pelo juízo serão mais respeitadas, dando-se, enfim, mais poder e força aos comandos dos magistrados.

Ocorre que em função da redação da primeira parte do parágrafo único do art. 14 do CPC, surgiram dúvidas a respeito do conteúdo de tal dispositivo. Melhor explicando: indagou-se se a ressalva feita aos advogados aplicar-se-ia apenas aos causídicos particulares, excluindo, dessa maneira, os advogados do setor público, a exemplo dos procuradores dos estados, dos municípios e federais, que além dos estatutos da OAB, sujeitam-se também às legislações próprias, ou seja, aos regimes estatutários próprios dos entes da federação.

Instado a se manifestar, mediante a propositura da ADIN nº 2652-6 [16] pela ANAPE – Associação Nacional dos Procuradores de Estado, o STF entendeu que a ressalva feita no artigo em comento aplica-se a todos os advogados, independentemente de serem também estatutários ou não.

Para a Associação autora da ADIn, ANAPE, a interpretação deveria ser feita de modo a conferir isonomia aos advogados, dando-se aos causídicos públicos o mesmo tratamento que a norma questionada confere aos advogados privados. Portanto, com tal julgamento, agiu corretamente o STF, pois equiparou todos os advogados que atuam em processos judiciais, dando-lhes tratamento uniforme.

Assim, o Pretório Excelso conferiu ao artigo em tela interpretação conforme a Constituição, sem redução do texto, prestigiando, destarte, a isonomia em relação a todos os advogados, sejam estes privados ou públicos. [17]

Verifica-se, nesse diapasão, que a interpretação do art. 14, parágrafo único do CPC, feita pelo STF no caso descrito, foi feita em conformidade com os métodos contemporâneos de interpretação de leis processuais, máxime em função da interpretação sistemática. Induvidoso, portanto, que o STF ao interpretar o mencionado dispositivo não procurou encontrar a verdadeira vontade do legislador, mas coadunar dito artigo com o ordenamento pátrio, mais especificamente com a Constituição Federal, conforme ensinam e recomendam a atual Hermenêutica Jurídica.

Sobre o autor
Felipe Bezerra de Souza

advogado de Martorelli e Gouveia Advogados em Recife (PE), pós-graduando em Direito Processual Civil pela Unicap,professor de Hermenêutica Jurídica na FACIPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Felipe Bezerra. Breves comentários acerca da interpretação das leis processuais.: Análise do art. 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1347, 10 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9581. Acesso em: 23 nov. 2024.

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